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terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

MARGARIDAS E SULFAMIDAS, ETERNA RIMA COM VIDAS

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AC, Margaridas
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Para quem pode, e capricha na necessidade de sentir, os campos já exultam de margaridas. Nada de mais para quem tem como exercício resplandecer o olhar, mas a cada ano que passa, e por mais que a Natureza transmude, há sempre algo que se insinua, qualquer coisa de novo que transparece. E a alma regista e alimenta-se, naturalmente.
Caminho por entre as ervas, muitas delas engalanadas com o cartão de alforria, feitas flores, enquanto ouço a música de acasalamento da pardalada - já? que se passa? - em ária quase monocórdica que reflecte uma única intenção. Bem andam eles, pardais, seres de natural linguagem.
Apesar do céu cinzento, a ameaçar chuva após dois dias de manifestação do poder solar, não resisto em caminhar por entre as frutícolas. As macieiras, as pereiras, as figueiras, as nogueiras e os marmeleiros, mais as nogueiras e os castanheiros, parecem não querer despertar do sono a que têm direito, mas as cerejeiras já parecem querer dar sinal de si, invejosas do damasqueiro e das amendoeiras, já em plena floração. Um pouco ao lado, e pouco tempo após o parto, as oliveiras ainda estão em pousio. Dos limoeiros e da laranjeiras falo em tom mais baixo, já que continuam em estado de observação após a investida da geada. Mas, aqui para nós, e reivindicando uma cumplicidade imune a citrinos, se é que ela existe, vislumbro por ali poucas hipóteses de sobrevivência. A não ser, como muitas vezes o faz, a Natureza me surpreenda.
Regresso à minha moderna caverna, não sem antes dum vislumbre final. As alvas margaridas, com um ou outro maior assomo, aqui e ali, assumem-se como autêntico oceano, deixando ressalvar pequenas ilhas, de couves e ervilhas, que só salientam ainda mais o seu encanto. E, de alma cheia, aguardo pela chegada do Whisky, habitual visitante deste pequeno paraíso, um quase residente que vem partilhar alguns dias connosco. Quem não deve ficar satisfeito é o gato,  candidato a domiciliado, que, durante a estadia do canídeo, não deve dar sinais de vida. Entretanto, e num afã próprio dos rituais familiares, sinónimo, no bom sentido, dos pequenos grandes prazeres, alguém chama por mim para dar início à degustação dum cozido a portuguesa, tradição de todos os carnavais. Com ou sem confinamento.
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sábado, 13 de fevereiro de 2021

DORES E LENITIVOS

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Foto de AC, Marmeleiro japonês
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Os dias passam, o efeito "bicho" vai-se acentuando, as saudações vão ficando para segundo plano. Sobrevive-se, em modo de espera, tal como um enclausurado anseia pela liberdade, enquanto milhares de famílias tentam sobreviver, recorrendo às poupanças, ou, quando as não há, a solidariedade dos outros é a única saída. Paralelamente, numa evidência pornográfica, há quem esteja a enriquecer com o mal dos outros.
Tento abstrair-me do mundo lá fora, cada vez mais em convulsão, e saio para me envolver nas pequenas lidas do terreno que me circunda, aproveitando a pausa soalheira. Os canteiros, esquecidos durante uns tempos, precisam de ser limpos, e é neles que concentro a minha atenção. Cavo, retiro as ervas daninhas, sempre pela raiz, que coloco no carrinho de mão, e aliso o terreno. Começo a sentir-me bem. Depois, sempre pausadamente, levo as ervas para a compostagem.
Um calorzinho agradável começa a insinuar-se no corpo, e não me fico por ali. Muno-me duma enxada, encho o carrinho de estrume, passo pelas ervilhas e pelas couves e começo a cavar em volta das árvores. Estrumo uma, duas, três, até me perder na singularidade de cada uma. A partir daí o número deixa de contar. E, de modo natural, acabo por me deter mais tempo naquelas que já florescem: o damasqueiro e as seis amendoeiras, como que a querer fazer companhia aos dois marmeleiros japoneses que, na área do jardim, se engalanaram  de rosa vivo, convidando alguns abelhões para a festa.
O sol continua a sorrir, a passarada não deixa de chilrear, o gato, na ausência do cão, espreguiça-se, languidamente, no topo dum muro. 
Perante o cenário, dou-me conta que a tranquilidade não é só exterior, ela habita-me por completo, apaziguando, ainda que por momentos, as dores dum mundo que não é só meu. É de todos.
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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

FORA D'HORAS

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Foto de AC
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Ressaltam, duma revista, numa reportagem fora d'horas, como se não houvesse hoje nem amanhã, imagens de alguns destinos turísticos. 
Eles viajam, seja por onde for, mas sempre pelas bordas da interioridade. De concreto trazem fotos, postais, objectos, estórias quanto baste, emoções pagas por catálogo, mas nunca a alma dos sítios. Para isso, supremo desafio, seria necessário despir a roupagem da comodidade e, qual sacrilégio da cultura estabelecida, enfiar-se nas vestes locais, provar da seiva que alimenta aquelas paragens, sentir as expectativas de quem respira por ali. Mas há sempre uma tarifa a pagar, um avião para apanhar. 
Hoje, por aqui, o sol chegou a dar um ar da sua graça, mas logo a cor plúmbea se apoderou da paisagem, como que a dizer que, para festejar, terá sempre que haver um tempo de contenção, de recolhimento, para fermentação do que se avizinha. E há quem ore para que tudo decorra a contento.
Vou lá para fora. As aves recolhem-se, as árvores parecem silenciosas, podam-se as últimas videiras. Contudo, nas couves galegas, qual eterno milagre de vida, surgem algumas lagartas plenas de apetite, resultado duma desova de qualquer borboleta mais buliçosa, talvez propensa a contrariar os ciclos duma natureza em convulsão, em busca dum qualquer equilíbrio. E, na hora de recolher para o abrigo, não deixo de cogitar na enorme imprevisibilidade dos cenários que decorrem. Tempos danados, estes.
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terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

ACERCA DAS CUMPLICIDADES

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Para o Carlos
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Procurava-se, sempre se procurou, mas, enquanto procurava descortinar o que o movia, e para onde se projectava, nunca deixou de olhar para os outros.  Talvez porque, no mais íntimo de si, soubesse que, sem cumplicidades, todo o esforço seria em vão.
Foi assim que nos conhecemos, sem amarras, numa encruzilhada de procuras. Conversámos, partilhámos músicas e livros, palmilhámos sete cantos. Sempre com a cumplicidade de permeio.
O tempo passou, os caminhos foram diversos, com encontros de permeio para partilharmos convicções, motores de novas construções, mas ficou para sempre a cumplicidade, tornada eterna amizade.
Ultimamente tem andado arredio, mas não por culpa própria. Para além da pandemia, bolso sem fundo para todas as desculpas, sou eu, demasiado ancorado na minha pretensa autonomia, que estou em falta, esquecendo, por vezes, o mais básico: a cumplicidade, longe de ser arrumada na estante como um bem adquirido, tem que, tal como o amor, ser bem tratada, bem cuidada, bem regada. Só assim os frutos serão perenes.
Seja como for, e para o que der e vier, tenho a certeza de que ambos sabemos cuidar do nosso jardim. 
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domingo, 31 de janeiro de 2021

DIÁRIO - 19

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Hoje, com todos os cuidados, houve visita do Miguel. Foi o suficiente para agitar a casa, em tons festivos, dando cor e substância a todos os recantos, com encantos e alguns cantos. Até eu cantei, entre múltiplas manifestações, aparentemente estranhas, que os adultos costumam adoptar com os bebés. Parecemos uns totós, mas sabe bem. 😊
A reboque também veio o Whisky, o cão arraçado de boxer, campeão de mimos e simpatias que insiste, numa manifestação muito própria, em querer brincar com um pau. De vez em quando, qual ambiente perfeitamente equilibrado, alguém lhe faz a vontade, em modo quanto baste. É claro que, com a sua presença, nunca mais ninguém viu o gato que teima em não sair daqui. Deve estar num observatório privilegiado, a ver como param as modas, à espera da melhor oportunidade para retomar o espaço que já sente seu. 
O Miguel, desta vez, não fica muito tempo, pois os pais têm que viajar para o Porto, por motivos profissionais, e não dispensam a sua presença. Enquanto puderem, e não depende só deles, querem ser pais a tempo inteiro, revezando-se no apoio, tentando conciliar o tele-trabalho de um com o trabalho presencial do outro. Por lá ficarão três dias, os necessários para dar vazão a um protocolo experimental, já bastante adiantado, com uma empresa do norte, ligada à investigação, e depois regressam à base. No fundo, e apesar das ausências, sinto-me grato por sentir, na prática deles, que é possível usufruir da qualidade de vida do interior e, em simultâneo, corresponder às exigências do mundo actual. Assim eles o queiram, assim as circunstâncias o permitam.
Aceno na despedida e, num modo muito íntimo, embora, de certa forma, egoísta, sinto que tenho tanto para lhe dizer, assim ele queira ouvir, acerca de equilíbrios, de olhares, de viagens, de afectos, da Natureza...! Ah, Miguel, meu amor, meu querido neto!
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sábado, 30 de janeiro de 2021

DIÁRIO - 18

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Margarida Cepêda, Procurando o princípio
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Eu sei que gostavas de, por mais que os sinais digam o contrário.
Eu sei que querias que, por mais que não te esforces por isso.
Eu sei que sonhas com, por mais que não dês corpo ao sonho.
Também eu gostava, também eu queria, também eu sonho. Mas, e tudo faço para saber o porquê, continuo por aqui. Para amparar, para sussurrar nos dias de vento, para desenhar cenários para lá do desassossego. E, qual eterna magia, a vida continua a desdobrar-se em apelos, deixando uma pista aqui, um sinal ali, um sorriso acolá.
Sabes, e por mais que a queiram vender assim, a vida não é moldada por catálogos, por ideias feitas,  por formatação de comportamentos. Isso é para os autómatos. A vida, acima de tudo, é para se viver de forma incondicional, desenformando as asas, gritando quando tem que se gritar, sorrindo quando tem que se sorrir, abraçando quando tem que se abraçar, chorando quando tem que se chorar. Porque nem tudo são rosas, disso sabes tu. Mas, se queres que as coisas façam algum sentido, está na altura de enfrentar os medos, de tentar dar corpo ao que a alma sente, de saberes que, sem ousares, tudo se resume a nada. A não ser ao dobrar dos sinos.
Salta, ousa, investe para o mundo. Se o fizeres, tenho a certeza disso, poderás levar só um pouco de mim - o que é tanto - mas muito de todos nós.
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sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

DIÁRIO - 17

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Após uma surtida lá por fora, para avaliação do terreno - a ficar densamente ervado, e com as árvores, principalmente as de folha caduca, em aparente apatia - regresso a casa com um esboço mental das próximas lidas a desenvolver. Sento-me à frente do computador, anoto tudo, com os apetrechos necessários para um bom desiderato, e dou uma volta pelos jornais on-line.
Percorro as páginas, na diagonal, pois tudo me parece mais do mesmo: pandemia, pandemia, pandemia... Bem sei que é preciso alertar, até porque, apesar da gravidade da situação, há gente que continua de ouvidos moucos, mas há que dar corpo a uma nova forma de estar na comunicação social, com a televisão em primeiro plano. Informar, sim, e sempre com transparência, mas procurar, em simultâneo, trazer à liça novas formas de estar, novas formas de olhar. Os problemas existem, são mais que muitos - a fome, o desemprego e outras maleitas não se devem esconder, já para não falar de outros que, com este surto, ficaram para segundo plano - mas para quê viver apenas disso, insistindo na cultura da desgraça? Por onde anda a objectividade e a seriedade do, até há pouco tempo, chamado 4.º poder? Eu tenho uma ideia acerca disso, mas hoje fico-me por aqui.
Ligo a máquina de café, sirvo-me e vou de novo lá para fora. Não vejo o gato. Deve andar à caça de algum rato campestre, operação que se quer silenciosa, e levanto os olhos para a Gardunha. Nuvens brancas povoam a encosta, ocultando os cerejais e os castinçais, mas deixando ver o recorte do cume num azul tímido, como que a prever mudança de cenário no horizonte. E, de facto, nuvens negras se aproximam, do lado oeste, empurradas pelo vento atlântico.
A pausa reconforta-me quanto baste. Regresso a casa, com um último olhar para as ervilhas, que continuam a prometer, e vejo um vídeo do Miguel, entretanto chegado, que me enche a alma, ao mesmo tempo que me desperta permanente interrogação: como é que um ser tão pequenino pode mexer connosco de uma forma tão intensa, suscitando pensamentos tão elevados? 
Sento-me de novo ao computador, ainda em modo incerto no que se segue, para tentar debitar mais umas palavras para o pretenso diário, a manter, até mais ver, até ao final do mês. Depois logo se vê, que há coisas que não que querem forçadas.
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quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

DIÁRIO - 16

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Já o tinha visto por aqui, aproveitando a ausência do cão. Rondava, olhava, mas não se aproximava.
Um destes dias chegou, de mansinho, como quem quer lavrar a terra, timidamente, num terreno cheio de ervas. Depois, aparentemente saciado num pires de leite, o gato baixou a guarda e espreguiçou-se. 
Mais um candidato a viver por aqui, no pequeno paraíso, sem ter que preencher qualquer papelada.
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quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

DIÁRIO - 15

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Depois do almoço gosto sempre de fumar um cigarro. Bem sei que não é muito saudável, mas um prazer é um prazer, embora não por inteiro, pois sinto sempre um certo grau de culpabilidade. Herança judaico-cristã, dizem-me, embora em modo superficial.
Hoje, após mais uma refeição, fui lá para fora - nunca fumo dentro de casa, é ponto assente - para dar vazão à minha costela epicurista. Enquanto fumegava, com o olhar atento à envolvência da paisagem, dou por mim a observar uma ave de rapina (um açor, um milhafre, um bufo, uma águia? Não consigo vislumbrar...) a planar, tranquilamente, não muito longe do local onde estava. O cérebro, esse eterno desconhecido nas suas múltiplas capacidades, focou-se, de imediato, vá lá eu saber porquê, na designação "ave de rapina". Que eu saiba, e desculpem-me a ignorância, essas deslumbrantes aves apenas se limitam a procurar alimento, e só o estritamente necessário. Quem rapina são alguns de nós, humanos, seres de humores muito variados, que não se coíbem de mamar numa teta até ela estar completamente seca. Sem se preocuparem com as consequências ou, como agora se diz, com os danos colaterais.
Tento fixar-me nas coisas boas do género em questão, que muitas há, e reivindico para a memória as pessoas que, de múltiplas formas, se esforçam, e de que maneira, por tentar que o mundo continue a girar, apesar da pandemia. Esses são os meus, os nossos, verdadeiros heróis.


terça-feira, 26 de janeiro de 2021

DIÁRIO - 14

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Imagem retirada daqui
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Aproveito uma pequena pausa da chuva e deambulo, lentamente, pela zona onde estão plantadas as ervilhas, espreitando sinais de algum crescimento. Sorrio com o que vejo. Aconchego a terra nalguns pontos, a recompor o que a água desfez, e remiro a geometria recomposta. 
De súbito, lá de longe, chega-me o badalar do sino duma qualquer aldeia, pausado e triste, inequívoco som do dobrar a finados. E, tal o efeito da herança cultural, afloram-me, espontâneamente, alguns laivos de contrição, qual convite à meditação sobre a vida e a morte.
A chuva regressa, embora timidamente. Enquanto me dirijo para casa, não deixo de cogitar: numa zona do país - o interior - em constante desertificação, onde ocorrem, claramente, mais óbitos que nascimentos, não seria de bom tom os sinos repicarem, de alegria, cada vez que uma criança nascesse, qual eterno hino à esperança?
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segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

DIÁRIO - 13

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Margarida Cepêda, Refúgio II
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Olhava em volta, inquieta, respirando a alteração das ondas. Mas só quando sentiu um arrepio, com a roupa molhada colada ao corpo, é que percebeu que tinha que se resguardar. 
Na velha casa de cores desbotadas, um velho búzio, para a acalmar, entoou-lhe uma canção milenar. Depois, de mansinho, murmurou-lhe ao ouvido que nunca é bom abraçar as tempestades.
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domingo, 24 de janeiro de 2021

DIÁRIO - 12

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Há uma fila que se estende, convicta, como que a querer vincar, bem fundo, e de voto na mão, as bases do rumo a seguir.
Parafraseando José Régio, e com a devida adaptação, não sabemos para onde vamos, mas sabemos que não vamos por ali. Assim seja, que os desafios, em modo de espera, são mais que mil.
Hoje, apesar dos dramas atrás da cortina, foi decretada uma pausa, qual satisfação, embora com riscos, do dever cumprido. Amanhã, que se faz tarde, tudo será mais premente, pondo à prova se é em vão, ou não, tudo aquilo que debitamos, em tempo soalheiro, acerca da cumplicidade e da solidariedade. Há que colocar em prática, pois é claro.
Quase sem me dar conta, assaltam-me, de mansinho, palavras duma canção dos Madredeus: haja o que houver, eu estou aqui. Enquanto depender da minha vontade, estarei sempre.
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sábado, 23 de janeiro de 2021

DIÁRIO - 11

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Em tempos de muita agitação, com muitas ondas de choque, se revisitássemos, como refúgio, a aldeia gaulesa de Astérix, seríamos levados a pensar, perante tal cenário, que o céu nos iria cair em cima. Mas daríamos luta, estou certo disso.
Entretanto, e para contrariar as aves de mau agoiro, chega-me o testemunho duma pessoa amiga acerca da resposta do neto, atento quanto baste ao momento que atravessamos, à clássica pergunta "que queres ser quando fores grande?".
O miúdo - com ar sério, coisa estranha nele - respondeu, de forma convicta:
- Quero ser médico para vencermos o coronavírus.
Podem soprar ventos contrários, mas há algo em nós que nos faz acreditar que tudo é possível. Temos é que, urgentemente, aprender a conhecer os nossos limites, que as vontades movidas a sonho nunca foram problema.
Lá fora, indiferente ao mundo dos humanos, a chuva continua a cair, numa cadência moderada, preparando a terra para a renovação da próxima estação, com particular satisfação das ervilhas plantadas no início  de Dezembro e que, para gáudio da "aldeia gaulesa", começam a sorrir.
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sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

DIÁRIO - 10

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Lá fora a chuva e o vento entrelaçam-se, em modo suave, enquanto o sol aguarda, pacientemente, por uma aberta para se mostrar. E, quando ele consegue um espacinho, tudo muda: soltam-se as cores, as aves cantam, os olhos brilham...
Enquanto a lareira crepita, tento debitar algumas palavras, que isto de enveredar por um diário começa a fazer-me comichão. Escrever por obrigação não é comigo, nunca foi, mas deixo o assunto para segunda análise.
Vou lá fora, bem apetrechado, e constato o quase inevitável. Na zona das frutícolas, duas laranjeiras, ainda jovens, e os dois limoeiros que plantei, com algum carinho, no último ano, acabaram por não resistir às temperaturas negativas que se fizeram sentir nos últimos tempos. Dói-me a alma, mas o sentido da vida passa por aí: um contínuo recomeço, assim o saibamos perceber. É por isso que, cada vez que recebo notícias do Miguel, que completa hoje seis meses, um sorriso aflora, espontâneo. O ser humano é mesmo assim, num constante carecer de esperança, como se de pão se tratasse.
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quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

DIÁRIO - 9

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Com o encerramento das escolas, finalmente os responsáveis deste país admitem o que já todos intuíamos: o controle da pandemia está a ser visto por um canudo. E se os números não param de escalar, com as eleições do próximo domingo eles vão subir ainda mais. Quinze dias de confinamento? É pouco, senhores, é pouco.
Haja testes, muitos testes, que a vida não pode parar. Por mais que doa, ela tem sempre pernas para andar. Assim acreditemos.
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quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

DIÁRIO - 8

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Num dia em que se bateram todos os máximos, no que à Covid diz respeito, refugio-me na figura do Miguel, sempre omnipresente, qual raio de luz a alegrar a minha existência. E, peço-vos, sejam clementes com as palavras que lhe dirijo, improvisadas na hora, em jeito de lengalenga, qual avô que, de tão babado, mal consegue esconder o sorriso. E isso é muito bom, podem crer. 
Um dia destes vou começar a soletrar-lhe a cantilena.
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Onde vai o Miguel
De cabelos cor de mel
Com um fio de cordel?
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Vai ao Cabo Espichel 
Munido dum farnel
Ver a onda e o batel.
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Onde está o amigão
Com sorrisos sempre à mão
Inundando o coração?
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Está no colo de sua mãe
A sentir o que é o bem
Que ela vai, mas sempre vem.
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Que é feito do menino
Sendo grande, é pequenino
E me faz fazer o pino?
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Foi fazer um soninho 
E sonhar c'um abracinho
Mãe e pai, nunca sozinho.
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Quem é o rei da brincadeira
Seja ao sol, seja à lareira
A rir de qualquer maneira?
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É o Miguel, podem crer
A sorrir e a comer
É o maior, é bom de ver.
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Não tenho visitado os blogues das pessoas que me são caras, é um facto. Está na altura de o fazer. Até já.
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terça-feira, 19 de janeiro de 2021

DIÁRIO - 7

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Hoje, por aqui, alguém aniversariou. A festa, obviamente, ficou adiada, mas, por entre telefonemas vários, sempre se festejou, simbolicamente, com pequenos mimos do nosso país, como que a querer lembrar que as coisas boas da vida estão mais próximas do que, por vezes, as vozes exteriores querem fazer crer: queijo da Serra (Beira Interior), presunto de porco preto (Alentejo), vinho Rovisco Pais (região de Palmela, Setúbal) e um bolo de confecção caseira, acompanhado com um licor de cereja da região. 
Temos que confinar, é certo, mas não temos que, longe disso, negar a nossa existência. É que a vida apela, sempre, ao que de melhor há em nós, jamais se compadece do cultivo de lamúrias.
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Adenda - Chegou, entretanto, via e-mail, o resultado do teste feito ao familiar em isolamento profiláctico: negativo, para satisfação de todos. Creio que vamos festejar mais um pouco. 
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segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

DIÁRIO - 6

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O Governo contorce-se, incapaz de acertar o passo entre uma dupla preocupação: a preservação da saúde pública e a salvaguarda económica. E, entre tanto titubear, a pandemia avança, qual bola de neve.
Eu sei que muito do que tem acontecido tem a ver com a incapacidade das pessoas em perceber o óbvio, por isso a solução nunca poderá passar por colocar paninhos quentes no problema. Ou se tenta resolver seriamente, doa a quem doer, ou então apenas semeamos para alimentar o choro e a desgraça. E o fado, reconhecido, felizmente, como património mundial (saravá, Carlos do Carmo, e tantos mais, onde quer que estejas!), não se deve cultivar desta forma. Merece muito mais elevação.
Chegam-me novas imagens do Miguel, qual poção mágica capaz de despoletar toda a esperança do mundo. Por ele, por nós, por toda a sua geração, e por todas as que se seguirão, vale a pena lutar. Obrigado pela luz que irradias, meu querido neto.
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domingo, 17 de janeiro de 2021

DIÁRIO - 5

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Por mais que a sentisse por perto, ela não disse nada. Eu também não.
Que fazer?
Considerei, obviamente, que se foi. Mas guardei-a, para sempre, num cantinho do meu coração.
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sábado, 16 de janeiro de 2021

DIÁRIO - 4

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Mudam-se os tempos e, ao contrário do que o grande Camões auspiciava, não se mudam as vontades. Muda-se, quanto muito, a cosmética, tal como constatou Tomasi de Lampedusa no seu magnífico romance "O Leopardo". Recomendo profundamente.
Chegam-me notícias dum familiar que esteve em contacto com um infectado com Covid-19. Há alarme geral, com algumas pessoas - poucas, felizmente - em comoção, como se a peste negra chegasse à família. A pessoa em questão já está em quarentena, apesar de, na altura do contacto, usar máscara (tal como o infectado) e de se ter mantido a uma distância prudente. Para todos os efeitos, dentro de dois dias vai fazer o teste. Em suma: por mais que nos mentalizemos das medidas certas a tomar, a irracionalidade tem sempre campo de manobra. Com efeitos colaterais, pois é claro.
A lareira crepita. Entretanto, para amenizar a coisa, chegam-me imagens do Miguel através duma vídeo-chamada. E então, qual mezinha abençoada, tudo fica para trás. O catraio está lindo, ávido de interagir, não se escusando à prova de novos sabores, para lá do leite materno: brócolos e cenoura. É verdade que, no início, ele estranhou, mas, tal como na genial frase de Fernando Pessoa aquando do lançamento, nos primórdios, da Coca-Cola em Portugal, depois ele entranhou. E, para terminar, por hoje, nada melhor que socorrer-me de Mestre Gil (Vicente), quando escreveu em título, publicando, que "E assim se fazem as cousas". Dito isto, e procurando analisar tudo o que surgiu de sopetão, deixo o teclado em repouso.
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