Hoje não me sinto sérvio e a solidariedade que possa ter perante esse povo é muito limitada. Também acho que a independência auto-proclamada do Kosovo é uma vergonha para a Europa e mais um exemplo da perfídia norte-americana no seu intuito permanente de enfraquecer o nosso continente, com a complacência quase total dos governantes deste lado do Atlântico.
Vamos por partes.
Na segunda metade dos anos 80 Slobodan Milosevic sentiu que o tempo do comunismo estava a chegar ao fim. Apercebeu-se que o nacionalismo sérvio poderia ser a arma para se manter no poder. Não hesitou em exacerbar esse nacionalismo de uma forma descarada. Incentivadas pela Alemanha e pelos EUA, uma após outra as repúblicas começaram a declarar a sua independência, saindo da federação jugoslava. A Sérvia não aceitou a secessão e começa a guerra, com cumes sangrentos na Croácia e na Bósnia-Herzegovina.
Foi a Sérvia que se divertiu a destruir o centro histórico de Vukovar. Foi também a Sérvia que abriu caminho para o fundamentalismo islâmico na Bósnia. Foi a Sérvia que promoveu e manteve o horroroso cerco a Sarajevo, com os snipers a divertirem-se a fazer pontaria aos desgraçados que fugiam nas ruas. Foi ainda a Sérvia que destruiu boa parte da biblioteca de Sarajevo, património cultural da humanidade. E Srebrenica é obra sua.
Se há um exemplo de um mau nacionalismo, no sentido em que se manifesta de forma arrogante, se quer sobrepor aos direitos dos países vizinhos, massacra populações indiscriminadamente e no sentido em que mancha o conceito nacionalista, esse foi o sérvio.
Milosevic arrepiou caminho e assinou o acordo de paz de Dayton, em 1995. O mal estava feito. A Bósnia, até aí palco de uma convivência sã entre comunidades, estava radicalizada, invadida por fundamentalistas islâmicos (muitos deles armados pelos EUA) e dependente da ajuda da Arábia Saudita. O Kosovo fervilhava de sentimentos independentistas e crescia o sonho da Grande Albânia (ironia suprema face ao abortado sonho da Grande Sérvia).
Os bombardeamentos da NATO à Sérvia foram uma vergonha. A Sérvia tinha caído que nem um patinho na armadilha do seu próprio radicalismo. De verdugos os sérvios passaram a vítimas. Em vez de mesquitas incendiadas o Kosovo passou a ter igrejas incendiadas. Com apenas 5% de sérvios o Kosovo estava perdido para esta comunidade.
Centro de alguns dos mais importantes tráficos europeus, da droga às mulheres, o Kosovo irá a breve prazo integrar-se na Albânia, país que transitou quase de golpe do comunismo mais ortodoxo para o capitalismo de carácter mais selvagem e mafioso.
Uma tragédia europeia, preparada por europeus inconscientes e incapazes de aprenderem as lições do passado, e servida em bandeja de sangue pelos EUA, do mais alto do seu cinismo geo-estratégico.