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Sunday, 1 October 2023

A censura nem sempre nos incomoda, não é verdade?

Imagem retirada da página de Facebook do LUCA - Teatro Luís de Camões

O Fitzwilliam Museum em Cambridge é um dos mais conhecidos museus universitários. A sua actual exposição Black Atlantic: Power, people, resistance questiona-nos: “Quais as histórias que são lembradas, e porquê?”. O museu afirma que esta exposição explora algumas histórias novas da História, questionando o papel de Cambridge no comércio transatlântico de pessoas escravizadas.

Em 1816, Richard Fitzwilliam doou muito dinheiro, literatura e arte à Universidade de Cambridge, que deu origem ao museu. As doações foram possíveis graças à enorme riqueza de seu avô, Sir Matthew Decker, um comerciante inglês nascido na Holanda que ajudou a estabelecer a South Sea Company em 1711, responsável pelo tráfico de pessoas escravizadas da África. Respondendo a uma necessidade e exigência de uma parte da sociedade – mas também sua, parece-me – o museu coloca o dedo na ferida, questionando-se a si próprio e o seu contributo na perpetuação de uma determinada história.

Saturday, 3 July 2021

Amor

 

Foto: Paulo Pimenta

O último capítulo do novo livro de Mike Murawski, Museums as agents of change (Museus como agentes de mudança), é intitulado “Propelled by love” (Impulsionados pelo amor). Embora o cuidar, a humanidade, a comunidade sejam referências muito presentes em todo o livro, nesse último capítulo Mike questiona sem rodeios: “E se o amor, acima de tudo, fosse o valor central a orientar a mudança radical, necessária nos museus hoje?".

Saturday, 3 April 2021

Qual é a mudança que desejamos?

Entrada do Musicbox

O Musicbox em Lisboa fez-me sorrir mais do que uma vez nos últimos meses. Nunca estive lá e, ainda assim, fez-me sentir que já nos conhecemos e que estamos a passar por isto juntos.

Tenho questionado repetidamente porque é que tantas organizações culturais não parecem ser capazes de mostrar a sua face humana, partilhar sentimentos, estar perto das pessoas em diferentes momentos da vida (tanto da vida das pessoas como da vida das próprias organizações - que deveriam, na verdade, coincidir em tantos momentos). Em Maio de 2020, escrevi sobre a “Carta de Amor para uma Comunidade Carinhosa” do Globe Aroma - uma carta que expressava tristeza, preocupação, confusão perante a pandemia e que afirmava claramente que o local iria fechar, não por medo, mas por amor e carinho. Todas as outras comunicações com as quais me deparei naquela altura do confinamento - mas também quando chegou o momento de reabrir - soavam como um decreto. Naquele mesmo post em Maio passado, fiz uma primeira tentativa de criar uma lista de desejos, de definir os ingredientes que poderiam ajudar-nos a imaginar um mundo pós-pandémico melhor. Não fiz ainda uma segunda tentativa: tempo, humanidade, cuidado, respeito, apreço e missão; é o que estava - e ainda está - na minha lista de desejos.

Saturday, 19 September 2020

Os sonhos de diversidade das nossas equipas homogéneas

Jemma Desai, autora de "This work isn't for us"

Em 2020, o tema do Dia Internacional dos Museus (DIM) foi “Museus pela Igualdade: Diversidade e Inclusão”. No campo da Cultura, normalmente reflectimos sobre estes conceitos considerando os chamados “públicos”. Expressamos o nosso desejo de atrair mais pessoas, pessoas diversas, e de nos tornarmos num lugar “para todos”.

O tema do DIM deste ano permitiu-me dar um passo à frente (ou terá sido atrás?) e considerar: podemos esperar ser mais relevantes e criar relações com pessoas diversas (o "público") se nós (as equipas) permanecemos teimosamente homogéneos? Tive a oportunidade de colocar esta pergunta pela primeira vez num pequeno vídeo para o Museu Municipal Carlos Reis no DIM e, mais recentemente, numa mini-conferência para o Museu da Cidade de Aveiro, intitulado “Museus, Educação e Diversidade”. Este foi também um dos pontos levantados pela associação Acesso Cultura, ao comentar o relatório preliminar do Grupo de Projecto Museus no Futuro.

Friday, 11 September 2020

Os nossos valores "chá e simpatia"


Em Novembro de 2016, uma foto da sorridente directora do Museu Bizantino e Cristão
 em Atenas, Aikaterini Dellaporta, ao lado do Ministro de Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov, provocou em mim um profundo desconforto. Tratava-se da inauguração da exposição “Hermitage: Gate in History”. Expressei o meu desconforto partilhando as causas do mesmo na página de Facebook do museu:

O governo de Lavrov está a realizar ataques aéreos contra civis na Síria (incluindo as crianças que vemos na televisão e que partem os nossos corações), apoiando um ditador. Eles também invadiram um país vizinho e ocupam uma parte dele. Porque é que o governo grego e o Museu Bizantino deram uma oportunidade ao Ministro de Negócios Estrangeiros russo e ao seu governo de parecerem... civilizados?

Friday, 4 September 2020

Estamos com as abelhas ou com os lobos?


Tania Bruguera, Tenda da Escuela de Arte Útil, 2017 em curso.
Imagem da instalação, Yerba Buena Center for the Arts, Março de 2020.
Foto: Yerba Buena Center for the Arts.

O julgamento da Aurora Dourada começou em Abril de 2015. O partido de extrema direita, que na altura ocupava 17 assentos no parlamento grego, foi acusado de ser uma associação criminosa, tendo cometido o assassinato do músico Pavlos Fyssas e as tentativas de assassínio do pescador egípcio Abuzeid Ebarak e de vários membros comunistas do sindicato PAME. Em Janeiro de 2020, o advogado de Ebarak, Thanassis Kabagiannis, fez a sua alegação final dizendo: “Porque naquela noite selvagem, não foi só o mundo dos lobos que agiu, porque aqueles que atacaram Pavlos Fyssas eram uma manada de lobos. O mundo das abelhas também agiu, emergiu, o mundo da solidariedade, da humanidade, o mundo que vê um homem caído, coberto de sangue, em necessidade, e não diz 'olha, um estranho', mas diz 'olha, o meu irmão.'"

Saturday, 11 July 2020

A "ameaça" dos museólogos




No seu livro “The constructivist museum”, George Hein cita Edward Forbes (naturalista britânico) que, numa palestra em 1853, disse que os curadores/conservadores podem ser prodígios de conhecimento e, ainda assim, impróprios para o seu lugar, se não sabem nada sobre pedagogia, se não estão preparados para ensinar pessoas que não sabem nada.

Anos mais tarde, em 1909, uma das minhas maiores inspirações, o director do Newark Museum, John Cotton Dana, disse que “um bom museu atrai, entertém, desperta curiosidade, leva ao questionamento e, assim, promove o conhecimento. (...) O museu só pode ajudar as pessoas se elas o usarem; elas o usarão apenas se souberem da sua existência e somente se for dada atenção à interpretação das suas colecções de forma que elas, as pessoas, possam entender”. E em 1917 escreveu ainda: “Hoje, os museus de arte são construídos para guardar objectos de arte e os objectos de arte são comprados para serem guardados em museus. Como os objectos parecem fazer o seu trabalho se forem mantidos em segurança, e os museus parecem servir o seu propósito se mantiverem os objectos em segurança, tudo isso é tão útil no esplêndido isolamento de um parque distante quanto no centro da vida da comunidade que o possui. Amanhã, os objectos de arte serão comprados para dar prazer, fazer com que as maneiras pareçam mais importantes, promover capacidades, exaltar o trabalho manual e reforçar o prazer de viver, juntando-lhe novos interesses.” (ambas as citações vêm do livro “Reinventing the Museum: Historical and Contemporary Perspectives on the Paradigm Shift” de Gail Anderson).

Friday, 10 April 2020

Será isto um reagendamento de "business as usual"?



"Acho que é responsabilidade de um director artístico, ou, digamos, do colectivo que é a instituição artística, dizer ‘aqui está a força que estou a sentir na nossa comunidade. Mas, afinal, não é nossa responsabilidade ter uma espécie de eloquência ou articulação em torno disto, que talvez a própria comunidade sinta, mas não manifesta como uma declaração específica de necessidade? Então, acho que ser sensível a isso é liderança, dizer ‘aqui está o que sentimos que está no ar e ao qual pensamos que deveremos dar voz.”

Monday, 29 January 2018

Ainda sobre o Maria Matos: o etos de um teatro

"Have a Good Day!", de Vaiva Grainytė, Lina Lapelytė, Rugilė Barzdžiukaitė (Foto: Simonas Svitra). Teatro Maria Matos, 2017

Etos: (grego éthos-ouscostumehábito), substantivo masculino
Conjunto
 de características ou valores de determinado grupo ou movimento.
Fonte: Dicionário Priberam

Anne Pasternak assumiu a direcção do Brooklyn Museum em Nova Iorque em 2015, sucedendo a Arnold L. Lehman, que tinha ocupado o lugar durante 18 anos. A Anne impressionou-me pela positiva na sua primeira entrevista ao New York Times quando afirmou: “I am excited to build on that ethos of welcome” (numa tradução livre minha: Estou entusiasmada por poder construir sobre esse etos de bom acolhimento).

Na altura da nomeação de Pasternak houve várias vozes a criticar a escolha de alguém que nunca tinha trabalhado num museu. No entanto, a mim bastou-me esta frase, mesmo-mesmo no final do artigo no New York Times, para pensar: Ela percebeu! Ela percebeu “quem” é o museu para o qual vai trabalhar.

Saturday, 13 January 2018

O que o Maria Matos significa para mim (ou: porque é que assinei o abaixo assinado)


No dia 17 de Dezembro de 2017, o jornal Público publicava uma entrevista da Vereadora da Cultura de Lisboa, Catarina Vaz Pinto, onde se anunciava que “o [Teatro] Maria Matos (MM) terá um modelo de programação bastante diferente, com carreiras mais longas e uma maior preocupação de captação de público, para ser rentável”. A notícia foi, no mínimo, surpreendente para mim. Diria mais, lembro-me que, ao ler, senti uma espécie de dor física.

Wednesday, 21 June 2017

Uma tragédia nacional: o que é que "a Cultura" tem a ver com ela?


No Domingo de manhã as notícias ultrapassavam o pior pesadelo. O grande incêndio na zona de Pedrógão Grande tinha tirado a vida a 19 pessoas. Ao longo do dia, este número foi subindo. O país estava em estado de choque.

O Teatro Maria Matos em Lisboa foi dos primeiros a reagir. Não se limitou a anunciar o cancelamento do espectáculo naquele dia, no seguimento da decretação de luto nacional, mas informou os seus seguidores no Facebook sobre possíveis formas de ajudar e foi actualizando esta informação. Manteve-se solidário e envolvido.

Sunday, 4 June 2017

Ressonâncias


É sempre um prazer e uma inspiração ler os posts de Nina Simon. Mas os que eu sempre gostei mais foram aqueles em que Nina partilha as suas aprendizagens pelo facto de ocupar um lugar de responsabilidade, como Year One as a Museum Director… Survived! ou o mais recente Why We Moved the Abbott Square Opening -  A Mistake, a Tough Call and a Pivot.

Estamos todos muito habituados a directores de museus - ou outras pessoas que ocupam lugares com responsabilidade de liderança no nosso sector - disponíveis para falar de finais felizes. Raramente do processo, nunca das falhas. Mesmo quando se sentem forçados a comentar sobre acções e situações que recebem críticas negativas, parece haver sempre uma forma de dar a volta, encontrar justificações, focar detalhes irrelevantes, oferecer verdades alternativas. Qualquer coisa que possa desviar a nossa atenção do que deve ser essencialmente discutido. Qualquer coisa excepto um claro "É verdade, errámos, estamos disponíveis para falar sobre isso."

Sunday, 31 January 2016

Pavões, avestruzes e a terceira via

Anne Pasternak, Directora do Brooklyn Museum (Foto de Erin Baiano para o New York Times)

Há umas semanas, li uma notícia sobre seis curadores do Canadian Museum of History que manifestaram preocupações éticas em relação à compra de objectos recuperados do naufrágio do Empress of Ireland. Estas preocupações incluíam a maneira como tinham sido recolhidos os objectos e o facto do museu ter pago para adquirir artefactos de um sítio arqueológico. Não só as suas objecções foram descartadas, como o museu contratou um advogado e ameaçou-os com uma acção legal, caso partilhassem as suas preocupações com outras pessoas. De acordo com o Presidente e CEO do Museu, Mark O'Neill, "É normal haver discussões internas como esta, e, francamente, torná-las públicas não é." (ler mais). Esta afirmação fez-me pensar quais seriam os temas ‘apropriados’ para serem discutidos em público e porque é que as condições de aquisição de objectos para as colecções do museu não seria um deles.

Monday, 15 December 2014

A dimensão educativa

Em Outubro passado, durante o intervalo da apresentação do “Requiem” de Brahms pela Saint Louis Symphony, vinte e três manifestantes sentados em várias partes do auditório levantaram-se e cantaram "Requiem para Mike Brown" (o jovem negro desarmado que foi baleado por um polícia em Ferguson). Algumas pessoas ficaram chocadas, outras aplaudiram, o mesmo aconteceu com os músicos no palco. Ninguém interrompeu os manifestantes, ninguém chamou a polícia. Talvez porque o que aconteceu fez sentido, naquele lugar, naquele tempo, naquele contexto específico. Sendo que a música era parte integrante dos protesto em Ferguson, esta, de acordo com um dos organizadores, foi uma tentativa de "falar com um segmento da população que tem o luxo de estar confortável. Temos que fazer uma escolha de apenas ficarmos na nossa zona de conforto ou falarmos de algo que é importante. Não está certo simplesmente ignorá-lo" (leia o artigo completo).


As recentes mortes de negros pela polícia em diferentes cidades dos Estados Unidos provocaram uma intensa reflexão entre as instituições culturais no país sobre o seu papel. Num recente comunicado de bloggers de museus e de outros profissionais da cultura em relação a Ferguson e outros eventos relacionados, lê-se:

"Os recentes acontecimentos, desde Ferguson a Cleveland e Nova Iorque, criaram um momento de transição. As coisas precisam de mudar. Novas leis e políticas irão ajudar, mas qualquer movimento em direcção a uma maior compreensão e comunicação cultural e racial deve ser apoiado pela infra-estrutura cultural e educativa do nosso país. Os museus fazem parte desta rede educativa e cultural. Qual deve ser o nosso papel (papéis)? (...) Onde é que os museus se encaixam? Alguns poderiam dizer que só os museus com colecções específicas afro-americanas têm um papel, ou talvez apenas museus situados nas comunidades onde estes eventos ocorreram. Como mediadores culturais, todos os museus devem comprometer-se em identificar de que forma podem relacionar-se com questões contemporâneas relevantes, independentemente da sua colecção, foco ou missão. (...) Até agora, apenas a Association of African American Museums emitiu uma declaração formal sobre as questões mais amplas relacionadas com Ferguson, Cleveland e Staten Island. Acreditamos que o silêncio de outros museus envia uma mensagem de que estas questões são uma preocupação apenas para os afro-americanos e os museus afro-americanos. Sabemos que este não é o caso."

Em Agosto passado, uma séria controvérsia envolveu a decisão do Tricycle Theatre de não receber o UK Jewish Film Festival, pela primeira vez em oito anos. O motivo foi que o festival tinha o apoio da Embaixada de Israel em Londres e, dado que naquele momento estava em desenvolvimento a ofensiva em Gaza, o Conselho Consultivo considerou que “não seria apropriado aceitar o apoio financeiro de qualquer agência governamental envolvida". O Teatro ofereceu-se para fornecer financiamento alternativo, mas o Festival não aceitou (leia o artigo completo). O conflito em Gaza foi também a razão pela qual artistas participantes na Bienal de São Paulo este ano apelaram aos organizadores (apoiados posteriormente pelos curadores da Bienal) para devolver o financiamento do Consulado Israelita. As negociações mais tarde resultaram na remoção do logótipo do Consulado dos principais patrocinadores e na sua associação apenas aos artistas israelitas que receberam este apoio financeiro específico (leia o relatório completo).

Podemos concordar ou discordar com as decisões tomadas por estas organizações. Mas o questionamento em relação ao papel das instituições culturais na sociedade de hoje, especialmente o seu papel educativo, deve ser permanente, constante. Tal como Rebecca Herz, acredito que estas não devem agir independentemente da sua missão (como é sugerido no acima referido comunicado dos bloggers de museus norte-americanos), mas qualquer colecção de museu ou temporada de teatro / orquestra / festival pode ter uma ligação à vida contemporânea e ajudar a moldar o tipo de sociedade que precisamos ou sonhamos. Como o trabalho de muitos artistas contemporâneos é uma resposta a assuntos da vida contemporânea, é comum encontrarmos este género de ligações, assim como uma fértil reflexão à volta deles, na programação de teatros, companhias e galerias (o Teatro Maria Matos, o Programa Gulbenkian Próximo Futuro ou o alkantara festival são os primeiros que me ocorrem entre as entidades cuja programação acompanho em Portugal, mas há outros). Os museus ou as orquestras que apresentam obras  que não são contemporâneas não estão muito habituados a procurar ligações entre as suas colecções ou concertos e a vida contemporânea ou, se o fazem, não se torna perceptível para mim. Muitas vezes pergunto-me “Qual o propósito desta exposição ou deste concerto?”, “Porque é relevante?”, “Como é que isto se relaciona com a sociedade portuguesa contemporânea e com a sua diversidade?” (penso mais uma vez no trabalho inspirador da Orchestra of the Age of the Enlightenment...)

Isto leva-me mais uma vez para uma questão recorrente neste blog: “accountability” e responsabilidade. Não vejo as instituições culturais como ilhas, distantes do que está a acontecer no seu redor. Acredito que devem tornar claro para as pessoas de que forma o que têm a dizer ou mostrar pode ser relevante para elas; devem partilhar publicamente a sua visão e objectivos e assumir a responsabilidade pelo seu cumprimento; devem ser um fórum público, onde as pessoas podem encontrar conforto, mas também o desconforto necessário. Têm claramente um papel educativo (no sentido de fornecer o que os gregos antigos chamavam "paideia"), um papel que eu não faria necessariamente depender do que acontece (ou não acontece) na escola ou em casa e um papel que não depende, em primeiro lugar, do serviço educativo, mas sim, do/a director/a.

Dois directores de museus e um curador estarão connosco na próxima terça-feira, 16 de Dezembro, na conferência da Fundação Gulbenkian "Que lugares para a educação? A dimensão educativa de instituições culturais" (mais informações). Charles Esche (Director do Van Abbemuseum e um dos curadores da Bienal de São Paulo deste ano), David Fleming (Director dos National Museums Liverpool e Presidente da Federação Internacional de Museus de Direitos Humanos) e Delfim Sardo (Curador, Professor Universitário e Ensaísta) irão desafiar-nos a pensar sobre as nossas responsabilidades e práticas no actual contexto social e político.


Nota: Para quem não puder estar em Lisboa, a conferência será transmitida em livestreaming. Há uma série de artigos, posts, textos de opinião e entrevistas na página da conferência (em “Oradores”, “+Reflexão” e “+Info”).


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Monday, 1 December 2014

Uma apologia da crítica



O pensamento crítico é uma função mental e emocional em que alguém - com base nos seus conhecimentos e a informação disponível - decide o que pensar ou fazer em relação a uma situação específica. O resultado é uma opinião fundamentada. É subjectiva. Pode ser positiva ou negativa. Deve ser intelectualmente honesta.

Há uma tendência de associar aspectos exclusivamente negativos à palavra "crítica" e encará-la como um ataque. É por isso que muitas vezes uma crítica provoca reacções como "criticar é fácil ..."; ou um precipitado esclarecimento por parte do ‘atacante’, como "por favor, não aceite isso como uma crítica"; ou até mesmo a necessidade de declarar que o 'atacante' não tem nada pessoal contra o 'alvo' do seu ataque.

Há duas semanas, reagi – de forma crítica - à entrevista do director de um museu nacional e, especificamente, a uma afirmação a respeito de uma questão que é de extrema importância para mim na nossa profissão. Isto significa que, com base nos meus conhecimentos e nas informações disponíveis, eu decidi o que pensar dessa afirmação e partilhei a minha opinião. Outras pessoas reagiram à minha crítica, concordando ou discordando ou adicionando outros aspectos no processo de pensamento crítico. Num determinado momento, no entanto, uma colega interveio dizendo: "Não se fala mal dos colegas no Facebook.." Desde aí, este comentário tem ocupado o meu pensamento.

Na minha opinião, há uma diferença distinta entre falar mal e criticar. Falar mal só pode ser negativo e há nisso algo muito pessoal, algo muito sentimental, algo que acaba por neutralizar a força dos argumentos e afectar seriamente a credibilidade do crítico. Falar mal não é construtivo, pode ser temporariamente "terapêutico" para quem o faz, mas é ineficaz.

A crítica é algo diferente. A crítica é o desejo de estar ciente e atento, de dar aos nossos conhecimentos bom uso, de contribuir para algo melhor (por meio de apreciações positivas ou negativas) e também de assumir responsabilidade. A crítica não é fácil.

O pensamento crítico é muito pouco partilhado em público, com a excepção, talvez, do que está relacionado com o governo e os políticos em geral - o que me faz pensar que talvez não nos sintamos responsáveis pela vida política deste país, e assim, o criticar (ou o falar mal) torna-se fácil... Em relação ao resto, e especificamente no sector cultural, a crítica e o debate público sobre decisões, posições, projectos são bastante limitados. Os profissionais da área podem estar a sentir que tudo isto os ultrapassa e este sentimento de impotência faz qualquer intervenção parecer escusada. Outros podem não gostar da exposição que a crítica pública traz, preocupados com relações pessoais / profissionais que tendem confundir-se nessas situações. Outros ainda podem não gostar de assumir a responsabilidade de criticar publicamente. Assim, como a crítica é vista como algo negativo, como um ataque, é melhor ser mantida à porta fechada, "em família", ou, melhor ainda, não ser expressa. Algumas pessoas consideram que isto não deveria acontecer nas redes sociais. (Não consigo deixar de lembrar que, há uns dois anos, quando escrevi positivamente a propósito de uma entrevista desse mesmo director de museu, ninguém me disse que não deveria fazê-lo no Facebook. Suponho que não foi considerado crítica).

Invejo os bloggers culturais nos EUA e no Reino Unido, em especial, que contribuem para o debate aberto e a crítica de todos os assuntos importantes, mantendo o diálogo vivo, a sua voz ouvida e o público interessado informado. Eles são demasiado inteligentes para cair na armadilha do ‘falar mal’. Este é um acto de responsabilidade. Este deve ser um acto esperado numa democracia. Todos os assuntos importantes devem ser discutidos abertamente, os aspectos positivos e negativos devem ser amplamente debatidos, a responsabilidade deve ser assumida. O rumo de todas as instituições culturais públicas é um assunto que diz respeito a todos, a começar pelos profissionais da área.

O que me leva a um outro ponto: a crítica está associada à “accountability”. Quando Nina Simon completou o seu primeiro ano como directora do Santa Cruz Museum of Art and History, ela escreveu o post Primeiro ano como directora de museu... Sobrevivi!. Tanto a “accountability” como a crítica resultam de um profundo sentido de responsabilidade e o texto de Nina é um perfeito exemplo do que gostaria que acontecesse aqui. Mas não acontece. Num país onde não é esperado que os que ocupam cargos públicos sejam “accountable” - ou seja, definam claramente os seus objectivos, expliquem regularmente o que estão a fazer, como, porquê e se são bem sucedidos – a crítica pode, realmente, fazer menos sentido e nós entramos num ciclo vicioso. Um ciclo onde poucas opiniões fundamentadas são ouvidas publicamente e têm pouco impacto; onde as coisas acontecem de qualquer maneira e apesar de tudo; e onde o sucesso é declarado... apesar de tudo. Até consideramos normal que alguém que ocupa um cargo público esteja a defender o indefensável, possa não estar a dar uma opinião honesta, por dever aos seus superiores. Um ciclo vicioso, um jogo, onde sacrificamos  a nossa honestidade intelectual. Com que benefício? E com que custo?


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Monday, 30 June 2014

"Ou...ou" ou simplesmente "e"?

Nicholas Penny, director da National Gallery (imagem retirada do Guardian)

Os directores de dois museus de Londres anunciaram este mês que irão deixar o seu lugar assim que forem nomeados os seus sucessores: primeiro, Sandy Nairne da National Portrait Gallery e depois Nicholas Penny da National Gallery. Dois directores considerados muito bem sucedidos.

Embora nem tenham especificado algum motivo profissional especial para deixarem o cargo (pelo menos, a minha pesquisa no Google não revelou algo neste sentido), o jornalista do Guardian Jonathan Jones pensa que o motivo pode ser o aumento da pressão sobre os directores dos museus de Londres devido a expectativas populistas, a suposição da parte dos meios de comunicação de que todas as exposições devem ser um sucesso e uma crença política que os museus devem não apenas apresentar colecções bem geridas, mas também fornecer entretenimento e educação a todos. E Jones afirma:

"(...) Será que estamos prestes a ver uma nova geração tecnocrata de chefes de museus que baixam a cabeça, colocam as relações públicas em primeiro lugar e fazem tudo o que podem para cumprir metas definidas pelos políticos e pela imprensa? (...) Esse tipo de pressão não deixa propriamente muito espaço para a experimentação. Os museus não podem ser apenas máquinas de entretenimento. Devem ter um lado mais calmo, onde a arte vem em primeiro lugar, as multidões em segundo e um lado académico que reverencia alguém como Penny. Tudo isto parece ser o anúncio deprimente do final da individualidade no mundo dos museus." (leiam o artigo)

Torna-se cada vez mais difícil para mim entender porque é que os museus são ainda e constantemente confrontados com dicotomias: objectos ou pessoas; estudiosos ou tecnocratas; quietude e reverência ou publicidade e acessibilidade. Tem que ser assim? Não é possível encontrar um equilíbrio? Não podem ser ‘E’?

Ao ler o livro “Civilizing the museum" de Elaine Heumann Gurian há um par de anos, lembro-me de ter uma sensação de grande consolo ao chegar ao capítulo "The importance of 'and'." Elaine comentava sobre o relatório da American Association of Museums Excellence and Equity (um relatório que em 1993 foi distribuído a todos os estudantes de museologia no UCL, onde eu estudava). Lia-se:

"(...) Este relatório fez uma tentativa concertada para aceitar as duas ideias principais propostas por facções dentro do sector – equidade e excelência - como iguais e sem que uma delas fosse prioritária." Mais adiante: "(...) para o sector dos museus ir para a frente, é preciso mais do que trazer uma paz política, associando palavras. Devemos acreditar no que escrevemos, ou seja, que organizações complexas devem abraçar a coexistência de mais que uma missão principal." E ainda: “Ocorreu-me que talvez toda a minha carreira tenha sido metaforicamente sobre o 'e' ".

Devemos acreditar no que escrevemos, este é um ponto. E, provavelmente, o outro ponto é que devemos ir em frente e fazer aquilo sobre o que escrevemos ou falamos. Porque não é impossível fazê-lo. Quem é a melhor pessoa para o fazer? Pode ser apenas uma pessoa? Será que as equipas que envolvem profissionais com diferentes sensibilidades conseguem atingir estes múltiplos objectivos de uma forma mais equilibrada? Procuramos criar este tipo de equipas? São todos ouvidos equitativamente?

"Publicidade e acessibilidade são tudo", escreve Jonathan Jones num tom de crítica negativa no seu artigo. A publicidade pode não ser tudo, mas a acessibilidade certamente é. Os museus são para qualquer pessoa que possa estar interessada neles, mas nem todas as pessoas abordam os seus conteúdos com o mesmo nível de conhecimento ou de interesse e com o mesmo tipo de necessidades. É um trabalho difícil, de facto, mas, se os museus querem cumprir a sua missão, têm que ter um lado mais calmo e um lado de celebração. Têm que agradar àqueles que sabem e têm que encantar quem não sabe tanto ou quem não sabe nada. Foi em 1853 que o naturalista britânico Edward Forbes escreveu: "Os curadores podem ser prodígios do saber e ainda impróprios para o seu lugar, se não sabem nada sobre pedagogia, se não estão preparados para ensinar as pessoas que nada sabem." Essas pessoas são importantes também. Essas pessoas talvez sejam ainda mais importantes.

Enquanto escrevo sobre estas dicotomias, surge-me mais uma necessidade, como profissional, mas também como cidadã. Gostaria de ouvir a opinião dos responsáveis ​​pela gestão dos nossos museus (e organizações culturais em geral) sobre estas questões. Gostaria de ouvir afirmações claras, gostaria de sentir que há uma visão por trás delas. Gostaria de saber qual o plano em que poderá incidir a minha crítica. Jonathan Jones está preocupado com os tecnocratas que mantêm a cabeça em baixo, eu estou preocupada com os directores (de museus, teatros, orquestras, bibliotecas) que se mantêm silenciosos. Estive recentemente num debate onde alguém disse: "Felizmente, eu nunca fui convidado para ocupar cargos de direcção e isso significa que fui sempre livre de dizer o que penso." Felizmente? Isto não é profundamente preocupante?

Não há dúvida de que há uma grande dificuldade em lidar com gestores ou directores com opinião. Nesta nossa democracia, alguém que assume um determinado cargo é suposto mostrar uma espécie de "lealdade" que o/a impede de partilhar publicamente a sua opinião (especialmente quando contrária às posições dos governos). Não estou a defender que todos os problemas, todas as discordâncias, devam ser tratados em público. No entanto, há assuntos que dizem respeito a todos nós. Quando o Estado nomeia certas pessoas para determinados cargos, gostaria de saber o que se espera delas. Quando essas certas pessoas aceitam o cargo, gostaria de saber o que pretendem fazer e qual será o plano para alcançar os objectivos. E se elas sentem que não lhes são dadas as condições para fazerem bem o seu trabalho ou se não sentem que estão à altura do que se espera delas, eu gostaria de saber sobre isto também. Quando dois directores de museus (em Londres ou em qualquer outro lugar) anunciam, num espaço de duas semanas um do outro, que se vão embora, gostaria de perceber o porquê. Quando outros directores de museus (em Londres ou em qualquer outro lugar), se mantêm no cargo, apesar do estado das coisas, também gostaria de perceber o que é que os faz ficar.

Monday, 25 February 2013

Blogger convidado: "Líderes natos, líderes feitos", por Assis Carreiro (Bélgica) e Thomas Edur (Estónia)

Penso frequentemente no que faz um bom líder, um grande líder. Aquela pessoa que tem a visão e a determinação de traçar e seguir um caminho e que, ao mesmo tempo, é capaz de inspirar, reunir à sua volta e liderar muitas outras pessoas, essenciais para a missão ser cumprida. Por isso, fiquei muito interessada quando a minha amiga Caroline Miller, directora do Dance UK, me escreveu sobre o Rural Retreats, um think tank internacional que olha para o futuro do bailado e da dança. As sessões trazem oradores convidados do mundo dos negócios, do desporto e das artes que se juntam aos profissionais da dança, partilham experiências e permitem pensar, sem limitações e preconceitos, sobre o papel da dança na sociedade contemporânea. Os grandes líderes nascem ou são criados? Ou um pouco dos dois? Assis Carreiro, Directora Artística do Royal Ballet of Flanders e a pessoa que concebeu e lançou os Rural Retreats, e Thomas Edur, Director Artístico do Estonian National Ballet, partilham a sua experiência e escrevem sobre os desafios que enfrentam. É muito interessante que ambos falam dos egos; e ambos falam das pessoas… mv

Assis Carreiro com Lynn  Seymour e Karen Kain no Rural Retreats de 2012. 

Como fundadora e produtora dos Rural Retreats, abordei o último encontro de directores artísticos de todo o mundo com grande entusiasmo, mas também com algum nervosismo, dado que, pela primeira vez, não estaria apenas no papel de anfitriã, mas de participante também, tendo acabado de assumir a função de Directora Artística do Royal Ballet of Flanders. Esta última edição, portanto, foi um bónus duplo para mim. Por um lado, produzi um think tank pelo qual estou apaixonada e determinada em fornecer a uma comunidade de dirigentes – desesperadamente à procura de apoio, de debate com os seus pares, de estímulo por parte dos oradores convidados de outras áreas profissionais. O sucesso das edições anteriores mostra o quanto estas têm sido cruciais e necessárias para o bem estar e o desenvolvimento de existentes e futuros líderes na área da dança. Por outro lado, o fim-de-semana era exactamente o que precisava quatro meses depois de ter assumido funções como Directora Artística – uma oportunidade para aprender e ouvir, fazer muitas perguntas práticas sobre o dia-a-dia no trabalho, assim como perguntas mais profundas, filosóficas, sobre esta forma de arte pela qual estamos todos tão apaixonados.  

Quando concebi os Rural Retreats, há doze anos, nunca tinha pensado que um dia iria dirigir uma companhia. Mas, com o passar do tempo, pensei que seria um desafio do qual iria gostar e… aqui estou. Devo dizer que não poderia ter feito este trabalho antes. Precisava não só de experiência profissional, mas também de experiência de vida – é crucial e é esta experiência que vou buscar no fundo do meu saco que me ajuda a encontrar soluções e manter-me sã. Ter uma família, enquanto continuo a assumir desafios e negociações, contribui também para a minha sanidade e ajuda-me a perceber que há mais na vida do que a dança. Eles são o mais maravilhoso sistema de apoio e clube de fãs quando a situação se torna difícil!

Este trabalho é antes de mais um trabalho com pessoas. Como Directora Artística, sou responsável pelas suas carreiras – o seu desenvolvimento -, e essas são carreiras frágeis e curtas e tudo se torna pessoal. Os bailarinos estão constantemente a ser julgados e há decisões difíceis a tomar. Tenho mesmo que pôr de parte o meu ego e cuidar de outros 52 egos e ainda da equipa artística, coreógrafos convidados e repetidores, equipa administrativa, membros do Conselho Consultivo e, claro, das necessidades do nosso público. É malabarismo a alta velocidade, sempre com um sorriso e uma atitude forte, clara e positiva…

Os desafios: 

1) Dinheiro, dinheiro, dinheiro: se houvesse suficiente, poderíamos simplesmente fazer o nosso trabalho, mas esta é uma frustração e um desafio constantes e, nestes tempos difíceis, temos mesmo que pensar “out of the box” sobre como vamos sobreviver e manter a nossa forma artística relevante e vibrante e compreendida por um público mais amplo, fora do nosso mundo pequeno e frágil.

2) Ser nova: Sou nova, por isso tenho que provar a todos o que sou capaz de fazer e ganhar a sua confiança. Isto leva tempo. Tive que programar uma temporada inteira em apenas duas semanas – o que foi uma perfeita loucura, mas consegui e a equipa juntou-se a mim para a tornarmos realidade. Isto tem sido maravilhoso e espero ter começado a ganhar a confiança deles aos poucos.

3) No primeiro ano, cada dia é um dia de aprendizagem: Não tenho medo de fazer perguntas e juntei-me a uma companhia com uma enorme riqueza de experiências, por isso, pergunto e aprendo, mas posso também ensinar, com a minha experiência de 32 anos nesta profissão, em várias companhias e papéis, que me deu a confiança de aceitar este último posto.

4) As pessoas: reunir as pessoas certas para embarcarem comigo nesta viagem e seguirem a minha visão. Se não forem as pessoas certas, deverão procurar um outro barco para navegar, dado que precisamos de trabalhar em conjunto, como uma equipa coesa de indivíduos empenhados. Na área da dança é difícil, porque muitas vezes não se trata das pessoas serem boas ou não, mas se se enquadram nesta nova forma de trabalhar, se estão abertas à mudança e a novas formas de levar as coisas para a frente. Em Antuérpia, estou mesmo a tentar criar um forte ensemble de bailarinos e, felizmente, herdei uma base forte para o poder fazer, mas as equipas técnicas e de produção, assim como a administrativa, são igualmente importantes para o barco navegar na direcção certa.

5) A alegria: tem que haver sempre alguma! O trabalho de coreógrafos maravilhosos interpretado por bailarinos com enorme talento e depois… ver a reacção do público; isto faz com que tudo mereça a pena e o prazer da programação que os leva ambos a uma viagem – e a mim também!

Assis Carreiro é Directora Artística do Royal Ballet of Flanders desde Setembro 2012. Foi Directora Artística e CEO do DanceEast England entre 2000 e 2012, onde criou os Rural Retreats, uma série de think tanks internacionais que apoiam o desenvolvimento de liderança na área da dança para directores artísticos, existentes e futuros; o Snape Dances, uma série internacional de dança em Snape Maltings; e o Centro Nacional de Coreografia. Liderou um projecto capital do DanceEast, que em 2009 culminou na abertura do Jerwood Dance House nas docas de Ipswich e que custou 9 milhões de libras. Em 1998/99, foi programadora em DasTAT para a companhia de William Forsythe em Frankfurt. Em 1994/96 foi directora de DanceXchange em Birmingham e trabalhou para Wayne McGregor|Random Dance. Antes de se mudar para o Reino Unido em 1994, foi Directora de Educação, Outreach e Publicações no National Ballet of Canada.

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National Ballet of Estonia (Foto: Harri Rospu)

Sou Director Artístico do Estonian National Ballet há quase quatro anos. Assumi esta função depois de ter trabalhado durante muitos anos como bailarino principal no English National Ballet. A transição da condição de bailarino principal autónomo e
freelancer para dirigente de uma companhia com mais de 70 pessoas foi enorme.  Tinha estado a pensar no como isto seria ao longo de muitos anos, porque sabia que queria ser um dia Director Artístico. Há alguns anos, tinha participado nos Dance Retreats do DanceEast para futuros directores de companhia e tinha falado com outros colegas sobre o papel, mas nada nos prepara realmente para a realidade.

Lições aprendidas?

1. Não o faça pelo seu ego, faça-o porque gosta de transmitir os seus conhecimentos.

2. Ensine algo a alguém e vai aprender sobre si e o seu estilo de liderança.

3. Comunicar e falar com as pessoas é vital – mas vai ficar cheio de trabalho e descobrirá que não tem tempo para falar com as pessoas. Arranje tempo, é essencial.

4. Tente ser razoável e justo.

5. Prepare-se para trabalhar muitas horas – mas admita que tem que encontrar um equilíbrio entre o trabalho e a sua vida fora dele para se manter são.

Quando estive no Rural Retreats na Inglaterra este ano, tive a oportunidade de estar com outros 27 directores artísticos de companhias de dança de todo o mundo. Não partilhámos apenas os nossos desafios e oportunidades, mas ouvimos oradores que trabalham em áreas como o desporto de alta competição, a psicologia e a ópera. Tínhamos muito em comum.

A Estónia é um país pequeno e cada país enfrenta desafios diferentes, mas o financiamento é sempre uma grande questão. Afecta o trabalho artístico que podemos criar, mas não nos pode impedir de criar. Algumas vezes, penso que ter menos recursos é uma oportunidade criativa. Orçamentos para produções de luxo podem significar que estamos a deitar fora a oportunidade de nos expressarmos apenas com o corpo. E tudo tem a ver com isto – a música e o corpo.

Para mim pessoalmente, o desafio que mais me preocupa é lidar com os artistas. Estou a pensar constantemente em como contribuir para o seu desenvolvimento, não apenas no futuro imediato, mas a longo prazo. Mantê-los motivados e com energia pode ser difícil. Os bailarinos são fortes e independentes e muitas vezes esta característica é negligenciada, porque a forma artística é silenciosa. A sociedade não se relaciona facilmente com isto. Tudo tem a ver com auto-promoção, ser entrevistado para a televisão, fazer ouvir a sua voz – enquanto a dança tem a  ver com mostrar o que se pode fazer em vez de falar sobre isso. Muito poucos bailarinos serão famosos e, para aqueles que o forem, pouco tempo depois chegará o momento de se reformarem.

Ser Director Artístico de uma companhia de dança significa que o teu activo mais importante são os bailarinos. Está-se a lidar com pessoas que estão a fazer um esforço enorme para conseguirem algo e, algumas vezes, podem ser mal entendidas. Todos os bailarinos profissionais trabalham para conseguir o máximo da sua capacidade física. É muito semelhante ao lidar com o talento na área do desporto. O meu desafio como líder é mostrar-lhes que se me ouvirem irão dançar melhor e este é um processo a longo prazo. Como Director Artístico, tem-se que mostrar resultados, e quando um bailarino tem sucesso, outros se seguirão.

Thomas Edur é Director Artístico do Estonian National Ballet desde 2009. Foi uma estrela internacional na área da dança, tanto como solista, como também na parceria com a sua mulher, Agnes Oaks. É também professor e coreógrafo, empenhado em promover a excelência na dança. Em 2001, foi-lhe atribuída pelo Presidente da Estónia a Ordem da Estrela Branca. Em 2010, a Rainha Elisabete de Inglaterra atribuiu-lhe o Grau de Commander of the Most Excellent Order of the British Empire (CBE), em reconhecimento dos seus serviços na área das artes no Reino Unido nas relações culturais Reino Unido-Estónia.
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O meu agradecimento à Caroline Miller por toda a sua ajuda.

Mais leituras

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Monday, 18 February 2013

De Thomas P. Campbell para mim



Há algum tempo, vi uma apresentação do jovem especialista em redes sociais Jasper Visser, intitulada The future of museums is about attitude, not technology (O futuro dos museus tem a ver com atitude, não com tecnologia). Mesmo antes de a ver, o título ecoou na minha cabeça. É verdade, que impacto é que a tecnologia pode ter só por si se não sabe utilizá-la, se não se entende ou não se está interessado em explorar as possibilidades que oferece e usá-las com visão e imaginação? Isto requer atitude, realmente; ou melhor, requer a atitude ‘certa’.

Há umas duas semanas, recebi um email de Thomas P. Campbell, director do Metropolitan Museum of Art. Informava-me de um novo projecto, chamado 82nd and 5th,uma nova série de vídeos, onde um curador do Met fala de uma obra específica da colecção do museu que o inspirou ou mudou a sua vida ou a sua forma de pensar. Thomas P. Campbell informou-me que poderia inscrever-me para passar a receber todos os vídeos novos por email e sugeriu que informasse também os meus amigos.

Não é sobre os vídeos que quero falar aqui (a qualidade e interesse dos quais pode ser verificada no website do museu), mas sim, sobre os detalhes da comunicação desta nova iniciativa. Como devem imaginar, não foi o próprio Thomas P. Campbell que me mandou o email e eu recebi-o porque faço parte da mailing list do museu.  O Met poderia ter feito facilmente aquilo que a maioria dos museus faz: enviar um email a todos os inscritos na sua mailing list através do seu endereço de email geral. Em vez de optar por esta forma de comunicação impessoal, criou um endereço de email específico, onde figura como remetente o director do museu. É ele que se dirige a nós e apresenta esta nova iniciativa, convidando-nos a usá-la, a abraçá-la, a ajudar o museu a promovê-la. E este pequeno detalhe faz muita diferença. Demonstra atitude.

Indhu Rubasingham, Directora Artística do Tricycle Theatre (Foto: Alastair Muir para The Guardian)
Tinha tido um outro ‘encontro especial’ com a directora de uma instituição cultural uns meses antes, quando telefonei para o Tricycle Theatre em Londres para marcar bilhetes para uma peça. O telefone tocou e, antes da chamada ser atendida pela bilheteira, ouvi uma resposta automática. Era uma mensagem da directora artística do teatro, Indhu Rubasingham, que me agradeceu por ter entrado em contacto para comprar bilhetes e pôs à minha consideração a hipótese de pagar uma libra extra por bilhete para apoiar o teatro no seu trabalho. Era uma mensagem simples, directa, simpática à qual não fui capaz de resistir. Acabei por apoiar um teatro onde não tinha estado nunca, algo que nunca fiz por aqueles teatros que costumo frequentar. Talvez porque nunca ninguém me pediu para o fazer. Indhu Rubasingham e o Tricycle Theatre têm atitude.

Nenhum dos exemplos acima envolveu um investimento enorme. Aliás, não envolveram investimento nenhum. A falta de dinheiro ou de meios sofisticados não pode servir de desculpa para a falta de atitude. Além disso, a falta de atitude quando se tem os meios, mas não se aproveita ao máximo o seu potencial, indica ainda falta de visão.

Uma das preocupações mais comuns dos profissionais da cultura quando dou formação em diversos pontos do país em comunicação cultural é a impossibilidade de usarem a tecnologia e os meios disponíveis autonomamente a fim de promoverem os seus espaços, o seu trabalho, as suas actividades. Refiro-me especificamente a organizações tuteladas por câmaras municipais ou fundações às quais não é permitido terem os seus próprios websites (são um item num sub-sub-menu) ou de gerirem as suas próprias páginas no Facebook. A informação é gerida centralmente e não por quem tem melhor conhecimento do tema e está mais interessado que qualquer outra pessoa em promovê-lo. E por quem o faria melhor, se tivesse formação adequada.

Sejamos os clientes por um momento. Estamos interessados em saber se o Museu da Electricidade em Lisboa organiza festas de aniversário? Começamos por pesquisar no Google, como eu fiz. O primeiro link leva-vos ao website da Fundação EDP, onde o museu figura como um item no menu. Ao chegar à página do museu, parece que chegámos a um portal com notícias encaixadas. Cada caixa é um link para uma página com descrições da exposição temporária; da exposição permanente; das últimas estatísticas ou de outras notícias. O museu em si não tem um menu próprio (endereço: www.fundacaoedp.pt/museu-da-electricidade).



Desejam visitar o Museu de Cerâmica de Sacavém? Uma pesquisa no Google leva-vos para (por ordem de aparição): uma inserção no website do antigo IMC sobre o edifício do museu; o Turismo Lisboa e Vale do Tejo; a Wikipedia; Lifecooler; ijogo; TSF… Se por intuição optarmos por procurar em Câmara Municipal de Loures, encontraremos um link para uma página com uma descrição geral do museu em Câmara Municipal de Loures / Conhecer / Turismo, Cultura, Lazer / Museus (endereço:
http://www.cm-loures.pt/Ligacao.aspx?DisplayId=2#topo)



Escolhi dois exemplos de museus que gosto. Porque isto faz-me pensar no quão diferente e melhor, dadas as ferramentas disponíveis, seria a minha relação online e a distância com eles (para não falar da relação desses museus com as pessoas que não os conhecem e que poderiam estar interessadas). Como estes, há muitos outros. Como é que um museu ou outro equipamento cultural pode estabelecer uma relação com actuais e potenciais visitantes/utilizadores quando está tão bem escondido (vejamos só os endereços online)? Ou quando a informação que pode disponibilizar é tão estática (e aborrecida e incompleta)? Quando não existe um diálogo aberto, directo, constante, informal?

Um profissional da área da comunicação, como eu, entende perfeitamente a necessidade de coerência e acredito que é esta a principal preocupação das câmaras municipais e das fundações que gerem diversos espaços e projectos. Mesmo assim, a solução não é controlá-los ao ponto de os estrangular.  O público desenvolve relações com as organizações que visita, com os projectos dos quais gosta e não com as entidades que os gerem. Nenhum gabinete central de comunicação de um município irá alguma vez conversar com as pessoas no Facebook sobre o dia-a-dia da vida de um museu municipal, os objectos na sua colecção, as actividades que tem para oferecer da forma como uma pessoa que trabalha nesse museu o iria fazer. Sem dúvida, há necessidade de directivas, formação, orientação. Mas as pessoas estão ansiosas para as receber para as poderem usar da melhor forma, a fim de promover melhor o que fazem e chegar às pessoas com quem pretendem comunicar. Não é boa ideia deixar isto com quem sabe menos, quem está – inevitavelmente – menos apaixonado, quem não tem um envolvimento real – como é o caso da Wikipedia do Turismo ou do Lifecooler. Isso demonstra  falta de visão que condena à falta de atitude. E nisto não há futuro.

Sempre que penso em todos aqueles profissionais frustrados cujo único desejo é comunicar (e penso muito neles), oiço na minha cabeça a canção de Sting:

When you love somebody
Set them free…
Free… free….
Set them free…

(Quando amas alguém, deixa-o livre…)