Os vegetais estão na ordem do dia. Ora é o preço do trigo, ora é a soja que desfloresta forte e feio a Amazónia para criar carne para o McDonald's ou são cogumelos ou ervinhas recreativas na óptica do utilizador. A abobrinha não podia alhear-se desta dominância vegetal e antecipou a próxima tendência: a teologia. Para algo com uma forma fálica pode não ser apropriado, mas nada neste blogue é apropriado para absolutamente nada, pelo que faz estranhamente sentido.
Assim sendo, percorri uns quilómetros para ver as XX jornadas teológicas em Braga (
isto e
isto e
isto). Fiel a mim mesma, perdi-me pelo caminho (os vegetais têm raizes, mas as rodas não são a nossa vocação), mas nada que me impedisse de chegar a um edifício amarelo grande de carago que se revelou a Faculdade de Teologia. Algo ali me fez lembrar Faculdade de Ciências, a Faculdade de Farmácia e a antiga Reitoria do Porto (hoje a Reitoria é onde era a Faculdade de Ciências). Com uma diferença: menos gajas.
Havia montes de gajos por lá. Pena que 80% deles tivessem cara de padres. E sim, existe uma coisa que se chama cara de padre e hoje até olhei para um deles quando fui tomar café. De facto esse estudou anos e anos para padre e estava com uma moça muito religiosa. Tão religiosa que casou com ele, no verdadeiro cumprimento do desígnio "um padre à cabeceira". Acho que ele não chegou a padre mesmo, mas da cara não se livra.
Por um momento cheguei a pensar que me tivesse enganado no sítio porque no slide de apresentação anunciava o Prof. Ludwing Krippahl. Mas seria coincidência a mais ter outra actividade com uma pessoa com um nome tão parecido no mesmo sítio e à mesma hora, pelo que assumi que seria uma gralha! E era mesmo! O auditório encheu e estariam aí umas 70-80 pessoas (mas eu sou má a fazer estimativas, pelo que aceito outro número). Em cima das cadeiras o resumo de 1 página do Ludwig, que é
este texto, o que demonstra a transparência do que ele foi dizer. Do Jónatas Machado... nicles! Nem era preciso: quem lê as teorias do Perspectiva já sabe o que ele quer.
Para uma coisa anunciada às 21:00 h o pessoal não estava com grande pressa de começar. Se fosse um casamento já o noivo teria dado de frosques (e daí, já esperei 1 hora por um casamento, o que nem seria grave se não estivesse quase com uma queda de açúcar porque foi dos poucos dias que saí de casa sem tomar pequeno-almoço). Mas o que realmente estava a dar-me cabo dos nervos era a música de igreja.
Para dar início às hostilidades um mocinho com cara de padre, voz de padre e entoação de padre apresentou a iniciativa. Deixo à vossa consideração a expressão "mui valoroso" e à vossa imaginação as caras que eu fiz quando ouvi isso e de quantas maneiras tive que disfarçar o riso.
O Ludwig foi apresentado como "evolucionista radical" (falso) e o Jónatas Machado como "criacionista radical" e seguiu-se meia hora de apresentação para cada lado, com a ameaça/promessa de ser rigorosamente cronometrada.
A apresentação do Ludwig está
aqui e foi excelente: clara, sucinta, desfazia pensamentos peregrinos como teoria da evolução ser darwinismo (onde o darwinismo já vai!) e a ideia de a teoria da evolução ser só baseada em fósseis. Gostei! E chamo a atenção para o facto de o Ludwig, em mais uma demonstração de transparência, ter disponibilizado a sua apresentação, estando sujeito a ser criticado. Claro que
"Essa deve ser das piores apresentações que já vi. Com defensores destes, a evolução não precisa de criacionistas para nada. E as imprecisões e incorrecções seguem-se umas atrás das outras. Enfim, vê-se que não está por dentro do assunto.Já para não mencionar o facto de que parece que está a falar para uma audiência de anormaizinhos. Nem a minha professora do secundário..." (de um anónimo às 23:54 de 26 de Abril) como crítica não conta.
A apresentação do Jónatas Machado pareceu estranhamente mais longa, o que é um disparate, dado que foram ambas rigorosamente cronometradas. Mas foi mais densa. O que ele apresentou foi a "doutrina bíblica de criação" (diz ele). Os apontamentos que tirei são estranhos porque comecei com paciência e acabei com impaciência. Começou por ser uma apresentação de teologia (a palavra de Deus é verdadeira, infalível, etc), mas acho que meteu água quando citou Popper e disse que este considerava que a Ciência o era quando era falsificável. Não tenho conhecimentos para refutar isto, mas parece-me uma interpretação abusiva.
A lição de teologia evoluiu para um ataque à Ciência, com disparates como dizer que a Ciência se quer sobrepor a Deus, que no naturalismo não existe um padrão objectivo de moralidade, que há um diferenciação qualitativa entre homens e animais (e qual é ela?) e por aí adiante. Ainda disse um disparate total que foi a expressão "fé naturalista" e o famoso "ninguém viu, ninguém estava lá, só Deus" na criação do Universo. Outro disparate: "os factos não falam por si, eles são interpretados". E o disparate supremo: a Biologia confirma a Bíblia.
A isto se seguiu uma entediante apresentação de factóides distorcidos, como a formação rapidíssima de acidentes geológicos (chama-se actividade vulcânica, doutor), e a treta da semana: a
fossilização à la minute. Recomendo a leitura desse post do Ludwig e a das respectivas referências, porque é uma treta a que recorre frequentemente o Jónatas Machado. Suponho que não voltará a ela (mas nunca se sabe!). Quanto à minha impressão da discussão em si, remeto para a leitura dos meus comentários a este
post, onde ainda se pode ler a visão do Leandro (que também lá esteve).
Confesso que estive para dizer que não tinha ido. Aliás, era a minha firme intenção... até que li que o Ludwig tinha dito que tinha achado que tinha corrido bem! Não foi essa a minha percepção e tinha mesmo que lho dizer! Chamo ainda a atenção para o facto de que tenho razão quando digo que há jogos de palavras mais que jogos de factos: há uma tentativa de fazer o Jónatas Machado cantar vitória do debate nesta caixa de comentários, o que não é verdade. De facto, dados os comentários a esse post, só uma imaginação delirante acharia isso (e eu tenho uma grande imaginação e não fui capaz de pensar isso).
O debate em si soube a muito pouco, foi mal moderado e o Jónatas Machado tentou monopolizar o tempo. Foi igualzinho ao Perspectiva (mesmo porque é ele, sem tirar nem por), sempre cheio de "factos" e recorria aos slides para ilustrá-los. Irritante! Há quem pense que isso o descredibilizou e até é mais ou menos verdade... mas deu-lhe visibilidade, o que é perigoso!
O debate foi interrompido abruptamente com um rigor no cumprimento de horários que não existiu para iniciar e quando uma discussão interessante se estava a formar. Soube a pouco. Soube a muito pouco!
No final parece que houve uma confraternização, mas eu tinha que fugir antes que o meu coche se transformasse em abóbora.
Gostei e não dei o tempo nem o gasóleo por mal empregues. Mas espero ter contribuído com a minha visão do que se passou em Braga para que o Ludwig ganhe mais agressividade em debates futuros. Mas que os haja, porque é importante discutir estas coisas: só se pode combater o que se conhece. E o criacionismo bíblico é uma de muitas tendências de desinformação no mundo. Gostaria de dizer que é o único, mas não é.