Imagem de ChatGPT



Um homem naquela idade tem sempre frio
vai muito longe o tempo em que a sua mulher
dormia agarrado a ele por o seu calor
a fazer sentir confortável 

que frio faz hoje

agora ele veste o roupão da sua mulher
ainda com o calor antigo dela. 






Numa tarde de Setembro 

ao sair da Ponte de Rialto

vejo numa esplanada 

de toalhas brancas

una donna con un cappello rosso

era luz 

e à volta dela tudo estava desfocado. 




 

Imagem de ChatGPT 




Naquele dia o insólito aconteceu
várias pessoas viram um cão a falar
muito embaraçado o cão emudeceu 
quando todos desataram a aplaudi-lo
o cão pensou
eu não nasci para isto
e começou a ladrar
as pessoas assustadas afastaram o animal
lançando-lhe pedras. 



 

Foto do autor do texto


O homem espera que a sua planta ainda tímida 
cresça 
faz já muito tempo que o homem tímido rega a planta
com o seu pequeno regador tímido 
o homem teme morrer antes de ver a sua planta
dar flor. 





Foto de Daniel Filipe Rodrigues



Somente os verdadeiros sofredores
são capazes de uma seriedade autêntica. 
Emil Cioran 


Informo-te como é minha obrigação 
de que vou partir
a parte do meu corpo que ontem te entreguei
não poderás ficar com ela
para ti será apenas uma memória 
deixo-te as recordações 
as fotografias
os poemas
o meu frasco de perfume quase acabado

ouvirás falar de mim
e a tua presença será solicitada
traz-me os meus sapatos do nosso casamento. 


 


Imagem de ChatGPT



No princípio apenas o céu azul
agora
tudo o que me interessa é a cor
uma papoila ao sol
uma romã aberta
uns lábios vivos
uma boca a cantar
um raio que tudo ilumina
lágrimas de sangue
uma bandeira vermelha 
o rosto do filho na noite de Natal 
uma rosa de Alexandria
a tua pele quando te desnudas

e o céu de novo
da cor da noite
com o Quarto Crescente. 


 


Foto de Daniel Filipe Rodrigues 




A discórdia permanente é uma doença contagiosa
prolongada e sem remédio 
cujo paliativo pode ser o desassossego poético.




 




Uma pedra sobre o peito
o pulsar do sangue em cadência nos ouvidos
a língua 
os dentes
a boca
numa imobilidade estranha
para não acordar a sombra do animal 
que dorme aos meus pés 
no cérebro um cardume de peixes
no olhar um bando de aves
entretanto
escrevo as marcas no meu corpo
para que se detenham as palavras inúteis.


 


IA



Nada mais importa
que não seja
o silêncio 
e a ausência 
o sangue
e o pulsar do coração 
tudo o resto
me é inacessível 
dado que desconheço 
o meu destino
a única certeza
é a hora do medo
quando no meio da noite
em conversa com a solidão 
se me acabam os cigarros
a mim que há trinta anos
deixei de fumar. 


 



Imagem de ChatGPT 


Tenho chamado por ti vezes sem conta
ao longo da vida
de vários nomes te fizeste
em muitos silêncios te revi
pelas paredes ficaram versos inacabados
de um poema de amor que não resultou
e durmo 
pesa-me o corpo neste sono 
e sonho
como eu gostava de voltar ao tempo
em que comíamos um cachorro quente
num restaurante modesto do subúrbio 
e sabíamos o nome um do outro. 




 

Foto de Ana Luís Rodrigues 



Nada foi como tu pensaste 
a juventude é ousada
irreverente 
indisciplinada
visionária 
e trágica 
quando consciente pensaste 
que entre dois momentos violentos
nascer e morrer
se faria o paraíso 
o combate pela vida

é trágico quando se fica consciente.


 

IA


É mais comovente um olhar 
que se entristece em silêncio 
do que o assomo de lágrimas 
de duvidosa origem. 





Foto do autor do texto


Da janela da minha casa 
quando tomo o pequeno almoço 
vejo uma palmeira
é pelo balancear dela com o vento
que decido
se saio nu ou vestido.


 


Imagem de ChatGPT 




Sai descalço para a terra
quando tudo te parecer
que te está isolando da vida
verás então 
quando ouvires uma voz
a chamar pelo teu nome
que afinal deitaste raízes à terra. 



 

 

Foto de Daniel Filipe Rodrigues



Têm tantos dedos as tuas mãos 
em cada dedo um sonho
em cada sonho um rosto
estendes-me a mão e perguntas
se tenho saudades 
digo-te 
que não quero falar de coisas tristes 
embora tenha medo que feches as mãos 
sobre a minha vontade quando choro
então peço-te 
que não me convenças da eternidade. 


 





Adormecido numa nuvem  
nessa possibilidade remota
de ter subido ao céu 
espanto as aves e os deuses
pela leveza com que subi
tão aaaaaalto 
a inesperada segurança 
com que sinto o tempo 

afinal o lugar onde me encontro
é onde estamos antes de nascer. 


 




Eu escutei o silvo do comboio

tudo começou contigo

três curtos anos foram suficientes 

fui salvo por Mark Rothko



 

Foto do autor do texto


Deixei-te morrer Maria 
porque me enganaste
quiseste interromper a lógica da vida
e com a tua mentira
enganaste o mundo
ainda enganas
a mim não ___ que conheço a função 
desde que fiquei adulto
para mim tudo ficou em ruínas 
sobre as ideias
e tu Maria já não existes
nos nomes de todas as Marias
que nem sabem
por que lhes deram o nome
foi por causa de uma mentira 
e por isso
a desconfiança do homem
se tornou eterna
este foi aplainando a mentira
como se tivesse acreditado
em toda a história 
que está nos Livros do engano

a mim não Maria
deixei-te morrer. 


 


Imagem de ChatGPT 



Qualquer dia é bom para morrer
basta o corvo que te segue corvejar à sorte
e o teu respiro poderá ser o último 
assim tu entendas o sinal e o queiras
é que a beleza que procuras 
tem destas coisas difíceis. 


 

Imagem de ChatGPT (deformada) 



Fui expulso da Alegria
por aqueles que mais se riam
silenciosos e previsíveis 
usam a boca apenas para comer
de onde lhes escorre a gordura do pecado
com que salpicam as mamas
das suas damas

levanto-me e saio sem pagar a conta
não sem antes lhes dizer
mais vale rir do que chorar. 



 

Imagem de ChatGPT


Vinha uma aranha a caminhar 
na cabeceira da minha cama 
afago-a com o olhar 
para que não se espante 
e pergunto-lhe ao que vem 
ela responde-me 

não te respondo porque não és aranha 
não me compreenderás 

não gostei da resposta 
espalmei-a contra a parede 
e disse 

vês como te compreendo!


 


Foto de Ana Luís Rodrigues


Comovo-me 
com a impossibilidade
que alguns têm de sentir
humanos antigos uns
outros não 
ainda foram colhidos 
da terra à mão 
sem cuidado
sem palavras 
sem delicadeza 
dedico-lhes o poema
que nunca entenderão. 




Foto de Daniel Filipe Rodrigues



O medo
faz com que se adiem certas decisões 
guardo-me para depois
visto o sobretudo com a noite dentro 
é noite de certeza 
em todos os bolsos encontro estrelas
adio a decisão de partir
e adormeço dentro da noite
talvez amanhã se faça dia
dentro do meu sobretudo 
então partirei sem medo do escuro.