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segunda-feira, fevereiro 10, 2025

TERESA CÁRDENAS, LOUISA LAWSON, MARIE CORELLI & ARMANDO LÔBO

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som do álbum Nascentes (Recorded in Berlin, 2020), da flautista, saxofonista, compositora e arranjadora Mariana Zwarg: Quando nasci, meu pai já tocava com ele (Hermeto), e a minha música é muito ligada à estética da música universal... São muitas lembranças. Foram muitos anos frequentando os ensaios, viajando junto e convivendo.

 

Se houver fim será sempre recomeço... - A ribalta é o amanhecer diferente de outros raiares de dias nublados ou fulgurantes, mesmo que se pareçam iguais de ontens, quando abri o olho à ventania da vida. Ao sair da cama nem sabia direito o que se tinha pra fazer, só depois de algum tempo, caiu a ficha abrindo a porta aos umbrais e limiares, pés no mundo. Voo e você vai, caminhos opostos – sem que saibamos sequer quando e pra onde. Onde estou muita gente à espera e o tempo passa, isolados pelas calçadas. Consequências de decisões tomadas no fôlego do instante e a vida pelo avesso, de pernas pro ar, como quem fez um gol contra e correu pra torcida, sem saber a razão para tanta hostilidade: o que se fez brincadeira foi levada a sério. É aí que sou levado a indagar a razão pela qual saí da cama e botei o pé fora de casa: a culpa de não ter escolhido as outras opções, por que não, tarde demais: os esfíncteres à desventura, como quem procura e não sabe o quê e nunca encontra o que supostamente deseja, ou botando tudo a perder com a flatulência inesperada, malditos borborigmos! Aí bate aquela sensação horrível do fracasso de Beckett, parecendo mais perdido estrangeiro de Camus, no passeio a cruzar com os rinocerontes encarnados de Ionesco pelas ruas. Entre riscos e desafios, as ínfimas futilidades para que seu coração não esmague nem mate: o ressentimento é o cúmulo da mediocridade. Mas o passado cobra seu preço, a corrupção é nossa, decadente! Somos todos tristonhos disfarçando risadas para brincar de viver. Aí é melhor puxar uma conversa com a barata invasora e sentir a moral escrava do subsolo, enquanto ouve-se o estrondo dos que se deixaram levar pela dança dos redemoinhos, com seus múltiplos disfarces de dores ocultas. Confesso: só queria escrever meu livro, como quem descobre o roteiro da própria vida enfrentando meus vazios com seus fantasmas insones, quase estoico conhecedor catando palavras entre algaravias. Sei: é preciso estar louco para enxergar o óbvio. Espírito livre pergunto e não preciso de respostas, o resto é silêncio. Existir é muito pouco: há muito mais! Até mais ver.

 

Judy Blume: Qualquer um que diga: “Minha infância foi completamente feliz” é uma pessoa que não está se lembrando da verdade... Veja mais aqui.

Sarojini Naidu: A vida é uma peregrinação de aprendizado, uma viagem de descoberta... Veja mais aqui & aqui.

Eleanor Farjeon: O amor não tem ápice, assim como as estrelas não têm número e o mar não tem descanso... Veja mais aqui & aqui.

 

O AMOR DE UMA MULHER

Imagem: Acervo ArtLAM.

Não me importava com quais eram suas falhas, \ Suas faltas eu não queria ver.\ Eu só sabia que te amava muito,\ E pensava que eras fiel a mim.\ Eu evitava em meio à multidão ocupada da vida,\ Aqueles que te difamavam.\ Pois, oh, doía a um coração confiante\ Ouvir homens culparem preguiçosamente.\ Eu não daria ouvidos quando amigos intrometidos\ Sussurrassem algo sobre ti.\ Eu achava que ninguém tão aparentemente verdadeiro\ Poderia ser um traidor.\ E então eles não sabiam do teu tom\ De amor e carinho carinhoso\ Que moveria minha alma responsiva\ Com sua grande ternura.\ Nem como meu coração faminto e dolorido\ Ansiava pela palavra gentil ou sorriso\ Que fez meus pensamentos, desanimados,\ Da minha vida triste enganarem.\ Eles não sabiam, e nem os mortais saberão,\ Tudo o que tu foste para mim.\ Mas eu te perdoo porque\ uma vez foste fiel a mim.

Poema da escritora, sufragista e feminista australiana Louisa Lawson (Louisa Albury – 1848-1920). Veja mais aqui, aqui & aqui.

 

CACHORRO VELHO - […] O velho não temia o Inferno: tinha vivido nele desde sempre. [...] Não parecia nada do outro mundo, embora, com os brancos, nunca se soubesse. Um dia eles podiam lhe dar a liberdade e, no outro, mandar matar você. Isso era certo. [...]. Trechos extraídos da obra Awon Baba (Pallas, 2022), da escritora cubana Teresa Cárdenas, que a respeito do livro ela própria comenta: No princípio, o universo era todo branco... Até o dia em que que alguém o puxou por uma ponta e o virou, como uma página. Foi o que descobri em meus novos escritos. São contos do início dos tempos, nos quais volto para além da minha ancestralidade e recrio o mundo, reviro os mitos africanos e os demais... Fomos arrancados da África, mesclados, não temos árvore genealógica. Leio muita história colonial atrás de pequenas coisas, pratos que comiam, o que faziam à noite quando o amo permitia. Mas o importante, mesmo, vem de uma força que não está na pesquisa nem no que ouvi de minha mãe. É algo sensorial, até espiritual, ditado pelo coração, através dos símbolos que recebemos e que nele palpitam... O pior tipo de escravidão, hoje, dispensa algemas e cativeiros: é a que impomos a nós mesmos. Eu hoje sou livre em meu país, e vivo do que escrevo. Veja mais aqui, aqui & aqui.

 

COLEÇÃO DE DELFOS - [...] Meu objetivo ao longo de tudo é deixar os fatos falarem por si mesmos. Se eles parecem estranhos, irreais, até mesmo impossíveis, só posso dizer que as coisas do mundo invisível devem sempre parecer assim para aqueles cujos pensamentos e desejos estão centrados somente nesta vida. [...] Lá, os sublimes e inalcançáveis ​​mistérios do Universo são regateados por pobres mentes finitas que não podem chamar suas vidas de suas. Lá, nação guerreia contra nação, credo contra credo, alma contra alma. Ai, planeta predestinado! Quão cedo tu serás extinto, e teu lugar não te conhecerá mais! [...] Vivemos em uma era de investigação universal, logo, de ceticismo universal. As profecias do poeta, os sonhos do filósofo e cientista, estão sendo realizados diariamente — coisas antes consideradas meros contos de fadas se tornaram fatos — ainda assim, apesar das maravilhas do aprendizado e da ciência que são realizadas a cada hora entre nós, a atitude da humanidade é de descrença. “Não há Deus!”, grita um teórico; “ou se houver, não posso obter prova de Sua existência!” “Não há Criador!”, exclama outro. “O Universo é simplesmente uma junção de átomos.” “Não pode haver imortalidade”, afirma um terceiro. “Somos apenas pó, e ao pó retornaremos.” “O que é chamado pelos idealistas de ALMA”, argumenta outro, “é simplesmente o princípio vital composto de calor e ar, que escapa do corpo na morte e se mistura novamente com seu elemento nativo. Uma vela quando acesa emite chama; apague a luz, a chama desaparece — onde? Não seria loucura afirmar que a chama é imortal? No entanto, a alma, ou princípio vital da existência humana, nada mais é do que a chama de uma vela. [...]. Trechos extraídos da obra Delphi Collected Works of Marie Corelli (Delphi Classics, 2017), da escritora inglesa da Era Vitoriana, Marie Corelli (Isabella Mary Mills, Minnie Mackay, ou ainda, Caroline Cody - 1855-1924). Veja mais aquí.

 

ÓPERA ARTISTA DA FOME, DE ARMANDO LÔBO

Estreou neste final de semana, no Teatro Hermilo Borba Filho, em Recife – PE, a ópera Artista da Fome, do premiado cantor, compositor, arranjador, instrumentista, poeta e professor Armando Lôbo, no projeto Ópera do Claustro, juntamente com a ópera Desachados e Perdidos, de Victor Luiz e a instalação visual do artista Marcelo Coutinho. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

ITINERARTE – COLETIVO ARTEVISTA MULTIDESBRAVADOR

Veja mais sobre MJ Produções, Gabinete de Arte & Amigos da Biblioteca aqui.

& mais:

Livros Infantis Brincarte do Nitolino aqui.

Diário TTTTT aqui.

Literatura Indígena: Cosmovisões & Pela Paz aqui & aqui.

Poemagens aqui.

Cantarau Tataritaritatá aqui.

Teatro Infantil: O lobisomem Zonzo aqui.

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VALUNA – Vale do Rio Una aqui.

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Crônica de amor por ela aqui.

 


quarta-feira, novembro 15, 2023

PAULA EINÖDER, AIMÉ CÉSAIRE, SARAH BAKEWELL, INCONFISSÕES & ENIGMA VITAL

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som do álbum Territórios (Rocinante, 2023), da violonista clássica Gabriele Leite, musicista, que figurou na lista Under 30 da Forbes, em 2020.

 

PALÍNDROMO OUROBOROS & SISIFISMO GLOCAL... – Piso errâncias da solidão pelo Vazio de Boötes, prófugo sonheiro pela constelação Ofícuo, ou sei lá: talvez aqui esteja mais respirável que as intoxicadas calçadas e ruas da minha cidade. Juro, talvez possa escapulir – sim, alívio pra quem sempre se viu enredado nas tramas da trilogia de Samuel Beckett, diante do Lamentável Expediente da Guerra. Absurdo é não haver mais lugar seguro, o inferno por toda parte. Confesso, meu coração Molloy, miseravelmente solitário: não é nem nunca será nada; apenas teimoso, como se buscasse o ventre materno a todo instante. Só sei e sinto o desperdício de todos os solilóquios: é tudo desconfortavelmente incomunicável, inevitavelmente falhamos e muito feio. Quase nada mais adianta, resta o inopinado. Pelas ruas as mulheres me pediam uma das pedras dos bolsos e, em troca, ofertavam o limiar da porteira do mundo, a origem de Courbet. Surpreso, não fazia outra coisa senão entregá-las a todas elas, sem que precisassem gratificar. Elas insistiam e mais persistiam, não sabiam que não tinha onde cair morto nem sequer mais sabia meu próprio nome, assombrado com as escaramuças das valias e o tiroteio da indiferença nas ondas do anonimato. O momento é quase uma amputação, não entendo seus gestos e falares, se festejam ou descontentes. Não as entendo, muito menos o que dissera Astrid Lindgreen: Eu era jovem, pobre e me sentia muito sozinha. Eu vim de uma cidade pequena e em Estocolmo não conhecia ninguém. De segunda a sexta trabalhava em escritório, mas os finais de semana eram tristes e chatos. Passei o tempo lendo livros... Se me chegara por penhora, não sabia. Eis-me aqui de volta, disse-lhe. Tal Malone, asseguro: a gente só sabe que vai morrer! E me apontou pelas esquinas as ocorrências – outras delas que desfiavam nas garras de homicidas impunes, nem quero ver e não perdoo ninguém, pro inferno todos! Não, não quis dizer isto! Longe de mim. Reconheço: gente envolvida em fanáticas irrelevâncias, pelo ódio aguça o risco e a fealdade dos interesses chovem bombas torrenciais na incógnita esperança dos olhos infantis daqui e das palestinas na Faixa de Gaza, das israelitas cativas, russas e ucranianas, desumanidade demais sob um Sol furioso e calor de 50 graus - cada vez mais difícil sobreviver. Quem asfixiado não escapole da clausura, quem oprimido não abre o peito à indignação, quem à porta não dá o milésimo passo. Já tenho muito no que pensar e fazer, buscar o asilo com as dificuldades de locomoção, a quase mendicidade, a claustrofobia sufocante, as sobras e os restos, tudo se esvai: apesar de tudo, muito em breve estarei morto. Preciso ficar calado, aprender o silêncio. Ela insiste e me recrimina Selma Lagerlöf: Ninguém pode salvar as honras do Senhor, mas abençoado será aquele que restaurar a coragem para suportar... Não consigo entendê-la: onde agora, quem e quando, a impossibilidade, aporias e coisas, outros silêncios. Toda religião é uma ofensa, como os noticiários: incapazes de perceberem todo dia a criação do universo - o círculo e a linha ondulada se faz reta rasgando limites, os erros e a minha vida, uma sucessão de hábitos. Quase nem há como ir adiante, a jaula é um labirinto em que se confundem começos e fins, decessos e ressurgências, saídentradas... O portão emperra e nem ouço direito agora Margarida Rebelo Pinto solícita: Acredita que o tempo em que estamos com aqueles que nos querem bem é sempre um tempo ganho, como quem acumula pontos de felicidade para o futuro... Não sobrou ninguém além da gentileza dela a me sorrir como se fosse um fantasma renitente a me exigir uma atitude que não sei qual nem onde estou. Sei que sou inominável no meio do silêncio e ouso o primeiro passo a cada dia e de novo, meus pedaços não vão tão longe, penetram a menor profundidade, como se tecessem invisiveis limites na dor do aniquilamento numa suposta cova mais rasa. Vou continuar, preciso ir, vou adiante mesmo assim: pra onde, como, quando... Não há razão pra desistir, nem pra desespero. O que sou e tudo passará. Ah, até mais ver.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

LADY TITANIC - Eu tenho a maldição do Titanic e um iceberg na garganta \ Eu afundo no gelo do inferno \ o fogo nunca esteve tão frio \ Eu te empresto meu barco em pedaços \ ou eu te dou um pedaço do meu sorvete \ ser juiz e parte da viagem que não volta na jornada mais triste \ do navio mais louco \ Eu sou a Senhora Titanic \ aquele que nunca iria afundar em seus ferros majestosos \ agora eu tenho tudo acertado \ o tédio roxo do náufrago entre minhas sobrancelhas de inseto cleptomaníaco \ Eu nunca voltarei navegar pelos mares \ Eu estarei para sempre afogado no espelho que me cruzou \ Eu tenho a tragédia do Titanic e um iceberg nos olhos \ Eu afundo no inferno do iceberg \ O gelo nunca esteve tão quente.

MALES DE LA ENFERMEDAD (CONFESIONES) - o mal das flores envolve meu crânio \ como uma coroa de espinhos duros \ todo mundo me tem disse o mesmo \ que não há cura por esses males da alma \ o mal das flores rodeia meu cérebro \ como um corolário muito espinhoso \ todo mundo me tem disse igual que não há cura por tão grande e um mal doloroso.

Poemas da escritora e professora uruguaia Paula Einöder.

 

CAFÉ EXISTENCIALISTA – [...] A ansiedade é a vertigem da liberdade [...] É perfeitamente verdade, como dizem os filósofos, que a vida deve ser entendida de trás para frente. Mas esquecem a outra proposição, que deve ser vivida para frente. E se pensarmos sobre esta proposição, torna-se cada vez mais evidente que a vida nunca pode ser realmente compreendida no tempo, porque em nenhum momento particular posso encontrar o local de descanso necessário para compreendê-la. [...] As ideias são interessantes, mas as pessoas o são muito mais. [...] Você deveria fazer suas escolhas como se estivesse escolhendo em nome de toda a humanidade [...] Penso com tristeza em todos os livros que li, em todos os lugares que vi, em todo o conhecimento que acumulei e que não existirá mais. Toda a música, todas as pinturas, toda a cultura, tantos lugares: e de repente nada. Eles não fizeram mel, essas coisas, eles não podem fornecer nenhum alimento para ninguém. No máximo, se meus livros ainda forem lidos, o leitor pensará: Não houve muita coisa que ela não tenha visto! Mas aquela soma única de coisas, a experiência que vivi, com toda a sua ordem e a sua aleatoriedade - a Ópera de Pequim, a arena de Huelva, o candomblé na Bahia, as dunas de El-Oued, a Avenida Wabansia, as madrugadas na Provença , Tirinto, Castro conversando com quinhentos mil cubanos, um céu sulfuroso sobre um mar de nuvens, o azevinho roxo, as noites brancas de Leningrado, os sinos da Libertação, uma lua laranja sobre o Pireu, um sol vermelho nascendo sobre o deserto , Torcello, Roma, todas as coisas de que falei, outras que deixei por dizer — não há lugar onde tudo isso possa voltar a viver. […] De agora em diante, escreveu ele, devemos sempre levar em conta o nosso conhecimento de que podemos destruir-nos à vontade, com toda a nossa história e talvez com a própria vida na Terra. Nada nos impede, a não ser a nossa livre escolha. Se quisermos sobreviver, temos que decidir viver. Assim, ele ofereceu uma filosofia projetada para uma espécie que havia acabado de se assustar, mas que finalmente se sentia pronta para crescer e assumir responsabilidades. [...] poucas pessoas arriscarão a vida por uma coisa tão pequena como levantar um braço – mas é assim que os poderes de resistência de alguém são desgastados e, eventualmente, a responsabilidade e a integridade de alguém vão com eles [...]. Trechos extraídos da obra At the Existentialist Café: Freedom, Being, and Apricot Cocktails (Random House, 2017), da premiada escritora e professora britânica Sarah Bakewell, fornecendo um relato dos existencialistas modernos que vieram por conta própria antes e durante a Segunda Guerra Mundial, discutindo as ideias da fenomenologia e como influenciou a ascensão do existencialismo.

 

DISCURSO DO COLONIALISMO – [...] A maldição mais comum neste assunto é ser a vítima de boa-fé de uma hipocrisia coletiva, hábil em colocar mal os problemas para legitimar melhor as odiosas soluções que lhes são oferecidas [...] O que estou querendo dizer? Nesta ideia: que ninguém coloniza inocentemente, que ninguém coloniza impunemente; que uma nação que coloniza, que uma civilização que justifica a colonização – e portanto a força – já é uma civilização doente, uma civilização moralmente doente, que irresistivelmente, progredindo de uma consequência a outra, de uma negação a outra, clama pelo seu Hitler, Quero dizer, sua punição. [...] As pessoas ficam surpresas, ficam indignadas. Eles dizem: “Que estranho! Mas não importa – é o nazismo, vai passar!” E eles esperam e esperam; e escondem de si mesmos a verdade de que isso é barbárie, mas a barbárie suprema, a barbárie culminante que resume todas as barbáries cotidianas; que é o nazismo, sim, mas que antes de serem suas vítimas, foram seus cúmplices; que toleraram aquele nazismo antes que ele lhes fosse infligido, que o absolveram, lhe fecharam os olhos, o legitimaram, porque, até então, só tinha sido aplicado a povos não europeus; que cultivaram esse nazismo, que são responsáveis por ele, e que antes de engolir toda a civilização ocidental e cristã nas suas águas avermelhadas, ela escorre, escorre e escorre por todas as fendas. [...]. Trechos extraídos da obra Discurso sobre el colonialismo (Akal, 2006), do poeta francês Aimé Césaire (1913-2008), que em sua obra Notebook of a Return to the Native Land (Wesleyan Poetry Series -  Wesleyan University Press, 2001), expressa que: […] Cuidado, meu corpo e minha alma, cuidado sobretudo em cruzar os braços e assumir a atitude estéril do espectador, pois a vida não é um espetáculo, um mar de tristezas não é um proscênio, e um homem que chora não é um urso dançarino. [...] Um homem gritando não é um urso dançante. A vida não é um espetáculo. [...]. É dele a frase: Uma civilização que se revela incapaz de resolver os problemas que cria é uma civilização decadente. Uma civilização que escolhe fechar os olhos aos seus problemas mais cruciais é uma civilização atingida. Uma civilização que usa seus princípios para trapaças e enganos é uma civilização moribunda. Veja mais aqui.

 

... Em cada verso o abismo aberto. \ O limbo como um hímen (não comestível).

Versos de Cinco poemas (2012), extraído da obra Inconfissões (CriaArt, 2023), do poeta Vital Corrêa de Araújo, organizado pelo poeta e professor Admmauro Gommes, autor da também recém lançada obra O enigma vital – aspectos da obra poética de Vital Corrêa de Araújo (CriaArt, 2023). Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

 


 


 


domingo, novembro 06, 2022

VICTORIA CAMPS, CECÍLIA MEIRELES, GUY GAVRIEL KAY, DAREL, DUANE MICHALS & ELIANA YUNES

 

 Ao som do álbum Prelude in C minor, do violonista paraguaio Augustin Barrios Mangoré (1885-1944), na interpretação da violonista russa Valeria Galimova.

 

TRÍPTICO DQP: - Ráfagas et escâncaras (inspirado no livro homônimo inédito de Vital Corrêa de Araújo) – Lá estava eu às voltas com as diatribes do estoico Epictetus: Tudo isso é nada: estou preparado para coisas grandes. Para quem foi escravo ele foi longe demais, até as nove sentenças. Não estava tão à toa e foi por ele que fui levado a passar as vistas pelas considerações do Bernardo de Claraval – o tal doctor Meliflus que foi o último guia pelo paraíso nos cantos trigésimo primeiro e terceiro da Comédia de Dante. Depois pela novela enciclopédica das maravilhas de Ramon Llull – o libertino de jogral que ao ter tido sabe-se lá quando umas visões místicas tornou-se o beato doctor Inspiratus que influenciou Leibniz -, isso até me deparar com as devastadoras sátiras de Gregório Boca de Guerra. A sensação era de que fui atirado longe, quase perto da fechadura na constelação de Orion, com o peso na cacunda de haver cometido o dobro de uns quinze ou mais pecados capitais, sem me conformar por não ter abusado mais que isso. Apesar disso nem capitulei porque na verdade vivia como no centro das cenas do teatro de Beckett ou dum filme de Arrabal, e todos ao meu lado como na pintura desfigurativa de Bacon e no meio duma performance das transfigurações de Olivier de Sagazan que me disse imediatamente: É permanentemente como numa forma de cambalhota assim, vês? De passos largos. Vi e não era nada às claras no meio da umbrosa tragédia cotidiana, na qual reiterava Duane Michals: Vivemos em uma cultura onde aquele que grita o mais alto recebe mais atenção. Não é no vulgar, não é no choque que se encontra arte. E não é o excessivamente bonito. Está no meio; está em nuance. Foi precisa a simpática recepção da Victoria Camps: ...porque são as situações adversas que testam o significado da felicidade e a capacidade do indivíduo de encaixá-las em sua própria vida. Sim. Fui à forra e nem tinha para onde ir, apenas a sensação de que venci com muitos a primeira etapa para dar risada dos despautérios porque desgraça pouca é bobagem, enquantoutros asseclas do século sigiloso andam esperneando pelo que nem sabia direito para entender, coisas da estupidez fanática deles, o que perdeu a graça: a piada além de imitar piorou a vida.

 


Alagoinhanduba... - A cidade do meu exílio se parece muito com aquela dos traços de Darel Valença Lins. Poderia ser qualquer Macondo, Pasco do Cerro, Antares, Itabira ou rincão ignorado desses onde o diabo perdeu as botas, porque a minha sombra arquetípica é indecisa: um misto entre o inescusável e a desventura. Só conversa fiada, uma vez que na horagá esta minha cidade parece que teve tanta personalidade quanto um rolo de papel higiênico já inutilizado, isso mesmo. A sensação que ficou é de que seja o lugar ideal para se pegar uma bronquite, por exemplo; isto na baixa, pois há quem reclame ter saido de lá com alma de leproso ou coisa que valha. Pior: se não for o cu do mundo, está perto, porque parece que assim foi feita e com couro de tecido chué. Careca de saber aquilo que dissera Guy Gavriel Kay: Todas as estradas são escuras. Só no final há uma esperança de luz... A coragem residia em lutar para tentar ultrapassar esse medo, em erguer-se para fazer o que tinha de ser feito. De fato, longe de mim tal sortilégio, melhor mesmo é nada de contar vantagem, sai mais em conta, porque já falou Joel Pinheiro da Fonseca: Dar ao indivíduo aquilo que ele quer não é receita para sua felicidade. É sua destruição. Cá me previno e não é porque não fui embora que será o fim do mundo. Pelo jeito que as coisas vão, só dá pra querer que dure um pouquinho mais a festa esperançosa de dias melhores que virão, oxalá.

 


Novembroutro... - Quarenta anos se passaram, infortúnios e mazelas, ainda não aprendi direito, tarde demais. É que despontei pro anonimato justo quando queria reconhecimento e dei de cara com o que disse Gertrude Stein: Não sei como meus leitores conseguem entender o que escrevo. Depois de algum tempo, nem eu mesma sei o que queria dizer. Nem eu, pudera. Estudei que só e não sei qual a equação disso ou a raiz quadrada daquilo, tempo precioso que poderia ter sido aplicado noutra coisa de melhor serventia e me passei, como sempre. Ouso desagradar leitora: só joio, mais nada. Tenho imaginação sim, tanto é que todas as mais lindas mulheres passaram pela minha mão e nem precisei agradecer nem me desculpar por isso nem por nada, pois sempre achei que os outros se divertiam às minhas custas e pelas costas, seja lá quem fosse. Menti um pouco e nunca fui de caçadas, nem pra guerra nem candidato pruma eleição no raio que partiu a doidice toda. Nunca me importei mesmo, o que detesto é a prova dos nove ou o flagra da pinoia. Uso daquela do James Callaghan: Uma mentira pode correr meio mundo antes mesmo que a verdade consiga calçar as botas. Mesmo assim não hesitei nem me abstive de rascunhar garranchos, só inutilidade de dentes e cabelo caírem, memória fraca hoje em dia. Certa estava Cecília Meireles: Tudo é mistério nesse reino que o homem começa a desconhecer desde que o começa a abandonar. Não foi nem será fácil, deixo muito a desejar - como se as palavras saíssem na marra, quando na verdade, levo surra delas cada vez que me meto a escrevinhar minhas garatujas. Ora, sou lá congenitamente incapaz de uma frase refinada ou dizer a verdade, o melhor é seguir à risca a lição de Henry Miller: Se você não conseguir fazer com que as palavras trepem, não as masturbe. Destá. Vou no bambo, vai que acerto, coisa rara essa; mas quando erro pelo menos posso fingir que não sou tão idiota. Quando eu morrer que falem mal à vontade, nunca me incomodei porque é tudo verdade e será a vez que não invejarei o morto: estarei em dia com a ignorância alheia. Pois é, eu vivo e digo: viva ainda hoje que amanhã pode ser ilegal, viu? Até mais ver.

 


Ler não é decodificar um texto apenas, mas assenhorar-se do que pode ou não afetar seu leitor, possibilitando que compare e lucidamente corresponda ao lido, seja com ações interiores em sua subjetividade, ou externas, na coletividade de que participa. Ler não é automático, displicente, nem pode ser ingênuo: a leitura exige discernimento, não importa se de uma criança aprendiz ou de um leitor experiente. E em nenhum caso, o resultado é único ou tranquilo, mas exige coerência entre ler e viver. Ou não faria sentido... ler!

Trecho do texto de apresentação da obra A Falta que faz a Leitura: Saberes em diálogo (IIL-PUC-RJ, 2022), organizada professora e pesquisadora Eliana Yunes. Veja mais Educação & Livroterapia aqui & aqui.

 



quarta-feira, junho 16, 2021

JAMES JOYCE, BERENICE ABBOTT, A DANÇA DA FILHA & DIA LÁ DE ALAGOINHANDUBA

 

 

TRÍPTICO DQP – Diário de lembranças - Ao som do álbum Bloomsday (Cult, 2018), do produtor musical instrumental estadunidense Esbe. - Era madrugada, cabeça ao travesseiro estrelado e nos meus olhos entreabertos e sonolentos o onírico amanhecer dublinense de Eveline. Lá estava ela com Nora e contávamos os mortos porque o jovem artista ainda brincarte de sonhar, não saberia o que da vida fora feito. Não sabia onde estava Ulysses, só ouvia o Monólogo de Molly porque estávamos todos exilados no meu país em que tudo se perdia e se esfacelava. Nem ouvíamos o aviso de que não se devia confiar nas aparências: é que pensávamos ser aqui o éden e não passava de uma lenda do Hy-Breazil. Perdíamos a festa, Bloomsday, só do Finnegans Wake: … Primeiro falamos. Depois falimos. E que ela chova agora se quiser. Brava ou leve, como ela queria. Restavam leitoras de James, leituras de Joyce. Tão logo evaporou o devaneio, sumiram... Sem ao menos qualquer despedida, foram embora, e eu estava condenado aqui, fazendo o meu diário de lembranças: andanças pelo país para conhecer melhor a indigência e os perigos do Brasil: armadilha de bumerangue – todos gritam e ninguém se ouve, mãos vazias e chorar por nós mesmos.

 


Dois passos & a dança da filha - Imagem: The dancer Lucia Joyce (1927), da fotógrafa estadunidense Berenice Abbott (1898-1991) & Bloomsday – Dublin & Ao som de Bloomsday, do álbum I Guess We Live Here Now (Independent, 2021), da compositora e cantora estadunidense Samantha Crain. – Mal despertei e ela dançava pelo quarto, pés descalços e túnica, passos euritmicos de Dalcroze e imersão da Akademia, como se fosse da comuna de Neuilly, o coração aberto e a vida solta uma nova era. Quem aquela? Não havia como saber, só quando ela falou da sua vida enquanto rodopiava o seu fascínio no meu coração. Era a filha perdida, tornou-se a dançarina notável Lúcia: Sou eu quem é o artista. E eu embalado pela vanguarda dos seus gestos, a me dizer que foi enterrada no meio de uma história conturbada de incesto e extravagâncias. Era ela a musa trágica de Trieste - Carl Jung que o diga: ele e o pai dela protagonizaram farpas e raios que abalaram o planeta. Do outro lado surgiu o enamorado Samuel Beckett agitando as mãos enlouquecidamente: A mulher irlandesa! Um pouco de justiça, senhores! E mostrava para guardar a foto da sua performance de peixe prateado yeatsiano pelo resto da vida. E mais hipnotizado com a sua dança grega, mais me dizia das lições do movimento livre de Margaret Morris, o treinamento físico com Kitten - Kathleen Neel e a recusa da oferta de emprego da irmã de Duncan, a Elizabeth, para lecionar na escola de Darmstadt, perto de Frankfurt. E dançou La petite marchande d'allumettes (The Little Match Girl, 1928), do cineasta Jean Renoir (1894-1979), enquanto se desmanchava pela série de namoricos e noivados rompidos e o idílio com Mary Wigman. Desabou desconsolada, o colapso nervoso quando o irmão Giorgio a levou para ser encarcerada em manicômios, camisas de força e soro bovino. Não sabia da morte do pai dela, seu único defensor – aquele mesmo que mantinha reservas, considerava impróprio dançar no palco. A mãe nunca a visitara e o irmão apenas uma única vez, aprisionada no asilo de St Andrew, em Northampton. Vi quando o sobrinho Stephen guardou seu romance, poesia e correspondências com o pai e destruiu tudo da Biblioteca Nacional da Irlanda. Os amigos seguiram os passos e destruíram sua correspondência, silenciando-a, roubando-lhe o arbítrio e tornando-a um espaço vazio supino. Revi tudo dela no livro Lucia Joyce: To Dance in the Wake (St. Martins, 2003), da escritora Carol Loeb Shloss, e no curta-metragem Lucia Joyce: Full Capacity (2020), da cineasta Deirdre Mulrooney, estrelado por Evanna Lynch. Nunca imaginara aquilo tudo, não era sonho, o travesseiro revelara.

 


Três dias lá... – Levantei-me assustado, o que estava acontecendo comigo? Sei lá! Se não me livrara do espelho de Wang Tu, agora, cada vez mais, refém do travesseiro de Chen-Tsi-Tsi. Onde estava? Quem sabe... Fui ver: em Alagoinhanduba era Dia Lá, aquele que se comemorava dia 29 de fevereiro ou 31 de abril. Eita! Às vezes se esqueciam do evento e folgavam de novo no segundo semestre num dia que desse na veneta, emendando outros feriados, na farra de correr bicho, desenvultar assombração e gente se envultar na força da Teibei. O Dia Lá era tão arrepiado que teve uma vez começou às vésperas do carnaval e só terminou na sexta-feira santa, isso porque Jesuisis do Jegue passou da conta nos birinaites e bateu as botas assim do nada: o choro foi tamanho, morreu de novo aquele que nasceu no alinhamento dos planetas do dia 5 de fevereiro de 1962. Como é? Sim. Foi mesmo? Tais brincando! Na vera, tal como o Giro, lembra? Eita, quem o Anticristo? Sei lá. Ninguém nunca mais viu o Giro. Olha lá, o Jesuisis ressuscitou de novo. Foi mesmo? Agorinha, olhelelá! Benzodeus. E agora? É Dia Lá, vambora que ainda tem muita festa para comemorar! Tome cipoada para cima: Simbora putada! Até mais ver.

 

Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

 


segunda-feira, agosto 04, 2008

ABSOLUTA SOLIDÃO, HENRY MILLER, BECKETT, PIERRE WEIL, OSWALD, EVELIA MARMOLEJO, GODDARD & RAJAGOPALAN



A arte da artista colombiana feminista María Evelia Marmolejo.

ABSOLUTA SOLIDÃO – Eu fiquei só à mercê de dó e quase que morri. Fervi o nó, me virei em pó e quase enlouqueci. O abandono chega e me mata e arrebata o jeito de ser feliz, esse sono me maltrata, vergasta arrasta o que já se prediz, amor. Eu nem dei fé, rumei de ré e me desiludi. Foi de fel, virou meu céu e eu bem que choi. Pôs o meu pranto em chuva forte, perdeu a sorte e se fez aprendiz. Meu rumo espreita o lado norte, mas só a morte vem me seduzir, amor. Ficou bem longo o fardo agora, a estrada é noite rumo afora, a esta hora o que devo seguir. E o desejo em ti me queima, a solidão revés que teima, em perseguir aonde devo ir, amor. (Primeira Reunião, Bagaço, 1992). Poema para a canção homônima em parceria com Santanna O Cantador. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.


DITOS & DESDITOS - Nenhum conhecimento de onde saíra. Nem de como. Nem de quem. Nenhum de aonde chegara. Parcialmente chegara. Pensamento do dramaturgo e escritor irlandês Samuel Beckett (1906-1989). Veja mais aquiaqui.

ALGUÉM FALOU: A inteligência controla as emoções e as emoções são controladas proporcionalmente ao grau de inteligência... Portanto, quando a inteligência é pequena, as emoções não são controladas, e, sejam elas fortes ou fracas, serão traduzidos por atos desordenados, descontrolados e, como prova a experiência, geralmente indesejáveis. Portanto, ao medirmos a inteligência de um individuo e comprovarmos que a mesma se situa abaixo da norma o bastante para incluí-lo no grupo dos que chamamos de débeis mentais, conhecemos o dado fundamental sobre o referido individuo. Pensamento do psicólogo e eugenista estadunidense Henry Herbert Goddard (1866- 1957).

O ÊXTASE – [...] Quando algum dia, no terceiro milênio, se indagar qual tenha sido a mais importante descoberta do século XX, a resposta não será, sem dúvida, a energia atômica, nem os universos paralelos, mas sim o estado transpessoal da consciência, ou consciência cósmica. Essa descoberta constitui hoje o ponto de encontro e de convergência da física moderna e da psicologia, encontro bastante inesperado quando se tem em mente a distância aparente entre essas duas disciplinas; não obstante, os estados místicos e as perspectivas das grandes tradições espirituais da humanidade atraíram a atenção de numerosos físicos modernos. [...]. Trecho extraído da obra Antologia do Êxtase (Palas Athena,1993), do educador e psicólogo francês Pierre Weil (1924-2008). Veja mais aqui e aqui.

LINGUÍSTICA CRÍTICA – [...] Quando me refiro a uma linguística crítica, quero, antes de mais nada, me referir a uma linguística voltada para questões práticas. Não é a simples aplicação da teoria para fins práticos, mas pensar a própria teoria de forma diferente, nunca perdendo de vista o fato de que o nosso trabalho tem alguma relevância. Relevância para as nossas vidas, para a sociedade de modo geral. [...]. Trecho extraído da obra Por uma linguística crítica: linguagem, identidade e questão ética (Parábola, 2003), do linguista e professor indiano Kanavillil Rajagopalan.

DOIS POEMAS - VÍCIO NA FALA: Para dizerem milho dizem mio / Para melhor dizem mió / Para pior pió / Para telha dizem teia / Para telhado dizem teiado / E vão fazendo telhados. PRONOMINAIS: Dê-me um cigarro / Diz a gramática / Do professor e do aluno / E do mulato sabido / Mas o bom negro e o bom branco / Da Nação Brasileira / Dizem todos os dias / Deixa disso camarada / Me dá um cigarro. Poemas do escritor, ensaísta e dramaturgo do Modernismo brasileiro, Oswald de Andrade (1890-1954). Veja mais aqui e aqui.


A arte da artista colombiana feminista María Evelia Marmolejo.


AS MÁXIMAS DE HENRY MILLER

“(...) Eu tinha uma caneta cuja pena arranhava, um frasco de tinta e papel – minhas únicas armas”.

“(...) O homem escreve para livrar-se do veneno que acumula devido à falsidade do seu modo de vida. Está tentando recapturar sua inocência, mas ainda assim tudo que consegue fazer (escrevendo) é inocular o mundo com o vírus da desilusão. (...) O escritor corteja seu publico tão ignominiosamente quanto um político ou qualquer outro vigarista; adora pôr o dedo no pulso, passar receitas como se fosse um médico, conquistar uma posição, ser reconhecido como uma força, receber a taça cheia de adulação, mesmo que com um atraso de mil anos. Não quer um mundo novo que possa ser criado de imediato, pois sabe que jamais lhe seria adequado. Quer um mundo impossível, em que, sem coroa, é o manipulador de fantoches dominado por forças que escapam totalmente a seu controle. Contenta-se em governar de maneira insidiosa – no mundo fictício dos símbolos – porque a simples idéia do contato com realidades grosseiras e brutais lhe mete medo. É verdade que tem uma percepção da realidade maior do que a de outros homens, mas não faz qualquer esforço para impor essa realidade mais alta ao mundo pela força do exemplo. Basta-lhe perorar, deixar-se arrastar nas águas dos desastres e catástrofes, profeta roufenho da morte sempre sem honra, sempre apedrejado, sempre enxotado por aqueles que, por mais inadequados para suas tarefas, dispõem-se a assumir a responsabilidade pelos negócios do mundo. O escritor realmente grande não quer escrever: quer que o mundo seja um lugar em que possa viver a vida da imaginação. A primeira palavra tremula que ele traça no papel é a palavra do anjo ferido: dor. O processo de traçar palavras no papel equivale a administrar-se um narcótico. Enquanto observa o crescimento de um livro debaixo de suas mãos, o escritor se infla com delírios de grandeza.´Também sou um conquistador – quiçá o maior de todos! Meu dia está chegando. Vou dominar o mundo – com a mágica das palavras...`Et cetera ad nauseam”.

“(...) Algum dia, a arte de sonhar acordado estará ao alcance de todos”.

“(...) Sonhei um novo mundo de esplendor magnífico que desaba assim que a luz se acende. Um mundo que desaparece mas não morre, porque me basta ficar novamente imóvel e abrir bem os olhos no escuro para ele ressurgir... existe então um mundo em mim que é totalmente diverso de qualquer mundo de que já tenha ouvido falar”.

“(...) Minha 0olítica sempre foi a de queimar as pontes depois de minha passagem. Estou sempre virado para o futuro. Se cometo um erro, é um erro fatal. Quando sou obrigado a recuar, volto até o ponto de partida, caio até o fundo. Minha única salvaguarda é minha capacidade de resistência. Até aqui, sempre consegui me recuperar. Às vezes dou a impressão de retornar em câmara lenta, mas aos olhos de Deus a velocidade não é tão importante assim”.

“(...) Todo homem, quando se aquieta, quando é desesperadamente honesto consigo mesmo, pode proferir verdades profundas. Todos derivamos da mesma fonte. Não há mistério quanto à origem das coisas. todos somos parte da criação, todos reis, todos poetas, todos músicos; precisamos apenas nos abrir, para descobrir o que já estava lá”.

“(...) É quase uma lei: toda vez que um homem embarca numa grande aventura, precisa cortar todos os laços. Precisa isolar-se no meio do nada, e quando já enfrentou a si mesmo em combate precisa voltar e escolher um discípulo”.

“(...) A vida não está no andar de cima: a vida está aqui, agora, no momento em que dizemos que sim, no momento em que abrimos mão do controle. A vida são quatrocentos e quarenta cavalos num motor de dois cilindros”.

“Um pouco mais de felicidade (...) e ele se transformaria no que se chama de um homem perigoso. Perigoso porque ser feliz o tempo todo seria atear fogo no mundo. Fazer o mundo rir é uma coisa; torná-lo feliz é coisa muito diferente”.

“(...) Quero que vocês se fodam! Ninguém vai me abrigar a fazer nada! Ninguém vai me obrigar a passar fome só para provar que sou um artista. (...) O artista é um instrumento que registra algo que já existia, uma coisa que pertence ao mundo todo e que, se ele for mesmo um artista, irá sentir-se compelido a devolver ao mundo”.

“(...) O maior erro que você comete é achar que o usufruto é uma coisa imerecida, que você achar que sabe tocar violino é a mesma coisa que tocar violino. (...) Quanto à recompensa, você confunde reconhecimento com recompensa. São duas coisas diferentes. (...) A razão de ele passar por tanta infelicidade é decidir fazer seu trabalho de graça. Ele esquece, como você diz, que precisa ganhar a vida. O que, na verdade, é uma bênção. É muito melhor ocupar-se com belíssimas idéias do que com a próxima refeição, ou o aluguel, ou um par de sapatos novos. (...) Para apreciar alguma coisa, é preciso estar pronto para recebê-la; o que implica um certo autocontrole, uma certa disciplina, uma certa castidade, pode-se dizer. Acima de tudo, implica desejo, e o desejo é uma coisa que precisa se alimentar de uma vida correta”.

“(...) lembrei repentinamente do dia em que, pela primeira vez em minha vida, olhei no espelho e me descobri encarando um desconhecido”.

“(...) O trabalho, já me parecia assim desde o limiar da vida, é uma atividade reservada para gente simplória”.

“(...) A vida era uma coisa de que os filósofos falavam em livros que ninguém lê (...) Nas poucas leituras que fiz, pude observar que os homens mais profundamente envolvidos com a vida, os homens que moldavam a vida, os homens que era a própria vida, comiam pouco, dormiam pouco, possuíam pouco ou nada. Não tinham ilusões acerca do dever, da perpetuação de sua família e seus amigos ou da preservação do Estado. Estavam interessados na verdade, e só a verdade. Reconheciam um único tipo de atividade – a criação”.

“A criação é o jogo eterno que ocorre em cima da divisa; é espontânea e compulsiva, obediente à lei. Afastamo-nos do espelho e o pano sobe. Séance permanente. Só os loucos estão excluídos. Só os que perderam a cabeça, como dizemos. Porque esses nunca param de sonhar que estão sonhando. Postaram-se diante do espelho de olhos abertos e caíram num sono profundo; selaram sua sombra na tumba da memória. Neles, as estrelas entram em colapso para forma o que Hugo chamou de ´um cegante jardim zoológico de sóis que, por força do amor, transformam-se nos poodles e lulus da imensidão`”.

“(...) Se a substancia da arte é a alma humana, então devo confessar que, com almas mortas, eu não conseguia visualizar nada germinando na minha mão”.

“Diz uma teoria que quando um planeta, como a nossa terra por exemplo, já tiver manifestado todas as formas de vida, quando ficar povoado ao ponto do esgotamento, irá desfazer-se em pedacinhos e dispersar-se por todo o universo sob a forma de poeira estelar. Não vai continuar girando como uma lua morta, mas explodir e ao cabo de poucos minutos não deixará mais qualquer vestígio visível nos céus. Na vida marinha existe um efeito similar. Chama-se implosão. Quando um anfíbio acostumado às trevas das profundezas sobe acima de um certo nível, quando cai a pressão a que está adaptado, seu corpo explode para dentro. E não conhecemos esse mesmo espetáculo no ser humano? Os acessos de fúria, de perda do controle – não exemplos de implosão e explosão? Quando a taça fica cheia, transborda. Mas o que acontece quando a taça e seu conteúdo são feitos da mesma substância? (...) A guerra do espírito é a historia da divisão da alma”.

“(...) A África é o continente da abundancia, onde a fome reina suprema”.

“(...) Como nas lendas em que se conta que aquele que trai sua visão cai num labirinto do qual só se cai pela morte, e nas quais, através do mito e da alegoria, fica claro que a circunvoluções do cerebro, as curvas do labirinto, as roscas da serpente que nos envolvem a espinha, são o mesmo e único processo de estrangulamento, o processo de fechar as portas atrás de si, de emparedar-se na carne, de mover-se incansavelmente rumo à petrificação (...) ele próprio morto, matara o mundo. Atingira sua própria identidade na morte”.

“(...) Os malditos sempre têm uma mesa para se sentar, na qual podem repousar os cotovelos para sustentar o peso plúmbeo de seus cérebros. Os malditos são sempre desprovidos de visão, e fitam o mundo com as órbitas vazias. Os malditos estão sempre petrificados, e no centro de sua petrificação está um vazio incomensurável. Os malditos têm sempre a mesma desculpa – a perda da criatura amada”.

“(...) quando se dispõe a bombear o sangue de seu coração e derramá-lo no papel, saturar a amada com seu desejo e sua ânsia, assediá-la sem cessar, ela não tem a possibilidade de recusá-lo. (...) Mulher alguma é capaz de resistir à dádiva do amor absoluto”.

“Miriam é o nome dos nomes. Se eu pudesse moldar todas as mulheres e transformá-las no ideal perfeito, se eu pudesse dar a esse ideal todas as qualidades que procuro na mulher, seu nome seria Miriam”.

“(...) As mulheres são preparadas para resistir, para serem sitiadas: são treinadas para agir dessa maneira. Quando não encontram resistência, caem de cabeça na armadilha”.

“(...) O homem levado à loucura e à ruína pela grandeza de seu coração é irresistível para a mulher. Para a mulher que ama, é claro”.

“(...) Sou prisioneiro na casa do amor devotado à pessoa errada”.

“(..) A bunda nos diz tudo sobre a mulher, seu caráter, seu temperamento, se é sanguinea, mórbida, alegre ou volúvel, capaz ou não de corresponder, se é maternal ou amante dos prazeres, se é leal ou mentirosa por natureza”.

“(...) O sexo é que assegura a reprodução, e a reprodução leva ao fracasso”.



HENRY MILLER: SEXUS - O controverso escritor norte-americano Henry Miller (1891-1980), acusado muitas vezes de pornográfico, teve uma vida para lá de movimentada com mulheres do tope de Anais Nin, atuou na Literatura com um misto entre autobiografia e ficção, publicando viagens e ensaios. Publicou a trilogia “Sexus, Plexus, Nexus", por ele chamada de "A Crucificação Encarnada", narrando textos com trechos de sua própria vida, chegando a dizer que, nessas obras, ele: “(...) fiz uso, ao longo desses livros, de irruptivos assaltos ao inconsciente, tais como sonhos, fantasia, burlesco, trocadilhos pantagruélicos, etc, que emprestam à narrativa um caráter caótico, excêntrico, perplexo". Em um desses livros da trilogia, o “Sexus” encontramos algumas confissões, como a de que “(...) Eu tinha uma caneta cuja pena arranhava, um frasco de tinta e papel – minhas únicas armas (...) quando se dispõe a bombear o sangue de seu coração e derramá-lo no papel, saturar a amada com seu desejo e sua ância, assediá-la sem cessar, ela não tem a possibilidade de recusá-lo (...) Mulher alguma é capaz de resistir à dadiva do amor absoluto”. Mais adiante ele escreve: (...) O homem escreve para livrar-se do veneno que acumula à falsidade do seu modo de vida. Está tentando recapturar sua inocência, mas ainda assim tudo que consegue fazer (escrevendo) é inocular o mundo com o vírus de sua desilusão. (...) Os livros são atos humanos na morte. (...) Algum dia, a arte de sonhar acordado estará ao alcance de todos (...) Sonhei um novo mundo de esplendor magnifíco que desaba assim que a luz se acende. Um mundo que desaparece mas não morre, porque me basta ficar novamente imovel e abrir bem os olhos no escuro para ele ressurgir... existe então um mundo em mim que é totalmente diverso de qualquer mundo de que já tenha ouvido falar”.
Sobre a política da vida, ele diz: “(...) Minha política sempre foi a de queimar as pontes depois de minha passagem. Estou sempre virado para o futuro. Se cometo um erro, é um erro fatal. Quando sou obrigado a recuar, volto até o ponto de partida, caio até o fundo. Minha única salvaguarda é minha capacidade de resistência. Até aqui, sempre consegui me recuperar. As vezes dou a impressão de retornar em câmera lenta, mas aos olhos de Deus a velocidade não tão importante assim (...) Todo homem, quando se aquieta, quando é desesperadamente honesto consigo mesmo, pode preferir verdades profundas. Todos derivamos da mesma fonte. Não há mistério quanto à origem das coisas. Todos somos parte da criação, todos reis, todos poetas, todos músicos; preciusamos apenas nos abrir, para descobrir o que já estava lá (...) É quase uma lei: toda vez que um homem embarca numa grande aventura, precisa cortar todos os laços. Precisa isolar-se no meio do nada, e quando já enfrentou a si mesmo em combate precisa voltar e escolher um discípulo”.
Sobre a vida: “(...) A vida não está no andar de cima: a vida está aqui, agora, no momento em que dizemos que sim, no momento em que abrimos mão do controle. A vida são quatrocentos e quarenta cavalos num motor de dois cilindros (...) A vida era uma coisa de que os filósofos falavam em livros que ninguém lê”.
Sobre o artista ele diz: “(...) O artista é um instrumento que registra algo que já existia, uma coisa que pertence ao mundo todo e que, se ele for mesmo um artista, irá sentir-se compelido a devolver ao mundo (...) Se a substância da arte é a alma humana, então devo confessar que, com almas mortas, eu não conseguia visualizar nada germinando na minha mão”.


HENRY MILLER – o controverso escritor norte-americano, Henry Miller (1891-1980), escreveu além de ficção, livros de viagem e ensaios sobre literatura e arte. Tornou-se um clássico que foi acusado de escritor pornográfico, causando escândalo por sua militância contra a hipocrisia, tendo sua obra sido proibida em muitas partes do mundo. No entanto, logo a crítica literária européia o saudou como a culminância de uma corrente literária que remonta ao século XVIII. Ele determinou seu estilo numa característica com mistura entre a autobiografia e a ficção. Veja mais  aquiaqui e aqui.


FONTE:
MILLER, Henry. Sexus. Tradução de Sergio Flaksman. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.



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