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Monday, 29 January 2018

Ainda sobre o Maria Matos: o etos de um teatro

"Have a Good Day!", de Vaiva Grainytė, Lina Lapelytė, Rugilė Barzdžiukaitė (Foto: Simonas Svitra). Teatro Maria Matos, 2017

Etos: (grego éthos-ouscostumehábito), substantivo masculino
Conjunto
 de características ou valores de determinado grupo ou movimento.
Fonte: Dicionário Priberam

Anne Pasternak assumiu a direcção do Brooklyn Museum em Nova Iorque em 2015, sucedendo a Arnold L. Lehman, que tinha ocupado o lugar durante 18 anos. A Anne impressionou-me pela positiva na sua primeira entrevista ao New York Times quando afirmou: “I am excited to build on that ethos of welcome” (numa tradução livre minha: Estou entusiasmada por poder construir sobre esse etos de bom acolhimento).

Na altura da nomeação de Pasternak houve várias vozes a criticar a escolha de alguém que nunca tinha trabalhado num museu. No entanto, a mim bastou-me esta frase, mesmo-mesmo no final do artigo no New York Times, para pensar: Ela percebeu! Ela percebeu “quem” é o museu para o qual vai trabalhar.

Tuesday, 14 July 2015

Quem és tu?



Tenho algumas impressões fortes das paredes do metro em Londres (e de outras cidades), uma plataforma fundamental para uma pessoa se manter informada sobre a oferta cultural da cidade. Agora, imaginem o que aconteceria se as organizações culturais, competindo entre si e com outras entidades para a atenção das pessoas, não considerassem cuidadosamente a sua identidade visual para poderem destacar-se e fazer uma ligação imediata tanto com os indivíduos interessados ​​como, e especialmente, com os mais distraídos.

Monday, 13 April 2015

Vamos fazer um re-branding?



Recentemente, devido a alguns artigos e posts que li, a questão de como os museus são percepcionados pelas pessoas voltou a surgir na minha cabeça. Senti que há uma necessidade urgente de levar o branding a sério, como sector.

Para aqueles que não estão muito familiarizados com o conceito de branding, sugiro o brilhante discurso de Peter Economides Rebranding Greece, onde explica as coisas de forma muito clara:

- A marca (brand) é um conjunto de impressões na cabeça das pessoas;
- Branding é o processo de gestão dessas impressões;
- As marcas fortes criam impressões fortes e consistentes.

Os museus têm definitivamente criado impressões fortes e consistentes. A expressão muito popular "é uma peça de museu" - ou seja, algo velho, morto, empoeirado, não útil, algo do passado – mostra que impressões são essas, realmente... A nossa necessidade de promover os museus dizendo que eles são "espaços vivos" também indica que sabemos perfeitamente o que as pessoas pensam sobre nós.



Alguns anos atrás, fiz a minha primeira entrevista para o boletim do ICOM Portugal com o Director de Marketing da Xerox. O principal assunto da nossa breve conversa foi a campanha da empresa para a troca de peças antigas por novas. O senhor tentou ser gentil com os museus quando eu perguntei sobre a ligação que fizeram: "(...) Muitos dos nossos clientes mostram muita relutância em trocar equipamentos antigos enquanto estes ainda funcionam. Esta é uma atitude comum perante algumas das nossas ‘peças de estimação’, que gostamos de manter independentemente do seu custo real de manutenção ou de sabermos que a evolução tecnológica já as colocou ‘fora de moda’. Numa empresa, o ‘fora de moda’ pode ser a diferença entre o sucesso ou a sobrevivência. Num museu é onde tipicamente podemos ver peças fora da nossa época e com valor. A campanha pretende comunicar que, apesar do equipamento estar a funcionar e ser valioso, a sua antiguidade faz com que não tenha as funcionalidades e características da era tecnológica actual. Ou seja, estará fora da sua época e o seu lugar é em Museus, onde podemos ver como viviam e trabalhavam os nossos antepassados.” Foi uma tentativa generosa, mas todos nós podemos ler nas entrelinhas, não podemos?


Mais recentemente, li dois artigos (aqui e aqui) sobre o projecto “Futuristic Archaeology”, do artista coreata Daesung Lee. O fotógrafo explicou que a acção humana sobre o meio ambiente é uma das suas preocupações e sugeriu que “as paisagens verdejantes se tornarão escassas e que as recordaremos num espaço onde se apresentarão mortas, intocáveis e inatingíveis: num museu de história natural.”  Todos podemos ler nas entrelinhas, não podemos?



O terceiro caso que gostaria de discutir é o da campanha de um museu: o Museu do Holocausto de Buenos Aires. A campanha data de 2011, mas chegou à minha atenção agora, através de um post no Comunicacion Patrimonio. O slogan do museu é "Un museo, nada de arte", tentando colocar a ênfase nas pessoas e na sua história. Cada foto da campanha apresenta um sobrevivente do Holocausto e diz: "Ele / ela e milhões de outras pessoas não fizeram nada para estar num museu". Percebo o que querem dizer... E, ainda assim, não percebo... O museu aprovou uma campanha (uma bela campanha, devo dizer) que reforça uma série de estereótipos: que quando falamos em museus falamos em museus de arte; que as pessoas não precisam ter medo, porque não vão encontrar arte neste museu; que os museus são sobre os grandes (grandes artistas?) e não sobre pessoas comuns. Como disse, acho que esta é uma bela campanha, uma que coloca as pessoas em primeiro plano. Mas não posso concordar com o facto de, a fim de passarem a sua mensagem, terem usado uma série de estereótipos que ajudam a reforçar impressões negativas que as pessoas têm dos museus. E eles são um museu…

As impressões das pessoas coincidem com o que os museus são hoje? Não vou negar que alguns museus, em quase todos os países, ainda são dignos do que as pessoas pensam deles. Mas muitos não o são. Em grande medida, os museus mudaram as suas atitudes, as suas formas de trabalho, a sua imagem, por isso precisam de pensar seriamente na forma de mudar essas percepções que persistem na cabeça das pessoas.

Um dos meus livros favoritos é "Designing Brand Identity" de Alina Wheeler. Voltei a ler o capítulo “When is it needed?” (ou seja, quando é que o branding é preciso), onde são identificadas seis razões para procurar um especialista em “brand identity”: 1. nova empresa, novo produto; 2. mudança de nome; 3. revitalizar uma marca; 4. revitalizar a identidade de uma marca; 5. criar um sistema integrado; 6. empresas que se fundem. O caso dos museus está claramente associado à terceira razão, considerando que eles precisam de se reposicionar e renovar a sua marca corporativa; já não fazem o mesmo que faziam quando foram fundados; precisam de comunicar de forma mais clara quem são; muitas pessoas não sabem quem são; desejam atrair um novo mercado.

As impressões na cabeça das pessoas são poderosas. Os estereótipos levam muito tempo para se dissolver. Não admira que muitas pessoas ainda se mantenham afastadas (facto para o qual contribui também a forma como os museus comunicam a sua oferta em geral, incapazes, muitos deles, de apelar à pessoa comum, o visitante não-especialista). Os museus precisam de ter um papel activo na mudança dessas percepções e precisam de o fazer com cuidado, com conhecimento de causa, com urgência e ... unidos.

Monday, 20 October 2014

A não perder? E... porquê?

OAE, temporada 2014-2015 (imagens retiradas da página de Facebook da OAE)

Tornou-se muito comum, quando se promove um evento cultural, de mencionar o quê - quando – onde e de seguida acrescentar a frase mágica "A não perder!". Às vezes, acrescenta-se mais duas linhas, basicamente para nos informar que o artista x é o melhor no seu campo ou mundialmente conhecido. A julgar pelas informações que nos são enviadas por uma série de instituições culturais, não há nada que possamos perder e há uma série de artistas que são os melhores no seu campo e mundialmente conhecidos. A primeira afirmação não é verdadeira e a segunda não é precisa.

Considerando a crescente oferta de eventos e actividades culturais, as pessoas têm muito por onde escolher. Para algumas pessoas, dada a sua experiência e conhecimentos, a escolha é mais fácil, pois não precisam que outros lhes digam o que devem ver, o que não podem perder. Para outros, menos informados sobre uma série de artistas e o seu trabalho, há alguma necessidade de orientação. Algumas informações adicionais que possam ajudá-los a compreender o que há de importante e relevante para eles, o que é que eles, realmente, não gostariam de perder.

Infelizmente, a declaração "A não perder" - a menos que se trate de um amigo, alguém em cuja opinião confiamos - não serve este propósito, não chega. Afinal, todos dizem o mesmo. Da mesma forma, ao mencionar que o/a artista é o/a melhor não é convincente o suficiente para quem não o/a conhece e não provoca necessariamente um desejo de conhecer melhor o seu trabalho. A verdade é que há uma série de artistas que são muito bons no que fazem. Existe realmente um "melhor"?

Assim, o que muitas pessoas pensam é "Porquê?". Porque é que não posso perder o concerto, o jogo, a exposição? O que há de tão importante, tão especial, tão diferente, tão inovador, tão tocante, tão atraente, tão bonito, tão provocante, tão relevante que vai valer a pena investir o meu tempo e dinheiro para vê-lo em vez de ver ou fazer outra coisa?

OAE, temporada 2014-2015 (imagens retiradas da página de Facebook da OAE)

Isto representa um grande desafio para as pessoas que trabalham na comunicação. Há uma necessidade de ir além do habitual, além da informação óbvia e fácil sobre o quê - quando - onde, e de procurar aquele género de informação - bem como a sua representação visual - que pode esclarecer, surpreender, intrigar e apelar às pessoas com quem as instituições culturais desejam comunicar. Há também uma necessidade de escolher os canais adequados para tornar esta informação disponível e facilmente partilhável.

É com grande prazer que tenho vindo a acompanhar o lançamento da campanha da temporada 2014-2015 da Orchestra of the Age of theEnlightenment (OAE). Algumas informações sobre as suas origens antes de falarmos da campanha:

A OAE foi criada na década de 1980 com o objectivo de começar do zero, de repensar toda a instituição chamada "orquestra": as suas regras, os seus códigos, as suas restrições (vejam a sua curta biografia). Na sua primeira declaração de missão afirmavam que a OAE é para "evitar os perigos implícitos no tocar como uma questão de rotina; procurando opções criativas exclusivamente comerciais; ensaiando pouco; dando uma ênfase excessiva em certas opções, imposta por um único director musical; tornando os objectivos de gravar mais importante do que os objectivos criativos ". [Wallace, Helen (2006). Spirit of the Orchestra]. Hoje, lê-se no website, "Ainda promove a mudança e ainda se destaca pela excelência, diversidade e experimentação. E, mais de duas décadas depois, ainda não há uma outra orquestra no mundo parecida com esta."

OAE, temporada 2014-2015 (imagens retiradas da página de Facebook da OAE)

Esta filosofia é também aplicada na relação que a OAE procura criar com as pessoas, e especialmente com os mais jovens. Numa altura em que várias orquestras lutam para renovar o seu público e permanecer vivas e relevantes - sem saber bem como fazê-lo -, a OAE há muito que investe neste género de relação. Entre as suas várias iniciativas, gostaria de destacar "The Night Shift” (O Turno da Noite), uma série de concertos nocturnos, informais e descontraídos, que quebram uma série de tradições que tendemos a associar aos concertos de música clássica. Mais de 80% das pessoas que frequentam esses concertos têm menos de 35 anos e cerca de 20% estão a frequentar um concerto de música clássica pela primeira vez. Oiçam o que elas têm a dizer:




Há um tom fluido, descontraído, acessível na forma como a OAE comunica com as pessoas. Torna-se óbvio que a sua missão e objectivos estão claros para eles, são sinceros, gostam de partilhar o que mais amam com todos aqueles que possam estar interessados ​​(incluindo aqueles que não sabem que poderiam estar interessados​​). A sua visão clara reflecte-se na sua linguagem (verbal e visual), bem como nas plataformas que usam para comunicar (por exemplo, um canal Vimeo muito rico em conteúdos e uma página de Facebook muito viva e envolvente).


OAE, temporada 2014-2015 (imagens retiradas da página de Facebook da OAE)

A campanha da nova temporada tem um claro e forte visual activista. Os músicos fazem parte dela, são os protagonistas. Os cartazes nas ruas apresentam um visual contemporâneo, lindamente integrado no seu ambiente urbano. As mensagens curtas que encontramos nos cartazes são complementadas com depoimentos dos músicos e outros membros da equipa que falam sobre a sua peça favorita da temporada. O trompista da OAE, Martin Lawrence, diz: "Estou ansioso em relação a este concerto [a Sinfonia do Novo Mundo], principalmente por causa da energia maníaca e a espontaneidade do maestro Adam Fischer. Estou fascinado em saber qual será a sua abordagem a estas peças de cavalo-de-guerra - não vai ser normal ... Espero muito drama, pianissimos monstruosos e ficar na borda da minha cadeira.” Conhecem muitas orquestras de música clássica que comunicam assim?

A OAE quer ser e permanecer relevante. Não assumem que as pessoas sabem, estão lá para tornar tudo mais claro, mais compreensível, mais agradável. Eles são acessíveis, apaixonantes, humanos. Têm um bom sentido de humor e não têm medo de mostrá-lo. Não dizem às pessoas "Não podem perder-nos" ou "Somos os melhores". O seu muito sugestivo lema é "Nem todas as orquestras são o mesmo" ... E ooh ... eles deixam certamente claro para mim o quanto devia lamentar por estar a perdê-los!


Ainda neste blog:







Monday, 22 July 2013

Apresento-vos a Rosa Shaw

Rosa Shaw (Foto: Maria Vlachou)
Apresento-vos a Rosa Shaw. É a primeira pessoa que nos cumprimenta quando entramos no Kennedy Center for the Performing Arts. É um dos guardas do memorial e uma das caras da instituição. É bem educada, tem sentido de humor, é prestável. Quando alguém parece estar perdido ou confuso, não espera que lhe peçam ajuda, aproxima-se e tenta ver se pode ajudar. A farda poderia causar alguma inibição nos visitantes – uma preocupação permanente entre os que trabalham na área da comunicação – mas, olhando para a Rosa e a forma como faz o seu trabalho, torna-se claro que, mais do que uma questão de aparência, é uma questão de atitude.  

A Rosa faz-me pensar em vários guardas que tenho encontrado em museus. Pessoas que parecem extremamente aborrecidas e cansadas; ou pessoas que evitam o contacto visual e depois seguem-nos de perto, apesar de sermos o único visitante na sala; ou pessoas que estão a discutir em voz alta os seus problemas familiares ou laborais, não dando nenhuma atenção aos visitantes. Guardas deste género fazem-me pensar o quão mais interessante seria o seu trabalho, e qual seria o benefício para o museu ou a instituição cultural em que trabalham, se lhes fosse dada formação adequada e responsabilidades diferentes – mais responsabilidades – do que simplesmente estarem sentados numa cadeira ou de pé num canto, sisudos e aborrecidos, interagindo o menos possível com os visitantes.

Guardas no Brooklyn Museum (Foto: Maria Vlachou)
Digo isso porque tive também outras experiências. Há três anos, juntei-me a uma visita guiada à exposição das Tapeçarias de Pastrana no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa. Quando a visita acabou, dirigindo-me à saída, ouvi um guarda a falar com duas senhoras, explicando tudo o que uma pessoa precisava de saber sobre aquelas obras, mas com um entusiasmo e empenho que igualava aquele do pessoal do Serviço Educativo. E numa linguagem muito mais acessível do que aquela dos textos nos painéis. Mais recentemente, numa visita à exposição de El Anatsui no Brooklyn Museum, ouvi duas guardas a falar sobre uma das obras. Adorei ouvir a sua conversa. Mais tarde, uma delas cumprimentou um pequeno grupo de visitantes e ofereceu-se para tirar-lhes uma fotografia à frente de uma das obras, para poderem ficar todos nela. Todo o ambiente estava descontraído e amigável e informal, senti que fazia toda a diferença.

Os guardas dos museus podem parecer silenciosos e sisudos, até ameaçadores às vezes, mas têm olhos e sentimentos e opiniões sobre as obras que os rodeiam. Há umas semanas, a Washington Post publicou um artigo muito interessante sobre os guardas dos museus da capital americana (ler aqui), onde falavam das suas obras favoritas e o porquê de serem as suas favoritas. Uma delas dizia que o facto de trabalhar num museu despertou o seu interesse pela arte e, consequentemente, fê-la olhar para todas as coisas de uma forma diferente. Ao ler as suas entrevistas, pensei como gostaria de ter tido uma conversa directa com eles, como visitante e como profissional.



Numa instituição cultural, o pessoal da Frente de Casa (sejam eles guardas ou assistentes de sala ou bilheteiros) são algumas das pessoas mais importantes na equipa no que diz respeito ao marketing institucional. São a cara, são a voz, são a atitude. São também os ouvidos, uma vez que estão mais próximos dos visitantes ou espectadores do que a Gestão. O pessoal da Frente de Casa tem um papel decisivo na qualidade de toda a experiência de visitar uma instituição cultural. Uma exposição que nos desiludiu ou um espectáculo que provou ser um desastre não nos vai manter afastados para sempre; assumimos um risco e sabemos que poderá não vir a corresponder à expectativa. Por outro lado, se não formos bem tratados, se nos depararmos com funcionários que são mal educados ou de mau humor, que não têm a informação que precisamos, que não são prestáveis ou que mostram não se preocupar, isto poderá fazer toda a diferença e determinar se vamos voltar ou não. Mesmo quando temos que escolher entre duas exposições ou dois espectáculos interessantes, é muito provável que o atendimento ao público, o lugar onde nos sentimos mais bem tratados, faça toda a diferença na nossa decisão.

No entanto, apesar da sua posição e papel estratégicos, o pessoal da Frente de Casa é normalmente negligenciado pela Gestão; menosprezado também. Não lhes é dada formação adequada em relações públicas e atendimento ao público; não lhes é dada informação sobre o que estão a guardar ou a vender ou o que vão ver as pessoas que encaminham aos respectivos lugares; muito frequentemente, não lhes é dada sequer informação importante sobre o que se passa na instituição na qual trabalham em termos de programação ou horários ou preços / descontos ou outras informações práticas que o público procura (já alguma vez presenciaram o desconforto e constrangimento de um membro da Frente de Casa quando não pode responder a uma pergunta lógica ou, pior, quando é informado pelo público sobre o que se passa na instituição onde trabalha?); sentem-se frustrados pelo facto da sua opinião não ser tida em conta, até quando se trata de opiniões e comentários do público que eles simplesmente transmitem superiormente, porque os ouviram ou porque os receberam.

Os funcionários da Frente de Casa não são o pessoal que ‘apenas’ guarda ou ‘apenas’ vende ou ‘apenas’ responde ao telefone ou ‘apenas’ leva as pessoas ao seu lugar. São uma parte valiosa da equipa, a parte mais visível. São aqueles que dão as boas vindas ao público, que falam com ele, que promovem a instituição – não apenas os seus conteúdos, mas também a sua visão e os seus princípios. Parece óbvio e natural que lhes sejam dadas as ferramentas para poderem fazer o seu trabalho e fazê-lo bem. A Rosa parece ter prazer em fazer o seu trabalho. E é um prazer vê-la fazê-lo.

Monday, 22 April 2013

Blogger convidado: "Bombaim 'gets the blues' ", por Jay Shah (Índia)

Um festival de blues em Bombaim? “Mas porquê?”, alguém pode pensar. Ou talvez… “Porque não?”. No entanto, o facto do festival ser organizado pelo Grupo Mahindra, sendo o meu amigo e colega Jay Shah a força motora por trás, explica que esta não é uma decisão que surgiu por acaso. Faz parte da estratégia de uma empresa global, que se relaciona com mais de 100 nacionalidades de clientes e funcionários, e que pretende promover as artes e o diálogo através de várias culturas. mv
Walter Trout no Mahindra Blues Festival 2013, Bombaim, Índia (Foto: Ritam Banerjee)
Os Estúdios Mehboob, os icónicos estúdios de Bollywood no coração de Bombaim (conhecida agora por Mumbai), tem ganhado vida nos últimos três anos, durante o Mahindra Blues Festival (MBF), que apresenta os melhores talentos de blues que o mundo tem para oferecer. Buddy Guy e Taj Mahal estiveram aqui, e também Robert Randolph, Poppa Chubby, Shemekia Copeland, Ana Popovich, Jimmy Thackery, entre muitos outros. O melhor dos blues, num local inesperado, numa cidade inesperada, poderão supor.
O MBF é a celebração de uma forma de arte num festival longe do delta do Mississípi, o seu local de origem. No meio de uma cultura aparentemente tão diferente, têm emergido semelhanças impressionantes. Bombaim é uma cidade dura – mas uma cidade de sonhadores. A luta e o conflito abundam tanto como o triunfo e as vitórias. Poderá não haver uma ligação melhor entre este género de música e qualquer cidade do mundo, como acontece com Bombaim. A nossa visão audaciosa é criar o maior destino para os blues fora dos EUA. Gostaríamos de fazer de Bombaim o que Montreux é para o jazz.
Na ausência de qualquer prática de donativos para as artes da parte de indivíduos e com a preocupação do governo em providenciar às massas os essenciais para a vida, as artes e a cultura raramente são apoiadas na Índia. Actos esporádicos de apoio financeiro para um artista particular ou para um evento acontecem, mas sem existir um plano holístico a longo prazo ou uma visão. Estamos convencidos que as empresas devem ajudar a preencher a lacuna.
O Grupo Mahindra, é uma federação de empresas com um capital social de $15,9 milhões, que abrange várias geografias e negócios tão diversos como a produção de automóveis e tractores, o comércio e os resorts. Envolvemo-nos com mais de 100 nacionalidades de clientes e funcionários em todos os continentes, excepto a Antárctida. Como empresa global, acreditamos que estamos numa posição única para potenciar o diálogo entre culturas e estamos empenhados em promover as artes e a cultura a longo prazo, procurando criar admiração para a nossa marca. Além disso, as nossas actividades de outreach cultural estão directamente ligadas à nossa estratégia de negócio; são, portanto, sustentáveis. Ajudam a criar um valor partilhado entre a marca e os nossos accionistas, garantindo um pensamento positivo relativamente à nossa marca.
Para um maior sucesso na exploração de fontes de financiamento alternativas, as instituições culturais poderão querer analisar melhor os planos de negócios específicos das empresas e ajudá-las a identificar maneiras de obter vantagens a longo prazo, através do apoio a uma forma de arte específica. Se virem uma ligação estratégica e benefícios para o negócio, o financiamento irá fluir e as artes irão prosperar.
Dana Fuchs no Mahindra Blues Festival 2013, Bombaim, Índia (Foto: Ritam Banerjee)
E, podem pensar, qual a ligação estratégica entre os blues e o nosso negócio? Mahindra é o maior produtor de tractores no mundo. Os agricultores do delta do Mississípi são os nossos mais distintos clientes nos EUA. Começaram a relacionar-se connosco num plano diferente. Não somos apenas mais uma empresa estrangeira que tenta vender-lhes um produto. Vêem-nos como uma marca que tem orgulho na herança deles, que celebra a sua cultura e ajuda a divulgá-la em terras distantes. A nossa cota de mercado tem crescido e os níveis de satisfação dos nossos clientes são altíssimos. Claro que os nossos produtos são os melhores do mercado. Mas a nossa ligação através da cultura tem, sem dúvida, aumentado significativamente o gosto pela nossa marca.
O ‘produto lateral’ mais cativante deste festival tem sido o entusiasmo com o qual o público de Bombaim o tem abraçado. A ligação que sentem à música é intensa. O público é composto por pessoas de todos os meios, idades e demografias. Como disse Anand Mahindra, Presidente e Director Geral do Grupo Mahindra, ao longo dos anos este festival tornou-se num movimento e é seguido como se fosse um culto. Os públicos tornaram-se fiéis, uma tribo de seguidores.
Convido-vos a ver um pouco do festival e a ouvir os testemunhos das pessoas:

Jay Shah trabalha para o Grupo Mahindra há 15 anos, tendo desempenhado várias funções. Actualmente, é responsável pelo uso inovador das artes e da cultura para criar ligações com os accionistas do Mahindra em todo o mundo. Coordena os Mahindra Excellence in Theatre Awards e o Mahindra Blues Festival e desenvolve programas internos, como o Programa de Recrutamento Global e os prémios Mahindra Rise e Mahindra Has Talent. É International Fellow no Kennedy Center, Washington DC. 

Monday, 31 January 2011

De todos e para todos?

No nosso sector, não são poucos aqueles que acreditam que trabalhar na área da Comunicação é uma questão de ‘jeito’. A Comunicação é essencialmente entendida como Relações Públicas, cujos principais requisitos são uma atitude simpática e um sorriso bonito.

No que diz respeito à produção de materiais de divulgação - outra tarefa na qual, no entender de alguns, se resume a Comunicação -, o critério que prevalece é o da estética, pelo que quase toda a gente se sente no direito de opinar, deixando questões de funcionalidade e eficácia em segundo lugar. Não poucas vezes, é a estética que ganha a batalha.

Podemos, igualmente, considerar aqui as parcerias e os apoios, a forma como são procurados e negociados. As instituições culturais colocam-se normalmente no lugar do parente pobre, parecendo ignorar o valor do seu ‘produto’ e oferecendo tudo e mais alguma coisa (e, em geral, sempre o mesmo) em troca de apoios necessários ou desnecessários, pequenos ou grandes.

Existem pessoas com e sem formação profissional a trabalhar na área da Comunicação no sector cultural: nos museus, nas galerias, nos centros culturais, nos teatros, nas orquestras; mas também nas editoras de livros, nas editoras discográficas, nas produtoras / agências artísticas, na rádio, na televisão. Como consequência, fala-se em muitos casos línguas diferentes. Perde-se demasiado tempo a discutir práticas que deveriam ser comuns, entendidas por todos. Pior, questões importantes são vistas como ‘pormenores’, esquisitices ou até má vontade e teimosia por parte de quem as defenda. Até agora não consegui encontrar uma resposta suficientemente convincente quando sou confrontada com a afirmação “Porque fazer assim, se todos os outros fazem o contrário?” (aprendi, no entanto, a desconfiar quando me dizem ”todos os outros”).

A Comunicação é uma área de trabalho que exige conhecimentos técnicos, tal como todas as outras. São necessários profissionais com formação adequada para desenvolver um plano que possa ajudar uma instituição cultural a atingir os seus objectivos no que diz respeito ao reconhecimento e à notoriedade, à formação de novos públicos, ao aumento dos existentes, ao acesso à sua oferta em geral - acesso este cognitivo, físico e financeiro. Estes objectivos são atingidos através do branding, do marketing, das relações públicas.

Num contexto de crise, num ambiente que sempre foi de grande concorrência, directa e indirecta, as instituições culturais não podem continuar a ser pouco exigentes com a sua comunicação. Não se pode ignorar a necessidade e a importância da criação e gestão de uma marca. Não se pode apenas produzir e esperar que o público venha. Não se pode esperar que as pessoas voltem se não forem criados e mantidos serviços de qualidade. Não basta pôr letras em cima de uma foto para se ter um cartaz. Não basta mandar um comunicado de imprensa para se criar uma relação com os meios de comunicação. Não basta uma atitude simpática, um sorriso bonito e bom gosto para que a Comunicação aconteça (se bem que contribuam muito para o resultado final).

Todas as acções e tarefas aqui mencionadas como exemplo, e muitas outras, necessitam de ser pensadas e executadas por pessoas com conhecimentos técnicos específicos. Mas diria mais. Ainda que uma equipa se pretenda a funcionar com partilha e análise da sua actividade, há decisões que não podem nem devem ser tomadas por maioria. Há decisões que devem ser confiadas a quem tem os conhecimentos necessários para as tomar.

O que é Comunicação, na verdade? É a forma como nos relacionamos internamente e com o mundo exterior, é um diálogo que se estabelece, é uma forma de ser, de estar e de se projectar. A Comunicação procura dar voz e imagem à missão e à visão da nossa instituição. A criação artística e a produção cultural não são hobbies. Porque é que a sua comunicação há-de sê-lo?

Monday, 17 January 2011

A julgar pela capa

Um dos grandes prazeres na vida é estar numa livraria sem razão especial, ou seja, não com a intenção de comprar um determinado livro, mas com o desejo de olhar para títulos, nomes e capas, ler sinopses, descobrir, ser tentada, não resistir, comprar, sair com uma série deles ansiosa para começar.

Em Maio passado tinha lido um artigo no jornal Guardian sobre as diferentes capas que o mesmo livro pode ter em países diferentes (ler o artigo aqui e ver imagens de capas aqui). “Porque é que os editores não replicam capas que tenham sido um sucesso noutros países?”, questionava o autor do artigo. Há designers e editores que pensam que leitores em países diferentes não precisam de capas diferentes. Outros profissionais destas áreas acreditam que se deve começar do zero e quando trabalham na capa de um livro já publicado, até evitam olhar para as capas existentes. Em defesa da criação de capas distintas, invocam-se no artigo razões culturais (“É uma coisa cultural, tão conduzida pelo gosto como o facto de se comerem coisas diferentes ao pequeno almoço em países diferentes”), de marketing (“A ficção literária é mais fácil de vender na Europa continental do que no Reino Unido ou nos EUA, por isso os editores podem ser menos óbvios na sua tentativa de chamar a atenção dos clientes” ou “O mercado de livros no Reino Unido é mais competitivo, todas as capas nas lojas gritam: 'Compra-me!'”) ou até de orgulho.

Foto: Observer
Pensei no que determina as minhas escolhas aquando das minhas ‘expedições ao desconhecido’. Não negarei que é a combinação de título e capa que faz com que pegue no livro de um autor que não conheço. É importante que a capa seja, para o meu gosto, elegante, atraente (muitas vezes elas não têm nenhuma imagem ou desenho; apenas letras e excelente design). A seguir leio a sinopse. E a decisão está tomada.
 
Acho que nunca questionei se a capa e a sinopse transmitem a mesma ‘essência’. Aliás, acho que nunca esperei que a capa fosse uma espécie de resumo do que vou descobrir dentro, ao contrário da sinopse, que é suposto despertar a minha curiosidade. Como também não me lembro de alguma vez me ter sentido enganada por ter detestado um livro cuja capa me tivesse atraído instantaneamente. Mas lembro-me do contrário: do desgosto que tive em dois casos em que estava a ler livros muito bons mas que, na minha opinião, tinham capas pirosas. Acho que até tentava escondê-los quando os lia em locais públicos. O primeiro tinha-me sido recomendado; sobre o segundo tinha lido no jornal. Doutra forma, estou certa que nunca os teria comprado se os tivesse simplesmente visto numa bancada juntamente com outros. Uma questão de estética, de gosto. E de branding também. Porque em muitos casos o design da capa identifica uma editora, que sendo considerada de qualidade e instantaneamente identificada visualmente, pode ganhar a batalha no meio da intensa concorrência.

Um dos assuntos mais discutidos no nosso meio profissional é o do cartaz de um espectáculo. O que é e o que não é. Para que serve ou não deve servir. Lembro-me que, quando li o artigo do Guardian, reencaminhei-o para alguns colegas, porque via muitas analogias entre capas de livros e cartazes de espectáculos.

O que é o cartaz? É um instrumento de promoção, de divulgação. Tem um carácter funcional. Serve para informar (o quê, quando, onde); serve para reforçar a imagem e identidade da entidade proponente; serve para atrair público. Ao contrário do que acontece noutros países, os suplementos culturais de certos jornais portugueses estão cheios de publicidade de espectáculos. Às vezes temos quatro anúncios a partilhar a mesma página. Assim como na rua encontramos uma série de cartazes de diferentes espectáculos colados uns ao lado dos outros. A concorrência é grande. Quem vai sobressair e atrair a atenção do público para ganhar clientes? Aquele que se destacar pelo bom design, ou seja, aquele que permitirá identificar rapidamente quem propõe, o quê e onde.


O que não é um cartaz? Não é uma extensão do espectáculo. Não deverá procurar transmitir a essência do mesmo em detrimento de outras funções, prioritárias, como o informar (acho, aliás, que só as pessoas que estão muito por dentro da criação de um espectáculo conseguem identificar ou sentir esta essência num cartaz). Não deverá servir para apresentar os nomes de todos os intervenientes, enchendo a imagem com manchas de letras e ajudando a enterrar a informação que é essencial para a promoção do espectáculo; na verdade, não se produz um cartaz para memória futura. Não deverá servir para a colocação dos logos de todas, sem excepção, as entidades que apoiam a produção. Quando prevalecem estas preocupações, não poucas vezes o resultado é um mau cartaz, um cartaz não funcional.

O processo de criação e aprovação de um cartaz pode tornar-se tenso, sobretudo quando a entidade proponente não é uma 'barriga de aluguer', mas sim, uma instituição com forte identidade (e forte identidade visual). O desafio para o designer é criar uma proposta que se enquadre na linha de comunicação da instituição, mas que seja ao mesmo tempo distinta para cada projecto. O desafio para os profissionais de Comunicação é defenderem a instituição e o projecto, tornarem o processo o mais flúido possível, procurando definir desde o início, em articulação com os intervenientes no espectáculo, os objectivos que se procura alcançar através do cartaz. A avaliação da qualidade e eficiência da proposta não pode nem deve ficar reduzida a apreciações estéticas (é bonito, não é bonito) ou de justiça (ou todos os nomes ou nenhum). A verdadeira questão é: Cumpre as suas funções? Informa? Identifica? Atrai? O resto deveria ser uma descoberta. E independentemente do que se descobrir, duvido que o público culpe o cartaz por não ter contado tudo…

Sugestão de leitura
Navigating the design minefield

Nota a 20 de Janeiro
A propósito das capas dos livros, um novo artigo no Guardian de hoje, Can you judge a book by its cover?  Muito relevante, mais uma vez, para a discussão dos cartazes dos espectáculos.

Monday, 3 January 2011

"No logo": o novo grande movimento político?

O livro No logo de Naomi Klein foi publicado em 2000. Encontrei referências ao mesmo quando preparava os posts Livremo-nos da ditadura dos logos e Logos tamanho XXL. Li-o pela primeira vez agora, numa edição que celebra o 10º aniversário da primeira publicação. O resultado de quatro anos de investigação de Naomi Klein dá um outro significado, maior, à expressão “ditadura dos logos”.

Na introdução, a autora explica o objectivo da sua pesquisa: “(...) o livro é uma tentativa de analisar e documentar as forças que se opõem ao domínio corporativo e de apresentar o conjunto particular de condições culturais e económicas que tornaram inevitável o aparecimento desta oposição.” Klein acredita que, à medida que cada vez mais pessoas descobrem os segredos da hegemonia das marcas na nossa sociedade e no nosso mundo globalizado, a sua indignação irá alimentar o próximo grande movimento político. A análise é feita nas três primeiras partes do livro (No space; No choice; No jobs), às quais se segue a quarta parte (No logo), onde a autora apresenta os indícios (menores e maiores) que fundamentam a sua teoria sobre a criação de um grande movimento anti-corporativo.

A primeira parte, No space (Sem espaço), examina a rendição da cultura e da educação ao marketing. Os marketeers deram total prioridade ao branding (processo de criação da marca), convencidos que para os consumidores não existem diferenças entre produtos; e que o que eles compram são as marcas – e com elas a promessa de uma ideia, uma experiência, um estilo de vida. Nos anos 90 a marca tornou-se na estrela, não patrocina a cultura, mas é ela mesma a cultura. Cidades, bairros, programas televisivos, concertos, revistas, eventos desportivos tornam-se em extensões das marcas que os patrocinam. O mesmo acontece nas escolas e universidades (concretamente nos EUA e no Canadá), onde, em troca de financiamento necessário para equipar estes estabelecimentos e para continuar com a investigação, as marcas tornam-se elas próprias em produtores de conteúdos educativos e controlam os resultados da investigação científica, impedindo a publicação daqueles que não lhes sejam favoráveis. Entretanto, pressionadas para optimizar os seus recursos financeiros para vender num mundo globalizado, as marcas promovem e vendem a ideia da diversidade. Assim, criando uma única campanha para o mundo inteiro, forçam os consumidores a falar uma língua e a absorver uma cultura (a da marca), o que leva Naomi Klein a afirmar que estamos aqui perante não uma ‘monocultura’, mas sim um ‘mono-multiculturalismo’.

A segunda parte, No choice (Sem escolha), descreve como a promessa de uma gama alargada de escolhas culturais foi traída. O desejo de expandir e controlar o mercado levou a fusões, compras e sinergias entre marcas, que assim tentam, e conseguem, expulsar os pequenos negócios e os negócios independentes. Igualmente preocupantes são para Naomi Klein as acções de censura corporativa, que determinam não só o que vai ser comercializado, mas o que é produzido também (desde a letra de canções às capas de revistas), enquanto em muitos casos, produtores, distribuidores e vendedores são propriedade das mesmas empresas (destaque especial à relação de algumas dessas empresas com a China). A autora fala ainda extensivamente das acções judiciais relacionadas com copyright e trademark, na tentativa de controlar a produção artística e cultural na reutilização e reconfiguração de linguagens e referências culturais partilhadas por todos, essencialmente quando se trata de artistas independentes. Chama, por fim, a atenção para o facto de se estar a perder o espaço onde possam existir opções não associadas às marcas, onde possa ser cultivado o debate e a crítica. A praça pública é substituída pelos centros comerciais, onde é tolerada apenas a linguagem do marketing.

A terceira parte, No Jobs (Sem emprego), examina as tendências no mercado de trabalho que estão a criar relações cada vez mais ténuas entre muitos trabalhadores e o emprego. Naomi Klein viajou até às Filipinas e entrou numa das zonas free-trade (presentes em vários países da Ásia e da América Latina), onde recolheu testemunhos sobre a exploração de milhares de trabalhadores que, contratados por terceiros e não directamente pelas marcas, fabricam os produtos comprados e comercializados por elas. A autora aborda ainda a exploração dos funcionários nos países do primeiro mundo, onde as marcas são ainda obrigadas a empregar pessoas nos pontos de venda. Aqui reina o part-time e os baixíssimos salários. Ou até a falta de salário. As marcas afirmam estar a empregar jovens, estudantes, que estão de passagem e que ganham experiência. A verdade é que se trata cada vez mais de pessoas com altas qualificações e que ficam por muito tempo, devido à falta de melhores oportunidades de emprego. O resultado, diz Naomi Klein, é o ressentimento e a total falta de lealdade para com o empregador, ainda por cima no meio de uma população jovem, que é o público-alvo prioritário das grandes marcas.

Fonte: www.woostercolletive.com
É o ataque aos três pilares sociais do emprego, das liberdades cívicas e do espaço cívico que, de acordo com Naomi Klein, está a dar origem ao activismo anti-corporativo. Na última parte do seu livro, No logo (Sem logo), a autora apresenta vários casos que vêm fundamentar a sua teoria sobre a criação de um movimento político. Fala-nos aqui do culture jamming, ou seja a prática de parodiar publicidades e de ‘assaltar’ cartazes para alterar as suas mensagens (destaque para o artista cubano-americano Jorge Rodriguez de Gerada, o performer canadiano Jubal Brown e o movimento Billboard Liberation Front); fala ainda do movimento Reclaim the Streets, que organiza eventos anti-corporativos em espaços públicos; mas fala sobretudo de inicitivas que denomina de “política externa localizada” - a mais eficiente, na sua opinião -, onde apresenta acções levadas a cabo por conselhos municipais, escolas, universidades, igrejas, sindicatos, outras instituições sem fins lucrativos e grupos de indivíduos, no sentido de pressionar as grandes marcas a assumir uma conduta ética e socialmente responsável e a dar provas da mesma.

Ao longo das mais de 450 páginas lemos sobre a filosofia, a actividade e as tácticas de marcas que fazem parte do nosso quotidiano e de muitas das quais somos regularmente ou pontualmente clientes: Nike, Adidas, Reebok, Starbucks, Coca-Cola, Pepsi, McDonald´s, Shell, BP, Ralph Lauren, Tommy Hilfiger, Esprit, Levi Strauss, GAP, IBM, Microsoft... Sentimo-nos revoltados e ao mesmo tempo esmagados, impotentes. Lembro-me de ter tido o mesmo sentimento de revolta e impotência ao ver dois filmes relacionados com esta temática que foram apresentados em Lisboa em 2010: Enjoy Poverty, do realizador holandês Renzo Martens, apresentado no âmbito do alkantara festival; e Black Gold, de Nick e Marc Francis, apresentado pelo programa Próximo Futuro. A retórica e as imagens do primeiro dominaram o meu consciente e subconsciente durante semanas. Depois de ver o segundo, fui incapaz de voltar a entrar num Starbucks; e tenho procurado maneiras de evitar os produtos da Nestlé (parece uma missão quase impossível). Mesmo assim, não deixo de me questionar sobre a diferença que pode fazer o facto de uma pessoa deixar de consumir os produtos de uma ou outra marca. O sentimento de impotência permanece connosco. Na altura que vi o Black Gold, encontrei uma resposta ao descobrir na internet a iniciativa Fair Trade Towns. E agora encontrei mais uma no livro de Naomi Klein, nas palavras de Owens Saro-Wiwa, irmão do escritor e candidato para o Nobel de Literatura Ken Saro-Wiwa (un dos líderes do Movimento para a Sobrevivência do Povo Ogoni - um povo ameaçado pela actividade da Shell na Nigéria - que foi executado pelo governo nigeriano). Diz Owens Saro-Wiwa: “É importante não fazer as pessoas sentirem-se impotentes. Apesar de tudo, têm que pôr gasolina nos seus carros. Se lhes dissermos que todas as companhias são culpadas, sentirão que não há nada a fazer. O que estamos realmente a tentar fazer, agora que temos estas provas contra esta companhia concreta, é deixar as pessoas sentir que podem ao menos ter a força moral de fazer uma companhia mudar”.

Monday, 25 October 2010

Logos tamanho XXL

No post anterior reflecti sobre a problemática da inclusão dos logos de entidades patrocinadoras e apoiantes nos materiais de divulgação. Uma contrapartida solicitada e dada sem grandes preocupações, que resulta muitas vezes numa faixa de logos minúsculos que está longe de servir os propósitos dos envolvidos, mais concretamente a visibilidade que procuram junto dos consumidores.

Desta vez, o problema é exactamente o oposto. No início do mês, o jornal The Art Newspaper publicou um artigo intitulado
Ads of Sighs (Anúncios dos Suspiros, um trocadilho que faz referência ao conhecido monumento veneziano, a Ponte dos Suspiros), dando a notícia de um protesto promovido por Venice in Peril, a Comissão Britânica para a Preservação de Veneza, contra os gigantescos anúncios que cobrem muitos monumentos e outros edifícios públicos daquela cidade. Os assinantes do protesto, que pode ser lido aqui e que é dirigido ao Ministro da Cultura italiano, são quase todos directores de grandes museus mundiais. Levantam não apenas a questão da estética, mas também as da ética e da legalidade.

Lê-se no artigo do The Art Newspaper que, de acordo com a Convenção de 1924 entre o estado italiano e o conselho municipal, os edifícios “devem apresentar-se sem objectos que possam de alguma forma danificar a sua beleza e majestade, cobrir as suas virtudes, pinturas e outras características da sua história e arte”. Em alguns casos, pode ser permitida a afixação de anúncios em edifícios considerados bens culturais “se não danificam a sua aparência, decoro e a fruição pública”.



Imagens retiradas do blog Museum Strategy

As autoridades municipais reclamam pela falta de dinheiro e defendem as suas decisões, afirmando que sem o apoio das grandes marcas não seria possível avançar com a conservação e o restauro dos edifícios e monumentos. Num artigo no jornal Guardian lemos que um porta-voz do Presidente da Câmara de Veneza disse que “Veneza, que é obrigada a salvaguardar esses monumentos preciosos, é obrigada a adoptar este sistema”.

O que é curioso é que as verbas disponibilizadas pelos patrocinadores / anunciantes são relativamente baixas. Lê-se no artigo do The Art Newspaper que pagam €40,000 por mês (um valor que não chega ao custo de dois anúncios num jornal) durante três anos. E mesmo assim, não se conseguiu ainda garantir todo o dinheiro necessário para a conservação dos edifícios, que ascende aos €2.8 milhões.

Portanto, será que Veneza é mesmo obrigada a dar esta contrapartida específica? E será que o resultado final para as marcas envolvidas é o desejado? A polémica tornou-se agora ainda mais intensa, porque foi dada autorização para os anúncios serem iluminados durante a noite.

No ano passado, e a propósito da publicidade da Sisley na Ponte dos Suspiros e no Palácio dos Doges, o blog Museum Strategy publicou um post intitulaldo Sponsorship debate: Venice´s “The Bridge of Sisley", e lançou um inquérito junto dos seus leitores: A campanha da Sisley em Veneza é a) um ferimento indesejado para os olhos que destrói a beleza cultural da cidade; ou b) um projecto de patrocínio inteligente que pode facilitar as muito necessárias renovações? Mais de um ano depois, 58,8% das pessoas que têm respondido ao inquérito têm avaliado a campanha negativamente, optando pela resposta a). Nesse mesmo post lemos algumas das opiniões expressas pelas pessoas em fóruns virtuais. Podemos ler outras nos comentários feitos ao post. Apesar de alguns reconhecerem que é igualmente penoso ver o estado dos edifícios e monumentos e que este é provavelmente um mal necessário, a grande maioria das pessoas exprime desgosto e irritação, dirigida não apenas aos responsáveis municipais, mas também às marcas envolvidas. Mais que uma vez lemos afirmações do género “Nunca mais vou comprar nada deles”.

Imaginemos que em vez dos anúncios gigantes tivesse sido impressa na lona a imagem dos edifícios em restauro. E que num canto se tivesse colocado, discreto mas visível e legível, o logo da marca que financia os trabalhos. Imaginemos que nos bilhetes de ingresso aos monumentos e edifícios tivesse sido impresso esse mesmo logo. O mesmo nos catálogos, guias, folhetos, porque não, nas legendas dos objectos. Imaginemos que tivesse sido cedido espaço ao patrocinador para a realização de eventos ou acções de charme junto dos seus clientes. Imaginemos que na mesa da conferência de imprensa, ao lado das autoridades municipais e da direcção do monumento, estivesse o patrocinador e que lhe fosse dirigido um agradecimento público. Seriam essas contrapartidas aceitáveis, que tornassem evidentes aos olhos do público o envolvimento da marca na conservação e restauro do monumento e o agradecimento e reconhecimento sentido por parte dos responsáveis? Os objectivos de ambas as partes teriam sido cumpridos?

O patrocínio não é necessidade de fazer publicidade a um determinado produto. É vontade de demonstrar aos consumidores a adopção de certos valores, de manifestar responsabilidade social. A forma gritante como a Sisley, a Coca-Cola e agora a Bulgari procuram publicitar a sua associação à tarefa hercúlea que é a preservação dos monumentos de Veneza (tal como outras marcas o têm feito noutras cidades) é capaz de se tornar num boomerang. Quanto aos responsáveis pelos monumentos de Veneza, em vez de se 'prostituírem' dessa forma, deveriam ter procurado outras formas para mostrarem o seu agradecimento. Elas existem.

Monday, 18 October 2010

Livremo-nos da ditadura dos logos

A contrapartida mais comum proposta por uma instituição cultural quando procura apoios para a produção e/ou divulgação da sua oferta é a inclusão do logo da instituição que apoia nos materiais de promoção. A contrapartida mais esperada por uma instituição interessada em apoiar um projecto cultural é a inclusão do seu logo nos materiais de divulgação. A instituição cultural procura, assim, reconhecer a importância do apoio que lhe é dado. A instituição que apoia procura garantir a visibilidade da sua marca junto dos consumidores.

O logo é a extensão visual de uma marca. A marca representa uma identidade, procura transmitir valores. As entidades interessadas em apoiar os nossos projectos não procuram assumir o papel de uma instituição de caridade. Não nos apoiam porque têm pena do facto de não termos dinheiro suficiente. Fazem-no porque a associação a um determinado evento vem reforçar o valor da sua marca aos olhos dos consumidores. Por isso, mereceria a pena olharmos para a forma como esta parceria é normalmente desenvolvida e avaliarmos se os objectivos de ambos os parceiros são realmente cumpridos.

São muitos os projectos culturais que contam com apoios, a nível de produção e de divulgação. Raramente, no entanto, esses apoios são hierarquizados do ponto de vista do seu ‘valor’, valor esse monetário ou outro, mas que deveria, de qualquer forma, ser quantificado. Assim, em vez dessa hierarquização, que procuraria propor contrapartidas de acordo com o ‘valor’ da contribuição de cada parceiro, dando a alguns maior visibilidade, o que normalmente vemos é um tratamento igualitário que se resume na inclusão do logo de todos os parceiros nos materiais de divulgação. Assim, a estação de rádio X, que apoia a 100% a divulgação de um evento cultural (com a produção e emissão de spots publicitários, entrevistas aos intervenientes e outras referências), recebe a mesma contrapartida que a estação Y, que propõe um desconto considerável para a realização de uma campanha publicitária, mas que, de qualquer forma, recebe por ela. Para dar um outro exemplo, o meio de transporte X, que apoia produzindo e afixando nos seus veículos / carruagens / barcos cartazes do evento, recebe a mesma contrapartida que o meio Y, que afixa cartazes produzidos pelo promotor do evento e, às vezes, em menor quantidade. Porque é que os Xs terão interesse em continuar a apoiar em grande se poderão ter as mesmas contrapartidas com um apoio menor, igual ao dos Ys? As instituições culturais não estarão a perder poder de negociação quando tratam todos os parceiros da mesma forma?

O resultado dessas negociações indiferenciadas é normalmente um mar de logos no rodapé dos materiais de divulgação, que deixa ambos os lados muito satisfeitos: a instituição cultural porque assim mostra o seu reconhecimento ao parceiro que apoia; a instituição que apoia porque a sua marca está associada a um evento cultural que considera de qualidade. Vejamos alguns exemplos disso entre os anúncios nos jornais deste fim-de-semana:



Coloquemo-nos por um instante no lugar do consumidor, que todos somos. Alguma vez reparámos realmente nos minúsculos ícones que se acumulam nos rodapés de MUPIs, anúncios de imprensa (normalmente de quarto de página ou oitavo de página ou rodapé) e cartazes? (A não ser, claro, quando nós próprios estamos a procurar apoios para um determinado evento e aí, sim, pegamos na lupa e tentamos identificar parceiros nos materiais dos outros.) Não é verdade que os nossos olhos passam simplesmente por cima de tudo isto? Estará a instituição cultural a ser honesta com os seus parceiros quando lhes promete visibilidade e reconhecimento desta forma? Estarão as instituições que apoiam a ser realistas quando procuram a todo o custo a inclusão do seu logo nos materiais como forma de reforçarem o valor da sua marca aos olhos dos consumidores? Chamo em particular a atenção para alguns logos nestes anúncios de instituições que não são conhecidas do grande público. Estarão mesmo a criar alguma notoriedade junto dos consumidores através deste meio? Alguém fica a saber quem são e o que é que representam?


Na minha opinião, a contrapartida da inclusão do logo nos materiais de promoção só faz sentido se houver no máximo três apoios fortes, aos quais será realmente garantida visibilidade dessa forma e que poderão assim reforçar o valor da sua marca através da associação a um determinado projecto. Aqui temos um bom exemplo:

Uma outra forma de gerir a situação no caso de haver mais apoios, ainda pouco utilizada, é, em vez da inclusão do logo, fazer uma referência escrita às entidades que apoiam. Os nossos olhos de consumidores passam por cima dos pequenos ícones, mas temos ainda a tendência de ‘insistir’ com a leitura. Temos aqui um exemplo que funcionou comigo (mas eu sou suspeita):


O objectivo deste post é chamar a atenção para uma prática que se perpetua sem ser realmente avaliada, quando, na minha opinião, não cumpre os verdadeiros objectivos dos parceiros. Fica em aberto uma questão fundamental: que outras contrapartidas podemos, então, dar às instituições cujo apoio, maior ou menor, é fundamental para a concretização dos nossos projectos? Esta questão será discutida num próximo post.

Sugestões de leitura sobre branding:
Klein, N. (2010). No logo. Fourth Estate (10th Anniversary Edition)
Olins, W. (2007). On brand. Thames and Hudson
Wheeler, A. (2006). Designing brand identity. John Wiley & Sons