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terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Stephen Malkmus & The Jicks - ao vivo no Lee's Palace (Toronto), Fevereiro de 2014



A noite estava gelada, com os termômetros bem abaixo de zero e as calçadas escorregadias com tanta neve derretendo, mas me escudei contra a friaca atrás de vários agasalhos e encarei o monstro do inverno canadense pra ir pela primeira vez ao Lee's Palace, na Bloor St., um pub com um certo charme punk e que talvez mereça o título de "O CBGB's de Toronto". Após anos ouvindo e curtindo o som do lendário Pavement - em especial aqueles que considero obras-primas (da banda e do rock alternativo nos 90), "Crooked Rain" e "Wowee Zowee" - era chegada a hora de ver em carne-e-osso uma lenda-viva do indie-rock internacional.

 À frente de sua nova banda, o The Jicks, Stephen Malkmus está não só à vontade e cheio de alegria: ele parece estar entre amigos, curtindo a viagem. O sujeito é tão prolífico, produz novo material com tamanha facilidade, que já gravou mais álbuns de estúdio com o The Jicks do que com o Pavement (que acabou após 5 discos); o clima das duas bandas, porém, é bem semelhante e dá pra dizer que Malkmus oferece "mais do mesmo" - o que não é um problema, se este "mesmo" é algo de extraordinário transformado em experiência cotidiana.

 Malkmus hoje já é um quarentão, mas continua com pique intacto: seus vocais à la Lou Reed prosseguem tendo um certo charme new wave (um certo sabor de Undertones ou de Elvis Costello); as letras espertinhas e cheias de gírias não estão distantes do que o Beck costumava fazer lá na fase Odelay, e Malkmus tem o dom para fazer um "rap de branquelo" por cima de um instrumental de guitarband noventista; e as guitarradas são pra tímpano nenhum botar defeito: ao vivo, Malkmus & The Jicks soam estrondosos como um Dinosaur Jr ou um Built to Spill....

 Bem-humorado e cheio-de-graça, Malkmus também se arrisca como stand-up comedian, e com bons resultados; no show, se derreteu em elogios à terrinha que deu ao mundo "Neil Young, Sloan e a cerveja Moosehead" ("thank you, Canada!"). Quando a bela baixista reclamou que o público da noite era muito masculino, e que só se ouviam marmanjos cantando junto, Malkmus mandou: "Ora, mas somos todos mulheres no indie rock..." Cerca de 1.000 pessoas lotavam o Lee's Palace neste sábado memorável, e com certeza a grande maioria voltou pra casa bem satisfeita com o banquete musical servido por Mr. Malkmus e Cia. Na sequência, compartilho o vídeo que fiz registrando cerca de 15 minutos do show - editado na correria, mas tá valendo como souvenir:

 

segunda-feira, 2 de abril de 2012

"Se essa maré me der um caldo..."


Quarta edição da série de coletâneas que reúne a nata da Nova Música Brasileira. Estrelando… Vivendo do Ócio, Nevilton, Diego de Moraes e o Sindicato, Amp, Luxúria, Black Drawing Chalks, Alarde, Rinoceronte, Mukeka di Rato, Transmissor, Aurora Rules e Ultravespa. Suba o volume pro talo e boa viagem!

E tem 10 coletinhas depredadoras aqui: http://8tracks.com/depredando

sábado, 11 de fevereiro de 2012

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

<<< Fugazi: Independência ou Morte! >>>

D.I.Y or D.I.E.!

- breve história de uma das mais importantes
bandas punk dos anos 90
-

(por Eduardo Carli de Moraes)

"Se a História for simpática com o Fugazi, os discos da banda não serão obscurecidos pela reputação e métodos de trabalho deles. Ao invés de serem conhecidos por seu ativismo comunitário, shows a cinco dólares, CDs a dez dólares, resistência às ordens do mainstream e folclore fictício cercando seus estilos de vida, eles serão identificados por terem fixado um grande nível para excelência artística que é frequentemente buscado mas raro de ser conquistado. Durante sua existência, o quarteto criou algumas das canções de pós-hardcore mais inteligentes, revigorantes e indubitavelmente musicais já feitas. Lado a lado com sua ética underground - que se baseava mais em pragmatismo e modéstia do que qualquer outra coisa - eles ganharam um culto global numeroso e extremamente leal. Para muitos, o Fugazi significava tanto quanto Bob Dylan tinha significado para seus pais. (...) Mais que qualquer coisa, o Fugazi inspirou; eles mostraram que a arte podia prevalecer sobre o comércio." ALL MUSIC GUIDE


O ideal que rege o trabalho e a concepção de mundo do Fugazi praticamente resume o "Evangelho Indie" que brada "Independência ou Morte!": fuja do mainstream e das majors, funde tua própria gravadora (nesse caso, a já lendária Dischord), venda seus discos a 10 mangos e seus ingressos a 5, dê entrevistas quilométricas para zinões toscos de fundo de quintal enquanto levanta o dedo médio pra Rolling Stone e pra NME, e nunca se esqueça de denunciar toda a podridão que se esconde por trás do Esquema do Pop capitalista e da Sociedade do Espetáculo gerida pelas elites - uma indústria cultural ganancioso, fútil, burra, falsária e alienante (pra dizer o mínimo). Tudo aquilo que procure vincular a música à engrenagem perversa de multiplicação de capital, tudo o que tem a ver com fabricação de estrelas a serem amadas de joelhos nos altares do pop, tudo o que é feito tendo em vista o sucesso e aos bolsos cheios de verdinhas é absolutamente repudiado pelo Fugazi.

A salvação, não cansam de dizer eles, é a Independência ardentemente procurada e conquistada, o do-it-yourself, uma espécie de anarquismo comunista transposto para o punk rock e clama: D.I.Y or DIE! Podem ter certeza que esses caras nunca iriam assinar um contrato escravizante com a Warner Brothers ou Sony, nunca seriam anunciados como hype num Top Of The Pops, nem nunca iriam permitir que seus CDs ou shows custasse mais do que o proletariado pode pagar. Por tudo isso e muito mais, o Fugazi é hoje é matéria de lenda: uma das mais influentes, incendiárias e inspiradoras bandas dos anos 90, cuja música altamente virulenta e empolgante encontra ampla ressonância na práxis concreta e na atitude política.

A Dischord, nascida para que o Teen Idles (antiga banda de Ian MacKaye) pudesse auto-lançar seu material, hoje já tem mais de 20 anos de idade e está devidamente consolidada como um pilar fundamental para o rock independente americano nas últimas décadas. "É difícil de imaginar onde milhares de bandas estariam hoje - Rage Against the Machine, Nirvana, Beastie Boys, Sleater-Kinney - se a Dischord não tivesse emergido no horizonte cultural nos anos 80", diz uma matéria na SALON. "Diferente de muitas gravadoras independentes, a Dischord não se comporta como um gravadora major em miniatura. Nenhuma das dezenas de bandas que lançaram discos com MacKaye o fez sob qualquer obrigação contractual com o selo. CDs, vinis e outros lançamentos recebem um preço congruente com os custos de produção e distribuição".

Ou seja, a Dischord é quase uma empresa sem fins lucrativos atuando muito mais por devoção ao punk rock do que por ganância financeira. O próprio MacKaye esclarece: "um aspecto dessa gravadora que resultou em nossa longevidade é que eu odeio a indústria de discos. Eu nunca quis possuir uma gravadora em si. Eu queria lançar discos e eu odiava tanto a indústria que não conseguia suportar a idéia de qualquer outra pessoa lançando os discos... pois eu nunca pude confiar neles." Uma boa amostra do que fez a gravadora nessas duas décadas de vida pode ser encontrado no BOX 20 Years Of Dischord, recentemente lançado nos EUA, que resume em 3 CDs o que de melhor foi gravado nos estúdios do selo.


Além dessa radical tomada de posição anti-capitalista, o Fugazi também é famoso por seguir e "propagandear" o estilo de vida Straight-Edge, filosofia prática que não deve ser familiar àqueles que não estão inteirados com os subterrâneos da cena punk, valendo a pena então dar uma clareada no seu significado: "Straight Edge" é, antes de mais nada, uma música do Minor Threat, a banda de hardcore que Ian MacKaye chefiava na segunda metade dos anos 80, música que serviu para batizar este "movimento comportamental" dentro da cena punk. Os mais fanáticos seguidores vêem nele muito mais do que uma modinha ou do que o nome de uma tribo urbana: para eles, Straight Edge é uma ideologia seguida com uma ortodoxia digna de um religioso fervoroso. Para os detratores, os punks straight-edge representam a parcela mais "puritana" e "moralista" dentre os punks, mas não há poucos que ressaltam o fato de que o straight-edge foi importante para provar que ser um punk, ao contrário do que dizem os reaças, conformistas e fascitóides em geral, não era sinônimo de ser imoral, violento ou vândalo mas, pelo contrário, incluía valores éticos como autonomia, autenticidade, auto-determinação, sensibilidade às desigualdades sociais, engajamento político contra os males do alcoolismo, da dieta carnívora e das políticas conservadoras.

A filosofia straight-edge solicita de seus seguidores que não consumam nenhuma droga (nem mesmo o álcool), que não se entreguem a relações sexuais casuais e promíscuas, que pensem com uma "mentalidade comunitária", que não se deixem nunca dominar pela violência e pelo vandalismo, dentre outros preceitos. Há até mesmo aqueles que se pronunciam convictos vegetarianos (a sub-seita vegan é forte dentro do universo straight-edge). Apesar de haver uma série de bandas underground que se dizem straight-edge, o Fugazi e o Minor Threat permanecerão sempre como as duas bandas-símbolo do movimento e Ian MacKaye, queira ou não, como o messias dessa religião laica...

Não é difícil de simpatizar com a banda só por isso que ficou dito, e não foram poucos os que manifestaram sua empatia com a luta fugaziana (Kurt Cobain, por exemplo, declarou que muito admirava a "integridade" do Fugazi). Mas por enquanto ainda não saímos do domínio da política, do comportamento, da atitude frente ao capitalismo e à indústria cultural, e não chegamos ao que também interessa checar: a música. "Se a História for simpática com o Fugazi, os discos da banda não serão obscurecidos pela reputação e métodos de trabalho deles", diz a bio da banda na AMG. É uma pena o fato da banda ser mais célebre pela ideologia indie ortodoxa e pelo modo-de-vida straight-edge do que pela própria música que fazem.

As mitologias que circulam por aí sobre os membros da banda beiram a lenda folclórica e acabam desviando a atenção pra longe do som: "Uma vez que a banda não dava entrevistas para publicações grandes, alguns jornalistas foram deixados livres para improvisar e optaram por tomar licença criativa. As fofocas entre a base de fãs era igualmente imaginativa. De fato, alguns dos caras que iam aos shows poderiam se surpreender de ver a banda chegar aos locais em vans, e não num comboio de camelos. Aqueles que falavam com membros da banda ficavam surpreendidos de ouvir que eles viviam em casas - e não em monastérios - com calefação funcionando... e que suas dietas não eram estritamente à base de arroz", diz o bem-humorado cara da AMG.

Pois bem: os fatos, depois dos mitos. A banda começou sua caminhada em 1987, na capital americana Washington D.C.c, formada das ruínas de algumas bandas importantes na consolidação do hardcore e do emocore americano. Do Minor Threat, banda de breve carreira que é hoje considerada uma das mais importantes da história do hardcore (lado a lado com os Dead Kennedys, o Husker Du, o Discharge...), saiu o vocalista Ian McKaye. Do Rites Of Spring, o guitarrista e vocalista Guy Picciotto. Foram complementados pelo baixista Joe Lally e pelo baterista Brendan Canty. Através dos anos 90 e 00, lançaram (sempre via Dischord) os seguintes álbuns: 13 Songs (que reúne os dois primeiros EPs lançados pela banda, o auto-entitulado de 1988 e o Margin Walker de 1989), Repeater (1990), Steady Diet Of Nothing (1991), In On The Kill Taker (1993), Red Medicine (1995), Instrument (trilha-sonora, 1998), End Hits (1999) e The Argument (2001). Após o fim da banda, McKaye e sua esposa formaram o duo The Evens, com dois álbuns lançados.

Descrever a música com palavras sempre é tarefa complicada, mas tentemos. O Fugazi sempre me pareceu a irmã menor do Gang Of Four na família que tem por papai o The Clash e por mamãe o pós-punk ao estilo PiL (se bem que com uma violência sônica mais brutal). Como o Gang e o Clash, o Fugazi também é uma banda profundamente política, engajada, militante, mas a analogia não pára por aí. A música do Fugazi compartilha com o Gang of 4 e com o pós-punk em geral alguns elementos clássicos: a preferência dada ao fator rítmico sobre o melódico, a gravidade dos instrumentos solo (que faz com que as guitarras tenham aquele som quase de baixo e que quase nunca saiam fazendo solinhos agudos), a ausência quase completa de lá-lá-lás cantaroláveis. O Fugazi é muito mais um monstro rítmico barulhento do que uma fábrica de doces melódicos, caindo vez ou outra num experimentalismo que beira a atonalidade e o sonic-youthianismo. Bandas como o ...Trail of Dead, o Mission of Burma, o Jesus Lizard, o Jawbox, o Plastic Constellations e o Giddy Motors seguem o mesmo evangelho e são outros parentes próximos na família Fugazi.

Em resumo: tanto pela música empolgante e contagiosa quanto pela atitude muito elogiável, o Fugazi é tipo um MODELO. A heróica banda que segura a bandeira do underground com a mais firme das mãos e que conduz o mastro da Dischord por mares turbulentos sem naufragar. Os corajosos punks que ousaram questionar todos os estereótipos e sugerir que ser punk poderia ser outra coisa que não somente destruição, anarquia e niilismo (e que podia se basear em espírito comunitário, ativismo político, construção de valores alternativos...). Enfim: a banda-emblema dos anos 90 a provar que "a arte podia prevalecer sobre o comércio". Uns HERÓIS, esses caras!

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"13 Songs" (1989) - 33 MB
"Repeater" (1990)


"Steady Diet of Nothing" (1991)



"In On The Kill Taker"(1993) - 76 MB



"Red Medicine" (1995) - 60 MB

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

<<< O Vaca e o Porão: aperitivos! >>>

É uma assembléia? Um levante? Um arrastão? Não!
É o Terra Celta invadindo o Sertão...

A gente teve lá, nos dois últimos ruidosos findis, arruinando com prazer tímpanos e fígado para checar de perto um pouco do que a música independente brasileira está gerando de melhor. O Porão do Rock, em Brasília, e o Vaca Amarela, em Goiânia, dois dos mais significativos festivais que rolam anualmente no país, fazem por merecer longas matérias gonzo à la Tony Parsons que já estão em incubação. Mas a cobertura completa, contando tim-tim por tim-tim e pogo-por-pogo o que rolou no Planalto Central nestes últimos tempos, vai ficar pra mais tarde: é uma das atrações que vai rechear o lançamento iminente do nosso novo lar: o http://depredando.com. Por enquanto, fica aí um tiragosto de como foram estes dois grandes festórios da cultura independente brazuca em momentos de plena efesvescência.

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entrevistamos a galera do Fusile um tempo atrás, empolgados com um dos EPs de estréia mais apetitosos do rock nacional nos últimos tempos. Agora tivemos a chance de ver ao vivo o ska-core maníaco dos mineiros e compravamos: é coisa fina. Apesar das comparações com o Móveis ou o primeiro Los Hermanos, estes fusiladores me soam mais como estas big-bands modernas tri-legais como o Squirrel Nut Zippers e o Big Bad Voodoo Daddy. Boom boom boom!



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Rivalidade futebolística às favas, frisemos que nuestros hermanos argentinos do Los Primitivos fizeram um dos shows mais dilícia do Porão deste ano --- e depois repetiram a dose tocando no Vá Tomar no Kuka de Goiânia. Foi talvez a mais grata atração internacional do festival brasiliense, que contou ainda com Supersuckers e The-Right-Ons. O power-trio doidão de Buenos Aires toca um psychobilly retrô com a safadeza e a naturalidade com que Maradona fazia gols com a mão. E o título do primeiro álbum mostra bem as intenções malévolas dos sacanas: querem rockear "hasta que caigas muerto"!



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Fazendo jus à sua posição vanguardista na ascendente cena instrumental brasileira, que conta ainda com o Macaco Bong e o Hurtmoldt (dentr'outros), os gaúchos do Pata de Elefante fizeram um dos shows musicalmente mais ricos do Vaca. Belíssimos solos de guitarra deitam-e-rolam sobre um cabuloso groove cozinhado pelo resto da manada. Este mamute, apesar de seu peso, mostra uma grande facilidade em alçar vôo. Chuuupa, Dumbo!



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O Sick Sick Sinners, que toca psychobilly tão pesado e tão urrado que mais parece o Motörhead do Paraná, fez um dos mais marcantes ataques psicóticos em formato de som do Porão. Foi tão insano que uma hora a roda de pogo virou pancadaria e deve ter tido neguinho mandado pro hospital. Com vocês, Curitiba psychos on the loose!



(Não, não é uma cover de "Ace Of Spades"!)

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Não dá pra não pagar pau mais uma vez pra catártica e insana festa pagã do Terra Celta. Ouso até dizer que o Móveis Coloniais de Acaju tá ameaçado de ficar comendo poeira frente a estes malucos no quesito "show mais empolgante do Brasil". Chega a ser inacreditável a recepção extremamente positiva do público que se entrega massivamente à mistureba de música celta, baião e atitude punk-rock que transformou o Estação Goiânia numa orgia hedonista de abrir sorrisos em Baco e Dionísio. Como tiragosto, traguem este lullaby bebum:



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Pra terminar este breve antepasto, degustem aí o Pato Fu num de seus momentos mais lúdicos no show de Brasília. É o momento em que o John assume o comando e a banda descamba pruma garageira de prima, mezzo Nuggets, mezzo Mutantes.Vale ressaltar que, num festival em que o pessoalzinho começou a ter os primeiros comas alcóolicos enquanto o Sol ainda estava caindo, com umas 12h de som ainda pela frente, quem demonstrou personalidade foi a Fernandinha Takai em sua escolha de goró. Porque beber Toddynho frente a 32 mil pessoas exige é muito culhão!




Logo mais tem mais!

(Fotos: Goiânia Rock City)

sábado, 10 de abril de 2010

:: Pavement For Dummies ::


-- por Eduardo Carli ---

Nem sou muito chegado em coletas, que costumam ser pragas caça-níqueis que as majors tiram da cartola para maximizar lucros com sacais "greatest hits", mas esta bolacha do recém-renascido Pavement a gente faz questão de recomendar com entusiasmo. Baixem djá!

Stephen Malkmus e sua trupe, que tinham se separado após o quinto álbum Terror Twilight (1999), deram uma de Fênix neste 2010 e tão de volta das cinzas, com força total: vão sair na já hypada Tour da Reunião, escalados até como um dos headliners do Coachella, e rpometem musiquetas novas para logo. Para celebrar a renascença, soltaram este Quarantine The Past, bolachinha que serve como um excelente "Pavement For Dummies" (and for fans!): são 23 pepitas (incluindo singles e faixas de EPs, músicas não presentes em nenhum dos álbuns de estúdio), todas selecionadas pelos próprios caras.

Taí uma oportunidade supimpa pros leigos conhecerem várias fases e tendências de uma das mais seminais bandas noventistas --- da faceta low-fi / róque de baixíssimo orçamento à la Guided By Voices (e que gerou Slanted & Enchanted, um dos debuts mais cultuados da década) às doideras tortas à la Velvet Underground, das pós-punkices que vão no rastro do The Fall às letras crípticas, nonsense e cheias de referências pop que só encontram paralelo na lírica dum Beck ou At The Drive-In.

Todas as cancionetas assoviáveis e power-pop estão aqui, para que ninguém ralhe que o Pavement é uma "banda difícil e intragável", caso das irresistíveis "Cut Your Hair" (do clássico-mor Crooked Rain, Crooked Rain), "Stereo" (do modesto Brighten The Corners) e "Shady Lane" (do canto de cisne Terror). A faceta baladeira, sempre tingida com aqueles vocais charmosamente desafinados e tímidos à la Lou Reed, também marca presença (com "Spit On a Stranger" e "Here"), lado-a-lado com as barulheiras trashy e punky (como na esporrenta "Unfair"). E não falta o lado experimental-malucão-nerdoso do genial Wowee Zowee, um dos discos mais injustamente subestimados da história do indie-rock.

Não percam, pois, este discaço que vem em muito boa-hora pra nos lembrar que fodástica banda era (e é!) o Pavement. E que este disco nos instigue a cair de cabeça, mais uma vez, nestes 5 grandes álbuns que eles nos legaram, algumas das melhores obras do rock alternativo americano nos anos 90. Gold soundz!

Para mais info, remetemos à bela matéria da Pitchfork. Glue there!


PAVEMENT - Quarantine The Past
[23 faixas, 320kps, 150mb]
http://www.megaupload.com/?d=JTE5HTHI

domingo, 27 de dezembro de 2009

:: Projetores Sujos ::


:: DIRTY PROJECTORS ::
por Eduardo Carli de Moraes

"I want to believe that the creative life is a sustainable life, and that
invention is an endless renewable resource. It's depressing to think of
creativity as psychic deforestation -- I don't want to be bald at the end of this.”
--- David Longstreth

Projetores sujos não necessariamente estragam o filme: talvez o deixem mais vago e onírico, surreal e bizarro, psicodelizando o que seria sem graça se viesse sem distorções. Imaginem que massa um filme de David Lynch ou Guy Maddin projetado por lentes imundas sobre um lençol esvoaçante! Talvez ter isto em mente ajude os viajantes a curtirem a estranhíssima viagem de cinema auditivo que o Dirty Projectors nos oferece com seu Bitte Orca, um dos discos mais celebrados (e esquisitos) de 2009.

Este sexteto de Nova York, liderado pelo inventivo David Longstreth (possuidor dum diploma responsa de composição musical em Yale), não tem alergia à esquisite nem o mínimo medo de ser weird(o). Prova da aventurosidade destes arteiros é o álbum de 2007, Rise Above, onde regravaram um clássico do punk (Damaged, do Black Flag) inteiramente "de memória". Ou seja, entraram no estúdio para coverizar um álbum que não ouviam há mais de 10 anos, marco de suas adolescências, desconstruindo e re-criando, sem nenhuma vontade de soarem fidedignos, as ferozes pepitas de Henry Rollins & Cia. O bizarro resultado é semelhante ao que ocorreria se o Belle & Sebastian, por exemplo, regravasse Fresh Fruit For Rotting Vegetables, do Dead Kennedys.

Já no novo álbum, universalmente aclamado como o ápice da carreira da banda, os Projectors viajam felizes por um amplo espectro sonoro, realizando "uma perfeita união entre excentricidade e acessibilidade" (como diz a resenha do A.V. Club). "Virtuosístico mas lúdico, imprevisível mas acessível, Bitte Orca não é um álbum de gênero, encapsulando idéias em demasia para poder ser arquivado convenientemente sob o rótulo 'indie' ou 'experimental'", escreve a Slant (que os compara aos Books, aos Battles e ao Of Montreal).


Findo este 2009, ano fértil em experimentalismos (a julgar pelos álbuns do Animal Collective e do Grizzly Bear, ambos incensados pela crítica mundial), o Dirty Projectors vê-se sagrado como uma das bandas de saco-mais-puxado pelos cri-cris: Bitte Orca foi eleito o 2º melhor disco do ano tanto pela revista Time (ficando atrás de Brad Paisley) quanto pela Pitchfork (que elegeu o Animal Collective) – dois vice-campeonatos de muita responsa. Entrou ainda no 6º posto da Rolling Stone e no 4º da Pop Matters. Como se não bastasse, eles têm feito timinho com jogadores de peso, como o Talking Head David Byrne (fizeram juntos um som pra coleta Dark Was The Night).

Mateus Potumati, do +Soma, destaca que a banda gerou "uma onda violenta de reações que vão da adoração efusiva - aí inclusos nomes como David Byrne, Arto Lindsey e Caetano Veloso - ao ceticismo e ao mais franco desprezo". Isso devido ao radicalismo de "sua abordagem vanguardista de estilos variados como o punk, o indie rock, a no-wave, o pós-punk, a música africana, o hip-hop, a composição européia contemporânea e os ares tropicalistas".

Em sua primeira passagem pelo Brasil, o sexteto desfilou seu excêntrico som em São Paulo, Rio e Goiânia (e Depredando esteve nesta última para conferi-los!). Com o cancelamento da turnê latino-americana do Supersuckers (os caipiras-punk tiveram problemas com o visto), os Projectors alçaram-se ao nível de headliner gringo principal do 15º Goiânia Noise, festival que têm procurado trazer novidades do cenário internacional que estão despontando coroadas de elogios da crítica mundial -- como foi o caso com o Black Lips e Black Mountain em 2008 e o Battles em 2007.

O Dirty Projectors, sobre o palco, emanava esquisitice. Um tanto fora-de-contexto num dos dias mais noisy do festival, subiram ao palco do Centro Cultural Martin Cererê depois que tinham passado sobre os tímpanos do público verdadeiros rolos compressores de barulho assassino: o stoner rock do Black Drawing Chalks, o pãnque-métal do Mechanics e o tosqueira'n'roll das Mercenárias. Foi um tanto estranho ver a boniteza folk "Two Doves", cantada lindamente pela gracinha da Angel Deradoorian, com uma guita limpinha a acompanhando, depois de tanta balbúrdia e insanidade. O que para alguns foi um começo "morno" me pareceu, muito mais, um prelúdio sussa para uma viajada jornada que, aos poucos, foi conquistando o público - que pode ter entendido pouco, mas que soube abandonar-se a sentir muito.

Me pareceu que os Projectos ouviram os discos dos Talking Heads com muita devoção, em especial o clássico Remain In Light (1980), mas que tentam simular aqueles cabulosos grooves criados por Byrne & cia sem antes dar um rolê, pelo menos, por Funkadelic e Sly & The Family Stone - pra não falar em malandros remolejos africanos. Mas dá pra notar que estão indo na ondinha de valorização das sonoridades africanas, que conta com outros defensores no Vampire Weekend, desconstruindo os clichês do pop sem medo de cair na bizarria.

Pasmo frente à estranheza do show, eu me perguntava quando é que o vocalista tinha sido liberado do hospício e quando foi que tinha começado a perceber que fazer música podia ser boa terapia contra a esquizofrenia... Não à toa já andam chamando Longstreth de “mad genius”! Ele parecia quase às beiras de ter un "ataques epiléticos" à la Ian Curtis, mas não tinha o mínimo “pudor” em fazer suas “dancinhas” - uma delas que eu logo apelidei de “pescocinho”, em que ele ficava bicando o ar como uma galinhazinha de pescoço de elástico que algum adolescente peralta tivesse feito fumar maconha... (Desculpem, mas só metáforas muitíssimo estranhas descrevem a coisa!).

A guitarrinha de Longstreth, mais rítmica do que solante, é do tipo que nos deixa indecisos quanto ao talento do músico, mas que não deixa que se duvide do quanto ele é criativo e amalucado ao lidar com suas próprias limitações técnicas. Mateus arrisca uma descrição, mais ou menos precisa (mas nenhuma precisão é possível na transmissão deste bizarre-way-of-playing), dizendo que "Dave Longstreth alternava, na guitarra, a levada à The Contortions com solos que remetiam a um Robert Fripp ou Steve Howe como vistos por Stephen Malkmus".

Já a gracinha de vocalista Angel, vestida num pijaminha amarelo quase infantil, como quem quisesse se sentir de volta ao quarto onde aos 5 aninhos pela primeira vez começou a cantar frente ao espelho, dava a sensação de não ter nascido para o palco e de não saber ao certo o que fazer de si mesma ali em cima -- mas mandou bem com seu "timbre delicado e folk, que se situa entre a voz de uma Joanna Newsom e a de uma Björk" (+Soma).

Para adicionar esquisitices ao quadro já bizarro, as três vozes femininas entoavam cânticos malucos, como se tivessem sido alunas de uma instituição psiquiátrica ou orfanato-reformatório -- o ápice sendo a bela "Stillness Is The Move". Em muitos momentos, davam a nítida impressão de estarem cantando em línguas estranhas, remetendo a “I Zimbra”, música de Fear Of Music em que Byrne constrói uma letra inteira com fonemas que nada significam – ou seja, canta num idioma inventado, fazendo das concatenações de sons arbitrários e sem sentido a inebriante matéria do canto.

Precioso privilégio o nosso: o de poder ver ao vivo os Dirty Projectors justo no momento em que eles, na crista da onda, são consagrados como uma das mais marcantes bandas de 2009. Ouvir Bitte Orca repetidas vezes, abrindo-se à tanta criatividade concentrada e dispersa, é não só ótimo para expandir horizontes sônicos como também é uma lição maior. A de que às vezes “louco” é só um rótulo que os babacas grudam naqueles que se comportam de modos que eles não podem entender ou aceitar - e que são, muitas vezes, muito mais autênticos e criativos do que os comportamentos estereotipados dos normopatas. Caso de Longstreth, artista amalucado que bota fé que o processo da criatividade possa ser contínuo e perpétuo: a criação não gera um "desflorestamento cerebral" e não nos deixa carecas no fim do processo.

DOWNLOADS:

BITTE ORCA (2009)
http://www.mediafire.com/?xdj1m2znlh5


RISE ABOVE (2007)



DAYTROTTER SESSIONS:
http://www.mediafire.com/?xuzumhjzjgw


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sábado, 5 de dezembro de 2009

Rockin' the party


LUDO
por Francine Micheli

Já te aconteceu de olhar uma pessoa e pensar: "esse é o/a homem/mulher da minha vida"? Pois bem, foi exatamente essa sensação que eu tive quando ouvi pela primeira vez esses malucos do LUDO. Exageros à parte, achei mesmo que teria direito a arrepio na espinha, sangue gelado e borboletas no estômago. Aquela banda pela qual eu gastaria 40 dólares num cd (ou $9,99 no iTunes), da qual eu comentaria com todos os meus amigos, a qual eu ouviria toda noite antes de dormir.

A minha experiência pessoal com esse quinteto foi muito por acaso, durante fuçações na internet no distante começo de 2008. Quando vi pela primeira vez o videoclipe de "Love me dead" - o grande çuçeço da banda, o coração acelerou.

Vinda diretamente de St. Louis - EUA, e com um nome até bastante xexelento, LUDO é uma daquelas bandas extremamentes viciantes que te fazem recusar a cervejinha do final de semana ou até mesmo esquecer que seu namorado ta te esperando com a barraca armada no quarto.

O power pop que eles fazem é irônico, inteligente, cheio de non-sensices e mais do que dignos de capas em NME, Rolling Stone ou Clashs da vida.

Além de tudo, o lider e vocalista Andrew Volpe tem um quê de Jim Carrey que quando se junta ao seu vozeirão de potência elástica faz emergir um artista mais do que completo, pronto pra abrir os braços e ter o mundo inteiro aos seus pés. Mesmo com seu sex appeal de chimpanzé reumático.
Resumindo, é tipo aquela banda que você daria tudo pra fazer parte dela. (isso é um comentário particular).

Fazia muito tempo que não via um clipe de tamanha criatividade - e aproveitamento de orçamento limitado, o que prova de uma vez por todas que, como diria o profeta Faustão, essa é uma das maiores bandas dos últimos tempos. Eu acrescentaria dos últimos tempos que ainda estão por vir, graças ao (não por muito tempo) anonimato no choubiznes. E tanto é que o çuçeço dos caras já foi previsto pelo Dr. House, cuja penúltima temporada conta com a mesma "Love me Dead" na trilha sonora. É pura poesia e frases como "How's your new boy? Does he knows about me? You've got the mark of the beast" pululam disco abaixo.

O primeiro cd "LUDO" é um garajão de primeira, já "You're awful, I love you" é de estourar os tímpanos, contagiante como ele só. "Broken Bride", o terceiro, segue a mesma linha, mas com uma maturidade maior sem deixar de lado o lado pop, indie, rocker, ou qualquer coisa que possa identificar a banda.

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segunda-feira, 12 de outubro de 2009

:: Casey Dienel ::


CASEY DIENEL
[ ENTREVISTA EXCLUSIVA ]

por Eduardo Carli

Começou como tietagem, e só depois virou jornalismo. Não é que o fanatismo, neste caso, trouxe seus bons frutos? Pois uma das benesses que trouxe a net foi ter facilitado tanto o fluxo de dados e a comunicação global que possibilitou algo inimaginável décadas atrás: que um latino-americano possa tietar, contactar e cortejar seu ídolo gringo, ainda que este esteja a milhares de quilômetros de distância - o equivalente hi-tech do "tirar uma casquinha"...

Casey Dienel foi a primeira artista por quem senti uma admiração e identificação suficientes para vencer minha timidez e desejar entrar em contato, conhecê-la melhor, trocar idéias e impressões, dar um feedback repleto de gratidão... Depois de vários e-mails trocados, em que meus mimos e elogios foram recebidos com muita alegria e cortesia pela pequena, Casey topou me dar uma entrevista mais minuciosa - publicada, anos atrás, na capa da Revista Rabisco. Isso se deu um par de anos atrás, antes dela mudar seu nome para White Hinterland e lançar o segundo álbum; mas nada nas declarações dela soa datado. Pelo contrário: eis aí uma excelente key-hole por onde espiar um pouco da instigante e talentosa mente que criou dois álbuns tão lindos.

Poucos sabem disso, mas Casey Dienel, um dos segredos mais bem guardados da música americana, é uma das mais brilhantes e talentosas das cantoras/compositoras que surgiram nos últimos anos. A moça, que cresceu numa cidadezinha do Massachussets e depois se mudou para Boston para estudar música, foi uma criança de talentos precoces: tocava piano aos 4 anos de idade e beirando os já 10 compunha suas primeiras canções, trancada a sete chaves dentro do quarto, onde também se deleitava afundando o nariz nos livros. Não surpreende que uma garota que cresceu nutrindo um amor simultâneo pela poesia, pela literatura e pela música tenha se transformado numa artista de talento que transborda por todos os poros.

Wind-Up Canary (2006), seu álbum de estréia, lançado pela pequena HUSH Records, teve repercussão mínima dentro do circuito indie – o que é uma pena, já que o disco, absolutamente sublime e encantador, merecia ser recebido com uma salva de palmas mais intensa de público e crítica. Na linha de Regina Spektor, Aimee Mann, Fiona Apple e Nellie McKay, mas incluindo também influências mais ancestrais de Joni Mitchell e Chet Baker, a mocinha cometeu um álbum de doçura e poesia capazes de comover até os corações mais empedernidos. 
 

Ainda com 20 e poucos anos de idade (ela é de 1985), Casey permanece ainda bastante obscura fora do circuito independente e vai lentamente galgando degraus rumo ao devido reconhecimento. Nesta entrevista exclusiva concedida por e-mail, a cantora narra um pouco seu passado como "criança prodígio", destaca sua paixão pela literatura e pela poesia, comenta a respeito do processo de composição das letras, pondera a respeito de seus planos para o futuro e sua relação com o sucesso comercial e a indústria da música, entre outras coisas. Voilá:



Eu: Conta-se que você começou a tocar o piano com 4 anos de idade e já estava compondo canções e escrevendo letras quando tinha 10 aninhos – e é impressionante que você tenha lançado um álbum como “Wind-Up Canary” com vinte e poucos anos! Você foi considerada uma “criança especial” que desenvolveu incríveis talentos bem cedo na vida? E seus pais desempenharam um papel grande no sentido de te direcionar a aulas de música e coisas do tipo, ou foi seu próprio amor precoce pela música que te levou a começar a tocar tão jovem?

CASEY: Se eu fui uma “criança” especial, eu nunca fiquei sabendo! Mas eu de fato penso que eu fui uma espécie de “sabe-tudo”, apesar de meus pais terem criado a mim e à minha irmã para sermos bastante auto-depreciativas e h
umildes em relação a assuntos como arte. Mas eu definitivamente não era uma criança-prodígio, e, pior, sempre fui bastante tímida... Então eu não costumava falar muito sobre os meus interesses – eu achava que escrever canções era como qualquer outro tipo de ofício que a pessoa cultiva privativamente... Eu sempre fui um tanto reservada, misteriosa. Fui às aulas por minha própria vontade quando eu tinha 4 anos – e eu me sentia realmente atraída pelo piano e pelo violão, mas o violão era grande demais para uma menina de 4 anos! E desde então eu acho que eu sempre fui bastante auto-motivada sobre música, em parte porque eu estou fazendo música para mim mesma, e não tanto para o público... A parte do público é uma das últimas coisas que eu penso quando me ponho a fazer música.


E: Li sua confissão de que você cresceu com “o nariz enterrado nos livros” – e adivinho que foi daí que você retirou seu grande talento com as palavras... Acho que uma das grandes qualidades da sua música é o fato de ela possuir um “sabor literário” - eu posso considerá-la quase como “declamação de poesia”... Você diria que sente mais carinho pela literatura do que pela música? E quais dos grandes letristas você diria que admira mais? Você lê bastante poesia e tem alguns poetas favoritos que descreveria como inspiradores?

CASEY: Estas são questões bastante extensas! Eu acho que a literatura é a mais elevada das formas das belas artes, e, na minha opinião, a mais desafiadora de ganhar domínio sobre. Eu desde muito nutro uma profunda admiração pelo modo como as palavras são encadeadas. Na escrita, você não pode apelar para os sentidos para criar imagens ou personagens ou histórias - você tem apenas a sua esperteza para evocar emoções e visuais. É como alquimia, o verdadeiro sentido de "criar alguma coisa do nada". Eu não diria que minhas canções são particularmente "literárias", mas eu realmente dedico um bom bocado do meu tempo para as letras, tentando criar imagens que são imediatamente visuais para o ouvinte, ainda que seja algo ou alguém que eles não estejam familiarizados com. Outros letristas que conseguem me transportar para outro tempo e espaço são provavelmente Leonard Cohen e Bob Dylan, mas eu também penso, em termos mais simples, nos Beatles.

Cohen e Dylan usam detalhes sem serem arbitrários, para aprofundar a pintura do retrato - ao mesmo tempo que criam incríveis melodias e estruturas de canção. Lennon & McCartney podiam pegar linguagem simples e revivê-la com uma idéia de sentido completamente nova. Eu acho que as canções dos Beatles são tão clássicas porque as letras são tão honestas e permitem que as melodias carreguem as músicas. Algumas vezes músicas só precisam ser músicas! E é importante ser cauteloso quanto ao que a música significa pra você, ao invés de tentar empanturrá-la com frases ou versos exóticos.


Quanto aos poetas, eu tenho um pouco de vício em relação a livrinhos e panfletos de poesia! Gosh! eu acho que meu favorito é o Frank O'Hara, apesar de eu estar passando por uma coisa grande com a Gertrude Stein... sem falar que um amigo meu acabou de me passar coisas do James Tate para folhear. Eu acho que o que me interessa atualmente são os ritmos sintáticos criados pela colocação de certas vogais/consoantes/sílabas lado a lado.


E: É fácil de notar, ao ouvir as suas letras, que você freqüentemente utiliza um monte de personagens fictícios, de um modo que me lembra um pouco o método de composição do Bob Dylan ou do Bruce Springsteen, diferenças postas de lado... Frankie e Anette, o Doutor Monroe, Baby James: de onde saíram todos esses personagens? Eles são puros produtos da sua imaginação ou são construídos com partes de pessoas que você conhece? Talvez alguns deles sejam pessoas de verdade? O que eles são: alter-egos, amigos imaginários, talvez fantasmas...? Fale um pouquinho dessas tuas “crianças”! :)

Casey: Eu aho que os personagens se originam de uma base de dados de observações pessoais cotidianas - coisas que eu noto em pessoas que amo ou pessoas que não conheço. Eles também têm a tendência de derivar de eventos ou lugares - acho que muitas vezes quando estou escrevendo sobre uma pessoa estou na realidade escrevendo sobre muitas pessoas ao mesmo tempo. Mas eu não tenho muita certeza sobre de onde eles vêm - algumas vezes certos personagens são imediatamente visualisados, outros precisam de tempo para serem filtrados e se materializarem fora da névoa da minha memória. Eu procuro não analisar demais isto, pelo medo de que um dia estas visões possam desaparecer! Eu não sei se você está se referindo a eles como crianças porque eu os tive nos passado - mas essa seria uma comparação adequada. Eu acabo vinculada e conectada a eles de um modo tal que é difícil pra mim separá-los de mim mesma. Eu unicamente tento "criá-los" de um modo que eles possam ficar de pé por si mesmos, e dar a eles o máximo que posso antes que eles sejam lançados para o mundo.



E: Falemos um pouco sobre os teus planos para o futuro. A música é realmente um projeto de longo-prazo pra você, ou seja, você tem a intenção de criar dúzias de álbuns e ter uma carreira que se estenda por décadas?


CASEY: Putz! Eu dediquei praticamente o ano todo para fazer outras coisas que adoro – pintar, cozinhar, fazer bolos e melhorar na bicicleta e na yôga. A música eu acho algo tão intrínseco ao modo como eu me viro na vida do dia a dia, que neste momento eu não vejo qualquer razão que me impeça de estar fazendo canções até a terceira idade. Mas o tempo algumas vezes tem outros planos em mente, e eu não tenho a menor vontade de arranjar briga com o tempo. Minha esperança é que eu possa continuar fazendo isso e que possa continuar a me perguntar as Questões Duras e Assustadoras. Eu realmente não tenho expectativas concretas – ideais de sucesso e coisas assim. Eu só me certifico de perguntar a mim mesma enquanto vivo: “você está feliz?” Se eu acabar sendo uma velhinha trabalhando numa livraria no Maine com um pequeno jardim de vegetais, não me sentirei decepcionada!


E: Li uma crítica (na Pitchfork) chamando suas letras de “nonsense espertinho” – se me lembro bem, você foi comparada com o Stephen Malkmus, o cara do Pavement. Isso te incomoda? Suas letras e versos são “repletos de sentido”, mesmo que alguns deles sejam claros somente para você, ou você acredita que há muito jogo de palavras e que você usa as palavras como “brinquedos”? Há realmente um pouco de “clever nonsense” aqui e ali?


CASEY: Eu me pergunto às vezes se é responsabilidade do escritor e do artista tornar tudo claro para o leitor – ou se um pouco de material nebuloso é saudável e nos lembra de pensarmos por nós mesmos. Falando geralmente, eu me enquadro nesta última categoria. Eu não me importo de me sentir desorientada se isso me faz questionar as coisas – e acho que como uma cultura nós deveríamos ser muito mais céticos e questionadores daquilo que as pessoas fazem ou dizem. Não sei se isso soa cínico – mas eu acho que é saudável questionar algo antes de você digerir e arquivar na tua enciclopédia mental. Nós devemos isso à nossa psique! Eu sugeriria a qualquer pessoa que questione qualquer coisa que eu digo, inclusive isso que estou propondo agora. O que é que eu sei?! Então será que é mesmo “nonsense espertinho”? No passado, eu acho que tinha sim muito mais linguagem arbitrária [nas minhas letras], palavras e expressões se concatenando simplesmente porque eu curtia o jeito como elas soavam ou como eu as sentia na minha boca. Atualmente eu tento conciliar esse prazer com algo mais coeso. Na minha experiência, uma canção pode ser sobre muitas e muitas coisas diferentes. Eu escrevo baseada em tópicos, mas também de um modo meio caleidoscópico. Então eu sempre sei sobre o que fala a música, e isso é tudo o que me importa, mesmo que seja a respeito de três eventos, pessoas ou lugares díspares que, quando listados numa página, conectam-se na minha mente para formar um quadro mais vasto. Seria uma extrema perda de tempo, energia e paz mental me deixar aborrecer e sair do sério por causa das interpretações que as pessoas fazem das minhas canções – eu aprendi a não levar a coisa tão pessoalmente. Enquanto eu sei das minhas intenções, me sinto ok.


E: Agora uma pergunta mais filosófica, talvez um tanto difícil de responder! Em algumas das suas letras, eu posso sentir uma espécie de “angústia”, talvez, em relação à passagem do tempo e ao fato de que a alegria sempre parece ser efêmera – a alegria e tudo o mais que existe, na verdade. Como quando você canta: “assim que nos acostumamos com uma estação ela se vai, e é somente com isso que podemos contar...” (em “Cabin Fever”), ou no lindo verso de “Better in Manhattan” que diz que “o paraíso é um lugar que se visita, mas não um lugar pra se morar”, ou mesmo no triste finalzinho de “Fat Old Man” em que você diz: “nada muda quando você se vai, tudo prossegue...”). Você realmente percebe o mundo como um “oceano de impermanência”, por assim dizer?

CASEY: Hmmmm... Bom, eu não diria que eu sinto qualquer sensação de “angústia” em relação à mortalidade. A mortalidade é a nossa verdade como humanos, e acho que a verdade nos libera de sermos só ‘alegres’ ou só ‘tristes’. Nós somos máquinas complexas, e frequentemente sentimos ambas essas emoções, tudo ao mesmo tempo, às vezes uma mais que a outra, mas eu considero quase impossível realmente separá-las. Não gosto de dissecar e esclarecer os sentidos das canções para os ouvintes – em parte porque eu fico realmente super curiosa para ver como os outros as interpretam! Eu coloco elas pra fora com esperanças de que elas se tornem mais do que somente canções minhas. Mas eu acho que apesar do tempo nos lembrar freqüentemente de que é ele quem está no comando, há uma boa razão que explica porque nós o marcamos com aniversários, feriados, festivais, estações etc. A transformação do mundo é bonita, mesmo que ele não seja permanente.



E: Apesar de não dar pra dizer que você escreve “canções autobiográficas” (do jeito que a Fiona Apple escreve, por exemplo), eu realmente sinto como se eu pudesse te conhecer muito bem depois de ouvir seu disco muitas vezes. Será isso uma ilusão ou será que essas músicas realmente podem servir como uma espécie de “portal para a sua alma”, um pequeno buraco na fechadura através do qual nós podemos desvendar ao menos um pouco de quem você realmente é?

CASEY: Eu tenho a tendência de me intimidar para longe do confessionalismo [I tend to shy away from confessionalism] – algo nele não se adequa muito bem à minha personalidade. Eu não me sinto como um livro aberto, talvez, e também não sou incrivelmente fascinante como pessoa. Minha vida no dia-a-dia é (não tanto...) chocantemente mundana. Minhas canções são veladamente autobiográficas, se o forem, mas eu hesitaria em dizer que existam quaisquer conclusões sobre mim como pessoa a serem tiradas depois de ouvi-las. Eu suponho que eu não sou realmente a pessoa certa para você perguntar esse tipo de coisa, mas eu não sei se é realmente possível realmente CONHECER um artista através de sua arte...



E: Estou curioso para saber um pouco sobre a repercussão da sua música fora dos Estados Unidos. Em quais países você diria que a resposta do público foi mais intensa e gratificante? E você já chegou a tocar ao vivo no exterior?

CASEY: Eu estou bastante alheia e ignorante a toda a resposta internacional. Ainda não toquei no exterior ainda, exceto no Canadá, embora eu esteja ansiosa para fazer isso no futuro. Eu realmente ainda não procurei como fazer tudo isso ainda, mas acho que a partir do próximo álbum eu gostaria de começar a viajar através dos oceanos. Eu recebo e-mails muito simpáticos da Escandinávia, e, é óbvio, do Brasil! Isso me faz divagar sobre como as pessoas descobrem sobre todos esses diferentes artistas! Eu sinto como se minha coleção de discos estacionou em 1979, e eu nunca sei quem é ninguém desses artistas novos, embora eu provavelmente deveria. Eu sequer ouço CDs! Tudo é em vinil pra mim. Eu vivo na Idade Média!

E: Você deseja se tornar uma cantora-compositora de alta vendagem ou está satisfeita sendo um tanto obscura, como um pequeno segredo que poucas pessoas compartilham?


CASEY: Eu não tenho a mínima idéia sobre como me sinto sobre o futuro – mas enquanto as coisas acontecerem de modo orgânico, vou estar contente. Não estou com pressa para chegar ao “próximo estágio” ou qualquer coisa que seja... Nem sei o que é isso. Eu nunca realmente me senti muito “romantizada” pela indústria da música. Eu respeito a necessidade que ela tem de transformar minha arte numa carreira – mas além disso eu acho que a indústria é um pouco superestimada, e isso é parte do porquê eu me rodeio com pessoas que estão fora dela. Talvez eu poderia ser mais ambiciosa, mas eu acho que estou muito mais preocupada com as músicas em si mesmas e em ser uma pessoa serena e feliz. Eu não me oponho a ter um público mais vasto ou poder me sustentar através da música, ao invés de trampar em [barista jobs] etc. Eu acho que eu tento não me concentrar muito nessas coisas – se acontecer, aconteceu. É que eu realmente não quero gastar meus 20 anos correndo por aí a ponto de não poder curtir meus amigos, família e vida cotidiana. Não vejo o sentido. A celebridade não chega nem perto de ser tão preciosa pra mim quanto estes três itens que citei. Pode soar sentimentalóide, mas é verdade!


E: Não posso resistir: vou fazer a famosa pergunta da Ilha! Quais são os 5 discos, 5 filmes e 5 livros que você levaria para uma ilha deserta para passar na companhia deles o resto da tua vida?


DISCOS:
1. Beatles—Revolver
2. Bob Dylan—Live at Albert Hall ’65
3. Joni Mitchell—Blue
4. Debussy String Quartet
5. Thelonious Monk- Monk’s Time

FILMES
1. Five Easy Pieces (Vi pela primeira vez outro dia, e acho que nunca vou conseguir me cansar dele! Parece simples no começo, mas é repleto de complexidade na essência!)
2. Harold and Maude, de Hal Ashby
3. qualquer dos curtas-metragens mudos do Buster Keaton (para serem assistidos ouvindo o disco do Thelonious Monk!)
4.
Annie Hall – Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, de Woody Allen
5. My Fair Lady, de George Cukor

LIVROS

1.
Beneath the Wheel do Herman Hesse
2.
A Insustentável Leveza do Ser do Milan Kundera
3. I Capture the Castle do Dodie Smith
4. O Tambor do Gunther Grass
5.
Chez Panisse Cooking da Alice Walters (Eu sei que parece doidice, mas eu adoro ler sobre comida quase tanto quanto curto comê-la! Esse livro de receitas é clássico.)



E: Algumas vezes eu suspeito que vocês artistas possam ficar bravos com os entrevistadores quando eles não perguntam aquilo que vocês gostariam de responder... Então vou propor um pequeno jogo bobo: faça uma questão a si mesma e a responda!

questão: Quando você se sente mais inspirada e feliz por estar viva?

resposta: Nos primeiros momentos da manhã ao nascer do Sol – a luz me faz desejar estar de pé e cantando. É luminosidade inadulterada – nova e um tanto insegura de si mesma, mas que se espalha sobre tudo até você sinta como se estivesse vendo o mundo pela primeira vez. Isso me faz cair apaixonada mais uma vez [It makes me fall in love all over again].

: D


myspace


DOWNLOADS:


Wind-Up Canary (2006)
http://www.mediafire.com/?mcyo1roz3wh





Phylactery Factory (2008)
http://www.mediafire.com/?v421ymmgdtc