O DESAFIO DE SER PROFESSOR
- O Caos na Educação e no Ensino
-
Nilson Calasans *
Raul Robson Sippel **
Houve um tempo em que a pessoa
centrada, ponderada, atenciosa, paciente, disposta a dar-se incondicionalmente
a outrem e a uma causa nobre e justa, a fim de estudar e aprender ao longo da
vida, buscava ser professor ou professora.
Nesse tempo, ser professor era
algo de uma ordem totêmica, tamanha importância. O professor tinha o estatuto
de um pai, de um padrinho, de um tio querido, de alguém a quem se devia
respeito. Mais do que isso, presteza e solicitude. Consideração. Carinho até.
Nessa época, os pais educavam, iniciavam seus filhos na trilha da cidadania,
preparando-os para o ingresso em uma comunidade escolar, onde se desenvolveriam
sob diversos aspectos. Havia um Maternal, um Jardim da Infância, que davam
suporte à família no sentido de ajudá-la a constituir seu rebento, preparando-o
para o ingresso no universo do aprendizado disciplinar e de conteúdos
específicos. A dedicação e o empenho eram compromissos inerentes e tácitos dos
alunos. O desenvolvimento e o progresso eram comemorados com gáudio e júbilo.
Um bom aluno tornava-se referência no meio e na região e uma nota vermelha
podia gerar grande constrangimento; um risco de reprovação era vergonhoso
indício de anormalidade, a ser investigada.
Nesse Brasil, poucos ascendiam
aos cursos superiores, pouquíssimos tinham acesso ao aprendizado de idiomas, os
cursos de graduação eram raros, difíceis; uma pós-graduação, por vezes,
requeria anos de preparação; não raramente, necessidade de cursá-la no
exterior. Professores universitários eram semideuses e, até hoje, há uma enorme
mística em torno da figura do catedrático, do responsável pela cátedra; tudo
isso muito antes das “cadeiras” terem sido substituídas por disciplinas.
Obviamente, não se deseja um
retrocesso no tempo. O mundo mudou, o país mudou, tudo se transforma. A vida
tornou-se muito difícil para todos. Hoje, milhões são pais levianamente, pela
liberação dos costumes; a escola não tem como fazer maternagem e, para não
ficarem nas ruas, as crianças são levadas à escola. Não há necessariamente
desejo ou intenção ou compromisso de se aprender. E nessa escola, os
professores precisam fazer a tal maternagem, fundar cidadãos, educar, ensinar,
corrigir provas e trabalhos às centenas, fazer diários, preencher cadernetas,
fazer cursos de aprimoramento presenciais e on
line; tudo isso em troca de salários aviltantes, escorchantes, indignos,
trabalhando sobre pressão, expostos a toda sorte de constrangimento, na medida
em que não se pode reprovar, não se pode expulsar, não se pode revidar ofensas,
apesar de agressões e até ameaças eventuais de morte. Isso existe e não há
nessas palavras qualquer exagero. Institucionalizou-se a farsa, a fraude, a
barbárie, o desgoverno e a impostura. O estado finge que paga; o professor
finge que ensina, já que não há como sequer fazer valer sua autoridade em sala
de aula, onde mal é ouvido; a direção tenta manter equilibrado todos esses
vetores corrompidos e falidos, o que torna o ofício de lecionar um desafio
inaquilatável, se não uma grande perda de tempo, de energia e de dinheiro
público.
Não estamos conseguindo
trabalhar. Não estamos conseguindo realizar um trabalho minimamente
satisfatório e, mais cedo ou mais tarde, acabarão por chegar à conclusão que
estamos a necessitar de assistência psicológica nas escolas, para alunos e
professores; não obstante ser fundamental a presença, igualmente, se não
policial, ao menos de segurança, que garanta a integridade física dos que padecem
nesse turbilhão surreal, nesse inferno de Dante, penalizados, afinal, por terem
descoberto e resolvido fazer valer suas vocações para o magistério. Padecem,
principalmente, aqueles que ora estão a completar por volta de duas décadas de
profissão, pois são estes que vivenciaram, em cheio, a transição; do paraíso – ou
quase –, ao inferno!
É verdade que, em se fazendo
vista grossa, toca-se o barco e empurra-se com a barriga. Porém, esse jamais
será o caminho da vocação e da dignidade. Algo precisa ser pensado e feito, se
desejam que existam professores responsáveis no futuro. Mesmo sabendo-se que,
embora hoje, existam cursos de graduação em garagens, galpões, depósitos e
buracos de metrô; pós-graduação por correspondência e uma nau de incompetentes
vaidosos e inconsequentes dispostos a subempregos para ocupar esse honroso
lugar de professor, não serão cafajestes e marginais, formados e pós-graduados
em espeluncas, que ocuparão lugar de maior destaque e importância na sociedade;
por mais insana e absurda que esta tenha se tornado.
*Escritor e cirurgião-dentista.
**Professor de Inglês e Mestre em Letras (UERJ)
Jornal O Impacto, Guararapes, 02 de Junho de 2012.