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domingo, 11 de novembro de 2012

Amplexos - "A Música da Alma" (2012)

Mais um disco nacional imperdível acaba de ser cyber-lançado: os cariocas do AMPLEXOS fizeram um álbum cheio de groove e frituras, com contra-baixos causa-terremotos e batuques de voodoo. Tem hora que o som parece uma funkeira do Sly & the Family Stone; outras horas, algo mais Peter Tosh, beirando O Rappa. Sente-se no ar uma espécie de idolatria a Fela Kuti correndo latente nos subterrâneos do som. Eles arriscam até de "Afrobeat" e "Falsa Salsa", arriscando experimentações, ousadas e livres, com estilos pouco explorados pelos músicos de terra brasilis. A qualidade da produção e da mixagem são de amaravilhar. Disco-viagem, que pede que o ouvinte embarque na jornada e aceite o descontrole. "A Música da Alma" é cheio de emanações (good vibes!) xamânicas, rasta, hedonísticas, maconheiras, místicas, que nos levam "for a magic carpet ride..." Vale a pena conhecer!

AMPLEXOS - "A Música da Alma" (2012)
DOWNLOAD >>> http://amplexosbanda.tumblr.com/

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

"1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer" - Ouça TUDO on-line e di-grátis


Foram disponibilizados TODOS os "1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer" para audição on-line gratuita, saca só: http://bit.ly/NAM38D. Um brinde à rádio romena que realizou esta benfeitoria à humanidade! 

Esta fantástica compilação musical engloba gravações que marcaram época no período entre 1955 e mais ou menos 2005. Inclui clássicos do jazz (Davis, Coltrane, Mingus, Brubeck, Ella Fitzgerald...), do rock clássico (Led, Beatles, Clash, Stones, Floyd...), do punk (Pistols, Ramones, Damned, PiL, Dead Kennedys...), do grunge (Nirvana, Pearl Jam, Alice in Chains, Soundgarden, Screaming Trees...), chegando até discaços mais recentes (Strokes, Arcade Fire, Flaming Lips, White Stripes, Wilco...).

É material de qualidade pra cacete!

Resta saber: isso se aguentará on-line ou o establishment da Indústria Fonográfica já está mexendo seus pauzinhos nos bastidores pra derrubar?

Veja a lista completa dos 1001 álbuns e ouça-os todos aqui.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Blurring Boundaries >>> Beck em 5 Álbuns Essenciais


"Initially pegged as something as a voice of a generation when “Loser” turned into a smash crossover success, Beck did wind up crystallizing much of the post-modern ruckus of the ‘90s alternative explosion, but in unexpected ways. Based in the underground anti-folk and noise-rock worlds, Beck encompassed all manners of modern music, drawing in hip-hop, blues, trash-rock, pop, soul, lounge music…pretty much any found sound or vinyl dug up from a dusty crate, blurring boundaries and encapsulating how ‘90s hipsters looked toward the future by foraging through the past." - STEPHEN THOMAS ERLEWINE (AMG)


Vocês sabem o que dizem sobre David Bowie: que ele é um camaleão humano, capaz de assumir as mais diversas colorações da escala cromática, experimentando com mais estilos que a mais eclética das orquestras, encarnando mais personas que o Johnny Depp... Suas metamorfoses incluem pit-stops no folk lisérgico regado à androginia de Hunky Dory, o glam-rock sci-fi grandiloquente de Ziggy Stardust, passando pela garageira proto-punk dum Alladin Sane, pelo experimentalismo sombrio e ambient da Trilogia de Berlim, sem citar mais uma dúzia de transmutações...

O caso de Beck Hansen me parece similar: este camaleãozinho consegue se camuflar detrás das mais diversas máscaras, e não somente em fases sucessivas de sua carreira, mas frequentemente no transcurso de um mesmo álbum. Beck é um emblema da música pop nos 90 por apostar numa Estética do Liquidificador que dá primazia à diversidade em relação à unidade - sintoma das transformações trazidas pela Cultura Digital (interconexão cada vez mais intensa de elementos díspares) para a composição musical. Talvez seja sintoma de "pós-modernismo", esquizofrenia, perene crise de identidade. Talvez seja um ímpeto aventureiro de quem deseja sempre explorar novos horizontes. Talvez tudo isso junto.

Beck fez de tudo e mais um pouco. Fez rap de branquelo que, como o dos Beastie Boys, trabalha com a técnica metralhadora-giratória-de-referências - como se a composição fosse composta não por versos mas por links. Fez umas funkeiras que beiram o James Brown e o Sly & the Family Stone, como as bomba-pista "Sexxx Laws" e "Mixed Bizness", do altamente festeiro Midnight Vultures. Fez também uns folks introspectivos e melancólicos que remetem a Nick Drake, especialmente no Sea Change, álbum do coração partido e das lágrimas solitárias. Ainda teve a manha de flertar com a música brasileira da Tropicália, de tentar tornar-se o novo Bob Dylan com as letras hieroglifo de Mutations, tudo enquanto sonhava com aquele corte-de-cabelo do-capeta.

A obra de Beck é vasta, irregular, cheia de seus altos-e-baixos. Mas é algo a se explorar com paciência, sem medo dos labirintos e dos versos non-sense, ainda que beire o impossível compreender por inteiro a salada-de-frutas com cogumelos alucinógenos que ele prepara para nosso delirante paladar.

 Aí vão, pois, os 5 álbuns de Beck prediletos de nós aqui do Depredando.

Aprecie sem moderação!




1998 - Mutations

1996 - Odelay

2002 - Sea Change

1999 - Midnite Vultures

1994 - Mellow Gold

segunda-feira, 5 de abril de 2010

sábado, 27 de março de 2010

:: Gil Scott-Heron ::


A REVOLUÇÃO NÃO VAI SER TELEVISIONADA
- por Eduardo Carli -

"Gil Scott-Heron, O artista afro-americano, é simplesmente uma das figuras mais cativantes e importantes do pop mundial. Se você não conhece Gil Scott-Heron, ou até conhece mas nunca ouviu isto posto com tanta convicção, não se acanhe. Nem você nem este escriba estarão errados.
O fato é que o exuberante talento do cantor, compositor, poeta, pianista, ficcionista veio embalado em um contexto histórico e político convulsionado e nunca completamente, digamos, 'dichavado'. Foi a passagem dos anos 60 para os 70, com a radicalização exponencial dos grupos negros, dos estudantes, dos ativistas antiguerra do Vietnã, das feministas..." ALEX ANTUNES, prefácio de Abutre.

A revolução não vai passar na televisão. Nem virá com intervalos comerciais e replays. A revolução, irmão, vai ser ao vivo.

Com estas palavras, declamadas no maior pique, Gil Scott-Heron marcou época com o hino de protesto setentista "The Revolution Will Not Be Televised", perfeita síntese de sua carreira e que demonstra bem sua importância histórica. Ele foi um MC antes de existir o rap; foi Malcolm X cantando um soul; foi o poeta da Revolução Negra no pós-Woodstock; e foi a encarnação do espírito Hip Hop, antes deste existir.

Gil é do Tennessee, terra do blues. Seu leitinho na mamadeira, aposto, foi turbinado com litros de B. B. King, John Lee Hooker, Lightnin' Hopkins e bourbon. Já crescido, mudou-se para New York. Mas não aquela dos cartões-postais ou dos filmes de Woody Allen. Aquela dos guetos e becos flagrados pela lente de Spike Lee, onde porto-riquenhos, dealers, cafetões, putas, tiras corruptos e brancos cuzões se bicam num cenário urbano caótico e tenso.

Era o fim dos anos 1960 e o Black Power não era somente um penteado afro classudo, mas todo um efervescente movimento social. Impulsionados pelo exemplo de Malcolm X e Martin Luther King, os negros americanos "se organizavam para desorganizar". Em protesto contra a segregação racial, o preconceito, o fascismo, o imperialismo, Nixon, a Guerra do Vietnã e outras pragas sociais, inventavam um novo som e uma nova poesia adequadas aos combates dos tempos.

Pouco tempo antes de Scott-Heron "decolar" com o lançamento de seus primeiros álbuns --- o spoken word "Small Talk at 125th and Lennox" e o soul-funk "Pieces of a Man" --- Jimi Hendrix havia blasfemado lindamente contra o Hino Nacional Americano em frente a 500 mil almas embasbacadas em Woodstock. Enfiando distorsão e discórdia no discurso oficial. Pintando de negro, ou afundando na psicodelia, a "Star Spangled Banner".

Gil Scott-Heron, junto com seu truta Brian Jackson, gravaram um punhado de discos brilhantes anos 70 e 80 afora. Ao mesmo tempo louvando seus heróis culturais do passado (John Coltrane, Aretha Franklin, Isaac Hayes, Billie Holliday, Al Green...) e com pés fincados nas problemáticas sócio-políticas da era (em que a "canção de protesto" tinha voltado aos holofotes pelos esforços de Bob Dylan nos anos 60 e a Geração Folk que seguiu seus passos), fizeram pérolas das mais preciosas daquilo que hoje chamamos black music.

Se a obra deste negobão é tão desconhecida entre nós, isto se deve um pouco à estupidez da "Indústria Cultural", que não se dava muito bem com o radicalismo ideológico e a riqueza sônica da arte de Scott-Heron. No meio dos anos 70, a black music de conteúdo político-crítico-lúdico-provocativo (que tinha ainda seus paladinos no Funkadelic e no Sly & The Family Stone) viu-se lançada nas sombras pela explosão da discow. "Gil viu sua carreira ser progressivamente eclipsada com a aproximação e a passagem dos anos 80, época em que a caretice yuppie grassou e desgraçou a cultura pop", escreve o Alex Antunes.

Como o próprio Gil Scott-Heron diz, a galerinha da discow perdeu completamente a noção de que havia uma distinção entre a ferramenta e o objetivo --- "the tool and the goal", como ele diz. A "black music", cooptada pelas grandes gravadoras, cessou de ser uma tool nas mãos de artistas-ativistas lutando pelo goal da transformação social e comportamental, para se tornar hedonismo vazio e consumista. A balada foi sendo despolitizada e foi virando cada vez mais uma curtição frívola e sem consequências, quase um mecanismo de fuga. Demoraria alguns anos até que o Punk nascesse para chutar o rabo da Geração Discotèque e trazer de volta o inconformismo e a rebelião para o centro do quadro...

Gil Scott-Heron, apesar do ostracismo em que caiu por grande parte dos anos 90 e 00, principalmente por ter sido enjaulado pelos tiras duas vezes por posse de "substâncias controladas", continua ativo e operante: acaba de lançar, neste 2010, o álbum "I'm New Here". Suas palavras e discos ecoam dos anos 70 até hoje e "Gil sobreviveu nos samples - de Professor Griff, PM Dawn, Warren G, Chubb Rock, A Tribe Called Quest, KRS-One - para vir, finalmente, a ser entronizado como um dos pais do rap, apenas um passo atrás do coletivo nova-iorquino dos Last Poets", diz o Antunes.

Pois é: não é à toa que Gil Scott-Heron é reconhecido por grandes figuras do Movimento Hip Hop mundial -- como Chuck D ou Mos Def -- como um dos Pais da Matéria, "The Godfather of Rap". Sem ele, talvez não tivessem surgido o Public Enemy e o Outkast, a Lauryn Hill e o Ben Harper, o Rappa e o Planet Hemp. Sem falar que Gil, sendo um maconheirão prá-lá-de-gente-fina, continua sendo uma referência para todos os que curtem os efeitos de expansão da consciência, do senso-de-humor e da percepção estética gerados pela sagrada cannabis...

Pra quem curte literatura, vale frisar ainda que Gil Scott-Heron, poeta de mão cheia, escreveu ainda dois romances: The Nigger Factory e The Vulture. Este último, conhecido por cá como Abutre, saiu no Brasil via Conrad e vale cada centavo. Narra a via-crúcis de um traficante de drogas de New York que tréta com os porto-riquenhos e vê sua vida sempre ameaçada pelos becos escuros do Harlem, Chelsea e redondezas. Lê-se com o prazer que se tem vendo um bom filme de Spike Lee ou um clássico da blaxpoitation (tendência que Tarantino "homenageou" em Jackie Brown).

Devorem abaixo, pois, um bocado de discos deste grande Mestre do rhythm and poetry (R.A.P.!), Gil Scott-Heron, o Abutre!


1970 - Small Talk At 125th And Lenox
http://www.mediafire.com/?najjyyj4jlw



1971 - Pieces of a Man
http://www.mediafire.com/?kdmyzktetyd



1974 - The Revolution Will Not Be Televised
http://www.mediafire.com/?uwiwntuv4yn



1974 - Winter in America
http://www.mediafire.com/?dwjqmnzoc3e


1975 - First Minute of The New Day
http://www.mediafire.com/?zi1jdnmchre



1975 - From South Africa to South Carolina



1980 - 1980


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

:: Dom Salvador e A Abolição ::

Funkjazzpsicodeliabossassambasoulforró
- Bernardo Santana -

Sério, se eu lesse um título desses em uma resenha um dia, nunca que ia chegar perto nem da primeira faixa da bolacha. Se tem uma coisa que o excesso matou nos últimos 15, 20 anos foi a fusão de estilos como uma característica de banda que chame a minha atenção. Na verdade virou algo como um adjetivo bem do malandro pros departamentos de marketing espertinhos. Em resumo — Chico Sciences e outras exceções fora — o lance hoje praticamente se alimenta de si mesmo, na maioria das vezes sem entregar o que é primário: música original (interessante ou divertida).

Já dita a desgraça, o lance é ouvir esse Som, Sangue e Raça, lançado em 1971 pelo pianista Dom Salvador e o grupo de músicos negros chamado A Abolição, e voltar a ter fé na tal mistura de ritmos. Como pode ter dado para perceber, A Abolição era bem influenciada pelo movimento dos direitos civis, que naquele tempo dava uma canseira no status quo do mundo. Mas, apesar disso, a influência parava por aí mesmo: nenhuma das três faixas cantadas do disco quase todo instrumental pega muito pesado na questão da segregação racial. E mesmo assim faz o serviço melhor que muita cota em universidade pública por aí…

Um dos pais do que se resolveu chamar de Brazilian Jazz, Dom Salvador já era uma figura respeitada no cenário da música nacional e internacional no começo dos anos 1960. Vindo do interior de São Paulo, em dez anos o músico tocou com precursores hoje clássicos da black music nacional, como Copa Trio e o Rio 65 Trio. Quando fundou A Abolição, Salvador colocou em prática seu plano-mestre (que ele na verdade chama de “coincidência”) e criou a obra-prima do tal Funkjazz blá blá blá do começo deste post.

Nas 12 faixas do disco, A Abolição lançou o embrião do movimento Black Rio, completando a técnica jazzística de Dom Salvador com suingues — rá! adoro essa palavra — emprestados do soul (Uma Vida, Hey Você), da bossa (O Rio, Samba do Malandrinho), do funk (Guanabara, Tio Macro) e até do forró (Folia de Reis). E o melhor, sem você nem perceber que está ouvindo tudo isso. Em vez de fazer como algumas bandas/músicos atuais e tulhar o cavaquinho (ou coloque aqui o instrumento típico brasileiro da sua escolha) lá na frente pra mostrar a malemolência brasileira, em Som, Sangue e Raça está tudo ali no lugar certo, fazendo seu papel com sossego…

É um disco que chega a ser até mesmo enciclopédico em sua excelência na hora de mostrar o que é o tal do supracitado Brazilian Jazz, e que conquistou admiradores tanto aqui quanto no exterior. Não à toa, Dom Salvador se mudou para Nova York dois anos depois do lançamento e lá reside até hoje, naturalizado e tocando em bares de jazz pelo país natal do ritmo. Ele às vezes ainda volta ao Brasil, faz alguns shows esporádicos e já falou até em montar uma nova versão d’A Abolição. A gente espera chacoalhando os fundilhos com o groove!

DOWNLOAD: 60 Mb - 12 faixas

domingo, 27 de setembro de 2009

:: Hitsville USA - especial MOTOWN ::


:: MOTOR DA ALMA ::

- O "som da América Jovem" do início dos anos 60 era pop com refrões ganchudos, rebeldia zero e disciplina militar. Assim, a Motown levou a música negra ao topo das paradas -

por Sérgio Martins
(*)


Alfred Hitchcock costumava dizer que atores deveriam ser tratados como gado. Na visão do cineasta inglês, valia a pena fazer o elenco de gato e sapato, desde que esse exercício de tortura rendesse um grande filme. Berry Gordy Jr., criador e presidente da Motown, nunca deu pistas de que o mestre do suspense fosse seu diretor predileto, mas soube como poucos aproveitar sua filosofia de trabalho. Gordy fundou uma companhia de discos com regras rígidas para que o "gado" (ou mehor, seus artistas) produzisse muito em troca de tostões. Se Hitchcock criou um estilo próprio de direção, Gordy inventou - ou melhor, se apropriou - do que se convencionou chamar de "Motown Sound".

Desenvolvido por músicos tarimbados nos diminutos estúdios da companhia, o som da Motown tinha características únicas. A bateria e o baixo flanavam acima dos outros instrumentos e qualquer resquício de rhythm'n'blues era varrido para baixo do tapete. Gordy, ambicioso como ele só, queria que os discos de sua gravadora fossem comprados também pelo público branco americano. O refrão tinha de ser ganchudo - e, nessa hora, o volume do baixo e o da bateria caíam assustadoramente. A intenção era fixar a frase no cérebro do ouvinte. Tudo isso executado em no máximo 3 minutos, com letras que tratavam de temas banais, como paixonites e namoricos.

Gordy acreditava que letras do gênero "contra tudo que está aí", como a dos cantores de protesto, deixariam a canção datada. E "Please Mr. Postman" foi a primeira cria de Gordy a alcançar o sucesso planejado. Gravada pelo trio vocal The Marvelettes, a canção entrou no 1º lugar no hit parade dos EUA em dezembro de 1961 - a música repetiria o feito dois anos depois, com os Beatles, e, em 1975, ao ser coverizada pelo duo vocal Carpenters. Com seus 2 minuots e 29 segundos, a faixa mostrou como Berry Gordy Jr. iria ditar as regras da música pop dos Estados Unidos nas duas décadas seguintes.



GORDY, O ERRANTE

Dois anos antes do grande feito das Marvelettes, Berry Gordy Jr era o que se poderia chamar de caso perdido. Nascido em uma família de classe média baixa que se mudou para Detroit a fim de prosperar com a indústria automobilística da região, Gordy desde cedo mostrou que os estudos não eram sua prioridade. Preferia ganhar dinheiro em jogos de azar, que era gasto generosamente nas casas de tolerância da região. Gordy também era pouco afeito ao trabalho. Reza a lenda que ele foi funcionário da Ford - sim, por um dia o futuro dínamo da indústria de discos suou o macacão na fábrica de automóveis. Mas logo percebeu que não era talhado para o cargo. Entre trabalhar como boxeador e a música, acabou abrindo uma loja de discos de jazz. Faliu em poucos meses. Tentou a carreira de compositor. Ele criou hits para o cantor de rhythm'n'blues Jackie Wilson e para a diva Etta James. Faturou alguns cobres, devidamente torrados com prostitutas e outras garotas.

Não à toa, quando armou uma reunião em família para pedir um empréstimo de 800 dólares para montar seu "próprio negócio", Berry Gordy Jr. foi tratado com a mesma desconfiança dispensada a um dirigente do futebol brasileiro. Seus pais e familiares acreditavam que o investimento iria para o ralo. No entanto, Gwen e Anna, duas das irmãs do encrenqueiro, insistiram para que a quantia fosse emprestada. Como garantia, se propuseram a trabalhar ao lado dele para que o irmão mais novo não tentasse nenhuma gracinha.

Os primeiros artistas a bater às portas de Gordy foram os Miracles. Para sermos mais precisos, eles se chamavam The Matadors e um ano antes do pedido de empréstimo apareceram na editora musical onde Gordy trabalhara. Os proprietários da editora mandaram os rapazes passear. Gordy, a princípio, ficou atento ao corpo ajeitadinho da vocalista Claudette. Depois descobriu que ela namorava o matador-líder - um rapazote de 17 anos chamado William Robinson. E mais, detectou talento no rapaz. Os colegas de William o chamavam de Smokey (algo como "enfumaçado") por causa da pele clara e dos olhos verdes.

Robinson vinha de uma vizinhança que era considerada a "Beverly Hills dos bairros barra-pesada de Detroit". Sua vida pessoal era atribulada. O pai largou a família quando ele tinha 3 anos e sua mãe morreu de câncer no cérebro. Ao conhecer Gordy, muito mais do que um empresário e amigo, Smokey ganhou uma figura paterna. Gordy o encorajou a escrever, deu pitados em suas letras e não só contratou os Miracles como colocou seu líder no posto de diretor artístico da nova gravadora. A contratação de Smokey Robinson foi a primeira prova do fato de Berry Gordy Jr para descobrir talentos. Smokey tinha um registro vocal raro (sua inflexão de tenor raramente conseguiu ser copiada) e criava letras maravilhosas sobre temas banais. Uma simples história de um rapaz que amava a garota que o desprezava virava ouro graças às letras e à voz afinada de Smokey.


Gordy batizou a empresa de Tamla Motown. Tamla era uma corruptela de "Tammy", sucesso da cantora e atriz Debbie Reynolds. Motown veio de "Motor Town" (Cidade dos Motores), apelido de Detroit. Gordy comprou um sobrado no número 2648 da West Grand Boulevard, em Detroit, e chamou o lar de Hitsville U.S.A. Acredite ou não, a comunidade artística da cidade apareceu em peso para oferecer seus préstimos. David Ruffin, mais tarde vocalista principal dos Temptations, pintou as paredes do estúdio da sede. O cantor Barrett Strong e o trio de compositores Eddie Holland, Lamont Dozier e Brian Holland também rodeavam a área.

"Money (That's What I Want)" foi a primeira música composta, tocada e produzida na Hitsville USA. A abanda da casa foi recrutada nos clubes de jazz de Detroit (o grupo seria batizado mais tarde de Funk Brothers). (...) As sessões de gravação do hit duraram dias, o que fez Gordy se perguntar se estava no caminho certo. Na verdade, foi tudo um capricho do destino. A canção entrou na 2ª posição da parada de r&b e pavimentou os caminhos da Motown.


CONTO DE FADAS

Às vezes, tem-se a impressão de que a história da Motown foi um conto de fadas, em que artistas de talento indiscutível batiam às portas de Hitsville U.S.A. e imploravam por uma chance. Porém, o que mais um garoto negro de Detroit poderia fazer senão arriscar um emprego numa gravadora de rhythm'n'blues? Foi assim que dois grupos vocais, The Primes e The Distants, uniram-se e montaram os Temptations. (...) Gordy contratou o grupo e o deixou sob os cuidados de Smokey Robinson. (...) Depois de três anos sem sucesso, em 1964 obinson criou "The Way You Do The Things You Do" - canção que entrou no primeiro lugar da parada r&b. No ano seguinte, foi a vez de "My Girl", que alcançou a primeira colocação na parada americana em 6 de março de 1965. A parceria iria render outras 36 canções entre as dez mais. Já os Four Tops foram empurrados para o outro trio de compositores - Holland, Dozier, Holland.


As Primettes eram quatro meninas, fãs dos Primes, que também sonhavam com uma carreira artística. Diana Ross, Mary Wilson e Florence Ballard caíram nas graças de Gordy (em especial Diana, que virou amante do chefão). Entretando a aoposta de Gordy demorou a deslanchar. O trio passou 4 anos amargando piadas infames de seus companheiros de companhia - eles as chamavam de "No-Hit Supremes" porque eram incapazes de frequentar as paradas. Reza a lenda que o presidente da Motown trancou o trio de autores - Holland, Dozier, Holland - numa sala e o obrigou a criar uma canção de sucesso para suas prediletas. O resultado teria sido quatro músicas no 1º lugar da parada - "Where Dir Your Love Go?", "Baby Love", "Come See About Me" e "Stop! In The Name of Love". Além de tirar a uruca que pairava sobre o trio, o êxito coroou Diana Ross como rainha da companhia. Gordy ordenou que ela cantasse todas as vozes principais das Supremes. A Wilson e Ballad cabia apenas a função de responder "baby, baby" ou "oohh, oooh".

CAÇA-TALENTOS

Mary Wells e Martha Reeves eram duas garotas que imploravam para ser ouvidas pelos executivos da companhia. Pedido atendido: ambas viraram estrelas. No Natal de 1960, Gwen Gordy obrigou Berry a contratar um rapaz que rodeava a vizinhança de Hitsville USA. Seu nome? Marvin Gay (ele adicionaria o "e" ao sobrenome por razões um tanto óbvias). Gaye também tinha outros motivos para rodear a casa da Motown. O cantor estava saindo com Anna, irmã mais velha de Gordy. Nascido em Washington, Marvin Gaye foi uma das figuras mais sombrias da história da Motown. Para desespero do pai, que era pastor (mas não se furtava em passear com roupas de mulher após os cultos), ele seguiu carreira como cantor de rhtyhm'n blues, gênero musical considerado profano. Portanto, papai (ou mamãe, dependendo do dia) nunca perdoou a opção do filho.

O próprio Marvin Gaye tinha dúvidas a respeito de seu talento. No fundo, ele queria se tornar um crooner de jazz, no estilo de Frank Sinatra. Mas Berry Gordy o contratou e, a princípio, o colocou como músico de estúdio - Gaye toca bateria em "Please Mr. Postman", das Marvelettes, e "Fingertips", de Stevie Wonder. Depois, o deixou aos cuidados de seus produtores.

A Motown realmente atraía grandes talentos. Certa vez, Mickey Stevenson, executivo da companhia, entrou esbaforido no escritório de Berry Gordy: "Você tem de ver esse garoto", disse. Gordy desceu até o estúdio de Hitsville USA e topou com Ronnie White, um dos vocalistas de apoio dos Miracles, ao lado de um menino cego. O garoto, na época com 11 anos, sabia tocar gaita, bongô e tinha boa voz. Seu nome era Steveland Morris. Gordy o chamou de Stevie e adicionou o apelido Wonder (maravilha).

Terceiro de uma família de 6 irmãos de Michigan, Steveland Morris ficou cego por causa de um acidente tolo: a enfermeira da maternidade emq ue sua mãe o deu à luz o deixou tempo demais na incubadora. A falta de visão, contudo, nunca atrapalhou seu bom humor. Pelo contrário, Stevie até fazia piadas a respeito disso. Uma de suas diversões prediletas era adentrar nos estúdios no meio de uma gravação. Dizia que não tinha visto a luz vermelha indicando que a entrada era proibida. Stevie pedia para que alguém mais próximo descrevesse como era a roupa que determinado músico estava usando. Depois, aproximava-se do infeliz e descrevia cada detalhe da vestimenta. Na adolescência, já com os hormônios em ebulição, Wonder se fartou de tocar os seios das funcionárias da companhia - depois, na maior cara-de-pau, pedia desculpas pela indiscrição.

Nesse conto de fadas, Berry Gordy Jr. era o príncipe encantado, mas também fazia o papel de bruxa má... Nenhum artista da Motown ficou rico, apesar de tantos sucessos na parada. Gordy os mantinha sob contratos leoninos, em que pagava salários semanais e ficava com a parte do leão. Qualquer gasto adicional de estúdio, roupas e bebidas era debitado na conta do astro. Os Funk Brothers perderam milhões em direitos autorais, pelo prosaico motivo de não serem creditados nas capas dos discos. Martha Reeves se surpreendeu ao deixar a companhia e descobrir que até o uso de seu nome estava registrado como propriedade de Berry Gordy Jr.

Por outro lado, os cuidados da Motown fazia com que os artistas tivessem aulas de boas maneiras (muitos deles nem sequer sabiam comer de garfo e faca), de dança e de como dar entrevistas. Muitos astros que se queixaram da roubalheira da Motown fracassaram depois de sair da companhia. Mandinga de Berry Gordy? Não, eles simplesmente perdiam o toque mágico.


BURRADAS

Após o sucesso de "Please Mr. Postman", Berry Gordy e a Motown se tornaram nomes consagrados nos Estados Unidos e no resto do mundo. Dali a pouco, ele recebeu o telefonema de um executivo da Capitol Records. O sujeito dizia que os Beatles queriam gravar três hits da companhia em seu segundo LP britânico - "Please Mr Postman", "You Really Got a Hold On Me" (de Smokey Robinson) e "Money (That's What I Want)". O único entrave é que Brian Epstein, empresário dos ingleses, queria pagar apenas metade dos royalties das canções. Gordy disse não. Aí, como diria Chico Buarque, ao saber de tal heresia, a cidade em romaria foi beijar as mãos de Gordy. Smokey Robinson chorou, dizendo que a mulher estava grávida e que a grana dos ingleses viria a calhar; os executivos da Motown queriam internar o próprio presidente. Gordy, então, cedeu. E fez uma bela burrada: poucos meses depois de ter concordado com o achaque de Epstein, os Beatles eram o grupo mais famoso do planeta e seu Second Album chegou às principais redes de lojas de discos dos EUA. Se ele insistisse em sua proposta, talvez Smokey e alguns privilegiados da Motown estivessem hoje mais ricos.

A segunda fase da Motown entrou em vigor ainda nos anos 60. Um monte de astros foi substituído (Florence foi demitida das Supremes, Holland-Dozier-Holland queriam melhores salários e receberam cartão vermelho), outros apareceram (entrou Norman Whitfield para trabalhar com os Temptations, Gladys Knight trouxe os Jackson Five) e, no final da década, Gordy mudou a sede de Detroit para Los Angeles. Foi lá que Marvin Gaye e Stevie Wonder iniciaram suas fases mais ousadas, com clássicos como What's Going On e Talking Book. Contudo, Gordy, seduzido pela indústria do cinema, perdeu muito dinheiro.

Recentemente, um telefilme baseado na história dos Temptations bateu o Parque dos Dinossauros em audiência na TV. Há alguns anos, o documentário Standing In The Shadows of Motown concorreu ao Oscar de sua categoria. A Motown é eterna - assim como os filmes de Hitchcock.

* texto extraído da História do Rock Vol. I da Bizz - 1936-1963 - pgs 70-77)


DOWNLOADS:


Hitsville U.S.A. - The Motown Singles Collection (1959-1971)
- caixinha de 4 CDs com os grandes hits da "fase de ouro -

Disco 01: http://www.mediafire.com/?ni4j0no4cqk
Disco 02: http://www.mediafire.com/?1gty2hjmnmm
Disco 03: http://www.mediafire.com/?yiom5kmfdzd
Disco 04: http://www.mediafire.com/?ziozmkuj0fg


Documentário: Standing In The Shadows of Motown
diretor: Paul Junkman
Download do DVD (3.5 GB) no piratebay