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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Ouça na íntegra o álbum "Cruel" de Sergio Sampaio



Meus caros, estava faltando no Youtube o sensacional álbum de Sergio Sampaio, "Cruel" (2006), lançado postumamente e produzido por Zeca Baleiro. Depredando o Orelhão subiu o discaço na íntegra e aqui compartilha com os amantes da boa música brasileira: http://youtu.be/G2glPHJ-mDs. Disseminem!

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Sérgio Moraes Sampaio (Cachoeiro de Itapemirim, 13 de abril de 1947 — Rio de Janeiro, 15 de maio de 1994) foi um cantor e compositor brasileiro. Suas composições variam por vários estilos musicais, indo do samba e choro, ao rock'n roll, blues e balada.1 Sobre a poética de suas composições, em que se vê elementos de Kafka e Augusto dos Anjos, que lia e apreciava,2 declarou num estudo Jorge Luiz do Nascimento: "A paisagem urbana em geral, e a carioca em particular, na poética de Sérgio Sampaio, possui a fúria modernista. Porém, o espelho futurista já é um retrovisor, e o que o presente reflete é a impossibilidade de assimilação de todos os índices e ícones da paisagem urbana contemporânea." No dizer do cantor Lenine, Sampaio foi um nome marginalizado que equipara a Tim Maia e Raul Seixas, como um dos "malditos" da música popular brasileira..." - Prossiga lendo a biografia da Wikipédia - http://bit.ly/1cY25VM

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CRUEL (2006)

Músicas:

01) Em Nome De Deus (3:26)
02) Roda Morta (3:03)
03) Polícia Bandido Cachorro Dentista (2:05)
04) Brasília (4:06)
05) Magia Pura (3:29)
06) Rosa Púrpura De Cubatão (3:03)
07) Muito Além Do Jardim (4:01)
08) Real Beleza (3:37)
09) Pavio Do Destino (3:52)
10) Quero Encontrar Um Amor (2:09)
11) Quem é Do Amor (2:30)
12) Cruel (4:11)
13) Uma Quase Mulher (3:01)
14) Maiúsculo (3:06)

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Para download do álbum, dê um pulo no
UM QUE TENHA.


 

sábado, 23 de junho de 2012

Eddie Vedder (Pearl Jam) - DVD "Water on The Road"




"I knew all the rules, but the rules did not know me."
 E. VEDDER, "Guaranteed"


O primeiro DVD solo do líder do Pearl Jam, "Water on the Road", documenta a tour de Eddie Vedder em 2008, cerca de um ano depois do lançamento da trilha sonora original de "Into the Wild". Sozinho ao violão, à guitarra ou ao ukelele, Vedder toca covers de Bob Dylan e Beatles (dentre outros), faz releituras Unplugged de canções do Pearl Jam e até se arrisca como stand-up comedian. Showzaço! Gravado em Washington, D.C. Lançado em 2011. Baixe o DVD em altíssima qualidade lá no The Pirate Bay >>>
http://bit.ly/KSghTx. Seguem alguns aperitivos!



sábado, 11 de fevereiro de 2012

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

<<< The Blues: The Voice of the Opressed >>>


blues é mais do que um gênero musical: é sobretudo um estado de espírito. É o modo que encontrou para se expressar e se tornar criador o negro afro-americano, oprimido nas lavouras, penando de Sol a Sol para encher de bufunfa os bolsos dos "donos" das plantações. "This land is our land!", protesta através dos séculos Woody Guthrie, precursor de Bob Dylan, aquele que costumava dizer de seu violão que "esta máquina mata fascistas". Lembrar das contradições brutais de classe e do escancarado racismo persecutório dos colonos brancos é sempre útil quando queremos ouvir um velho blues ou folk com consciência da realidade que os produziu e de quais são as feridas exorcizadas por estes cantares.

Quando John Steinbeck descreve, em As Vinhas Da Ira, a epopéia camponesa durante a Grande Depressão (1929-1933), com a migração em massa dos camponeses (okies) rumo à Terra Prometida da Califórnia, não se esquece de colocar a música como pano-de-fundo desta extenuante jornada: a família Joad, e todos os que compartilham com ela o destino de camponeses depauperados e forçados ao exílio, encontram na cantoria coletiva uma das maiores colas sociais que cimentam sua solidariedade. Uma solidariedade que é absolutamente vital, caso queiram sobreviver à insensatez de um sistema econômico grotesco que concentra todas as riquezas nas mãos de banqueiros, latifundiários e políticos que reinam, meros gatos-pingados, sobre multidões de miséraveis.

 Nas bordas da Rodovia 66, que atravessa os EUA quase de Costa a Costa, os okies errantes, aos farrapos, mas fortalecidos na união e na revolta, entoam suas canções: lembrar destas cenas sempre me enche o coração de afeição por este lindo livro (dos melhores já escritos por um norte-americano, com certeza!). Steinbeck, em As Vinhas da Ira, quando nos põe no epicentro pulsante dos acampamentos camponeses destes ciganos utópicos e proto-hippies cobertos de feridas e fadiga, pinta um belo quadro de uma comunidade onde o canto solidariza e a música reúne. A melodia é a carrasca da solidão, e o ritmo o verdugo da passividade, da preguiça, da resignação. É como se dissessem: "Reivindicamos uma sociedade onde a música e a poesia não sejam malquistas, perseguidas, proibidas!" (Como na infame República Ideal de Platão, este exilador dos lirismos e condenador dos inocentes e potentes deleites sensórios!) "Que a música seja laço, vínculo, celebração!" 

O blues e o folk, quando nascem, são legítimas emanações do sentimento popular, encarnações artísticas da voz das massas: os oprimidos, por esta via, fazem ser ouvido seus lamentos ao mesmo tempo que celebram sua identidade. "I've got the blues", desde os primórdios, com Robert Johnson ou Leadbelly, se traduz por um certo desconforto íntimo, uma pedra no sapato da alma. Mas não há nada de suicida nem auto-destrutivo neste pesadume interno que apelidou-se de "blues": ele serve muito mais como uma espécie de combustível onde pode-se acender a fogueira da catarse. Cantar a dor é meio para vencê-la: os blueseiros, os folkeiros que protestam, também conhecem, e com um conhecimento visceral, a realidade do "quem canta seus males espanta". O blues seria terrível se não se tornasse música. Mas o que era melancolia e angústia transfigura-se em Beleza nesta passagem da dor inexpressa à dor ritmada e melodizada.

Quem tem o blues tem razões de lamento, tem pesadumes e amargores que lhe pesam na alma, amargando-a. Mas também o poder de transformá-los - amargumes, feridas, mágoas... - em algo Belo, em algo que desperte empatia, compaixão, solidariedade. Pois o blues é muito mais do que simples expressão do sofrimento, muito mais do que um mero queixume de reclamão ou de choramingas: é algo que serve para transfigurar o padecer através do expressar de modo que surge algo de sublime das próprias vísceras da dor. Uma obra nasceu: um sentimento compartilhado por muitos ganhou uma encarnação concreta que talvez sobreviva à morte daquele que a criou. É o caso destes blues, cantados pelos mortos mas que soam tão vivos, e que ouço com tanto prazer e fascinação: Bessie Smith, Son House, Leadbelly, Big Bill Broonzy, Robert Johnson, Lightining Hopkins, Muddy Waters... 

É a beleza que se tira das feridas, ao cantá-las, que está no âmago da fascinação que esta música causa. Se tivermos a História na memória (onde mais ela sobreviveria senão no palco da lembrança voluntária?), sua "aura" não se perde, mesmo na "era da reprodutibilidade técnica" de que nos fala Walter Benjamin. Os blues têm algo de intemporal pois os afetos que os animam não saíram de moda - como as multilionárias vendas massivas de Prozac e outros reguladores químicos do ânimo nos atestam. Ainda sofre-se um bocado, neste mundo, e as causas mudaram só um pouco: a concentração de capital, a exploração do trabalho e a opressão contra a expressão artística que empodera as massas prosseguem dando as cartas nesta nossa cultura gerida por Hollywood, Wall Street, FMI e Banco Mundial.

Prosseguimos tendo razão de sobra para sentir por dentro o pesadume do blues: mais de 1.000.000.000 de pessoas subnutridas, contorcendo-se na terrível cotidianidade da fome, enquanto certos endinheiradoss graúdos se entopem de caviar e indigestão - enquanto marcha adiante a suicida mescla de mega-corporações, especulação financeira e emissões de gases tóxicos para a atmosfera. Aqueles que um dia lamentaram-se e protestaram contra os opressores, reivindicando o reconhecimento de sua dignidade e seu potencial de criação de Beleza, podem ser nossos camaradas aqui-e-agora: gera-se uma comunidade de sofrentes (e lutadores!) que se estende de nós, aqui no presente, e engloba lá atrás os sofrentes de outrora, num abraço entre vivos e mortos.



Bessie Smith, "the Empress of the Blues", 1924
Ouça: Mama's Got The Blues (1925-1933)


Woody Guthrie: "esta máquina mata fascistas"

sábado, 1 de outubro de 2011

<<< 'The Whole Love' (2011), novinho-em-folha do Wilco! >>>


Com mais de 15 anos de estrada já trilhados e alguns discaços impecáveis no currículo (coloco aí Summerteeth, Yankee Hotel Foxtrot e Sky Blue Sky), o Wilco pode tranquilamente considerar-se uma das melhores bandas americanas em atividade, apesar do tropeção dado no último álbum (que eu apelidei de Disco do Bode, apesar de ser um camelo o bichano na capa: ô disquinho bodeação!). Apesar dos percalços e dos tombos, prossigo um wilco-maníaco fiel que considera esta uma das bandas mais adoráveis da América do Norte e que vê em Jeff Tweedy algo como o Neil Young ou o Bob Dylan de uma outra geração. O novo álbum, The Whole Love, acaba de ser lançado e já estamos colocando a bolacha na roda em MP3 de alta classe (320 kps) e o encarte devidamente scanneado. Como o Blogger, este massacrador impiedoso de pães quentinhos, é tesourador e tirano contra o compartilhamento de arquivos, especialmente os lançamentos, o link só vai estar publicado lá no nosso Tumblr: dê um pulo!

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terça-feira, 9 de agosto de 2011

<<< Van Morrison: discografia da fase áurea, 1968-74 >>>

"Equal parts blue-eyed soul shouter and wild-eyed poet-sorcerer, Van Morrison is among popular music's true innovators, a restless seeker whose incantatory vocals and alchemical fusion of R&B, jazz, blues, and Celtic folk produced perhaps the most spiritually transcendent body of work in the rock & roll canon. Subject only to the whims of his own muse, his recordings cover extraordinary stylistic ground yet retain a consistency and purity virtually unmatched among his contemporaries, connected by the mythic power of his singular musical vision and his incendiary vocal delivery: spiraling repetitions of wails and whispers that bypass the confines of language to articulate emotional truths far beyond the scope of literal meaning.

George Ivan Morrison was born in Belfast, Northern Ireland, on August 31, 1945; his mother was a singer, while his father ardently collected classic American jazz and blues recordings. At 15, he quit school to join the local R&B band the Monarchs, touring military bases throughout Europe before returning home to form his own group, Them. Boasting a fiery, gritty sound heavily influenced by Morrison heroes like Howlin' Wolf, Brownie McGhee, Sonny Boy Williamson, and Little Walter, Them quickly earned a devout local following...

His first album for new label Warner Bros., 1968's Astral Weeks, remains not only Morrison's masterpiece, but one of the greatest records ever made. A haunting, deeply personal collection of impressionistic folk-styled epics recorded by an all-star jazz backing unit including bassist Richard Davis and drummer Connie Kay, its poetic complexity earned critical raves but made only a minimal commercial impact. The follow-up, 1970's Moondance, was every bit as brilliant; buoyant and optimistic where Astral Weeks had been dark and anguished, it cracked the Top 40, generating the perennials "Caravan" and "Into the Mystic."

The first half of the 1970s was the most fertile creative period of Morrison's career. From Moondance onward, his records reflected an increasingly celebratory and profoundly mystical outlook spurred on in large part by his marriage to wife Janet Planet and the couple's relocation to California. After His Band and the Street Choir yielded his biggest chart hit, "Domino," Morrison released 1971's Tupelo Honey, a lovely, pastoral meditation on wedded bliss highlighted by the single "Wild Night." In the wake of the following year's stirring Saint Dominic's Preview, he formed the Caledonia Soul Orchestra, featured both on the studio effort Hard Nose the Highway and on the excellent live set It's Too Late to Stop Now. However, in 1973 he not only dissolved the group but also divorced Planet and moved back to Belfast. The stunning 1974 LP Veedon Fleece chronicled Morrison's emotional turmoil; he then remained silent for three years..." - AMG All Music Guide.
ASTRAL WEEKS (1968)
http://www.mediafire.com/?zj4rxvlw3vn4682

MOONDANCE (1970)
http://www.mediafire.com/?vodqgzxk1z6d21a

...AND THE STREET CHOIR (1970)
http://www.mediafire.com/?l6zx9ovv11acb10

TUPELO HONEY (1971)
http://www.mediafire.com/?kh1ktndhazpzf2e

SAINT DOMINIC'S PREVIEW (1972)
http://www.mediafire.com/?qxvrxzwhstqzzc8

HARD NOSE THE HIGHWAY (1973)
http://www.mediafire.com/?ray4dz4988kazen

VEEDON FLEECE (1974)
http://www.mediafire.com/?z8s6mao28voq0a9

IT'S TOO LATE TO STOP NOW (LIVE) (1974)
http://www.mediafire.com/?qmwqoflgwhghg11

sábado, 30 de julho de 2011

<<< As ruínas rascantes da voz de Tom Waits >>>




Coração aos pedaços

As ruínas rascantes da voz de Tom Waits
nos levam aos recantos mais escondidos da psique americana


texto por Simon Schama (*)
fotos por Anton Corbijn


Vou em frente. Chega de perder tempo com gente como Prokofiev ou Trollope. Os artistas com quem passo meu tempo são os que expandiram os limites da sua arte com coragem e inventividade, que transformaram a sua obra em algo imprevisto. Tão imprevisto que, encantado de espanto, você só consegue coçar a cabeça e dizer: "Bom, é, claro", como se aquilo que inventam fosse a coisa mais natural do mundo. É por isso que gosto do que Thomas Carlyle fez com a literatura histórica, do que Jackson Pollock fez com a pintura, do que Wallace Stevens fez com a poesia. Não é absurdo incluir na companhia deles Tom Waits, o mais eloqüente dos poetas-compositores americanos. Chega de Bob Dylan. Não que as coisas de Dylan sejam ruins. Mas sobre ele já se escreveram milhares de páginas de um pomposo lero-lero analítico (que só fica aquém do suscitado por Freud) enquanto quase ninguém começou a reconhecer o valor de Tom Waits.

E por que haveriam de dar-lhe atenção? Porque ele transformou a música americana na canção de homens e mulheres comuns, surpreendidos naquele beco turvo e malcheiroso que fica entre a retórica pueril do "sonho americano" e a impiedosa realidade da vida contemporânea. Por acaso você se interessa pelo depoimento - de sinceridade desesperada, desalentada e pungente - sobre as provações de um americano comum, preso a uma guerra que ele não entende, mas da qual não tem como escapar com dignidade? Escute então "The Day After Tomorrow". Nela, Tom Waits rosna e ruge a letra com as ruínas rascantes de uma voz que lembra um prédio reduzido a escombros, coberto de areia contaminada.

Essa voz, órgão de um homem muito maior do que essa figura leve de clown delicado (um dos seus CDs traz seu rosto pintado de pierrô - ele é um artista que sabe exatamente o que faz), é um dos maiores instrumentos sonoros da arte americana. Outros compositores competentes - Dylan, o canadense Leonard Cohen - também extraíram ênfase dramática das suas laringes danificadas, adequadas ao gume cortante das suas letras. Na direção oposta, o vagido em falsete de Neil Young ficou mais e mais doloroso à medida que adquiria uma urgência desesperada. Mas nenhum deles cogitou em transformar sua voz num retrato sonoro de um país, de maneira tão inteligente - e bem-sucedida - como Waits. Ele é o Kurt Weill da América imperial (e, por algum tempo, estudou Weill com empenho um tanto excessivo), imitando a fúria percussiva e discordante das canções mais abrasivas de Weill.

A comparação não faz justiça à originalidade de Waits. Existe algo de shakespeariano na vastidão da sua abordagem da vida americana moderna, na sua espantosa capacidade de penetrar nas cabeças e nos pulmões de, entre outros, bêbados de bar, putas, viciados, locutores de circo, veteranos de guerra com braços e pernas salpicados de fragmentos de metal e reduzidos a vender suas medalhas na calçada, pregadores pentecostais trovejando sobre o fim do mundo, ex-craques arruinados do beisebol devastados pela bebida, malucos de pavio curto, otimistas melancólicos quase perdidos de tão mareados nos seus martinis; e, num caso improvável, um morto que, sete palmos debaixo da terra, canta em voz suave, pedindo à sua amada que venha se sentar na relva da sua tumba. Só Tom Waits seria capaz de produzir uma canção inteira a partir de uma série de infomerciais ("Step Right Up") e, de alguma forma, transformar a lista num documentário exaustivo e engraçado da credulidade e da esperteza americanas: "The large print giveth / And the small print taketh away" ("As letras graúdas dão / E as letras miúdas tomam").


Este é apenas um apanhado, muito breve, das suas muitas encarnações. Quando se mergulha no mundo de Waits, não se embarca numa viagem de sonhos à terra da melodia alegre e do acalanto musical. Você vai parar numa lanchonete de talheres engordurados, na hora em que a aurora grisalha vem raiando sobre o lixo espalhado no pátio de estacionamento. Numa introdução a "Eggs and Sausage", numa apresentação ao vivo de 1975, Tom Waits nos previne contra costeletas de vitela "perigosas, que descem do balcão para quebrar a cara do café, fraco demais para se defender".

Embora seja vinagre nas feridas abertas do sentimentalismo otimista americano mais piegas, também existe paixão e ternura fervilhando nas suas canções. "Ol' 55", uma das primeiras canções do seu disco de estréia, Closing Time, é uma ode à alegria de emergir às 6 da manhã de uma noite de amor ("My time went so quickly / I went lickety-splitly out to my Ol' 55 / and I pulled away slowly, feeling so holy / God knows I was feeling alive" - "Meu tempo passou tão depressa / e saí satisfeito e saltitante para o meu velho Oldsmobile 55 / e fui embora dali devagar, me sentindo tão sagrado / Deus sabe o quanto eu me sentia vivo"). Eis a mais linda canção de amor desde que Gershwin e Cole Porter fecharam a tampa dos seus pianos.

Geralmente, porém, as letras de amor de Tom Waits ardem de um salgado desencanto, o que as torna ainda mais tocantes. "Never Talk to Strangers" é um dueto de banco de bar com Bette Midler, em que a rotina previsível do desajustado ("I'm not a bad guy when you get to know me" - "Não sou um mau sujeito quando você me conhece melhor") é antecipadamente esvaziada porque ela adivinha exatamente cada fala que ele vai dizer, ao mesmo tempo em que os dois ainda assim acreditam novamente em tudo.

Conheci tarde esse trovador da decadência. Um diretor da BBC, ao adaptar meu livro Paisagem e memória para a televisão, usou a interpretação de Waits para "Sea of Love", de Phil Phillips, como fundo para imagens de arquivo das enchentes de Veneza. Em lugar de uma voz edulcorada, ouvia-se um rugido feroz, que virava pelo avesso o tom da canção. (Ele tem uma recriação ainda mais espantosa de "Somewhere", de West Side Story, que faz qualquer um sentir na medula dos ossos a total desesperança da dor adolescente.) Eu nunca tinha escutado nada parecido. Quem era aquele sujeito, perguntei ao diretor. Desde então me viciei em Tom Waits. Como se pode deixar de acompanhar um escritor que produz um verso como "her hair spilled like root beer" ("seus cabelos se derramavam como root beer"), e te faz entender exatamente o que ele queria dizer?


A waitsomania não é um vício confortável. O percurso de Tom Waits desde os anos 70, quando era mais um compositor do Meio-Oeste a dedilhar seu violão, adaptando o country and blues à sua voz áspera, tem sido uma viagem a recantos cada vez mais profundos e sombrios da psique americana. Enquanto Dylan estendia a sua dama deitada (Lay Lady Lay), Waits cultivava a crueza brega, cantando, em tom muito educado, "I'm Your Late Night Evening Prostitute" ("Sou a sua prostituta da noite no meio da madrugada"). E de lá, muito previsivelmente, afundou no lodaçal costumeiro do álcool e das drogas, de onde acabou emergindo com a ajuda de sua parceira nas canções e co-produtora Kathleen Brennan, responsável por alguns dos produtos mais brilhantes da crueza de Waits.

Ninguém se compara a ele na evocação de todo tipo de música, do realejo mecânico dos carrosséis ao saxofone em surdina dos cabarés de Berlim, do bel canto italiano e, ultimamente, dos sons africanos e latinos. Às vezes, ele é capaz de levar sua recusa furiosa da autocomplacência à beira da paródia de si próprio, a um ponto em que gritos primais, grunhidos e berros, acompanhados pelo clangor de tampas de panela e da percussão nos objetos mais variados, acabam desabando num fosso profundo de cólera vocal. Ouvir essas canções é como mascar arame farpado. Mas, ainda assim, em meio a toda essa carnificina vocal, surge em algum ponto a inocência maculada de alguém que ainda imagina que possa haver uma vida boa, afinal de contas, logo além da esquina. O jovem soldado, que escreve para casa em Illinois, curvado ao peso de um conhecimento precoce adquirido à custa de sangue, canta:

I'm not fighting
For freedom
I'm fighting for my life
And another day
In the world here
I just do what I'm told
You're just the gravel on the road
And the ones that are lucky
Come home
On the day after tomorrow...

(Não estou lutando
Pela liberdade
Estou lutando pela minha vida
E mais um dia
No mundo daqui
Só faço o que me dizem
Vocês são só o cascalho da estrada
E os que têm sorte
Voltam para casa
Depois de amanhã...)

(*) Esta matéria de Simon Schama aqui reproduzida
foi originalmente publicada na Revista Piauí, número 5.



Closing Time (1973)
http://www.mediafire.com/?3u4el01h4fadb13
The Heart Of Saturday Night (1974)
http://www.mediafire.com/?ysdxl8as5rr04hl
Nighthawks At The Diner (1975)
http://www.mediafire.com/?048iuneqvj3kqsu
Small Change (1976)
http://www.mediafire.com/?9bi7hp7zpo8w45e
Foreign Affairs (1977)
http://www.mediafire.com/?z80v486jzzkiwxj
Blue Valentine (1978)
http://www.mediafire.com/?jqjj4fyzeteq697
Heartattack And Vine (1980)
http://www.mediafire.com/?c6qoba1p0b9aa9c
Swordfishtrombones (1983)
http://www.mediafire.com/?eh750xivozfdlq4
Rain Dogs (1985)
http://www.mediafire.com/?e51mdljv8brk866
Frank's Wild Years (1987)
http://www.mediafire.com/?ne7kya34fhmgmv2
Big Time (1988)
http://www.mediafire.com/?c3h7rycp57z3t7y
Bone Machine (1992)
http://www.mediafire.com/?cfakbyadh34ctck
Mule Variations (1999)
http://www.mediafire.com/?24oa6al19x3gbc5
Blood Money (2002)
http://www.mediafire.com/?nvw6bclmrfcf84s
Alice (2002)
http://www.mediafire.com/?8ck43qcctbhd7jj




sábado, 15 de janeiro de 2011

<<< 10 de 2010 >>>



















#2

BLITZEN TRAPPER
"Destroyer of the Void"

“Há um vínculo secreto entre a lentidão e a memória, entre a velocidade e o esquecimento. (...) Na matemática existencial, essa experiência toma a forma de duas equações elementares: o grau de lentidão é diretamente proporcional à intensidade da memória; o grau de velocidade é diretamente proporcional à intensidade do esquecimento.” MILAN KUNDERA, A Lentidão

Se Kundera tem razão, a arte de escutar música também oscila entre estes pólos, a memória e o esquecimento, conforme a pressa ou o cuidado com que a ouvimos. Um tímpano afoito, que faz uma audição apressada e desatenta, faz com que a música logo vaze da lembrança (como se entrasse por um ouvido e saísse por outro). Para que a música se torne algo de denso, para que desça como uma âncora até as profundezas de nosso oceano de neurônios, seria preciso demorar-se nela. Deixar que ela faça seu trabalho sorrateiro, que se infiltre em nosso interior e ali ecoe, que as melodias nos deixem insones, que versos se imponham à consciência como uma charada que queremos desvendar a todo custo...

Se o Blitzen Trapper foi uma das bandas que mais marcou meu 2010 foi pois senti necessidade de me demorar neles, de fazer repetidas visitas ao universo particular dos caras...  Destroyer of the Void, quinto álbum do sexteto de Portland (o terceiro lançado via-Sub Pop), desde a 1ª audição revela-se como um desses raros álbuns que exigem várias audições para serem devidamente apreciados.

Banda sempre surpreendente e ousada, o Blitzen Trapper no começo foi comparado ao "ecletismo lo-fi de Beck" --- e de fato um álbum como Wild Mountain Nation (2007) é loucão, lírico e esquizofrênico o bastante para poder ser equiparado a um Mellow Gold ou Odelay, ainda que seja bem menos impactante.

Mas foi nos dois últimos álbuns que o Blitzen Trapper realmente se encontrou; ao limitar um pouco o leque vasto demais de sonoridades, centrando o foco na música americana roots em todas as suas vertentes, os caras encontraram sua identidade e fizeram em Furr (2008) e Destroyer Of The Void (2010) dois dos mais admiráveis álbuns folk dos últimos anos. E quem diz "folk" diz "música tradicional norte-americana", o  equivalente da nossa "M.P.B."...


"Black River Killer", de Furr, já revelava qual a "viagem" do Trapper nos últimos anos: um mergulho às raízes da música americana "maldita", de Johnny Cash cantando na penitenciária Folsom à Bruce Springsteen uivando na madrugada em Nebraska, do blues satânico de Robert Johnson e Leadbelly ao desconsolo empoeirado do Wilco fase-Being There

O "Assassino do Rio Negro": está aí um nome propício para um western spaghetti --- e também esta influência marca presença nas letras altamente narrativas de Eric Earley, compositor e vocalista do grupo. Mas é como se algo de gótico, de noir, viesse escurecer muitos dos "causos" que nos conta o Blitzen Trapper. Uma lírica à la Nick Cave misturada a historietas sanguinolentas, dignas dum thriller caipira ou de Sobre Ratos e Homens, de Steinbeck.

A primeira música de Destroyer of The Void já escancara o quão ambicioso se tornou o Blitzen Trapper. Com mais de 6 minutos de duração, a faixa-título é uma espantosa suíte  folk-prog-psicodélica que transita por 3 diferentes seções, num procedimento que remete às faixas finais do Abbey Road. Construindo um complexo labirinto folk, a banda criou sua canção mais arrojada, remetendo a "Deja Vu", do Crosby, Stills, Nash & Young, ou ao clássico American Beauty (1970), do Grateful Dead.



Se a ambição musical atinge seu ápice já no início da álbum, daí em diante é a ambição poética quem toma conta em canções recheadas com tanto lirismo e mistério que não esgotam seu sentido mesmo depois de uma dúzia de audições. A melhor poesia do álbum surge em "The Man Who Would Speak True", canção irmã de "Black River Killer".  Ambas as cançõesse assemelham a rubros clássicos do folk americano que cheiram a sangue fresco e pecado. Filiam-se a uma longa tradição de músicas que narram assassinatos passionais, cometidos por homens arrebatados como heróis de Dostoiévski, que degolam pobres mocinhas, a quem depois dedicam um pungente folk confessional... É o caso de "Down By The River" de Neil Young, "Via Chicago", do Wilco, ou "Where Did You Sleep Last Night?", do Leadbelly (mais conhecida na voz de Kurt Cobain...).

"I fed my tongue on the Devil’s rum
In a roadhouse run by a godless bum
On a drunken night, with a stolen gun
I shot my lover as she made to run."

Depois de confessar ter cometido o homicídio de sua amada Grace (teria sido uma homenagem à anti-heroína de Lars Von Trier em Dogville/Manderlay?), o eu-lírico descreve sua vida como fugitivo da justiça, até ser pego e forçado a falar. Com um talento para a construção de metáforas de deixar boquiaberto, Earley faz sua língua, ao dizer a verdade, soltar fogo pelas ventas como um dragão...

"So I opened my mouth like a dragon’s breath
I only spoke truth, but it only brought death
And I laid those boys to rest
For the truth, in truth, is a terrible jest.

For there ain’t no road but the road to home,
There ain’t no crops but the ones you’ve sown
And if you'll learn one thing from me:
You better guard your tongue like your enemy."

Esta canção foi o que bastou para que eu colocasse Eric Earley no seleto rol dos meus poetas-da-música prediletos. E há tempos eu não encontrava alguém digno de fazer companhia à Dylan, Cohen, Springsteen, Tweedy, Patti Smith, Conor Oberst, Jeff Mangum... Mas não é só nesta que o lirismo do cara maravilha o ouvinte atento: o álbum inteiro é um banquete para quem gosta de poesia, de rima, de jogos-de-palavra e de vôos-livre da imaginação...

O psicodelismo delirante de Syd Barrett ou Skip Spence é o que dá o tom em "Lover, Leave Me Drowning", pink-floydesca pepita folk-psicodélica na qual violinos bucólicos convivem com guitarrismos nuggetianos. O folkão com pegada rocker do Black Rebel Motorcycle Club  circa-Howl é a onda de "Dragon's Song". E o fantasma de Nick Drake também dá as caras para assombrar as melancólicas (e belíssimas...) "Bellow The Hurricane" e "Heaven and Earth".


Já "The Tree" traz um dueto vocal de Earley com Alela Diane que remete a algumas das mais belas colaborações entre Gram Parsons e Emmylou Harris ou Damien Rice e Lisa Hannigan. Trata-se de uma fábula adocicada, impregnada de magia e simbolismos de conto-de-fadas, sobre uma árvore gigantesca que cresce sem parar, enquanto o eu-lírico e sua musa a escalam, ascendendo sempre, através dos enroscos dos galhos e das folhagens...

Ótima metáfora para o próprio Blitzen Trapper: uma banda com raízes profundamente plantadas no solo da música americana e que vem se transformando numa frondosa árvore, digna de ser escalada infindamente por nós, ouvintes, que só tem a ganhar se, com insistência, chegarem lá em cima, onde suculentos frutos nos aguardam....


(Destroyer of the Void, Sub Pop, 2010)
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(Furr, Sub Pop, 2008)
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(Wild Mountain Nation, Sub Pop, 2007)
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