03 maio 2025

CUATRECASAS - Uma Máfia Legal (28)

 (Continuação daqui)

Fonte: cf. aqui


28. Terrorismo judicial

O processo contra o Arlindo Marques tinha uma grande semelhança com o meu, e também uma grande diferença. A diferença estava em que o processo contra ele era um mero processo-cível através do qual a Cuatrecasas visava calá-lo e que ele se desdissesse através da ameaça de o arruinar financeiramente. O meu era um processo-crime que visava o mesmo fim - calar-me e que eu me retratasse - mas agora sob uma dupla ameaça, uma ameaça financeira e outra, ainda pior, que era a de me fazer parecer um criminoso aos olhos da opinião pública, o que viria a conseguir.  

Embora o processo do Arlindo Marques fosse reiteradamente objecto de notícias na comunicação social portuguesa, nunca a Cuatrecasas foi explicitamente mencionada como sendo a sociedade de advogados que representava a empresa de celulose, porque parecia existir um incompreensível pacto de silêncio entre a comunicação social e a Cuatrecasas. A notícia de que a Cuatrecasas era a autora deste trabalho de intimidação e de extorsão, próprio de jagunços, veio da comunicação social espanhola, e já foi referida. Pelo contrário, no meu comentário televisivo, eu visei directamente a Cuatrecasas e pode estar aqui a razão para a virulência da sua reacção  em relação a mim. A discrição é um dos valores mais preciosos da actuação de qualquer organização mafiosa, e eu tinha cometido uma ofensa capital - expus a Cuatrecasas em público. Tinha-lhe tocado num ponto imensamente sensível.

Esta era a principal diferença entre o processo do Arlindo Marques e o meu. A principal semelhança é que, em ambos os casos, a justiça era utilizada como um instrumento de terrorismo para caluniar, intimidar e extorquir. Estes processos são conhecidos na literatura anglo-saxónica como processos SLAPP, que a Inteligência Artificial caracteriza assim:


SLAPP significa "Strategic Lawsuits Against Public Participation" (ações judiciais estratégicas contra a participação pública). São processos judiciais, geralmente infundados ou abusivos, que visam intimidar, silenciar ou penalizar a participação pública, como a crítica a ações de empresas ou órgãos públicos. A intenção principal não é exercer um direito, mas sim restringir a livre expressão e o debate público. 

Em resumo: SLAPP são ações judiciais que visam intimidar e silenciar críticos, muitas vezes usando o sistema judicial de forma abusiva para impedir que as pessoas participem em questões de interesse público.

O direito à liberdade de expressão é o direito fundacional da democracia, que emergiu da Reforma Protestante do século XVI e que se espalhou pelo mundo sobretudo pela acção e pelo exemplo da Inglaterra e dos seus descendentes, como o EUA, o Canadá e a Austrália. Pelo contrário, os grandes adversários do protestantismo e da democracia foram os países católicos, com Espanha e Portugal à frente, os quais combateram a liberdade de expressão com a mais feroz das instituições judiciais - a Inquisição.

É muito significativo que os meus acusadores, para além da Cuatrecasas, fosse o seu director, um ex-deputado à Assembleia da República por um partido dito democrático, na altura eurodeputado e que acabaria por chegar a ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

 Com democratas assim Portugal nunca precisará de fascistas.

A Bússola: do Cristianismo ao Libertarianismo


 

A BÚSSOLA


Todas as sociedades precisam de uma bússola — um indicador que aponte a direção mais correta a seguir, tanto do ponto de vista coletivo como individual.


Durante séculos, o Cristianismo desempenhou esse papel, instigando a sociedade a procurar a Verdade (Deus), a vida e a imortalidade — por obra e descendência.


À luz do Catecismo, essa bússola condenava, por exemplo, o aborto, a usura, a falsidade e a eutanásia. Era fácil distinguir os que prosseguiam o Bem daqueles que enveredavam pelo Mal.


Com a laicização do Estado, após a Revolução Francesa, a bússola cristã apagou-se, e parece que as sociedades ficaram à deriva — sem destino, sujeitas aos líderes do momento ou à ditadura das maiorias.


Na minha opinião, o libertarianismo, por se fundamentar no ius naturale de Santo Agostinho — o Direito Natural — pode tornar-se esse instrumento fundamental, essa nova bússola que nos aponte o caminho certo. Certo, porque afirma o direito inalienável à vida; e errado seria o caminho da morte, se realmente pretendermos alcançar o futuro.


Os direitos à liberdade, à propriedade e à busca da felicidade são corolários desse direito à vida — e sine qua non, pois sem eles a vida torna-se indefesa.


As guerras perpétuas, a perseguição política, a censura, a violação da integridade física, o esbulho fiscal e a aplicação discricionária da lei não passariam no crivo do libertarianismo — e seriam, desde logo, denunciados como pecado, como Mal.


Conta-se que um jovem peregrino encontrou Confúcio numa bifurcação da estrada. De imediato, perguntou-lhe com reverência:


— Mestre, que estrada devo tomar, a da esquerda ou a da direita?

Confúcio terá inquirido:

— Para onde pretendes ir?

— Não sei, mestre...

— Então, tanto faz! — terá respondido Confúcio.


Sem uma bússola, vamo-nos encontrar muitas vezes na posição deste jovem: sem saber que caminho tomar. O libertarianismo pode ser essa bússola.

02 maio 2025

CUATRECASAS - Uma Máfia Legal (27)

 (Continuação daqui)



27. A máfia


Portugal é um país de cultura profundamente católica e o nome da instituição que enformou essa cultura - a Igreja Católica -, significa, do grego, "comunidade universal". Seguindo o princípio cristão de que todos os homens são filhos do mesmo Pai, a Igreja - a Santa Madre Igreja, a figura teológica de Maria - é a Mãe que pretende unir toda a humanidade numa só família.

A família é, portanto, a instituição central da cultura católica e é com base nos valores prevalecentes na família que a Igreja procura organizar todas as outras instituições da sociedade. Esses valores são a autoridade, a hierarquia, a lealdade e a fraternidade (ou caridade cristã). São esses valores também que se encontram nas corporações, que são associações de interesses, de natureza profissional ou outros.

Na sua história recente, Portugal tem uma forte tradição corporativa. Salazar construiu o Estado Novo como um Estado Corporativo, seguindo as orientações da Encíclica Quadragesimo Anno (1931) do Papa Pio XI. Mas Salazar teve também o cuidado de criar instituições que regulavam o poder corporativo e o continham. O Ministério das Corporações era uma delas, mas a mais importante de todas era a Câmara Corporativa. Nenhuma lei era aprovada pela Assembleia Nacional sem passar primeiro pelo escrutínio da Câmara Corporativa onde estavam representadas todas as corporações do país, assim assegurando que nenhuma corporação conquistava privilégios que não estivessem também disponíveis para as outras.

A democracia veio acabar com estas instituições e deixou as corporações à solta, uma situação particularmente perigosa na justiça, tendo em conta o poder que as corporações judiciais  têm numa sociedade democrática, em que o poder judicial se constitui como um poder autónomo em relação aos outros poderes do Estado, o legislativo e o executivo. 

Foi esta liberdade dada pela democracia às corporações, conjugada com a autonomia do poder judicial, que permitiu às corporações judiciais - advogados, juízes, magistrados do Ministério Público - afastarem-se do fim para que foram criadas - a realização da justiça - e apropriarem-se do sistema de justiça em proveito próprio, tornando-se, em certos casos, verdadeiras corporações de criminosos, como é notoriamente o caso da Cuatrecasas. 

A cultura católica - uma palavra que, do grego, significa "universal" - é uma cultura de tudo. Tudo aquilo que há no mundo existe na cultura católica - caso contrário, ela não seria universal -, incluindo todos os exageros de que a humanidade é capaz. Um país de cultura católica é como um pêndulo, com uma grande amplitude de variação, que pode ir do oito até ao oitenta, e que exagera tão facilmente por defeito como por excesso.

Esta cultura tem no seu centro a família pelo que ocorre perguntar o que é que acontece se os valores da família forem tomados como absolutos e levados às suas últimas consequências? 

Acontece a máfia. A máfia é a instituição da família levada ao extremo. A máfia existe para mostrar à humanidade o que é que acontece se os valores prevalecentes na família - autoridade, hierarquia, lealdade e fraternidade - forem levados ao exagero. A máfia existe para mostrar como é que, pelo exagero, a mais preciosa instituição da humanidade, centrada no amor, se converte numa corporação de criminosos, centrada no ódio.

Não é por acaso que a máfia é frequentemente designada por "famiglia", e que o chefe da máfia é designado por "padrinho", uma versão do pai de família. As várias organizações mafiosas conhecidas, nasceram a partir de famílias que gradualmente foram estendendo os seus tentáculos. A Cuatrecasas também nasceu a partir de uma família e ainda hoje transporta na sua designação social o nome de família, que se tornou uma marca quase universal.  

Foi criada em 1917 por Emílio Cuatrecasas, um advogado de Barcelona. Sucedeu-lhe depois o filho, Pedro Cuatrecasas e, a partir de 1980, já com a Espanha em democracia e as corporações em rédea livre, sucedeu-lhe o neto, também de nome Emílio. Foi sob a presidência de Emílio Cuatrecasas (neto) que a Cuatrecasas se expandiu por toda a Espanha e por vários países da Europa (Portugal incluído) e da América Latina.

Como instituição genuinamente católica, não surpreende que a máfia tenha nascido no país que é a sede do catolicismo no mundo - a Itália. Se não fosse em Itália, a máfia só poderia ter nascido em mais dois outros países, Espanha e Portugal (ou em qualquer um dos seus respectivos descendentes na América Latina: Argentina, México, Brasil, etc.) porque a Espanha e Portugal foram historicamente, ainda mais do que a Itália, os dois mais fieis países católicos que existem no mundo.

Depois da revolta protestante do século XVI, enquanto a Igreja Católica perdia fiéis por todo o norte da Europa, e a Itália não era ainda sequer um país, mas um conjunto de cidades-Estado, foram a Espanha e Portugal, através da bravura dos seus missionários, sobretudo jesuítas, que espalharam o catolicismo pelos quatro cantos do mundo - na América Latina (hoje a capital do catolicismo), em África, até na Ásia. O país mais católico do mundo, pelo número de fieis é, curiosamente, descendente de Portugal - o Brasil.

A  máfia teve origem numa região específica do sul de Itália, a Sicília. É preciso recordar, porém, que durante dois séculos (1503-1713), a Sicília foi uma colónia de Espanha que é, coincidentemente, o país natal da Cuatrecasas.  E existe outra coincidência. Um dos mais conhecidos mafiosos da história foi Al Capone, um americano, filho de imigrantes italianos, que chefiava a máfia de Chicago nos anos de 1920, precisamente quando a Cuatrecasas dava os seus primeiros passos em Espanha.

A máfia de Chicago prosperou com o tráfico de bebidas alcoólicas, cujo consumo estava então proibido nos EUA - a célebre Prohibition -, e com a agiotagem, a prostituição e o negócio das apostas.  Foram atribuídos a Al Capone (também conhecido por "Scarface" devido a uma grande cicatriz que tinha na cara) imensos crimes, assassinatos, chantagens, intimidações, extorsões, violência armada, etc., mas nunca as autoridades conseguiram prendê-lo por qualquer destes crimes.

Al Capone acabaria por ser parado na sua actividade criminosa, e encarcerado na célebre prisão de Alcatraz, pelo crime de evasão fiscal, com uma pena de onze anos. Não deixa de ser curioso que Emílio Cuatrecasas, o presidente da sociedade com o mesmo nome, tenha sido parado da mesma maneira. Em 2015 foi condenado a dois anos de prisão pelo crime de evasão fiscal (uma pena mais tarde comutada em multa de quatro milhões de euros) e teve de renunciar à presidência da sociedade de advogados. 


(Continua acolá)

CUATRECASAS - Uma Máfia Legal (26)

 (Continuação daqui)



26. Cañones contra pajaritos

O mês de Fevereiro de 2018 foi um mês muito atarefado para a Cuatrecasas. Em Matosinhos, a Cuatrecasas atirava os seus cinco advogados do escritório do Porto contra mim. No mesmo mês, a Cuatrecasas destacava duas dezenas de advogados para defender  dezassete membros da mafia russa acusados de branqueamento de capitais no tribunal de San Fernando de Henares, uma localidade próxima de Madrid.  No mesmo mês, no tribunal de Santarém, a Cuatrecasas atirava-se desalmadamente contra a mais humilde das suas vítimas - Arlindo Marques, o Guardião do Tejo.

O caso ultrapassou fronteiras e foi notícia em Espanha, tendo sido feliz a expressão de um jornalista espanhol que descreveu de forma primorosa a desigualdade daquela luta cruel em que a Cuatrecasas, agindo como um bando de jagunços ao serviço de uma grande empresa sua cliente, fazia sobre o Arlindo Marques, usando como instrumento o sistema de justiça, aquilo que a mafia sempre tão bem soube fazer: intimidação e extorsão, verdadeiro terrorismo judicial.

O Arlindo Marques tinha  vindo a público denunciar várias empresas de celulose que estavam a poluír o Tejo, com particular incidência numa grande empresa sediada em Vila Velha de Ródão. Em resposta, a empresa contratou a Cuatrecasas e a situação era descrita assim pela imprensa espanhola nesse famigerado mês de Fevereiro de 2018:

 "A pesar de las evidencias, Celtejo sigue volcado en defender su imagen, tanto de fabricante de pasta de papel como de gestora forestal. Y en esta campaña se encuadra su desmedido proceso contra Arlindo Marques, en la que no ha escatimado en gastos. El funcionario de prisiones tiene enfrente al prestigioso bufete de abogados Cuatrecasas. Beneficiario de varios contratos, algunos sin licitación, con el Banco de Portugal por más de 2,5 millones de euros, y con otras entidades públicas del país por valor de unos 5 millones, Cuatrecasas, Gonçalves Pereira S.L.P. ha puesto al frente del caso a abogados como João Regadas, que ya ha participado en operaciones multimillonarias con empresas privadas como Sonae o Alantra, y con instituciones públicas como la Câmara Municipal de Oporto, y José de Freitas, vice-presidente del Consejo de las Órdenes de Abogados Europeas (CCBE).

Cañones contra pajaritos. Arlindo Marques asegura que “proTEJO me está dando todo el apoyo, y todos los ayuntamientos (a la vera del Tajo), Mação, Gavião, Nisa, Vila Franca de Xira, Abrantes…, todos han emitido votos de solidaridad conmigo. Ahora, soy yo el que tiene que poner el dinero para el abogado. Ahora estamos haciendo un crowdfundig para ayudarme a costear el proceso. Cuando los abogados de Celtejo me pusieron la denuncia, yo tenía un plazo para contestar de un mes, y sólo esa contestación legal, sin la cual hubiera tenido que pagar 250.000 euros, me costó 1.500 euros”. 

Foi nesta altura que eu entrei em contacto com o Arlindo Marques, que estava obviamente assustado e o avisei:

-Olhe que com esses criminosos não se pode confiar na justiça.

A  queixa apresentada pela Cuatrecasas, em nome da sua cliente, e assinada pelo advogado José de Freitas,  fazia passar o Arlindo Marques por um louco e obsessivo difamador e terminava exigindo-lhe uma indemnização de 250 mil euros: 

Cito da queixa:

"84º - As afirmações proferidas pelo Réu e acima transcritas são absolutamente falsas e têm, por parte do Réu, um declarado e manifesto intuito maldoso de macular a imagem da Autora junto da opinião pública, em matéria tão sensível como é a poluição, onde a demagogia e a manipulação informativa facilmente provocam a adesão acrítica dos simpatizantes.

88º - As imputações feitas pelo Réu à Autora no que respeita à poluição do Rio Tejo são infundadas e não passam de uma gratuita actividade panfletária do Réu na busca de notoriedade e protagonismo.

89º - O Réu, na solitária cruzada de que se auto-incumbiu, escolheu a Autora como alvo principal - e, diremos até, alvo único - das suas invectivas que partem de suposições não confirmadas e até contrariadas por relatórios de autoridades públicas competentes em matéria ambiental.

93º - Tudo isto é propositadamente ignorado pelo Réu e que, como se disse, desautorizam todas as especulações infundadas que recorrentemente arremessa à Autora.

94º - A conduta continuada e persistente do Réu que acima se descreveu é causadora de dano na esfera jurídica da Autora.

98º - Porém, a actuação do Réu acima descrita tem causado alarme político e alarido social que prejudicam o bom nome e a credibilidade da Autora e entorpecem a caminhada da Autora no sentido de um crescimento verde e economicamente sustentável.

99º - Na verdade, as intervenções públicas do Réu acima descritas tiveram o condão de criar agitação pública e política em torno deste sensível e politicamente apetecível assunto da alegada poluição do rio Tejo, com o envolvimento do sonoro nome da Autora.

100º - Foi, com efeito, depois das publicações feitas pelo Réu, dos vídeos por este divulgados, das reportagens de declarações tecidas pelo mesmo e das entrevistas dadas pelo Réu que espoletaram reacções de grupos parlamentares e de deputados desses grupos parlamentares.

108º - As perguntas, os requerimentos e as recomendações e o comunicado, provindos de partidos políticos com assento parlamentar nunca teriam sido feitos não fora a conduta do Réu já descrita.

111º - A conduta do Réu gerou, para além do grave alarido político já descrito, um forte sentimento de alarme social, em particular na comunidade de Vila Velha de Rodão onde a Autora exerce a sua actividade e nas comunidades limítrofes.

114º - Com a conduta do Réu todos esses agentes económicos que integram o tecido empresarial local, beneficiando das instalações tecnológicas de ponta da Autora, temem pelas suas próprias empresas e pela continuidade das suas parcerias comerciais.

115º - Razão pela qual a Autora tem vindo a ser questionada pelo conteúdo das publicações feitas pelo Réu.

116º - Este questionamento e receio afectam o bom nome e a credibilidade da Autora e fazem com que esta tenha de alocar tempo a afastar a falsidade e especulações das afirmações propaladas pelo Réu e a tentar recolocar em alta nos agentes económicos com quem se relaciona a confiança que sempre lhes mereceu, pacificando a comunidade em geral.

118º - Ademais, a ofensa directa ao bom nome, à reputação e ao crédito de que goza a Autora no mercado resultante das acusações feitas pelo Réu à Autora de não observância das normas de defesa ambiental, matéria que reveste especial sensibilidade na actividade de produção de pasta de papel, são necessariamente prejudiciais e com tradução patrimonial.

121º  - Os danos que à Autora provocaram, provocam e provocarão as maldosas e falsas invectivas do Réu têm uma expressão geral e transversal na actividade da Autora, mesmo quando não individualizáveis ou relacionáveis em conexão directa.

123º - Neste sentido, tendo em conta a gravidade da ofensa, a dimensão dos interesses da Autora postos em causa, o perceptível tamanho dos prejuízos e a expressão e o volume de negócios da Autora,

124º - Avalia-se equitativa, por modéstia, face à previsível capacidade económica e financeira do Réu, uma indemnização de 250.000,00 euros (duzentos e cinquenta mil euros) para compensar a Autora pelos danos sofridos"


O processo, em última instância, não tinha qualquer substância porque num caso de interesse público, a liberdade de expressão do Arlindo Marques prevalecia sobre o direito ao bom nome da empresa visada. As coisas são assim no TEDH que é o tribunal que decide em última instância sobre estes casos. Nada impedia, porém - como aconteceu comigo - que o Arlindo Marques fosse condenado pela justiça portuguesa, ficando arruinado, e só vários anos depois o TEDH lhe desse razão e mandasse o Estado ressarci-lo de tudo o que gastou. 

O processo tinha requintes de malvadez. No pedido de indemnização de 250 mil euros, a Cuatrecasas dizia que dada a situação económica do arguido, esse montante parecia equitativo e modesto. A verdade é que Arlindo Marques vivia do seu trabalho de guarda prisional, em termos líquidos ganhava menos de mil euros ao mês, e para pagar a indemnização pedida pela Cuatrecasas necessitaria de mais de 20 anos de trabalho sem comer nem beber.

Pouco depois do assunto vir a público, o Ministério do Ambiente mandou realizar análises às águas do Tejo junto à empresa de celulose. Porém os reservatórios onde a água era recolhida para amostra desapareciam durante a noite, e as análises só se concretizaram depois de uma patrulha da GNR passar a noite junto deles.

De posse das análises, seria fácil deslindar se era ou não verdade aquilo que o Guardião do Tejo dizia, que a poluição tinha origem na empresa de celulose. Puro engano. O Ministério Público meteu-se no caso, apropriou-se das análises e disse que os resultados ficariam em segredo de justiça. E assim ficaram até hoje.  Nunca se soube qual a mola que impulsionou o Ministério Público a meter-se no assunto, mas imagina-se.

O caso foi ganhando grande dimensão pública e, à medida que se aproximava a data do julgamento, a tensão ia subindo. Uma audiência prévia realizada no Tribunal de Santarém, reuniu de um lado, o Arlindo Marques  e o seu advogado em prática individual, e do outro, um bando de quatro advogados da Cuatrecasas, vindos de Lisboa, e chefiados por Paulo Sá e Cunha.

A Cuatrecasas queria que o Arlindo Marques assinasse um papel em que se retratava de tudo o que tinha dito e prometia nunca mais falar sobre o assunto, sob pena de o caso ir para julgamento. O blogue Portugal Contemporâneo - onde eu vinha dando grande relevo ao caso porque era muito semelhante ao meu -, foi falado na sessão. Os meus esforços não estavam a ser em vão.

O Arlindo Marques resistiu e o julgamento ficou marcado para daí a poucas semanas. O Arlindo Marques, compreensivelmente intimidado pelas ameaças, pela chantagem e pela tentativa de extorsão veio a público pedir o auxílio da população. Em breve, os voluntários eram suficientes para encher três autocarros que compareceriam no Tribunal de Santarém no dia do julgamento. Eu próprio já antecipava o dia em que faria a viagem do Porto até à capital ribatejana para cobrir o julgamento para os leitores do Portugal Contemporâneo.

O pior que se pode fazer a uma máfia é quebrar o código de silêncio ou omertà sob o qual ela se esconde para praticar os seus crimes, e trazer tudo a público. Perante a iminência de tamanho escândalo público, a poucas semanas do julgamento, a Cuatrecasas mandou um comunicado para a imprensa, presumivelmente redigido por Paulo Sá e Cunha, a dizer que desistia do processo. Fazendo jus à sua fama de mauzão, ao despedir-se, ele não deixou de proferir, em relação ao Arlindo Marques, uma bravata do género: "Agarrem-me senão eu processo-o".

Os crimes imputados ao Arlindo Marques, pelo quais a Cuatrecasas queria cobrar um preço de 250 mil euros, afinal ficaram de borla.

(Continua acolá)

01 maio 2025

CUATRECASAS - Uma Máfia Legal (25)

 (Continuação daqui)


25. A jagunçada dos ricos

O Papá Encarnação nunca me perdoou eu ter revelado em público a proposta que me fez, e a minha própria advogada também não achou graça nenhuma. A partir dali, sempre que nos cruzávamos no átrio do Tribunal, nem bom dia nem boa tarde, ele voltava-me ostensivamente as costas. Para esta sua atitude contribuía, é claro, o facto de eu ter desancado o filhinho na abertura de instrução.

Os advogados estão obrigados a guardar segredo sobre aquilo que negoceiam em nome dos seus clientes, mas eu não estou vinculado por esse código de silêncio ou omertà. Para mim, aquilo não era negociação nenhuma. Aquilo era crime. Numa negociação ambas as partes podem, em princípio, ganhar, e a negociação consiste precisamente em cada uma das partes procurar repartir os ganhos mais a seu favor e menos a favor da outra. Pelo contrário, quando um assaltante aponta uma arma ao peito da sua vítima e lhe diz "O dinheiro ou a vida!", não existe negociação nenhuma, a vítima só tem a perder e o assaltante só tem a ganhar. Existe crime de ameaça e de extorsão.

Era essa a situação em que eu me encontrava. Ou ia para julgamento e arriscava pagar 100 mil euros em indemnizações à Cuatrecasas e ao seu director ou, em alternativa, aceitava humilhar-me, retirando tudo aquilo que havia dito na televisão - e que no dia seguinte seria notícia nos jornais -, descredibilizando-me publicamente para sempre e, ainda por cima, pagando cinco mil euros a uma instituição de caridade.

O sistema de  justiça estava a ser utilizado como um instrumento de ameaça, de calúnia e de extorsão - o sistema de justiça estava ao serviço da criminalidade. A justiça não foi feita para isto nem os advogados, que são agentes da justiça e possuem privilégios próprios do poder judicial, foram feitos para isto. O Papá Encarnação estava ali a representar um bando de jagunços e em breve eu faria um post no Portugal Contemporâneo com o título "A jagunçada dos ricos", referindo-me à Cuatrecasas.

Quem quisesse extorquir ou ameaçar pessoas, assassinar a personalidade de alguém, não tinha como se enganar. Podia empregar um bando de jagunços, mas essa solução tinha um inconveniente - sendo tudo feito por jagunços era tudo ilegal e o mandante corria o risco de acabar com os seus cúmplices na prisão. Pelo contrário, feito pela Cuatrecasas era tudo legal, na realidade a Cuatrecasas fazia tudo isso usando o próprio sistema de justiça como instrumento, em lugar de pistolas ou facas. Naturalmente, sendo tudo mais sofisticado, era bastante mais caro, a jagunçada da Cuatrecasas era uma jagunçada de ricos.   

Naquele dia 30 de Maio de 2018 no Tribunal Matosinhos era o dia das alegações finais. Nesse dia eu iria falar pela segunda e última vez. Antes, só tinha falado na primeira sessão, a 6 de Fevereiro, e nessa altura o juiz tinha-me cortado a palavra quando eu, para me defender,  estava a expôr a jurisprudência do TEDH sobre o conflito entre o direito à liberdade de expressão e o direito à honra. Em breve compreendi porquê - eu era o único naquela sala que tinha estudado a jurisprudência do TEDH.     

A  cena, embora com contornos diferentes, viria a repetir-se nas alegações finais quando, de novo, eu fui impedido de falar para me defender. A conclusão era terrível. Eu estava há quatro meses naquele Tribunal para defender o meu direito à liberdade de expressão mas, nas duas vezes que me foi concedida a palavra, nem no Tribunal eu tive liberdade de expressão para me defender.

As coisas passaram-se assim:

O juiz começou por dar a palavra ao magistrado X (Ferreira da Rocha).

Ele levantou-se, fez um gesto próprio de alguém a quem se roubou a carteira, e disse:

-Ah!... esqueci-me das notas no gabinete...

Imediatamente eu vi neste episódio de quem vai para o trabalho e se esquece do material uma confirmação do perfil que já tinha traçado dele, imaginando-o estudante de Direito:

-É o tipo de estudante que nunca vai às aulas ... passa muito tempo nos copos... só estuda nas vésperas dos exames... e copia pelos colegas...

Depois de um momento de atrapalhação ... vou buscar as notas, não vou buscar as notas... decidiu-se, como era de esperar, pela solução mais fácil:

-Ahnnn... não vou...

Foi um erro, porque o discurso saiu todo atabalhoado. Acabou a pedir ao juiz a minha condenação por duas razões. Primeira, porque eu não tinha o devido respeito pelos políticos e pelos advogados. Segunda, porque a jurisprudência do TEDH, segundo ele, não se aplicava a Portugal (Em 2018 fazia quarenta anos que Portugal tinha subscrito a CEDH e aceitado submeter-se às decisões do TEDH)

Seguiu-se o Papá Encarnação, que foi radicalmente diferente. Ele não trazia notas, menos ainda notas esquecidas no gabinete. Ele trazia um volumoso texto, cuidadosamente organizado que, de pé, leu solenemente perante o tribunal.

Cinco minutos depois, perante aquela monotonia, quando a cabeça me começou a pesar sobre os ombros e fez pela primeira vez  menção de descair, olhei discretamente em volta e reparei que já todos tinham desligado.

-Que grande pastelada!...,

pensei, enquanto o Papá Encarnação continuava de pé, imperturbável e impante, a ler o seu longo discurso, mas agora, aparentemente, só mesmo para ele.

E só despertei no final quando ele pediu ao juiz a minha condenação porque, segundo disse,  a CEDH só se aplicava a jornalistas, e eu não era jornalista e, em seguida,  pronunciou uma frase que soou aos meus ouvidos como uma verdadeira bomba: "Portanto, peço ao tribunal que condene o réu  numa indemnização elevada".

Eu dei um salto no banco dos réus.

-Uma indemnização elevada!?...É preciso ter lata!...,

murmurei sem que ninguém ouvisse.

Falou em seguida a advogada de defesa até que chegou a minha vez. Falei outra vez sobre a jurisprudência do TEDH, mas o toque mais picante do meu depoimento estava guardado para o fim. Pegando na deixa do Papá Encarnação, e apontando para ele, dirigi-me assim  ao juiz, em jeito de conclusão (cito de memória):

-Estou muito admirado que o Dr. Adriano Encarnação tenha pedido a minha condenação numa indemnização elevada. Muito admirado, mesmo. É que, antes do julgamento se iniciar, quando saímos lá para fora, para uma tentativa de conciliação, ele propôs-me desistir da acusação por uma importância muito mais modesta do que os 100 mil euros que me reclama no processo...Propôs-me...

e foi nessa altura que fiz uma pausa propositada, enquanto olhava para a direita para a minha advogada. Ela abanava violenta e lateralmente a cabeça. Olhei em frente e o juiz, embora mais moderadamente, também abanava a cabeça. Olhei para a esquerda e o Papá Encarnação, esse, tinha a cabeça entre as pernas.

Voltei-me de novo para o juiz e disse:

-Bom... se não posso dizer...então, eu não digo...

e foi assim que terminou o meu depoimento.

Aquilo que eu tinha para dizer resumia-se em três palavras: "cinco mil euros", mas olhando em retrospectiva, não foi importante esta restrição à minha liberdade de expressão. Toda a gente na sala já sabia. Para os advogados, porém - o próprio juiz já tinha sido advogado - era importante preservar as aparências, fazer prevalecer a omertà sobre a realidade para ocultar os crimes que se escondiam debaixo dela.

Dias depois, quando foi lida a sentença, apesar de os queixosos pedirem, em conjunto, 100 mil euros em indemnizações, o juiz condenou-me apenas em cinco mil. Ainda bem, senão eu já tinha tema para um novo post no Portugal Contemporâneo, o de que o juiz teria sido mais papista que o Papá [Encarnação].

(Continua acolá)

CUATRECASAS - Uma Máfia Legal (24)

 (Continuação daqui)



24. A reputaçon


Uma das primeiras coisas que fiz foi divulgar no blogue a proposta farfalhuda que o Papá Encarnação me tinha feito à boca do julgamento, em que estava disposto a vender-me por cinco mil euros os crimes por que antes me pedira 100 mil, a reputação da Cuatrecasas e do seu director incluídas. O post tinha o título "a preço de saldo".

Em breve o JN estava a fazer um artigo de página inteira acerca do julgamento em que, sob o título "Paulo Rangel exige dinheiro a Pedro Arroja por ofensas", a certa altura escrevia:

"Paulo Rangel e o escritório de advogados apresentaram queixa-crime por difamação e ofensa a pessoa colectiva. Pedro Arroja está a ser julgado no Tribunal de Matosinhos. Além da acusação do Ministério Público, enfrenta dois pedidos de indemnização cível de 50 mil euros cada - 100 mil euros no total.

"O economista já fez saber que recusou um acordo que previa o pagamento de cinco mil euros a uma instituição de caridade e um pedido de desculpas a Rangel e à Cuatrecasas. No julgamento tem procurado sustentar a sua versão: em 2015, Rangel e aquele gabinete de advogados travaram sem justificação aceitável o avanço do projecto".

A quem a coisa também não passou despercebida foi ao Silva dos Leitões que, dias depois, estava a falar para a Cuatrecasas. Depois de tratar do assunto que mais lhe interessava, que era o de saber se o Paulinho - era assim que ele tratava o Rangel, que conhecia desde jovem do Pê Ésse Dê de Bila Noba de Gaia - metia uns empenhos em Bruxelas para lhe arranjar uns dinheiritos para o seu negócio dos leitões, levantou mais uma questão antes mesmo de desligar o telefone:


 A reputaçon



-Pronto, senhor Silva... suponho que está tudo... posso desligar?

-A menina depois manda-me a conta de todos esses serbiços...

-Assim farei...

-Olhe, Leninha... gostei muito de falar consigo...só mais uma coisinha, por fabor...

-O que é?

-Eu queria comprar a reputaçon da bossa sociedade...a Quatro Casas...

-O quê!?... O senhor Silva enlouqueceu!?... comprar a reputação da Cuatrecasas, uma sociedade multinacional de advogados, com escritórios em mais de vinte países, e cem anos de existência?

-Será que a menina podia falar aos morcons dos espanhóis para saber quanto é que eles eston a pedir aí pela reputaçon?

-Oh senhor Silva... deixe-se disso...nem que o senhor vendesse leitões toda a sua vida alguma vez conseguiria comprar a reputação da nossa sociedade...a Cuatrecasas é uma marca internacional que vale centenas de milhões de euros...

-Mas olhe que eu bi na internet, Leninha...quer-se dizer... nos blogues...

-Mas o senhor também lê blogues?

-Sim, menina... bi nos blogues...é um senhor que tem um nome em estrangeiro...deixe cá ber se eu me lembro, menina... Píter ...agora esta parte é que é mais difícil...Troueeee...

-Peter Throw?

-A menina conhece?...

-Sim, sim...Peter Throw ...Throw...o senhor tem de meter a língua entre os dentes...Th...Th...

-Tenho de meter a língua onde, menina...?

-Entre os dentes...Throw...Throw...

-Ai... a menina é ton safadona, carago...Troueeee...Troueeee...  onde é que eu tenho de meter a língua, Leninha...?

-Mas, afinal, o senhor viu o quê nos blogues?

-Bi que o preço da bossa reputaçon era muito baixo, menina...uma pechincha...

-Quanto é que viu, senhor Silva?

-Cinco mil euros, Leninha...é um preço do carago....non é preciso bender muito leiton...

-Como assim?

-Bi sim, menina... palavra que bi, carago...bi nos blogues... do senhor Troueeee... Troueeee...onde é que tenho de meter a língua, Leninha?... juro que bi... cinco mil euros, carago...

-Não posso crer...

-De maneiras que se o Paulinho me arranjar aí mais uns dinheiritos do Portugal Binte-binte...fica metade pra bocêses ... e eu compro essa merda da bossa reputaçon ou lá o que isso é, carago!


(Continua acolá)