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sábado, 30 de agosto de 2025

A RAIZ DO CORAÇÃO (2000)


A televisão portuguesa de todos os dias às vezes consegue sintetizar muito bem uma ideia complexa ou o chamado ar dos tempos. É quase sempre por acidente, quase nunca ao perseguir os furos jornalísticos da berra, levados a cabo de forma escabrosa e repetitiva, metralhados parece que incessantemente aos nossos olhos e ouvidos. Para desligar a televisão, acto prazeroso em que se aponta para ela com o comando como se fosse uma arma e com um falso sentido de justiça, porque não é isso que vai mudar o que quer que seja, é preciso que ela esteja ligada. E por uns segundos pode-se apanhar um momento insólito e revelador. Neste caso foi no Domingão de dia 3 de Agosto, na SIC, uma imagem entre tantas que se produzem sem pensar muito neste país e cujo interesse vem muito mais da disrupção de certos intérpretes, da conglomeração de pessoas e dos reflexos momentâneos de alguns profissionais no cruzamento de todo esse movimento. 
 
Débora Monteiro está na borda de um chafariz a meio daqueles monólogos intermináveis em que pede aos telespectadores que liguem para o número que os vai tornar ricos se se comprometerem a pagar o valor acrescentado. Chega um grupo de raparigas vestidas de igual que começam a olhar para a câmara a fazer o gesto do telefone com as mãos. A apresentadora fica contentíssima por a virem ajudar, até porque se presume que não seja um trabalho que os profissionais de televisão gostem particularmente de fazer. A dada altura, as raparigas começam-se a alinhar ao lado dela e o operador de câmara começa a brincar com as diagonais que isso cria na imagem. Até começarem a andar paralelamente aos movimentos da câmara e se começarem a atropelar umas às outras para ficarem em primeiro plano, o que chateia a apresentadora que diz que quer fazer o seu trabalho. Em pano de fundo, esse tempo todo, está um homem vestido de mulher, que podia ser o João Baião mas por acaso não era, a brincar com crianças no meio do chafariz. 
 
O cinema português, apesar de muito menos visto pelos portugueses, sempre foi conseguindo lidar com o passado e com o presente do seu país. Para o futuro, talvez precisasse de um ou dois visionários. E encontrou um em Paulo Rocha, que ao longo dos anos se mostrou sempre à frente (e atrás e acima e abaixo e de todos os lados) das expectativas. Quem tivesse visto o Verdes Anos ou o Mudar de Vida, nos anos sessenta, não esperaria com certeza A Pousada das Chagas e A Ilha dos Amores nas décadas seguintes, e no seguimento desse período das grandes peregrinações e empreitadas japonesas como prever os completos desvarios de O Rio do Ouro ou A Raiz do Coração na viragem do milénio? “O Paulo vivia muito exaltado,” disse Pedro Costa em entrevista a Ricardo Vieira Lisboa em 2017, “com uma energia muito juvenil, eu vi o entusiasmo dele com o No Quarto da Vanda, com a novidade das pequenas câmaras Mini-DV. Eu dizia-lhe: “Faça você o seu próximo filme sozinho, ou só com um assistente”, e ele era muito desse género: os projetos e as rodagens d’A Pousada das Chagas ou d’A Ilha de Moraes ou do Máscara d’Aço ou dos vídeos mais confidenciais que ele fez nos últimos anos, provam-no. Apenas com um punhado de jovens ao lado, que lhe pintassem umas manchas de cor nas paredes ou lhe lançassem um foguete à frente da lente. Ou isso, ou uma armada mizoguchiana de figurantes e gruas.”[1]  

Pode-se tentar de várias formas, talvez até seja produtivo, mas não é nada fácil descrever A Raiz do Coração. É um musical, com banda-sonora de José Mário Branco, mas a maior parte dos números musicais surgem nos primeiros vinte e cinco minutos (o percurso contrário de alguns dos musicais de Busby Berkeley nos anos 1930, por exemplo). É um filme de ficção científica, também, que no ano da estreia de 2000 seria uma projecção do ano de 2010, embora na montagem final não restem pistas sobre isso e o nosso ano de 2025 pareça uma projecção ainda mais acertada. E como escreveu Miguel Blanco Hortas, também “estamos no Portugal do ano 2000, a meio caminho entre a Expo 98, a chegada do Euro e a futura celebração do Europeu de futebol, tudo acontecimentos vendidos como grandes avanços e que trouxeram um desequilíbrio económico brutal, uma inflação disparada e iniciaram o processo de transformação de uma cidade de orientação popular bem vincada no parque de atracções turístico que hoje em dia se vive.”[2] 
 
Os opostos atraem-se. Ou talvez gostássemos que atraíssem, se não achássemos mais confortável a apatia da boa educação. E tudo em A Raiz do Coração se parece construir de opostos que se conciliam pela coerência de uma visão e pela harmonia ou pela resolução temerária de um travelling. A noite e o dia, os corvos e as pombas, os fascistas e os santos, os polícias e os travestis, o ódio e o amor, a morte e o sexo, a película e o digital. Catão, o líder de um partido de extrema-direita, está obcecado por Sílvia, uma transexual que a dada altura pergunta à sua protectora se acha “que uma pessoa que faz o mal pode ser boa.” E também os polícias se adornam de malhas de bondage, também os travestis se apaixonam por agentes da autoridade e os chamam do outro lado da morte, do único lugar onde o amor parece ser possível. E também os travestis são obrigados a espancar e a matar, o Santo António abençoa a Sílvia chamando-lhe menino em pleno voo pela cidade de Lisboa, e a câmara de Paulo Rocha, impaciente, vingativa, exultada, destemida, move-se constantemente, com os corpos dos actores e com os seus movimentos, ou para os foder ou para os matar. Do oito ao oitenta. E tudo o que está no meio também. Volta-se por associações a Michael Cimino e ao grande não-dito que assombrava o também fabuloso O Ano do Dragão, “se se combate uma guerra tempo o suficiente, acaba-se a casar com o inimigo.” 
 
Na primeira parte do documentário em quatro partes sobre a rodagem de O Rio do Ouro, Marginália[3], Paulo Rocha diz que “(...) eu sempre achei detestáveis as filmagens muito amigáveis, muito harmonizadas, em que as pessoas são todas aparentemente muito amigas e têm uma voz monocórdica. Isso aborrece-me e acho que a maior parte dos filmes não têm tensão, nem luta, por causa disso. Em parte, como já estou a ficar mais velhote e preguiçoso, algumas pessoas quis ter presentes só pelo prazer de as ter presentes. Ver o que é que daria ter por ali, sentado a filmar, algumas pessoas, que eram em parte espelhos ou fontes de inspiração. (...) E por outro lado tentei integrar gente nova, muito nova, com vinte e poucos anos, do que eu achava que era gente de Lisboa, que representa novas sensibilidades, em muitos casos completamente contrárias às minhas, mas que eu gostava de, como um vampiro, poder integrar um bocadinho. (...) Portanto há realmente muitas famílias e eu sei que isso provoca conflitos.” 
 
Se isto vale para O Rio do Ouro, também há-de valer para A Raiz do Coração, outro filme de “armadas mizoguchianas” que se inaugura com um espectáculo de variedades em que Luís Miguel Cintra, irreconhecível, vestido de noiva de Santo António com a cara pintada de preto e acompanhado por dois corvos gigantes, Luís Miguel Cintra, que neste filme tem três papéis, quatro se acrescentarmos o falso Santo António encarnado por Catão, debita já todos os temas, todos os motes e todos os desafios para esta obra coral e assumidamente desalinhada, no sentido camiliano do termo. A câmara filma o espectáculo sem cortes, recua para mostrar a sala e o público e focar uma bandeja com um copo e uma garrafa de champanhe, que são seguidos por um travelling e levados por um empregado para o actor. Ele chora o destino da sua cidade, assolada pelo vício e representada em miniatura a seus pés, enquanto tenta enxotar em vão os corvos que lhe roubam o véu e acabam por destruir a cidade mesmo quando começa o último movimento de câmara acompanhado pelos acordes de fim do mundo de José Mário Branco e cai o pano transparente com o título do filme: “A RAIZ DO CORAÇÃO – um filme de PAULO ROCHA”. 
 
Este título virá de um romance tradicional de Trás-os-Montes, como diz o genérico, mas também se encontra numa balada registada e anotada por Fernando Lopes Graça e Michel Giacometti no primeiro volume inteiramente dedicado a canções transmontanas de uma antologia da música portuguesa, fruto das suas viagens à região entre os anos de 1958 e 1961, continuando o trabalho do pioneiro alemão Kurt Schindler, que nos anos 1920 tinha percorrido 12.000 quilómetros entre Espanha e Portugal e gravado cerca de quinhentas canções. A balada chama-se Dona Filomena e foi gravada em Tuizelo, no concelho de Vinhais, pela voz de Ana do Rio, e também é conhecida por títulos como Dona Francisquinha, Grancalinda, Care-Linda ou Dona Felismina. Descreve o encontro de uma mulher com um soldado desconhecido, que a acha bonita e lhe dá a mão. Ela diz-lhe, “Meu marido foi à caça / lá prós campos d´aragão. / Se quiseres qu´ele cá não volte / roga-lhe uma maldição: / Os corvos lhe comam os olhos / e a raíz do coração.” 
 
A aldeia e a cidade, mais dois pólos opostos e aparentemente irreconciliáveis. Para Paulo Rocha, na aldeia, a ordem reina, mas só a custo de justiças tribais e vinganças violentas. A cidade parece ser o refúgio perfeito para a diferença, o campo de batalha de todas as aberrações. E o caos talvez seja um conjunto de pessoas de várias origens e ambientes que lutam sozinhas e entre si por uma ordem que não existe. No pico dos combates de cantigas da noite de Santo António, depois das investidas cantadas dos grupos de travestis, polícias e fascistas entre os casais que dançam entre uma espécie de coreto e uma fonte de pedra, com a sua própria canção, um miúdo, que tinha dito à mãe, ao apontar para um travesti, “ó mãe, ó mãe, quando eu for grande eu quero ser assim,” consegue escapar-lhe das mãos outra vez e vai para dentro da fonte com uma pequena barca que vai puxando muito devagarinho. E com uma candura semelhante, a câmara aproxima-se da barquinha e acompanha-a até ao fim da fonte, já sem o miúdo, onde encontra o reflexo da Sílvia de Joana Bárcia, que também já foi um menino chamado Sílvio e com a sua canção parece conciliar e resolver todas as diferenças e vencer o embate das melodias, das contradições e das identidades. 
 
“A senhora sabe que eu sou um poço sem fundo,” diz Janeiro quando a personagem de Isabel Ruth, a Ju, o visita no que parecem ser as escadas da Assembleia da República. “Quando olho para dentro de mim, até me perco.” Como seria se em 2001, em vez de nos atirarem poeira para os olhos com as alegrias e as maravilhas do progresso que desembocaram nos tempos em que hoje vivemos, se em vez de nos dizerem sobranceiramente a propósito deste filme para não procurarmos “correspondências directas com o real fora de nós. Não vejam aquele político como imagem de outro político, não olhem aqueles travestis como os que vagueiam à noite pela cidade, não queiram encontrar chaves, a busca será estulta e frustrante, não as há,”[4], A Raiz do Coração provocasse a polémica e tivesse o sucesso que merecia no seu próprio país? Uma panóplia de Diáconos Remédios abastardados, da extrema-direita aos praticantes do politicamente correcto, passando pelos mais clássicos diáconos da Igreja Católica, pregando sempre a virtude, encontravam um bode-expiatório comum, enfrentavam-se, exorcizavam-se, acabavam por se entender entre si e com todos, e o filme era exibido na televisão, era editado em DVD, circulava por todo o país. O José Mário Branco não seria obrigado a dizer, quando confrontado com a pergunta sobre a possível edição de uma banda-sonora, que “teria que se fazer um trabalho com a finalidade específica do disco – embora com as mesmas músicas, temas e palavras e até, se calhar, as mesmas vozes e instrumentos. É sempre uma possibilidade, mas seria preciso que alguém estivesse disposto a investir.”[5] Ouviu-se tantas vezes e disse-se outras tantas que nem sequer se considerou por um momento que pudesse ser errado, mas depois deste filme já não se consegue esquecer: o único vilão desta fantasia dramática é um agente duplo chamado Vicente Corvo, que dita a sua sentença de morte ao dizer a Sílvia, sem pensar duas vezes, “cuidado com os sonhos...” 
 
“Xô, corvo!”

[1] in «”Talvez fosse uma loucura, talvez começasse a escavar outro filme nesse filme…”. Entrevista com Pedro Costa sobre o restauro de Os Verdes Anos e Mudar de Vida, de Paulo Rocha», Aniki, vol. 6 nº 1, 2019. Disponível em: https://aim.org.pt/ojs/index.php/revista/article/view/495 (consultado a 12 de Agosto de 2025).
[2] Publicado em espanhol no letterboxd, a 22 de Fevereiro de 2023: https://letterboxd.com/migblah/film/the-hearts-root/ (consultado a 12 de Agosto de 2025).
[3] Disponível em: https://lugardoreal.com/video/marginalia-i-preambulo (consultado a 12 de Agosto de 2025).
[4] in «A Caldeira do Inferno», Jorge Leitão Ramos, Expresso, 13 de Janeiro de 2001. Disponível em: https://cinemaportuguesmemoriale.pt/Filmes/id/540/t/a-raiz-do-coracao (consultado a 12 de Agosto de 2025).
[5] in «José Mário Branco – Entrevistas para a imprensa 1970-2019», Ricardo Andrade, Hugo Castro e António Branco (org.), Edições tinta-da-china, Lisboa, 2025, pág. 445. Entrevista publicada originalmente no jornal Blitz, a 2 de Janeiro de 2001, com o título de «José Mário Branco – inéditos no grande ecrã».

Folha de sala escrita em Agosto de 2025 para a terceira sessão do ciclo «Paulo Rocha e os paroxismos», pelo Lucky Star - Cineclube de Braga, disponível aqui.

domingo, 1 de outubro de 2023

ENCONTRO COM JOÃO DIAS


Como é que o cinema chegou até ti? Começou na infância? Na adolescência? Quando é que decidiste que podia ser uma carreira? Foste para Filosofia primeiro, não foi? 
 
O primeiro contacto com o cinema foi numa sessão de Os 101 Dálmatas, no Quarteto. Era um miúdo, muito pequeno. É uma memória de sonho, que está na névoa, coisas de outra vida. Terão havido outras sessões de cinema mas que não deixaram lastro. Mais tarde, deveria ter uns treze anos, vivia em Miratejo, um subúrbio puro e duro, tão horrível quanto maravilhoso, e tinha uma namorada com entusiasmo por cinema. Abriu uma pequena sala no centro comercial e ela insistiu, «sexta-feira à noite podemos ir namorar, onde é que vamos?». Fomos ao cinema. E essa sessão foi dramática, porque a sala de cinema era o lugar onde a matilha do subúrbio se juntava para a festa rija, e as sessões eram passadas com a malta aos berros, aos pulos, a fazer tropelias, a dar umas quecas, a fumar… O filme era a desculpa para uma estranha festa pagã. Eu era um rapaz meio enfiado e aquilo causou-me uma impressão terrível. Aliás, hoje fala-se muito do cinema em sala e do cinema em casa, e procura-se estabelecer uma diferença afirmando que o cinema é um acontecimento social. Não é um argumento que me toque muito. Para mim, a experiência do cinema foi sempre mais a de uma solidão exuberante do que a de um acto social. Mais tarde, na Cinemateca, vi muito cinema, duas, três sessões por dia. Celebrava-se o centenário e havia uma programação muito intensa, cheia dos grandes clássicos. 
 
Quê, '96? 
 
Exactamente. Mas, mesmo aí, o cinema não passou a ser, para mim, um acto social. Depois do filme há sobretudo um movimento de recolhimento, de pensar no que acabou de acontecer. Bom, tinha ido estudar fotografia, mas aquilo não me oferecia resistência suficiente, e tinha aquele ímpeto de juventude de querer sempre algo mais… 

Mais desafiante? 

Mais desafiante, sim, uma coisa mais aventurosa. Foi dessa vontade de aventura que verdadeiramente vim dar ao cinema. No início, em filmes de outros. Primeiro o Edgar Pêra, onde descobri a montagem, num período muito intenso de trabalho, em que se laboravam 24 horas, em turnos. Ficava a trabalhar à noite, até o Edgar chegar de manhã. Aí há uma primeira experiência do cinema que não é a do espectador. A partir das dez da noite não se ouve ninguém e estás até às cinco da manhã numa solidão absoluta a trabalhar as imagens, a escolher, eventualmente a começar algumas colagens entre planos. Isto bate novamente na tecla de uma experiência solitária, muito silenciosa, quer dizer, um bocadinho mais próxima do imaginário que temos do poeta a escrever, o silêncio, o isolamento. 

Como é que conheceste o Pedro Costa e acabaste a trabalhar com ele? E que influência é que ele teve, o que é que aprendeste com ele? 

A certa altura fui estudar Filosofia, mas isso foi interrompido quando fui chamado para o serviço militar obrigatório. Fiquei lá oito meses e depois, por várias circunstâncias, já não consegui retomar o curso. Queria fazer os meus filmes. E surge um desafio para fazer um filme sobre o SAAL, que é um filme que tu conheces, e sobre o qual já escreveste, e muito bem. Esse filme sobre o SAAL foi produzido pelo Abel Ribeiro Chaves, que tinha um segundo andar nos Restauradores onde ele guardava equipamento, nuns andaimes montados e cheios de caixas. Eu fui pedir ao Abel um sítio para trabalhar e lá fiquei no meio dessas caixas a montar o filme. Entretanto, o Abel acolheu o Pedro Costa, que também precisava de um espaço para trabalhar. Começaram então a sair dali umas caixas, aquilo começou a ficar mais ajeitado e ali ficámos os dois, ele numa sala, eu noutra. Havia ali uma convivência de parceiros de escritório. Ele na sua mesinha, eu na minha mesinha, a fazer as nossas coisas e depois tínhamos aqueles encontros de quem se vai falando, não é? Isto durou bastante tempo e foi-se criando uma relação de alguma fraternidade operária, digamos assim. Entretanto, ele tem o Ne Change Rien para montar com a Patrícia Saramago. Queriam alguém para sincronizar o som, eu estava ali. Só aí começa verdadeiramente uma relação de trabalho. 

Não sei se queres falar um bocado sobre os filmes que te foram encomendados. O documentário sobre o concerto dos Genesis, As Ondas, o Promenade Le Corbusier… 

São trabalhos muito condicionados. Pela circunstância da encomenda. Não sou o que normalmente se entende como cinéfilo. Não estou constantemente a pensar nos filmes que vi, mas nos filmes que gostaria de fazer, numa relação obsessiva com as matérias, a luz, o som, a direcção de actores, isto e aquilo. Sempre percebi que me tinha que manter próximo disso, mesmo que através de filmes de encomenda. 

E o Operações SAAL partiu de ti, então? 

É uma encomenda, mas completamente aberta. A associação Extra-Muros queria promover filmes sobre acontecimentos estruturantes da revolução portuguesa, como a reforma agrária, as campanhas de alfabetização, o SAAL… e perguntaram-me se eu queria fazer um filme sobre algum destes temas. O meu pai tinha participado no SAAL, e por isso eu já tinha uma ideia, ainda que muito vaga, do que se tratava. Portanto, aquilo ligava-se ao meu pai e ainda para mais punha-se a questão da habitação. Durante a minha infância, até aos dez anos, havia uma grande instabilidade, pois vivíamos sempre a mudar de casa. Chegámos a viver um ano no parque de campismo de Monsanto. Por isso interessava-me o tema do SAAL, a ideia de conquistar uma casa. Ora, o Operações SAAL é feito ainda na ressaca do Pêra, no bom sentido, e é construído com estratégias que eu trazia do Pêra. Só depois de realizar este documentário começa o meu trabalho com o Costa, que me vai pôr do outro lado da lua. Sobretudo pela relação com uma certa ideia de organização… leninista. «A organização é a única arma do proletariado na sua luta pelo poder». E no Costa há muito isso. Quer dizer, sem a capacidade de organização que ele tem, não se concretizariam as forças poéticas que encontramos nos seus filmes. Sem organização, a sua poesia não chegava onde chegou. Ora, o Pêra tinha muito mais uma relação com um cinema directo vertoviano, do cine-olho e da manipulação na montagem. Havia uma coisa que ele dizia quando íamos filmar a um sítio qualquer, e que eu acho maravilhosa: «Entramos já com a câmara em punho, a filmar!». Portanto, ninguém entra com a câmara baixa a pedir licença. Não! Perguntam depois, se surgirem problemas. Entramos a filmar. Com o Costa as coisas não funcionam assim, há um trabalho de antecipação. Uma coisa extraordinária, e que posso afirmar em relação aos filmes que montei com o Pedro, é que não há planos filmados que estejam fora do filme. Um ou dois, são residuais. Todos eles têm a sua função num desenho que está pensado antecipadamente. O trabalho de montagem é a tentativa de restabelecer uma ordem que já existia. A montagem aqui não é um trabalho de descoberta, é um trabalho arqueológico para repor a forma que as coisas chegaram a ter em determinado momento. Por exemplo, uma das coisas que habitualmente se julgam emblemáticas no trabalho de um montador é o de descobrir qual deve ser o primeiro ou último plano do filme, ou descobrir qual é a estrutura. Um montador nos filmes do Pedro não faz nada disso. Este montador deve ter uma sensibilidade de um tipo especial, mas não para cumprir essas tarefas. 

Mas isso é engraçado, porque essa tensão está toda nas Operações SAAL. Tu atira-los uns aos outros, como se estivessem mesmo a discutir. Estás nas filmagens, mas depois na montagem... 

Na montagem é que se descobriu tudo, não é? Não tudo, mas quase tudo. Exactamente porque o SAAL deve muito ao trabalho com o Pêra, particularmente a um filme chamado O Homem Teatro. Estávamos no Porto a rodar este filme, que juntava situações encenadas com actores e uma série de entrevistas de pesquisa que ele fez a muita gente ligada ao TEP (Teatro Experimental do Porto) e ao António Pedro. Os actores deviam trabalhar de forma muito livre, com imenso improviso, mas para isso era necessário formar os actores sobre o que era o TEP. Então o Pêra pediu-me para trabalhar as entrevistas que fez, agarrar nos melhores momentos e alinhar uma montagem que contasse a história do TEP, e servisse aos actores como uma fonte de informação para que pudessem trabalhar os seus improvisos. Montei uma série de retalhos onde os testemunhos dos entrevistados se contrapunham, ou se continuavam. A experiência dessa montagem é uma aprendizagem que levo para o SAAL, onde ponho frequentemente os protagonistas a dialogar uns com os outros. Acho que é no teu texto sobre o SAAL que pela primeira vez se aponta isso, e que tu descreves muito bem. Não deixo as frases completas, interrompo abruptamente o discurso para poder chocar com outro discurso, usando trechos de testemunhos para a construção de um testemunho novo. E sempre com a ideia de não fechar o assunto, como tu apanhas muito bem no teu texto. O importante não é chegar a uma resposta, mas trazer ao de cima o conflito, a tensão, as zonas escuras, apontar os problemas. 

Trocaste a cidade pela aldeia, não sei se isso afectou a tua forma de trabalhar. Quer dizer, o que é que te permite fazer a aldeia que a cidade não permite? E pronto, porque é que vieste para o Fundão, no fundo? Para Atalaia do Campo. 

Sem querer ser indelicado com a aldeia e com a região que me acolhe, a minha vinda para cá começa por ser uma fuga de lá. Mas tive a sorte de vir parar aqui, de frente para a Gardunha, a um lugar onde existe uma relação muito especial com a serra, porque estamos virados para o anfiteatro sul e situados no melhor lugar da sala para ver aquele imenso ecrã, onde comecei a “projectar” uma série de coisas. Estava há muito tempo sem conseguir filmar. Ao longo desse tempo a minha ligação ao cinema permaneceu, em termos práticos, somente na montagem dos filmes do Costa. Mas em relação aos meus filmes havia um grande desânimo. A certa altura fartei-me e pensei que tinha de resolver este problema. Em Lisboa não é possível, os encargos são enormes e entretanto tivemos um filho, o Francisco. É preciso inventar uma solução radicalmente diferente. Ora, dois anos depois da minha chegada aqui, estou a terminar o meu primeiro filme de ficção, graças a uma bolsa de criação artística atribuída pela Câmara Municipal. Foi a primeira vez que tive um apoio institucional para filmar. Não cobriu, evidentemente, os custos do filme, mas ao longo de doze meses deu-me a segurança suficiente para pagar as contas e não ter de andar sempre a correr atrás deste ou daquele trabalho. Ainda estou numa fase de encantamento. 

E como é que nasce a ideia desse projecto? Como é que foste dar ao Cireneu e como é que pensaste em juntá-lo à Nossa Senhora? 

Só uma coisa, antes disso. A partir dum certo momento percebi que só me interessava trabalhar sobre aquilo que me fosse muito próximo. Percebi que só podia filmar criando raízes num lugar, numa comunidade de gente, mas também numa determinada paisagem. Também por causa daquela vida com a casa às costas de que te falei, sempre tive uma grande vontade de me fixar. Pensar que esta é a minha última casa e que vou ficar aqui até ao fim dos meus dias, é uma ideia que traz imensa alegria, esperança, confiança, e uma vontade muito grande de... começar outra vez. As primeiras duas ou três tentativas falharam. Tudo falhou, vinte anos sob o signo do fracasso. Agora dei-me a mim mesmo uma espécie de segunda vida. Este é o novo cenário e em breve poderei dizer que é meu, que sou de cá, e quando vou à janela da sala vejo o décor. Aqui, comecei por estabelecer uma relação com as pedras, porque tenho a Gardunha à minha frente. É como o poema do João Cabral de Melo Neto, “A Educação pela Pedra”. E comecei a subir à Gardunha, onde me deparei com um património especial, as morfologias graníticas da Serra da Gardunha. No meio da natureza intuímos sempre qualquer coisa de sobrenatural e de arrebatador. Eis o cenário, é aqui que quero começar a filmar, no meio destes rochedos silenciosos e inamovíveis. 

Dei o passo seguinte, fui às lendas. A personagem mais emblemática do culto mariano na região é a Senhora da Serra, que tem uma lenda fundadora muito importante e lugares físicos identificados. Por exemplo, uma lapa na Gardunha, que é o ponto de confluência desta lenda e um cenário maravilhoso. Há uma outra figura muito importante, conhecida aqui como o Robin dos Bosques da Serra da Gardunha, um tipo chamado Cireneu, que em certo momento da vida está em fuga da polícia e refugiado na serra. Ao apoio que obtinha da comunidade nas aldeias em redor, Cireneu retribuía de forma generosa. Li sobre isso uma história lindíssima. Cireneu encontra uma menina que vai pela serra com uma marmita para levar ao pai, que está a trabalhar na horta. «O que é que tu trazes aí?». A menina não se assusta, mostra-lhe a marmita e ele come metade do que lá está. Depois, devolve a marmita e diz: «Agora leva ao teu pai que deve estar com fome». E nisto, Cireneu põe nas mãos da menina dois brincos de ouro, certamente roubados numa das casas senhoriais das redondezas. O projecto inicial do filme imaginava um encontro entre a Senhora da Serra e o Cireneu. Este encontro era um ponto de partida para uma discussão em que as personagens seriam representantes de duas ortodoxias muito diferentes. Esta premissa do confronto entre ortodoxias mantém-se no filme, mas a personagem do Cireneu desapareceu, e a própria personagem da Senhora da Serra é já o resultado de uma reinvenção muito livre. 

Tem uma presença muito forte no filme, a Patrícia Guerreiro. Como é que pensaste nela para aparecer no filme? 

Quando eu vim para cá falei com uma amiga comum, a Leonor Noivo, que me disse que aqui muito perto vivia a Patrícia, actriz no seu filme “A Raposa”. Fui conhecê-la, falei-lhe do projecto, e ela aceitou ser a actriz do filme. Hoje é uma grande amiga e uma aliada de trabalho extraordinária. É uma actriz maravilhosa, cheia de talento, inteligente e sensível, que percebia sempre muito rapidamente tudo o que eu dizia e todas as minhas dúvidas. Sei também que este filme foi um acontecimento feliz para ela. Sou muito afortunado por tê-la sempre por perto. 

A sequência final é muito forte. A montagem é muito rápida, muito acentuada. Não sei como é que chegaste até aí, se já estava pensado antes. Que são muito espaçados, os planos, ao princípio, e depois no final... 

O filme é todo ele muito preparado. [João Dias pega em storyboards] Estava tudo planificado em desenhos e tem poucas coisas que resultem de descobertas na montagem. Essa sequência é filmada assim, antes de mais, porque tenho os meus pudores. Não foi fácil, querer filmar essa agressão e chegar a descobrir como a gostaria de filmar. 

Mas isso nestes casos aguça o engenho, também, não é? 

Sim, mas isso dizes tu. A minha responsabilidade é dizer porque é que aquilo é filmado assim, não é? Não podia fazer como nas outras sequências do filme, em que a câmara está numa escuta quieta e atenta da movimentação dos actores no espaço e das suas palavras. Não era possível fazer isso nesta sequência, porque implicava uma exposição dessa agressão com a qual não iria conseguir conviver. Procurei uma solução que trabalhasse apenas com pequenos sinais daquilo que queria encenar. Por isso se fechou o quadro e se interrompeu o fluxo do tempo, o mais possível. De tal forma que a relação com aquilo se tornasse mais distanciada, mais icónica, menos emotiva. 

Mas tem muito impacto, assim feita. Aliás, acho que tem mais impacto do que se fosse filmado mesmo a... 

Sim, isso eu não tenho dúvidas. Começa por uma resposta a um pudor meu, mas que não é ingénua. Não sou um cinéfilo, mas tenho uma ideia do que é a história do cinema e sei o que tem sido discutido em relação a este tipo de representações. Ver filmes foi importante para construir este. A maneira de estruturar aquela sequência estabelece uma relação com a história do cinema, com a história da montagem. 

E isto agora é o teu estúdio, a Serra da Gardunha. Vais fazer mais filmes aqui? 

A última coisa que queria era ir filmar para longe. E a Gardunha é bem mais do que aquilo que filmei, é vasta, há mais mistérios e paisagens, há outras Gardunhas, há outras coisas. Quero continuar com uma declinação deste cenário, mas que seja ainda este cenário. 

Nas tuas entrevistas à Ana Soares, nas duas, refere-se um projecto do turismo no Algarve. Não sei se ainda queres acabar isso? 

Gostaria muito. Em dez anos, de travessia do deserto, deixei alguns projectos documentais para trás, já filmados. Outros, que eram de ficção, não chegaram sequer a sair do papel. Esse, sobre a indústria do turismo de massas internacional, era um deles. Julgo que poderia agora regressar a esses filmes com uma segurança que não tinha antes. Há quinze anos atrás estaria sempre com receios. Agora só preciso das oportunidades para concretizar, como foi o caso do Senhora da Serra, que sinto como um primeiro filme. Julgo que é um filme justo, coeso, feito com meios muito humildes, mas preciso de voltar a filmar para ultrapassar aquilo que neste filme não ficou ainda bem resolvido. Há uma sensação de trabalho inacabado. 

Mas também se sente sempre isso em qualquer coisa, não é? 

Sim, estou a dizer uma banalidade, mas é verdadeiramente o que sinto. Há sempre um desespero… 

Mas esse, para o turismo, ainda tinhas que filmar mais coisas? 

Isso foi filmado há dez anos atrás, e estes últimos anos com o Costa deram-me uma noção diferente das coisas. Não no sentido de começar a seguir alguma cartilha, «Isto faz-se assim», ou «Isto não se pode fazer assim». Há quem se enrede nas cartilhas, eu fujo a sete pés. A questão é a de conseguir o domínio das matérias do cinema. Como se faz o plano? Variar as escalas, ou manter a mesma? Usar sempre a mesma óptica, ou ópticas diferentes? Como se trabalha o ritmo, como se monta? Como planificar? Dividir a cena em muitos quadros, ou cobrir pouco? Coisas muito chãs, de domínio da matéria-prima. Uma coisa de artesão. E é esse saber de artesão que eu sei que hoje domino. 

Acontece que esse filme sobre turismo não está filmado como deveria de estar. Além disso, era um filme ainda muito estruturado na ideia do documentário de pesquisa, para o qual queria trazer imensas coisas. Hoje em dia percebo que o processo é inverso, quer dizer, tens sobretudo de tirar. Tirar até ficares com o mínimo que permita que o filme se possa apresentar como um filme. Há certas coisas que são evidentes, não precisas de dizer nada por cima delas. Não precisas de comentário sociológico, científico, nem mesmo poético. Nesse filme sobre o turismo as imagens deveriam falar por si, ou a montagem deveria permitir que elas falassem por si. 

Nos blocos dos Encontros escolheste um filme a acompanhar a... 

Escolhi o Benilde ou a Virgem Mãe, do Oliveira. 

Porquê? 

Tinha visto os filmes do Oliveira, anos atrás, nomeadamente naquele período em que frequentava a Cinemateca. Era um realizador que me entusiasmava, mas não como acontece hoje em dia. No último ano revi estes filmes, na verdade, de um modo algo egoísta, focado no meu interesse pessoal enquanto realizador. Já havia uma admiração pelos filmes, mas agora há também um viés. Como é que se chega àquilo, quais são os métodos, como é que se jogam aqueles elementos? De que maneira aquilo está a falar comigo? O deslumbramento é o de uma aprendizagem. É o cinema que neste momento mais preciso para fazer os meus filmes. Acho que me perdi da tua pergunta. 

Pronto, porquê especificamente o Benilde

Um filme que não cheguei a escolher, mas que ponderei, foi o Divina Comédia. Por causa do combate entre as ortodoxias, muito evidente nos diálogos entre o Mário Viegas e o Luís Miguel Cintra. Acho entusiasmante a transposição de textos teóricos para diálogos entre personagens. Isso interessa-me muito. Mas acabei por escolher o Benilde ou a Virgem Mãe. A respeito do filme do Oliveira e do texto original do Régio, convocam-se sempre as clássicas questões sobre a sexualidade latente, um cristianismo em queda, lutas entre a ciência e a teologia. Mas no Benilde há ainda uma outra coisa, que é a caracterização de um estado de solidão radical. O que me tocou no filme é sobretudo a atmosfera emocional que resulta da caracterização do isolamento da personagem de Benilde, impossibilitada de criar uma relação com o outro. Não se trata dessa solidão que desejamos para poder trabalhar. É uma solidão imposta. Violenta e frustrante. No filme, essa caracterização é muito perturbante. O primeiro acto do filme termina com Benilde a perguntar: «Padre Cristóvão, você também não se me acredita?». E o padre Cristóvão, muito perturbado – derrotado, até –, diz-lhe, «Não sei nada do que se passa. Mas acredito-te, minha filha». Este momento de ligação ao outro, que é tão importante que a leva a cair aos pés do padre, não volta a acontecer mais no filme. A partir daí, é um constante fechamento, que começa logo a seguir com o interrogatório policial da tia, que acha que a gravidez dela se deve a um puro facto mundano. E não divino. A caracterização dessa experiência de solidão foi importante para tomar decisões sobre o que eu queria do Senhora da Serra, onde está em jogo o fracasso de uma tentativa de relacionamento e de intervenção no mundo. A situação de isolamento radical da personagem. Era esse desespero que eu gostaria de conseguir representar no meu filme.

Entrevista realizada a 30 de Maio em Atalaia do Campo para o Jornal dos Encontros Cinematográficos de 2023, também publicada no site do Jornal do Fundão.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

FORD V FERRARI (2019)


Pois é, tornou-se imperioso interromper o grande périplo Walsh/Michael Jackson para prezar um filme que parece ter estreado muito discretamente entre discussões sobre a Netflix, estreias em sala, super-heróis e a velha guarda, do James Mangold que equiparou Stallone a De Niro e Harvey Keitel em 1997 e este ano parece ter resumido e arrumado todas essas questões.

A metáfora que algumas pessoas viram extravasa para todos os campos, não só o do cinema, porque é um projecto com a inteligência para descrever uma empresa e uma aventura desde a sua génese, com todos os ressentimentos, entraves, vitórias e catarses a que se tem direito quando se acredita que se nasceu para alguma coisa. Um privilégio, diz-nos o filme, mas a ressonância é universal. E eis como Mangold nos volta a fazer os dias, nas pistas de vida ou de morte em Daytona ou Le Mans, com um Christian Bale finalmente às alturas ou à justeza do seu talento, carcomido por percorrer uma multidão que lhe chupa o sangue e os sonhos.

E dentro desse emocionante percurso em linha recta, por muitas falhas que possa ter, os pequenos milagres: depois do patrão zarpar de helicóptero para um jantar, é o Enzo Ferrari arruinado que dá o aceno simples ao Ken Miles de Bale, levando-o para casa justificado; os gestos tímidos de mão que exprimem todos os sentimentos e todos os pêsames do mundo; a chave de fendas que se emoldurou mas que no final achou o seu propósito não numa moldura mas nas mãos e nos trabalhos de todos os dias; as roscas, os travões, os chapéus e os pára-brisas, perdidos e achados na grande narrativa como se perdia e achava a tartaruga de peluche de Stallone e Annabella Sciorra em Cop Land.

Enfim, no ano dos pesos pesados do cinema (Pedro Costa, Quentin Tarantino, Martin Scorsese, James Gray), que ora foram cimentando ou manchando os seus legados, foi James Mangold quem surpreendeu, com a câmara lenta atestada das grandes velocidades, no momento em que todos os tempos se equiparam. Entre o céu e o inferno.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

2014






Akibiyori
Cavalo Dinheiro
Ohayo
The Immigrant

Higanbana
The Jersey Boys

La Jalousie
Only Lovers Left Alive

Draft Day
Grudge Match
The Wolf of Wall Street

sexta-feira, 17 de maio de 2013


A Closed Door That Leaves Us Guessing

"(...) I'm going to leave you in very good company, because I've brought a little piece of a great director named Cézanne, some words on the profession and our work, so, from somebody who died trying to paint a mountain. He really died on the field, because it was raining, it was really cold, he was getting on in years, but he wouldn't budge. He was trying to resist even the rain and the cold. He left us these words, these impressions on the work that we must do. He left them, and Danièle and Jean-Marie put them in a very beautiful film that I advise you to see (at the Athénée Français, I suppose, the only place where one could see such a film) that's called Cézanne (1989), and I'm going to leave you with that. Excuse me if I've not been terribly clear, and I hope one day to see, finally, to read your love letters.

'You see, a motif is this ...' (He put his hands together, drew them apart, the ten fingers open, then slowly, very slowly brought them together again, clasped them, squeezed them tightly, meshing them.) 'That's what one should try to achieve. If one hand is held too high or too low, it won't work. Not a single link should be too slack, leaving a hole through which the emotion, the light, the truth can escape. You must understand that I work on the whole canvas, on everything at once. With one impulse, with undivided faith, I approach all the scattered bits and pieces. Everything we see falls apart, vanishes, doesn't it? Nature is always the same, but nothing in her that appears to us lasts. Our art must render the thrill of her permanence along with her elements, the appearance of all her changes. It must give us a taste of her eternity. What is there underneath? Maybe nothing. Maybe everything. Everything, you understand! So I bring together her wandering hands. I take something at right, something at left, here, there, everywhere, her tones, her colors, her nuances, I set them down, I bring them together. They form lines. They become objects, rocks, trees, without my planning. They take on volume, value. If these volumes, these values, correspond on my canvas, in my sensibility, to the planes, to the spots which I have, which are there before our eyes, then my canvas has brought its hands together. It does not waver. The hands have been joined neither too high nor too low. My canvas is true, compact, full. But if there is the slightest distraction, if I fail just a little bit, above all if I interpret too much one day, if today I am carried away by a theory which runs counter to that of yesterday, if I think while I paint, if I meddle, whoosh! everything goes to pieces. 

Interpretation is worthless? 

The artist is no more than a receptacle for sensations, a brain, a recording apparatus. But if it interferes, if it dares, feeble apparatus that it is, to deliberately intervene in what it should be translating, its own pettiness gets into the picture. The work becomes inferior. Do you mean that we should slavishly follow nature? That's not what I meant. Art is a harmony parallel to nature. What can we say to the fools who tell us: the painter is always inferior to nature? He is parallel to her. Provided, of course, he does not intervene deliberately. His only aspiration must be silence. He must stifle within himself the voices of prejudice, he must forget, always forget, establish silence, be a perfect echo. Then the landscape will inscribe itself on his sensitive tablet. In order to record it on the canvas, to externalise it, his craft will have to be appealed to, but a respectful craft which also must be ready only to obey, to translate unconsciously – so well does it know its language – the text it is deciphering, the two parallel texts, nature as seen, nature as felt, the one that is there... (he pointed to the green and blue plain), the one that is here... (he tapped his forehead), both of which must merge in order to endure, to live a life half human, half divine, the life of art, listen to me... the life of God.' 

Then the landscape cast itself into me. I grabbed and put it on the canvas. See how the odor of pine needles envelops the sun. Each morning the festival begins, filled with the odor of stones and fresh green grass, and I marry Mt. St-Victoire. I take all of this, not with words but with colors. There is harmony within the sense of perfect contentment. In my mind, the world turns until everything melts together. My senses grasp this turning in a lyrical manner. Closing my eyes, I imagine the hill of St-Marc. The odor of scabiouses."

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Maio é o mês mais bonito. É o mês das cerejas, da Nossa Senhora. É o mês da Vanda!

domingo, 27 de novembro de 2011

Dez primeiros filmes..


They Live by Night (1948), de Nicholas Ray

Night of the Hunter (1955), de Charles Laughton

Pather Panchali (1955), de Satyajit Ray

Les 400 Coups (1959), de François Truffaut

The Bellboy (1960), de Jerry Lewis

The Sergeant (1968), de John Flynn

El Espiritu de la Colmena (1973), de Victor Erice

O Sangue (1989), de Pedro Costa

Xavier (1992), de Manuel Mozos

Little Odessa (1994), de James Gray

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Petição (VI)*


I / II / III / IV / V

* entre outras coisas...


Os homens pequenos
Quando são demais
Não fazem por menos
Tornam-se fatais

José Mário Branco

Como é que é possível ver cinema em Portugal, como é que é possível cimentar um "gosto", seja ele qual for, a ver televisão e a ir ao cinema em Portugal? Como é que é possível fazer cinema em Portugal, assim? É ver o director da RTP2, e perceber que se calhar não é possível, quando defende a programação pelo público infantil, sem lhe passar pela cabeça de que há mil e uma maneiras mais interessantes de o educar e entreter que não aquela; a defender a exibição de séries pelo tempo que têm, ou seja, pela economia temporal, sem lhe passar pela cabeça que há filmes tão ou menos curtos que um episódio dessas séries, é só procurar um bocadinho.

Não é um problema só da RTP, obviamente. É uma mentalidade conjunta, (os tais homem pequenos que se tornam fatais) a nossa, a de que nenhuma acção ou palavra conta, é o deixar correr, que descamba nisto, não se sabe bem como. Porque

"Nenhuma organização, instituição privada ou pública nos ajudou ou quis colaborar de forma expressa e substancial nesta causa"

Vamos ver o Doctor Zhivago e o Ryan's Daughter mil e uma vezes na RTP (penso que entre os vários canais da RTP, passaram perto de dez vezes em 2 anos, cada um) e em 4 por 3, vamos pensar que há uma oferta cultural naquele canal, vamos pensar que este país dá um pentelho pela sua cultura. Pensar que está tudo bem, que tudo se resolve por si, eventualmente. Que o dinheiro vai chegar, que os empregos vão chegar. Como é que fala de classes e de gerações, neste país, se não se tem a mais pequena noção de cidadania e comunidade? Não é possível ter sonhos, ambições, numa sociedade que não os alimente nem os tente incentivar, que nos diz que basta algum conforto e dinheiro para dar sentido à vida. Em tempos de crises várias, de chacota, de desprezo, de desdém, é preciso mais que debates e futebol, é preciso mais que isto. É preciso pensar que com os meios que temos ao nosso dispôr, através dos nossos cargos, "tempo de antena", podemos dar alguma esperança às pessoas, podemos dar-lhes as armas mais poderosas do mundo, a de ver e pensar as coisas de outra maneira, de várias maneiras, a de ser assertivo, compreensivo, em relação ao mundo, a de perceber, precisamente, que há um MUNDO fora deste microíssimo-cosmos de novelas políticas e futebolísticas. É possível ver o caos da vida passar-nos harmoniosamente ordenado à frente dos nossos olhos, a assistir a filmes do Mizoguchi, a ouvir canções dos Beatles, a assistir a interpretações da Nona, dos concertos de Rachmaninoff, e fazer passar algo disso para a forma como vivemos as nossas vidas...

Grande parte dos maiores intérpretes, dos talentos, deste país ou estão nas ruas ou são silenciados, de uma forma ou outra. Criticam e ficam porque amam o testamento cultural lusitano, querem mudar isto. E quem ama o cinema e não tem como o ver como deve ser, está fadado a vê-lo em portáteis, nem sempre nas condições que devia, e a falar sobre ele em blogs, a partilhá-lo assim na esperança de que alguém o veja, nesse processo.

Por fim, e até ver (espero que não seja verdade), é triste que a vontade de 3000 pessoas e o esforço do Luís, do Miguel, do Ricardo, do Carlos e do resto do grupo (eu incluído) não consiga abalar minimamente a direcção da RTP2.

sábado, 12 de março de 2011

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Ainda Land of the Pharaohs



Land of Pharaohs, A Terra dos Faraós
por Pedro Costa

HOWARD HAWKS, Cinemateca Portuguesa, Organização João Bénard da Costa.

"Turn your watch back about one hundred thousand years...
I'll meet you by the third pyramid...
Oh! C'mon!"

The B'52's

No filme Land of Pharaohs, A Terra dos Faraós, há um plano insuportável. É perto do fim, é o último plano da sequência em que a Rainha Nailla morre para salvar o seu filho, o Príncipe Zanin.

Interior, noite. No palácio do Faraó. Imóvel e nú, sentado de pernas cruzadas, o pequeno príncipe toca uma flauta que lhe fora oferecida pela Princesa Nelifer, a jovem amante do Faraó.
Concentrado como num pequeno hieroglifo, repete infinitamente a única música que a Princesa lhe ensinou: uma melodia infantil, simples e hipnótica. O ar quente da noite egípcia torna-se ainda mais lento e mais pesado. A Rainha, a mãe, prepara-lhe a cama, dobra toalhas, ouve e sorri. Não sei quanto tempo depois, um homem de pele escura e olhos a faiscar surge entre as cortinas da varanda; traz uma cesta de verga e uma cobra lá dentro; livre, o réptil desliza aos esses pela laje, encantado pela música. A mãe passa as mãos pelos longos cabelos negros e diz ao filho que já é muito tarde. A criança pede-lhe mais tempo, continua a tocar, engana-se, troca as notas e pára. A cobra pára também. Mas a música recomeça e a cobra vai-se aproximando. Quando a mãe a descobre, ela já está muito perto de Zanin. Tem pouco tempo para agir. Então passa-se uma coisa estranha: a mãe começa a avançar em direcção ao perigo repetindo, quase num murmúrio, "não pares de tocar", "é tão bonita", "não pares...". E a cadência dos passos dela é o tempo da melodia, é o rastejar da cobra. Os três tempos diferentes são agora e por longos instantes um só tempo. O plano que se segue dura dois, três segundos, menos talvez. O corpo da mãe voa na sala, impulsionado por uma força descomunal e esmaga-se sobre a cobra, ao lado da criança. A imagem desaparece no negro assim mesmo, a arder gelada.

Depois ouve-se um grito e vemos um gesto de alívio; a Princesa Nelifer respira fundo.

Tudo o que se passou neste extraordinário plano não pode ser dito. Ele não é a imagem do filme A Terra dos Faraós mas todo o filme está contido nele. A pressão do Tempo, a Morte no plano, no filme, explode-nos na cara. E a ferida que agora nos rasga já a tínhamos pressentido no passado, arranhões à flor da pele, no trabalho com as pedras, e não cicatrizará no futuro do filme que continua.

Não há remédio; não podemos deixar de ver.

Deve haver um limite para além do qual a imagem estática, frontal, ascética se torna insuportável e esse traço invisível, essa ferida, jamais poderemos deixar de a ver. O Tempo e o Espaço tão saturados, tão cheios de vazio e de tudo entram em guerra e a imagem só tem uma salvação: fazer um gesto, tornar-se criadora ou destruidora. O movimento recém-nascido será sempre belo e implacável. Howard Hawks sabia. Conhecia o segredo. Só que levou muitos anos de vida e muitos filmes para chegar a este confronto mortal.

Face a face como num duelo do seu filme seguinte.

E a face impenetrável, as ossadas vazias e pulverizadas que ele vê ao fundo dessa rua de poeiras sem defesa, interrogam-no, em silêncio. O duelo com o Absoluto, a magnífica construção que Hawks decidiu começar e acabar em A Terra dos Faraós devolveu-lhe uma violência surda e um terror cego que sempre lá estiveram, que eram dele. Um homem sonha com o Absoluto, submete-se aos ritmos cósmicos, e perde-se nele. Aquele plano que me mete medo é antecedido por um grande-plano – um dos raros grandes-planos do filme – um traveling do belo rosto da Rainha Nailla. O tempo dilata-se e comprime-se, torna-se elástico e múltiplo e a câmara de Hawks não nos ajuda a ir mais depressa. E era preciso ajudá-la porque ela sabe o segredo mas não o sabe dizer. Ela é luminosa e sombria, ela conhece a maldição ancestral, lembra-se de tudo, é ela a destruição, era preciso ir mais depressa, salvar a bela Nailla doente, morta entre os vivos. E, pouco a pouco, de repente, o medo absoluto que transparece nela, é enevoado por outra coisa ainda mais terrível: nos lábios finos desta mulher começa a nascer um sorriso muito pequeno, muito evidente; um movimento. Mas o plano não a socorre, não há impulso que a salve, que a projecte no plano seguinte. Hawks corta e monta. Quando ela voa já é outra coisa, já lá estava e começou no corte: é, num mesmo tempo e num mesmo espaço, o que é e o que já não é, o que mexia ainda agora vai parar para sempre. Exacta, fugaz e inocente. Morta entre os vivos. Desapareceu no negro e agora já não nos lembramos do seu belo rosto de esfinge. Porquê? E no entanto, longe dali, noutro tempo, há outra mulher que respira fundo, aliviada. Hawks, o homem, fez tudo o que havia a fazer nesse plano. Filmou o mais antigo e o mais moderno, a imobilidade e o movimento, o tempo imóvel. Perseguiu a fusão rebelde dos contrários, a pura beleza desesperada do gesto. Mas como nasceu aquele sorriso? Nos filmes de Howard Hawks não há suspense: espera-se a morte, corre-se para ela e basta. Num plano de Hawks ninguém entra ou sai; está-se preso e nunca se sai vivo, é tudo. Hawks trabalha arduamente para isso: constrói planos sobre planos como túmulos; gigantescos cemitérios. Mas uma pirâmide leva tanto tempo a construir... Uma ciência do pesadelo. Um homem sonha com o absoluto e perde-se nele.

A Terra dos Faraós é um longo pesadelo. É um filme negro, sufocante e perdido desde o princípio. Só lá poderemos entrar perdidos também. Hawks, meio cego e mudo como os seus arquitectos e sacerdotes, dá a mão ao seu Faraó frágil e nervoso – que como o Príncipe Mychkine, "não tem o gesto feliz" – e entram nos corredores secretos, atravessam grandes mastabas, vigiados e protegidos por grandes massas de esfinges monolíticas, alternadamente, plano a plano, à esquerda e à direita dos enquadramentos. Cá fora, à luz do Deus Rá, vistos do alto da pirâmide, eles todos, perfilados, nos castanhos e nos ocres do grande Trauner, um pouco enegrecidos pelo basalto e fulminados pela magia de Garmes e Harlan, sujos pelo tempo, pelo clima e pelo esforço, mas sempre serenos, impenetráveis, longínquos, camponeses e operários egípcios, trabalhadores do grande túmulo, artesãos das suas próprias sepulturas, em marchas longas como o Nilo, vigiados por lentas panorâmicas imóveis que não os deixam sair de campo, bem enquadrados os milhares de braços e troncos pouco humanos, em profundidade, com os perfis hieráticos, à esquerda e à direita, Osiris, Isis, Aton e as suas vozes de além-túmulo, de cinema. Nunca vamos com o Faraó pelo Vale fora; Menfis, Tebas, Heliopolis; ver os tesouros, viver as aventuras; ficam os fechados nos planos e as chaves da morte perderam-se. Uma pirâmide leva muito tempo a construir... Montagem paralela, pedra sobre pedra, as imagens dissolvem-se umas nas outras como num sonho, e tudo é pesado e real porque o tempo se vai gravando na película e daqui a pouco diremos: eles todos, estão mortos, podemos rever A Terra dos Faraós mas os figurantes egípcios já não estão vivos. Mas agora podemos vê-los dissolverem-se uns nos outros, gémeos como dois grãos de areia, grãos de tempo, egípcios-segundos, egípcios-minutos, filhos do Grande Deserto que vamos voltar a usar para fazer os nossos filmes do futuro, para esculpir o tempo. A Terra dos Faraós toma o espaço e o tempo como personagens principais: a grande pirâmide para sempre, protegendo os mortos contra os vivos. O combate de Keóps (o conflito, se preferirem) é com o tempo. Irmão do trágico Scarface, o pobre bandido da cara arranhada, o Faraó quer equilibrar-se na sua própria carcaça, podre dentro e fora; só quer voltar para casa para arrumar o seu cadáver; manter o delicado equilíbrio, atravessar outra vez as ante-câmaras de colunas altas, o precioso ponto de prumo entre a admirável postura hierática do semi-Deus e o patético trambolhão do inchado e velho Hawkins. Dar dignidade ao tempo que já falta. E então regressam as assombrações, os grandes-planos: déja-vus na sepultura lógica deste pesadelo. Num campo, o Faraó empapado em sangue, contra os anéis de ouro de uma sólida coluna; e um rosto bovino, suado e disforme; mas os olhos alarmados como os de Scarface. No contra-campo, a princesa Nelifer, aquela que, por natureza, jamais poderá descansar o seu corpo de pin-up, em segredo, no segredo do Faraó. E o que já acontecera acontece outra vez: o tempo pára e dispara, todos os ritmos são diferentes e existem no mesmo plano: o pobre olhar impotente do Faraó fixa a mulher coberta com as suas jóias e no rosto dela nasce um sorrriso. Sem saber ou poder escolher, Hawks faz o derradeiro sacrifício do cinema: não corta nem lança o plano ao negro. A voz dela desliga-se da boca, do êxtase passa ao prazer, a obscuridade obscurece-se e o rosto de Nelifer desfoca-se, perde contornos, perde Identidade.

O Faraó morre sem saber. Quem é esta mulher?
Nem quero pensar!

A Terra dos Faraós é a história de um homem obcecado em guardar o maior dos segredos mas que não sabia esconder nada ao seu amigo de infância. À imagem do seu herói, Howard Hawks perdeu-se entre o pequeno código, que toda a vida o regeu, e esse outro Grande Código do qual não sabemos se acabou por encontrar as chaves.

No Apocalipse (1.18): "Eu tenho as chaves da Morte".

No Livro dos Mortos Egípcio, um hieroglifo: "Não, tu não estavas morto quando partiste!"

De William Faulkner, argumentista deste filme: "Eles todos, perfilados sobre o fundo do verde luxuriante do Verão e a ruína do Inverno, antes que floresça de novo a Primavera, agora sujos, um pouco enegrecidos pelo tempo e pelo clima e pelo esforço mas sempre serenos, impenetráveis, longínquos, não como sentinelas, não como se defendessem com os enormes e monolíticos pesos os vivos contra os mortos. Mas antes os mortos contra os vivos, contra a angústia e a dor da raça humana. Nos bancos de jardim e nas salas de espera, há um peso de vagabundos que, se não existisse, nos transformaria em estrelas cadentes."


quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Da estatura de um Homem


Juventude em Marcha, de Pedro Costa

The Limits of Control, de Jim Jarmusch

domingo, 4 de abril de 2010

"Miracle at St. Anna" - 2008



Adorei o último do Lee que, convenhamos, é só de 2008 e é, já, um objecto perdido no tempo. Passou completamente despercebido cá em Portugal e é lembrado apenas por associação à troca acesa de palavras de Lee com Eastwood. Não pagou um quarto dos custos de produção e comprometerá, possivelmente, a carreira de Lee. Como olharão para o filme daqui a uns anos?
Adorei-o, disse. Por confundir (ou fazer confundir) todas as ideologias, todas as raças e credos, por ser mais sobre hoje do que sobre os anos 40 e por adorar adorar filmes que a maior parte das pessoas detesta. Por ser bem melhor que o "Flags" do Eastwood e por ser tão bom ou melhor que o "Letters"...
Filme menor é o "Inside Man", este não.

*Só para lembrar: De Lee é o mais importante filme americano dos anos 80 (politicamente, os -mentes quase todos, basicamente, eheh). Há, em Hollywood, um antes e um depois de "Do the Right Thing" (eu, assim como quem não quer a coisa, juntava-lhe o "They Live" do Carpenter), seja ou não dos melhores - e é: "Do The Right Thing", "They Live", "Videodrome", "Rumble Fish", "Blade Runner", "Prince of Darkness", "The Year of Living Dangerously", "White Hunter, Black Heart", "White Dog" e "Frantic". E como entrei numa de listas dos anos 80 fica aqui a mundial, também: "Do The Right Thing", "They Live", "Videodrome", "Der Stand der Dinge", "La Messa è Finita", "Idi i Smotri", "Offret", "Recordações da Casa Amarela", "O Sangue" e o "Khane-ye doust kodjast". E pronto, por hoje é tudo.