terça-feira, 2 de dezembro de 2025

AS OBRAS DE ARTE

 A terminologia que usamos e que, naturalmente, está em permanente construção oferece, por vezes, algumas situações menos esperadas.

Até acontecer que devido a circunstâncias familiares a comecei a ouvir, não conhecia a expressão "obras de arte" como designação das estruturas mais conhecidas, por mim pelo menos, por pontes. De facto, no mundo da engenharia civil uma ponte não é uma ponte, é uma obra de arte. Parece-me uma opção curiosa de que desconheço a origem.

No entanto, depois de alguma surpresa inicial, acho que a designação é apropriada. Uma ponte é um dispositivo, por assim dizer, que, em muitas circunstâncias, permite a ligação mais fácil ou é mesmo a única forma de ligar dois pontos, duas instâncias, que uma qualquer barreira separa. Dito de outra forma, uma ponte é algo que permite a comunicação, aproxima o que pode ou parece estar longe.

Embora estejamos, diz-se, num mundo cuja característica mais marcante é a comunicação, tenho para mim que atravessamos uma séria e generalizada dificuldade em comunicar. São demasiados os monólogos e poucos os diálogos. As barreiras, os muros e valores que acreditávamos em desaparecimento emergem e minam a comunicação, os entendimentos. Parecem estar a desaparecer as obras de arte, as pontes.

Devo dizer que gostava de ser eu a estar enganado, mas um olhar sobre o que nos rodeia, seja à escala individual, miúdos sós, famílias com baixos níveis de comunicação, seja a escalas de outra dimensão, as dificuldades ou até a ausência de diálogo, de comunicação, é preocupante em muitos contextos de vida, incluindo o escolar. No entanto, muitos de nós passam horas nas redes sociais, numa comunicação que raramente estabelece pontes.

Talvez a campanha eleitoral em curso relativa às presidenciais pudesse ser uma oportunidade para a construção de pontes.

Na verdade, acho que qualquer dispositivo que promova a comunicação, que aproxime distâncias, que facilite a relação, é sempre uma obra de arte.

E como estamos necessitados de obras de arte. A questão é que a arte nunca parece ser uma prioridade.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

O QUE É QUE NÃO SE PERCEBE? (take 2)

 Dada a falta de docentes que se tem vindo a verificar em consequência das políticas públicas dos últimos anos, das quais, evidentemente, ninguém é responsável, tem vindo a aumentar a entrada nas escolas de muitos milhares de docentes que tendo formação na área científica que leccionam podem dar aulas, mas não aceder à profissionalização exigida para entrada na carreira docente. Para tal, é exigida formação pedagógica que pode ser adquirida através da realização de mestrado em educação ou a frequência de cursos de profissionalização em serviço.

No entanto, existe um irritante pormenor, as vagas para os cursos de profissionalização em serviço são largamente insuficientes com as consequências óbvias.

A Federação Nacional da Educação pede soluções com brevidade, o Ministério parece enredado em inacções com longevidade.

Retomo algumas notas com base no Estudo de Diagnóstico de Necessidades Docentes realizado pelo Centro de Economia da Educação da Nova SB cujos dados, sem surpresa, são preocupantes.

De acordo com as projecções, no período de 2025 a 2034, 37% dos cerca de 122 000 professores actualmente no sistema educativo aposentar-se-ão, qualquer coisa como 46 000 docentes.

Não se estranha, apenas preocupa, de acordo o “"Perfil do Docente", relativo ao quadro de professores de 2023/2024 em Portugal Continental elaborado pela DGEEC e há dias conhecido, no 3.ºciclo e ensino secundário, a idade média dos professores é de 52 anos, seis em cada dez, 62%, têm 50 anos ou mais. É também preocupante o baixo número de jovens professores. Considerando o grupo mais numeroso, 3.º ciclo e secundário, por cada grupo de 100 professores com menos de 35 anos, havia 1189 com 50 ou mais. Se for analisado por grupos disciplinares temos grupos em que a diferença é bem maior.

Também é sabido que a actual capacidade de formação de docentes é claramente insuficiente face às necessidades embora se tenham estabelecido contratos programa com instituições do ensino superior para incrementar a capacidade de formação. Acresce que, tal como noutras áreas a falta de professores não se verifica da mesma forma no país inteiro o que coloca um outro problema a necessidade de deslocação com as questões que este processo envolve.

Estamos perante uma espécie de tempestade perfeita, os docentes não chegam, vamos aumentar a capacidade de formação que continuará insuficiente num futuro próximo, a dispersão demográfica complica as colocações e …

Muitas vezes aqui tenho escrito, a falta de docentes estava escrita nas estrelas e sucessivas equipas ministeriais, para além de más políticas públicas que afastaram milhares de professores das escolas negavam a evidência, ouvia-se o mantra dos “professores a mais”.

O universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm empreendido um empenhado processo de desvalorização profissional dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais. Este cenário baixou drasticamente a atractividade da carreira docente e, como sempre, sucessivos responsáveis por estes cenários, esquecem-se do que produziram e ignoram responsabilidades, perorando sobre o que fazer e que não fizeram.

Não podemos esperar mais. A formação de professores, sem o risco da “desprofissionalização”, ou seja, o abaixamento da qualidade da formação, é a prioridade das prioridades a par de potenciar a atracção pela função docente através de ajustamentos ao nível da carreira, modelo e avaliação, do estatuto salarial, do excesso asfixiante de burocracia, entre outros aspectos. O que é que não se percebe?

domingo, 30 de novembro de 2025

A HISTÓRIA DO NADA

 Num tempo de muitos tudos e muitos nadas, a história de um Nada.

Era uma vez um homem chamado Nada. O seu nascimento não foi mais que um nada numa família de Nadas pelo que nada de relevante se registou, apenas mais um Nada.

A escola do Nada foi uma passagem que quase nada lhe deixou, aliás, abandonou-a antes da altura devida pois sentia que ali não fazia nada e para nada lhe serviria. Pelo facto do Nada ter saído da escola nada aconteceu.

O Nada atravessou a adolescência sem que nada lhe mostrasse um futuro. Já de pequeno quando alguém, raramente pois as pessoas não se interessam muito por Nadas, lhe perguntava o que queria ser quando fosse grande, respondia num indiferente encolher de ombros, nada.

A vida do Nada era, pois, composta dos pequenos nadas que se sucediam com nada de mudança.

Um dia, sem que nada dissesse, o Nada partiu daquela terra onde nada tinha, à procura de uma terra onde nada teria.

Ninguém sentiu a falta do Nada, nem a família que nada sabia dele desde um tempo sempre.

No meio de tantos Nadas, a ausência de um Nada passa completamente despercebida. É assim a vida dos Nadas, um nada feito de nadas.

Chamam-lhe destino ou falta de sorte.

sábado, 29 de novembro de 2025

O SILÊNCIO DO CORO DOS ESCRAVOS

 É mau demais, mas é mais um sinal dos tempos.  A situação agora desmantelada no Alentejo com a exploração e maus tratos a um grupo significativo de emigrantes que viviam e trabalhavam numa situação de escravatura é uma ignomínia.

Os responsáveis deste crime sem nome, certamente pessoas de bem, contavam com a conivência activa e bem paga de elementos das forças de segurança numa situação que, evidentemente, não podia passar despercebida na comunidade ou comunidades em que se verificava.

Esta gente que vem fazer o que muito poucos de nós querem fazer, ainda é insultada e vitimizada por irresponsáveis xenófobos, racistas e ignorantes.

Não é uma situação nova, têm sido recorrentes as referências a situações inaceitáveis de exploração e maus-tratos e em condições degradantes envolvendo muito frequentemente cidadãos estrangeiros.

São vitimizados por redes organizadas de “tráfico” de mão-de-obra e estarão nestas circunstâncias milhares de cidadãos estrangeiros. Nas primeiras levas surgiram muitos cidadãos oriundos de países de leste e africanos e mais recentemente de países asiáticos.

A escandalosa e irresponsável política (?!) em matéria de agricultura e ambiente estarão gradualmente a transformar o Alentejo, o Algarve também, num deserto, mas que neste momento alimenta quilómetros e quilómetros de culturas intensivas e depredadoras que para já exigem mão-de-obra não existente no país e a prazo condenarão os alentejanos a viver no deserto. Os responsáveis assobiam para o lado e, por vezes, parecem virgens ofendidas face a algo que toda gente conhecia.

Este cenário, o tráfico de pessoas e a exploração quase escravizante, tal como a fome, é das matérias que maior embaraço pode causar em sociedades actuais e deveria ser algo de improvável no séc. XXI em sociedades desenvolvidas. Parece algo “fora do tempo” e de impossível existência nos nossos países, estamos a falar da Europa. Mas existe e é sério o problema que, como não podia deixar de ser, atinge os mais vulneráveis.

Este negócio, o tráfico e exploração de pessoas de todas as idades, um dos mais florescentes e rentáveis em termos mundiais, alimenta-se da vulnerabilidade social, da pobreza e da exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate à pobreza e, caso evidente em Portugal, às enormes assimetrias na distribuição da riqueza. Também por isso, são recorrentes as notícias de portugueses usados como escravos em explorações agrícolas espanholas ou redes de contratação de trabalhadores da construção civil para países do primeiro mundo europeu.

Estes tempos são marcados por competição, diminuição de direitos e apoios sociais, pressão sobre a produtividade. Tudo isto é submetido a um deus mercado que não tem alma, não tem ética, é amoral e pode alimentar, sem particulares sobressaltos, algumas formas de escravatura mais "leves" ou, sobretudo em casos de particular fragilidade dos envolvidos, bastante pesadas.

As pessoas, muitas pessoas, apenas possuem como bem a sua própria pessoa e os mercados aproveitam tudo. Por isso, se compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a idade, e as necessidades de "consumo" ou "produção" exigirem. O que parece ainda mais inquietante é o manto de silêncio e negligência, quando não cumplicidade, que frequentemente cai sobre este drama tornando transparentes as situações de exploração ou escravatura, não se vêem, não se querem ver.

Neste universo não conseguimos ouvir o coro dos escravos, não têm voz.

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

DA VIOLÊNCIA EM CONTEXTO ESCOLAR

 As questões relativas à violência em contexto escolar estão permanentemente na agenda e constituem uma das preocupações mais sérias no universo da educação. Os tempos que vivemos, os modelos sociais e culturais que se vão instalando, os contextos políticos, os discursos e comportamentos extremistas contribuem para a criação de contextos institucionais que alimentam comportamentos disruptivos que, naturalmente, também chegam às escolas.

 Algumas notas começando por reflectir sobre a condição de professor nos tempos que correm. Como muitas vezes aqui tenho referido, algumas dimensões das políticas educativas dirigidas aos professores nos últimos anos, uma boa parte dos discursos dos líderes sindicais e os discursos ignorantes e irresponsáveis de alguns "opinion makers" têm dado um bom contribuo para que, em termos sociais, a imagem dos professores se fragilize. Este processo mina de forma muito significativa a relação que pais e alunos têm com os professores, ou seja e sendo deselegante, "uma classe de gente que não trabalha", "que não se interessa pelos alunos", "que não quer ser avaliada", etc., (basta ver muitos dos comentários on-line a notícias que envolvem professores), não é, obviamente uma classe que mereça respeito pelo que se instala de mansinho um clima de reacção, desconfiança e fraqueza que minimizam o exercício da autoridade. Os pais e alunos que agridem e ofendem professores são uma espécie de "braço armado" dessa imagem social induzida.

Por outro lado, a cultura profissional e institucional em boa parte das nossas escolas e agrupamentos, a asfixiante carga burocrática alimentam um trabalho muito individualizado sustentando níveis de cooperação e partilha e apoio profissional abaixo do que seria desejável. As razões serão várias e não cabem aqui, mas creio que justificam, muitas vezes, a não realização de queixas de incidentes, muitas vezes graves, por receio de exposição e demonstração de fragilidades face a colegas e responsáveis, o que uma cultura de maior cooperação atenuaria. Acresce ainda que, por desatenção, incompetência ou negligência muitas direcções de escolas e agrupamentos não vão muito longe na definição de dispositivos de apoio embora também saibamos das sérias limitações causadas pela falta de professores.

Finalizando e, independentemente, da criminalização das ofensas físicas a professores, urge caminhar no sentido de reconstruir a imagem social dos professores como fonte imprescindível de autoridade, saber e importância e, paralelamente, incentivar a construção nas escolas de dispositivos leves e ágeis de apoio aos professores de forma que cada um não se sinta entregue a si próprio e com receio de "enfrentar" os alunos e os pais, às vezes colegas ou directores, a pior das situações em que um docente se pode sentir.

Importa ainda que as políticas públicas de educação apostem seriamente nos recursos, designadamente, técnicos e assistentes, que na generalidade das comunidades educativas estão em falta.

Em termos mais globais, também sabemos que a escola é, será sempre, um reflexo do contexto económico, social e cultural, bem como do sistema de valores em que se integra. Neste quadro, em tempos de violência, crispação, intolerância, extremismo, a escola também reflecte esse clima. Em tempos de sentimento de insegurança, a escola espelha essa insegurança, em tempos de sentimento de impunidade, a escola espelha esse sentimento de impunidade. Por tudo isto não é possível, como alguns discursos o fazem, responsabilizar exclusivamente a escola, por estas situações. A escola fará certamente parte da solução, mas não é, não pode ser, A solução, esta passará por intervenções concertadas no âmbito das comunidades.

Um segundo aspecto prende-se com o trabalho com as famílias. Muitos casos de violência na escola estão associados, não estou a falar de uma relação de causa-efeito, à acção negligente ou menos competente por parte das famílias. Continuo fortemente convicto que nas escolas deveriam ser criados dispositivos, com recursos, humanos e de tempo por exemplo, para trabalho sistemático e estruturado com as famílias. Com as metodologias mais frequentes, reuniões de pais e convocatória para famílias problemáticas irem à escola, que se revelam ineficazes, a maioria dos pais nem sequer aparece, creio que será muito difícil alterar ou, pelo menos, minimizar os efeitos das variáveis familiares nos comportamentos dos miúdos.

Uma outra questão ainda dentro da instituição escola prende-se com o facto conhecido de que os problemas mais significativos sentidos nas escolas, indisciplina, violência, delinquência, bullying, etc. ocorrem, obviamente, nas salas de aula e, sobretudo nos espaços de recreio. Deixando de lado, de momento, o interior da sala de aula parece-me fundamental que se dê atenção educativa aos tempos e espaços de recreio escolar.

Em muitas escolas a insuficiência de assistentes operacionais não permite a ajustada supervisão desses espaços. Por outro lado, a sua formação em matérias como supervisão educativa e mediação de conflitos, por exemplo, e, ou, o entendimento que têm das suas competências, muitas não valorizadas pela própria comunidade, leva a alguma negligência ou receio de intervenção.

Entendo que os recreios escolares são dos mais importantes espaços educativos, aliás, muitas das nossas memórias da escola, boas e más, passam pelos recreios.

Os caminhos que a escola percorre são da responsabilidade de todos, ministério, sindicatos, direcções de escola, pais, professores, técnicos, auxiliares, alunos, ou seja, de toda a comunidade.

quinta-feira, 27 de novembro de 2025

O CANTE, A ALMA DO ALENTEJO

 Os tempos vão muito duros, inquietam e preocupam face ao que virá. No entanto, até por uma questão de saúde mental e confiança importa que continuemos atentos ao que existe mais fora da nossa atenção.

Cumprem-se onze anos da decisão do Comité Intergovernamental da UNESCO para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial da Humanidade que reconheceu o Cante Alentejano como património cultural imaterial da humanidade.

É verdade que a humanidade não tem sido particularmente cuidadosa com o seu património e consigo própria, mas deixou-me contente este reconhecimento da alma alentejana, o Cante.

Sendo o Alentejo uma paixão, o cante é também a banda sonora dessa paixão.

Como disse na altura, parece particularmente interessante para nós portugueses que duas formas de expressão vocal tão densas e expressivas como o Fado e o Cante Alentejano obtenham esta visibilidade.

Uma moda muito conhecida aqui do meu Alentejo.






quarta-feira, 26 de novembro de 2025

VIDA INDEPENDENTE

 Hoje realiza-se uma reunião de elementos de associações ligadas aos Centros de Vida Independente com a secretária de Estado da Acção Social e Inclusão, Clara Marques pelo que foi desconvocada uma manifestação em frente da Assembleia da República.

Está em causa o aumento dos recursos disponíveis para os Centros de Apoio à Vida Independente e dos apoios que permitam acesso aos Assistente Pessoais para quem se exige carreira e remuneração ajustada.

Retomo umas notas que muitas vezes aqui tenho deixado, recordando o que escrevi em 5 de Maio, o Dia Europeu da Vida Independente, em que se realizaram manifestações em oito cidades portuguesas com o objectivo de "chamar a atenção para um conjunto de questões que continuam por resolver no que diz respeito aos direitos das pessoas com deficiêncial".

Na verdade, tantas vezes digo e repito, a vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de forma inaceitável a limitação na mobilidade que a sua condição, só por si, pode implicar. No entanto, muitos dos obstáculos não têm apenas a ver com barreiras físicas, remetem para a falta de senso, incompetência ou negligência com que gente responsável(?) lida com estas questões.

Muitos destes obstáculos estão associados ao que as comunidades e as suas lideranças, políticas por exemplo, entendem ser os direitos, o bem comum e o bem-estar das pessoas, de todas as pessoas.

Como é evidente, existem muitas outras áreas de dificuldades colocadas às pessoas com deficiência, designadamente apoios sociais, educação, qualificação profissional e emprego, habitação, em que a vulnerabilidade e os riscos de exclusão e pobreza são elevados traduzido em taxas de desemprego entre pessoas com deficiência muitíssimo superiores à verificada com a população sem deficiência.

Umas questões críticas também consideradas prende-se comos apoios à vida independente, designadamente o apoio para as pessoas tenham acesso a assistente pessoal, "A vida independente, para ser possível, é preciso ter o direito à habitação, é preciso ter acesso à habitação, aos transportes, à educação inclusiva, ao trabalho, mas há uma ferramenta que é fundamental, que é a assistência pessoal". Alguns milhares de pessoas aguardam o acesso a assistente pessoal.

Como tantas vezes tenho afirmado e escrito durante décadas, a inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis, autodeterminação e autonomia e independência.

As pessoas com deficiência não precisam de tolerância, não precisam de privilégios, não precisam de caridade, precisam só de ter os seus direitos considerados. Os direitos não são de geometria variável cumprindo-se apenas quando é possível ou numa lógica de serviços mínimos que mascara a realidade.

Este é o caderno de encargos que nos convoca a todos.

terça-feira, 25 de novembro de 2025

NÃO TORTUREM A HISTÓRIA

 Vivemos tempos duros, muito duros, marcados pelo extremismo e intolerância. As democracias parecem estar a ser revistas em baixa, submersas pela desinformação e mudança de valores e cultura que pareciam adquiridos ainda que, naturalmente, em evolução nada seja definitivo.

Tortura-se a realidade e a história para que ela confesse ser o que alguns querem que seja.

Não, todos os dias da história são importantes, mas “o dia inicial inteiro e limpo onde emergimos da noite e do silêncio”, foi aquele dia, o dia 25 de Abril de 1974.

Não torturem a história.

A História não vos absolverá.

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

A LER, "A ESCOLA PÚBLICA ESTÁ EM QUEDA E O PAÍS RESIGNOU-SE"

 Merece leitura e reflexão o texto de Paulo Prudêncio no Público, “A escola pública está em queda e o país resignou-se

Na verdade, as políticas públicas de educação não têm acautelado a importância única e crítica da qualidade da escola pública.

O mundo está doente e feio.

Talvez seja de recordar a ideia atribuída a Mandela, a educação e o ensino são as mais poderosas armas para mudar o mundo.

 

domingo, 23 de novembro de 2025

A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA QUE PERMANECE INDOMESTICÁVEL. Mais uma vez

 Desculpem a insistência, ainda há pouco aqui deixei umas notas, mas existem matérias que não podem, não devem, sair da agenda de preocupações em termos de cidadania e, obviamente, das prioridades das políticas públicas. A violência doméstica é uma dessas questões e retomo o que tenho escrito.

Lê-se no Expresso que, de acordo com dados da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, a GNR e a PSP registaram até 30 de Setembro 25327 episódios de violência doméstica, o valor mais elevado dos últimos sete anos, no mesmo período, Janeiro a Setembro. Entre 1 de Julho e 30 de Setembro, as forças de segurança registaram 10558 situações. Também neste período foram registados cinco homicídios em contexto de violência doméstica, aumentando para 18 o número de mortos este ano, 16 mulheres e dois homens.

Também como já aqui tinha referido, entre Abril e Junho, a PSP e a GNR receberam, em média, 86 queixas por dia relativas a violência doméstica, num total de 7713 denúncias que chegaram às autoridades. Estes indicadores revelam uma subida face ao primeiro trimestre, mais 657 queixas, de acordo com dados do Portal da Violência Doméstica, da Comissão para Cidadania e Igualdade.

São dados impressionantes e os tempos que vivemos não permitem grande optimismo. Acresce que, para além de sabermos que a violência doméstica está habitualmente no topo das participações, este mundo é bem mais denso e grave que a realidade que conhecemos, ou seja, aquilo que se conhece, apesar de recorrentemente termos notícias de casos extremos, é "apenas" a parte que fica visível de um mundo escuro que esconde muitas mais situações que diariamente ocorrem numa casa perto de nós.

Por outro lado, para além da gravidade e frequência com que continuam a acontecer episódios trágicos de violência doméstica e como recorrentemente aqui refiro, é ainda inquietante o facto de que alguns estudos realizados em Portugal evidenciam um elevado índice de violência presente nas relações amorosas entre gente mais nova mesmo quando mais qualificada. Muitos dos intervenientes remetem para um perturbador entendimento de normalidade o recurso a comportamentos que claramente configuram agressividade e abuso ou mesmo violência.

Importa ainda combater de forma mais eficaz o sentimento de impunidade instalado, as condenações são bastante menos que os casos reportados e comprovados, bem como alguma “resignação” ou “tolerância” das vítimas face à situação de dependência que sentem relativamente ao parceiro, à percepção de eventual vazio de alternativas à separação ou a uma falsa ideia de protecção dos filhos que as mantém num espaço de tortura e sofrimento. Felizmente este cenário parece estar em mudança, mas demasiado lentamente. Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época.

Torna-se criticamente necessário que nos processos de educação e formação dos mais novos possamos desenvolver esforços que ajustem quadros de valores, de cultura e de comportamentos nas relações interpessoais que minimizem o cenário negro de violência doméstica em que vivemos. A educação, a cidadania e o desenvolvimento que sustentam constituem a ferramenta de mudança mais potente de que dispomos.

É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos curriculares. Percebe-se, também por estas questões, a importância da abordagem do universo da “Cidadania e Desenvolvimento” na educação escolar e para todos os alunos. Seria ainda desejável que a ignorância e o preconceito não inquinassem a discussão.

Entretanto, torna-se fundamental a existência de dispositivos de avaliação de risco e de apoio como instituições de acolhimento suficientes e acessíveis para casos mais graves, um sistema de protecção e apoio eficiente aos menores envolvidos ou testemunhas destes episódios, e, naturalmente, um sistema de justiça eficaz e célere.

A omissão ou desvalorização destas mudanças é a alimentação de um sistema de valores que ainda “legitima” a violência nas relações amorosas, que a entende como “normal”. Tudo isto tem como efeito a continuidade dos graves episódios de violência que regularmente se conhecem, muitos deles com fim trágico.

Apesar da natureza estranha e complexa dos dias que vivemos, é fundamental não esquecer que questões como estas devastam o quotidiano ou a vida de muita gente. Pode estar a acontecer numa casa ao nosso lado.

Neste contexto, é também de registar a iniciativa há tempo divulgada de criar um primeiro instrumento legal de âmbito europeu para combater a violência doméstica e contra as mulheres.

sábado, 22 de novembro de 2025

DUAS MÃES, DOIS PAIS

 O Público tem hoje uma peça que assinala os dez anos da aprovação por parte da Assembleia da República a adopção de crianças por casais de homossexuais. A lei viria a ser aprovada a 29 de Fevereiro de 2016.

Desde então foram adoptadas 71 crianças um número não muito expressivo face a um total de 1614 crianças adoptadas, mas, com alguma contenção durante a pandemia, o número tem vindo aumentar.

Julgo que é de sublinhar esta mudança e este trajecto, tanto mais que estamos num tempo em que o quadro de valores está a ser revisto em baixa, a boçalidade, a ignorância, a homofobia ou preconceito informam os discursos amplificados sem pudor e que marcam o tempo. Já não é só a ignorância, é mais do isso, é o desprezo e negação da ciência pela ciência e pior, pelo outro que é diferente, na cor da pele, na religião, na língua (algumas),na identidade sexual, em suma, por quem não pertence à nova tribo da “pessoa de bem” que de pessoa tem pouco e de bem tem nada.

De facto, para além dos discursos anónimos ou identificados, mais ou menos equilibrados, mais ou menos boçais, mais ou menos ignorantes ou conhecedores, mais ou menos sofisticados e assentes, de forma aparente ou efectiva, em ciência, ficarão sempre os valores e a forma como se olha o mundo para sustentar muito do que continua a ouvir-se. Não será grave, pelo contrário, parece-me normal e legítimo, mas importa assumir que se trata de valores e não de ciência.

Nestes tempos ainda parece necessário retomar o argumentário contra a adopção e que se organiza em torno de três grandes ideias, a eventual dificuldade da criança em lidar com a sua orientação sexual, a vulnerabilidade psicológica e o risco de problemas de comportamento e também o risco acrescido de serem alvo de discriminação, por exemplo, em contextos escolares.

Como a generalidade dos estudos e múltiplas organizações científicas e profissionais na área da saúde e da educação têm demonstrado e divulgado, cito por exemplo que a Associação Americana de Psicologia aprovou em 2004 uma resolução ou uma referência à Associação Americana de Psiquiatria que em 2010 afirmava "apoiar as iniciativas que permitam a casais do mesmo sexo adoptar e co-educar crianças".

Também em 2014 a Ordem dos Psicólogos de Portugal referiu em parecer que "os resultados das investigações psicológicas apoiam a possibilidade de co-adopção por parte de casais homossexuais, uma vez que não encontram diferenças relativamente ao impacto da orientação sexual no desenvolvimento da criança e nas competências parentais". Na mesma linha foi divulgada mais recentemente uma outra revisão de estudos sobre esta matéria mostrando que a homoparentalidade não afecta o desenvolvimento das crianças.

Podemos também lembrar que a maioria das pessoas homossexuais terá sido educada em famílias heterossexuais, que existem muitas crianças com sérios problemas emocionais e vulnerabilidade psicológica, a experimentarem condições de mal-estar devastador integrando situações familiares heterossexuais ou, finalmente, que existem múltiplos casos de crianças discriminadas por variadas razões em contexto escolar o que não nos faz retirar, por princípio, as crianças da escola, mas, pelo contrário, combater a discriminação, sejam quais forem as circunstâncias.

Do meu ponto de vista e de uma forma propositadamente simples, a questão central é que o que faz com toda a certeza mal às crianças, é serem maltratadas e os maus tratos não decorrem do tipo de famílias, mas da competência humana e educativa, por assim dizer, de quem delas cuida, pais, mães ou educadores.

Quando as crianças são bem tratadas e crescem com adultos que gostam delas, as protegem e as ajudam a crescer, elas encontram caminhos para lidar com dois pais ou com duas mães.

Insisto, o que as crianças terão dificuldade em resolver é ter por perto adultos, heterossexuais ou homossexuais, que não gostam delas, que as maltratam, negligenciam, abandonam, etc. Isso é que faz mal às crianças.

O resto é uma discussão não conclusiva, assente em valores de que não discuto a legitimidade, mas que não podem ser confundidos com ciência ou com um discurso de defesa das crianças de males que estão por provar.

Parece bem mais importante defendê-las dos males comprovados e que todos os dias desfilam aos nossos olhos.

Muitas destas notas não são novas, também fizeram parte de um artigo de opinião no Público há já uns bons anos. Enquanto for necessário, voltarei, insistindo.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

A NOSSA NECESSIDADE DE CONSOLO

 O Público divulga alguns dados de um estudo, “Os portugueses e os seus afectos: será que nos entendemos?”, promovido pela marca Mimosa do grupo Lactogal com o Professor Daniel Sampaio como consultor científico. O estudo centra-se na forma como sentem pessoas de gerações diferentes, filhos, pais, avós as suas relações familiares.

Em síntese, sete em cada dez adultos sentem que no seu contexto familiar existem relações de afecto não globalmente satisfatórias. Cerca de 44%, mais de quatro em dez inquiridos dizem que gostariam de ter melhores relações com, pelo menos, mais um elemento da família. Os pais e as mães são as figuras familiares com quem a maioria dos inquiridos expressa gostariam de estar mais ligados.

São as pessoas entre os 18 e os 34 anos que expressam o desejo de maior ligação afectiva com os pais como, reciprocamente, a partir dos 55 anos os pais expressam um desejo de maior ligação afectiva com os filhos. São ainda interessantes outros indicadores mais finos.

À medida que lia a peça surgia na minha cabeça a ideia de “consolo” ou, pela negativa, “desconsolo” que ilumina a relação entre as pessoas.

A minha avó Leonor usava com muita frequência o termo desconsolo para caracterizar qualquer situação ou facto que considerasse menos positivo, "está um frio que é um desconsolo", "não faças isso, é um desconsolo", "são pessoas infelizes, é um desconsolo". Se ela estivesse connosco agora muito mais desconsolo haveria de encontrar. Os tempos são tempos de muito desconsolo, como este trabalho sugere nos contextos familiares.

Stig Dagerman acha que a "nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer". Se se entender como ele que "só existe uma consolação verdadeiramente real: a que me diz que sou um homem livre, ser inviolável, soberano dentro dos seus limites", então estaremos condenados ao desconsolo, um homem livre, inviolável, soberano, parece do domínio da utopia e os tempos são os da absurdidade de que fala António Vieira.

No entanto, sou um tipo moderadamente optimista, quando olho para miúdos pequenos que estão a aprender a ser gente, os meus netos por exemplo, gosto de acreditar que não estarão condenados ao desconsolo. Talvez possamos ser menos exigentes que Dagerman no seu angustiado opúsculo, talvez possamos encontrar consolo, algum consolo.

Do meu ponto de vista a dignidade e o afecto são fontes fundamentais de consolo e acho que para muitos de nós a dignidade e o afecto serão alcançáveis, devendo mesmo ser exigidos.

É, se não deixarmos que nos roubem a dignidade e se encontrarmos o Outro a nossa necessidade de consolo é possível de ser cumprida, quase.

quinta-feira, 20 de novembro de 2025

A HISTÓRIA DO MANEL

 Ontem em conversa com um dos meus netos, o Tomás, no 4.º ano de escolaridade, perguntou-me se eu tinha sido bom aluno. Como não gosto de mentir, respondi que tinha sido um aluno mais ou menos. Não comentou, mas acho que ficou um bocadinho decepcionado. Ele não conhecia a história do Manel. É assim.

Um dia destes o Manel cruzou-se com o Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros e, como acontece com os amigos, mesmo o intervalo curto deu para dois dedos de conversa.

Então Manel, tudo a correr bem?

Olá Professor Velho, tudo a correr muito bem, estou com notas mais ou menos.

Não entendo, está tudo a correr muito bem, mas tens notas mais ou menos, como é isso?

Velho, vê-se mesmo que és professor, o melhor é ser um aluno mais ou menos. Pensa lá. Se eu tiver umas notas melhores e umas notas piores às vezes, não chumbo e ninguém me chateia quando não tenho notas altas, se a Joana que tem quase sempre mais de 90% tiver uma nota baixa toda a gente repara. Se eu nem sempre faço o trabalho de casa, os setores já não se admiram nas vezes que não faço. Às vezes não me porto muito bem e os setores, sabem que eu sou assim, só às vezes, e até me dizem que estão contentes comigo quando me porto bem. Os alunos que são bons sempre têm sempre que ser bons, é secante. Percebes Velho?

Acho que sim, posso fazer-te uma pergunta?

Depressa, que eu tenho que ir para a sala.

Tenho ideia de que vocês gostam da professora Manuela, é verdade?

É mesmo. A setora é mesmo fixe, ensina bem, fala com a gente, a gente gosta dela bué.

Certo. E se ela fosse uma professora mais ou menos, assim mais ou menos fixe, ensinasse mais ou menos, falasse mais ou menos com vocês, ainda gostavam dela bué, como tu dizes?

Quer dizer ... Velho, tenho mesmo que ir para a sala, a setora está mesmo a chegar.

Não sei se devia ter contado a história ao Tomás. É melhor que não, ele é bom aluno.

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

PROJECTOS, PLANOS, EXPERIÊNCIAS INOVADORAS, PROGRAMAS E OUTRAS COISAS MAIS

 Em linha com o Projecto GAP iniciado em 19/20, a Fundação Gulbenkian está a lançar um novo Projecto destinado a promover o sucesso educativo de alunos pertencentes a comunidades mais desfavorecidas social e economicamente.

Numa primeira fase serão criados três Centros de Estudo Gulbenkian no Bairro Padre Cruz, em Lisboa, no Bairro do Zambujal, na Amadora e no Vale da Amoreira, na Moita.

O objectivo será providenciar explicações que promovam o sucesso escolar dos alunos que integrarão o projecto, 90 nesta fase, estando os professores-explicadores a ser recrutados para que se “forneçam explicações de alta qualidade”.

De acordo com o referido na página da Fundação, o trabalho a desenvolver pelos Centros de Estudo Gulbenkian envolverá:

Apoio escolar personalizado - Tutoria em Português, Matemática e Inglês, assegurada por professores e explicadores qualificados.

Ligação escola–família–comunidade - Criação de pontes entre os diferentes contextos de vida das crianças, promovendo interacções positivas e a detecção precoce de comportamentos de risco.

Mentoria - Acompanhamento por jovens e adultos de referência – incluindo Bolseiros Gulbenkian – que ajudam a desenvolver competências pró-sociais.

Actividades culturais e de descoberta - Programas extracurriculares que ampliam horizontes, como visitas de estudo, experiências culturais e actividades fora do bairro

Lembrei-me de José Afonso, “seja bem-vindo quem vier por bem”, e registo e saúdo todas as iniciativas que possam contribuir para minimizar ou erradicar problemas ou dificuldades, mas já me falta convicção no impacto do modelo frequentemente  seguido.

Para cada constrangimento ou dificuldade percebida nas e pelas escolas e com regularidade, aparece vindo de fora ou gerido de fora, um Plano, um Projecto, um Programa, uma Iniciativa, as combinações são múltiplas, destinado a essa problemática.

Durante as últimas décadas, perco a conta a planos, projectos, programas, experiências inovadoras que chegaram às escolas para combater o insucesso ou, pela positiva, promover o sucesso, promover a leitura e escrita, promover a matemática, promover a educação científica, promover a educação inclusiva, erradicar ou minimizar o bullying, a relação entre escola e pais e encarregados de educação, promover a expressão artística e a criatividade, promover comportamentos saudáveis, a cidadania, o ambiente, actividades desportivas, literacia financeira e outras, promover a inovação e as novas tecnologias, para não falar de iniciativas mais "alternativas", por assim dizer, e que têm poderes mágicos, parece. A lista enunciada é apenas exemplificativa.

Com demasiada frequência muitos destes projectos vêm de fora das escolas, as origens são variadas, não chegam a envolver a gente das escolas, esmagada pelo trabalho, burocracia e outros constrangimentos como, por exemplo, assegurar da melhor forma possível o dia-a-dia do trabalho educativo que tem de ser realizado.

Também com demasiada frequência muitos destes projectos morrem de “morta matada” ou de “morte morrida”, não são avaliados de forma robusta e dão umas fotografias ou vídeos que compõem o portfólio dos organizadores e proporcionam uma experiência que se deseja positiva aos intervenientes no tempo que durou, mas sem impacto significativo na comunidade.

Todavia, preciso de afirmar que muitos destes Planos, Projectos, Inovações, etc. dão origem a trabalhos notáveis que, também com frequência, não têm a divulgação e reconhecimento que todos os envolvidos mereceriam.

Também demasiadas vezes estas iniciativas consomem recursos com baixo retorno e ao serviço de múltiplas agendas.

Ponto.

Tenho para mim, que não podendo a escola responder a todas as questões que afectam quem nelas passa o dia poderia, ainda assim, fazer mais se os investimentos feitos no mundo à volta da escola e que lhe vem bater à porta com propostas fossem canalizados para as escolas. Sim, não esqueço a questão crítica da formação de professores, mas também ela surge por incompetência das políticas públicas de educação que os responsáveis teimam em branquear

Com real autonomia, com mais recursos e com modelos organizativos mais adequados as escolas poderiam fazer certamente mais e melhor que quem vem de fora numa passagem transitória, mais ou menos longa, mas transitória. Sim, tudo isto deveria ser objecto de escrutínio, regulação e avaliação também externa, naturalmente.

Escolas com mais auxiliares, auxiliares informados e formados podem ter um papel importante em diferentes domínios.

Directores de turma com mais tempo para os alunos e menos burocracia poderiam desenvolver trabalho útil em múltiplos aspectos do comportamento e da aprendizagem.

Psicólogos e outros técnicos em número mais adequado, o que se verifica é inaceitável, poderiam acompanhar, promover e desenvolver múltiplas acções de apoio a alunos, professores, técnicos e pais.

Mediadores que promovessem iniciativas no âmbito da relação entre escola, pais e comunidade seriam, a experiência mostra-o, um investimento com retorno.

São apenas alguns exemplos de respostas com resultados potenciais com um custo que talvez não seja superior aos custos de tantos Projectos, Planos, Programas ou Iniciativas Inovadoras destinadas a múltiplas matérias e com custos associados de “produção” que já me têm embaraçado, mas a verdade é que as agendas e o marketing têm custos.

Na verdade, a “Projectite”, sobretudo vinda de fora, é uma opção com pouco potencial apesar, insisto, das boas experiências que felizmente também existem e que também desejo que sejam  os Centros de Estudo Gulbenkian.

terça-feira, 18 de novembro de 2025

DO SOZINHISMO

 A GNR divulgou dados da operação Censos Sénior 2025, realizada entre os dias 1 de Outubro e 16 de Novembro. Foram sinalizados mais de 43 mil idosos que vivem sozinhos ou em situação de vulnerabilidade e são os distritos do interior que revelam maior número de situações.

Tenho setenta e um anos, o privilégio de viver com a minha companheira de sempre, família próxima que inclui a magia da avozice, saúde que permite alguma actividade diversa sobretudo no monte no Alentejo, algum contacto com amigos e colegas, enfim, aquilo me faz sentir tão bem quanto possível.

Portugal é, dados do Eurostat, o segundo país com maior percentagem de população idosa da EU depois da Itália e, muito provavelmente, os dados do Censos Sénior 2025 pecarão por defeito.

Felizmente, nem todos os idosos vivem sós, muitos vivem em instituições, a solidão da velhice atinge muitos de nós.

Num tempo em que toda a gente parece integrar uma ou várias redes sociais parece estranha a referência à solidão que, como sabemos, se pode tornar numa condição de alto risco. Muitos trabalhos identificam consequências sérias da solidão, quer na saúde física, quer na saúde mental.

De facto, a solidão, o sozinhismo, é uma condição que afecta imensa gente de várias idades, mesmo nos mais novos, mas que atinge com particular incidência os mais velhos e tem vindo a acentuar-se na sequência da alteração dos estilos de vida e dos valores que tecem a vida das comunidades nas quais se vai perdendo as relações de vizinhança.

No entanto a questão agrava-se com os muitos que, para além de viverem sós, vivem isolados. São sobretudo estes que o sozinhismo ataca.

De facto, algumas pessoas, por condições económicas, dignidade e preservação da autonomia vivem sós, mas não estão isolados. Outros acumulam, vivem sós e isolados, por impotência, falta de recursos ou de família.

Apesar do que consta nas certidões de óbito, especialmente nos tempos do frio, estou convencido que a verdadeira causa da morte de muitos velhos é o sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, que perderam o amparo. Sendo certo que aflige especialmente os velhos, mas não apenas os velhos.

Trata-se de uma doença moderna, cujas causas são conhecidas, cujo terapia também está encontrada, mas que parece difícil combater. Estão em queda as relações de vizinhança e a vivência comunitária, fontes privilegiadas de protecção dos mais velhos.

Quem não vive só, isolado, mais facilmente resiste às mazelas de diferente natureza que a idade traz quase sempre. As pessoas são, espera-se, fonte de saúde e calor. E o frio que está neste tempo aumenta a necessidade desse calor.

Reafirmo que, embora tenha referido mais em particular a situação dos velhos, o sozinhismo também ataca crianças e jovens com consequências por vezes devastadoras.

Na verdade, o sozinhismo poderá ser verdadeiramente a causa ou o gatilho de problemas para muita gente.

No entanto e como sempre, para além das necessárias políticas sociais emergentes do estado e das instituições privadas de solidariedade impõe-se a percepção pelas comunidades, designadamente pelas famílias, do drama da solidão e do isolamento.

É sempre questão de redes sociais, mas não das virtuais que ainda assim poderiam dar uma ajuda.

Lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.

Este país não estando a ser para jovens vai ter de ser para velhos.

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

DA PROVA DE OBSTÁCULOS

 Há dias uma peça do Público abordava a questão das enormes dificuldades que as pessoas com deficiência sentem na utilização dos comboios da CP em diversas linhas e estações.

Lamentavelmente, nada de novo. Como tantas vezes aqui tenho afirmado a vida das pessoas com deficiência é uma contínua prova de obstáculos em inúmeros domínios e com consequências severas para a qualidade da sua vida diária.

Talvez seja de recordar que em 8 de Fevereiro de 2017 terminou o prazo de 10 anos para que fosse cumprida a legislação que tornasse os espaços, equipamentos e vias públicas acessíveis a cidadãos com deficiência. Como sabem, entre nós as tendem a ser indicativas e não imperativas e … não acontece nada.

Conforme assinalam recorrentemente o Observatório para a Deficiência e Direitos Humanos ou a Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes são múltiplas e significativas as dificuldades enfrentadas diariamente por pessoas com mobilidade reduzida e de deslocação no acesso a vias, espaços e equipamentos públicos. É certo que muito foi feito, mas muito mais está por cumprir.

São regularmente organizadas iniciativas de diferente natureza que procuram alertar a comunidade as entidades responsáveis para esse conjunto de dificuldades e obstáculos que as pessoas com deficiência sentem, mas o impacto é baixo e lento. Os problemas das minorias são, evidentemente, problemas minoritários.

A questão afecta muitos cidadãos e envolve áreas como vias, transportes, espaços edifícios, mobiliário urbano e, sublinhe-se, a atitude e comportamento de muitos de nós.

Boa parte dos nossos espaços urbanos não são amigáveis para os cidadãos com necessidades especiais, mesmo em áreas com requalificação recente. Estando atentos identificam-se inúmeros obstáculos.

Quantas passadeiras para peões têm os lancis dos passeios rampeados ou rebaixados ajustados à circulação de pessoas com mobilidade reduzida que recorrem a cadeira de rodas?

Quantas passadeiras possuem sinalização amigável para pessoas com deficiência visual?

Quantos obstáculos criados por mobiliário urbano desadequado?

Quantas dificuldades no acesso às estações e meios de transporte público?

Quantas caixas Multibanco são acessíveis a pessoas com cadeira de rodas?

Quantos passeios estão ocupados pelos nossos carrinhos, com mobiliário urbano erradamente colocado, degradados, criando dificuldades enormes para toda a gente e em particular para pessoas com mobilidade reduzida e inúmeros obstáculos?

Quantos programas televisivos ou serviços públicos disponibilizam Língua Gestual Portuguesa tornando-os acessíveis à população surda?

Quantos Centros de Saúde ou outros espaços da Administração central ou local criam problemas de acessibilidade?

Quantos espaços de lazer ou de cultura mantêm barreiras arquitectónicas?

Quantos …?

Na verdade, apesar do muito que já caminhámos, as crianças, jovens e adultos com necessidades especiais, bem como as suas famílias e técnicos sabem, sentem, que a sua vida é uma árdua e espinhos prova de obstáculos muitos deles inultrapassáveis.

Lamentavelmente, boa parte dessas dificuldades decorre do que as comunidades e as suas lideranças, políticas por exemplo, entendem ser os direitos, o bem comum e bem-estar das pessoas, de todas as pessoas.

domingo, 16 de novembro de 2025

DOS SOLAVANCOS DA TRANSIÇÃO DIGITAL A TODO O VAPOR

 Como é sabido, as nossas políticas públicas têm como desígnio, gosto muito desta ideia do desígnio, a transição digital. Os caminhos que nos levarão ao futuro serão as estradas digitais e os algoritmos. Como tal, em todas as áreas do funcionamento das comunidades estamos em plena conversão ao digital e, naturalmente, à inteligência artificial.

É verdade que vamos tendo, como não podia deixar de ser, sobressaltos. Com demasiada frequência o terrorismo platafórmico que é contra o desenvolvimento e o futuro, desencadeia acções que deixam as nossas plataformas em dificuldades, mas nada que nos atrapalhe, para o digital a todo o vapor.

E na verdade os recursos digitais são omnipresentes e omnipotentes, estou a escrever estas notas justamente com recurso aos equipamentos digitais e é assim mesmo, “prá” frente é que é o caminho. Estamos de há muito habituados aos Velhos do Restelo e de outros sítios.

Com uma vida ligada entre os sete anos e a aposentação aos 70 à educação estou sempre mais atento a este universo e ao seu desenvolvimento até que porque acompanho de perto viagem dos meus netos pela escolaridade obrigatória.

Assim, duas ou três referências em linha com o futuro.

Na abertura da recente Websummit, Gonçalo Matias, ministro Adjunto e da Reforma do Estado prometeu a cada aluno um tutor de inteligência artificial, que, de acordo com o Ministro da Educação “ouve, orienta e inspira a aprendizagem”. Presumo que os professores, na sua esmagadora maioria, estarão particularmente entusiasmados com os seus novos ajudantes ou, quicá, novos colegas que minimizarão o efeito da falta de docentes e até, numa espécie de dois em um, dos custos da sua formação. A ver vamos.

Uma segunda referência retirada do JN.  Na Escola Secundária João Gonçalves Zarco, em Matosinhos, 26% dos alunos não tem kit informático, 348 computadores em falta. No 7.º ano nenhum aluno tem e no 8.º são mais de metade, de acordo com o director. Regista-se o enorme apoio do grupo de professores e de alunos do curso profissional de gestão de equipamentos informáticos na reparação e programação dos equipamentos. Como se percebe é um excelente exemplo de cooperação e formação com aplicação prática dos conhecimentos.

Uma outra referência, na EB 2, 3 e Secundária Padre António Morais da Fonseca, na Murtosa, apenas dois terços dos alunos têm computador funcional. A maior parte dos equipamentos estão parados em casa e a utilização dos que estão funcionais é, cada vez mais, restrita a trabalhos de grupo. Os alunos recorrem ao uso do telemóvel na sala de aula substituido os computadores.

Continuando no retrato da transição digital, segundo a presidente da CONFAP existem turmas inteiras sem kit digital atribuído pelas escola. De acordo como os presidentes das duas associações de direcções escolares, o número de computadores disponíveis é cada vez menor.

Recordo ainda que a verba destinada à instalação de equipamento das escolas para acesso à net por wi-fi saiu do PRR, mas ... são pormenores que, certamente, não atrapalharão os amanhãs que cantam em matéria de transição digital.

Finalmente, sugiro que não levem estas notas muito a sério, os amanhãs cantarão bem afinados e digitalizados. Os algoritmos não falham, mas os humanos, às vezes ... sim.

PS - A propósito, merece leitura e reflexão o texto de Pacheco Pereira, "O papel destrutivo do deslumbramento tecnológico na educação"

sábado, 15 de novembro de 2025

BRINCAR À "APANHADA", UMA ACTIVIDADE DE ALTO RISCO

 O mundo anda estranho, mesmo estranho. Leio no Público que uma mãe, em 2019 desencadeou um processo judicial que passou por três instâncias e já chegou ao Supremo, à escola particular frequentada pelo seu filho que fracturou uma perna a brincar à apanhada no recreio da escola.

A mãe, com o devido apoio jurídico, reclama na acção judicial uma indemnização de 60 mil euros alegando que o estabelecimento de ensino não cumpriu o seu dever de protecção e segurança dos alunos, apesar de estarem presentes no recreio naquele momento duas funcionárias, lê-se no Público.

Antes de mais registar que, felizmente, a criança recuperou e está bem. De resto parece uma situação da “silly season” ainda que, por assim dizer, os tempos que vivemos tenham muito de “silly”.

Felizmente, os tribunais têm decidido com bom senso nesta questão, a apanhada é uma brincadeira, provavelmente, a esmagadora maioria de nós brincou à apanhada nos átrios da escola ou na rua quando se brincava na rua, e faz parte do desenvolvimento das crianças acomodando o eventual risco que qualquer tipo de actividade possa envolver.

Aliás, na peça encontra-se uma opinião no mesmo sentido do Professor Carlos Neto, uma referência no mundo da infância desde há muitos anos sempre em defesa da importância do brincar, em particular ao ar livre.

Algumas notas.

Somos dos países da Europa em que adultos e crianças menos desenvolvem actividades no exterior contrariamente, por exemplo ao que se verifica nos países nórdicos. É verdade que esses países têm habitualmente climas bastante mais amenos que o nosso, mas, ainda assim, poderíamos ter durante mais tempo crianças e adultos a realizar actividades no exterior. Por princípio e sempre que possível, a área curricular Estudo do Meio, mas não só, poderia ser também Estudo no Meio.

Muitas experiências, incluindo em Portugal, sugerem múltiplos benefícios das actividades de ar livre. As crianças, desenvolvem maior autonomia, maior consciência ambiental e competências em dimensões como bem-estar emocional, a partilha de emoções, a autonomia, a autoconfiança, auto-regulação, a criatividade ou o pensamento crítico para além, naturalmente dos benefícios mais directamente associados a qualquer actividade física.

Embora consciente das questões como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível alguma oportunidade de “devolver” aos miúdos o circular e brincar na rua, ter mais algum tempo as crianças fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.

Creio que o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a auto-regulação, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. O brincar, o brincar na rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento, de literacia motora e promoção dessa autonomia.

Importa sublinhar a necessidade de controlar um eventual perigo que, ainda assim, é diferente do risco, as crianças também “aprendem” a lidar com o risco.

Talvez, devagarinho e com os perigos e riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para brincar na rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias.

No imperdível “O MUNDO, o mundo é a rua da tua infância”, Juan José Millás recorda-nos como a rua, a nossa rua foi o princípio do nosso mundo e nos marca. Quantas histórias e experiências muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.

É, pois, importante que todos os que lidam com crianças, em particular, os que têm “peso” em matéria de orientação, pediatras, professores, psicólogos, etc. assumam como “guide line” para a sua intervenção a promoção do brincar e do brincar na rua.

É verdade que nas nossas comunidades está muito por fazer no sentido de recuperar a “rua” para as brincadeiras dos miúdos.

Os mais novos vão gostar e faz-lhes bem.

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

CRIANÇAS E LEITURA

 Foram divulgados pelo Instituto da Educação, Qualidade e Avaliação, os resultados do Diagnóstico de Fluência Leitora realizado em Junho envolvendo 92813 alunos do 2.º ano, cerca de 95% dos alunos registados e envolveu também os alunos a frequentar ensino privado.

Considerando globalmente os resultados, os alunos leram correctamente e em média 75 palavras o que se situa no intervalo de referência considerado para o final do 2º ano de aprendizagem, 70 a 130 palavras lidas correctamente, ainda que numa zona baixa desse intervalo

No entanto, cerca de 25% dos alunos não atingiram mais do que 51 palavras o que pode significar “risco de dificuldades futuras de compreensão leitora". Sem surpresa, também se verificaram assimetrias entre alunos do ensino público e privado ou considerando os alunos de nacionalidade não portuguesa.

Como aqui referi na altura de realização do Diagnóstico, são óbvios a importância e o impacto da leitura no conjunto das diferentes literacias como também são importantes os diferentes dispositivos de avaliação externa.

A velocidade de leitura é considerada um preditor da capacidade de compreensão de leitura, mas é fundamental não esquecer dimensões essenciais como compreensão e prosódia.

A grande dificuldade é que as escolas estejam preparadas para desenvolver a intervenção e as estratégias adequadas para promoção das competências de leitura (e as outras) bem como equipadas os necessários recursos. A propósito, notícia de ontem referia que 133 turmas do 1.º ciclo continuam sem professor titular, cerca de 3000 alunos.

O MECI informou que está "a preparar um conjunto de medidas orientadas para o reforço das competências básicas de leitura nos primeiros anos de escolaridade, que serão anunciadas num evento a realizar no dia 3 de Dezembro". Provavelmente, já será trabalho para o “tutor de inteligência artificial” prometido pelo ministro Adjunto e da Reforma do Estado na abertura da Websummit. É verdade que não temos professores suficientes, recursos e equipamentos eficientes as escolas, recordo que a verba destinada à instalação de equipamento das escolas para acesso à net por wi-fi saiu do PRR, mas ... são pormenores.

Como já aqui tenho escrito, os livros e a leitura são bens de primeira necessidade para gente de todas as idades donde a insistência. Recordo sempre Marguerite Yourcenar que em “As Memórias de Adriano” escrevia “A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana.”

São múltiplos os estudos e referências que sublinham o impacto dos livros e da leitura no desenvolvimento e múltiplas competências escolares bem como no trajecto pessoal. Lamentavelmente, são também muitos os trabalhos que mostram que os hábitos de leitura são pouco consistentes entre as crianças, adolescentes e jovens como, sem surpresa, também o são entre a população em geral. Nos últimos tempos parece estar a despertar um maior interesse pelos livros, sobretudo entre os mais novos, associado a um fenómeno das redes sociais, os booktokers que lêem e divulgam livros no TikToK. Esperemos que se mantenha e fortaleça.

Os livros têm uma concorrência fortíssima com outro tipo de materiais, telemóveis, jogos ou consolas por exemplo, e que nem sempre é fácil levar as crianças, jovens ou adultos a outras opções, designadamente aos livros.

Apesar de tudo isto também sabemos que é possível fazer diferente, mesmo que pouco e com mudanças lentas.

Só se aprende a ler lendo e o essencial é criar leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, em que espaços, biblioteca, casa ou escola e em que suportes, papel ou digital.

Um leitor constrói-se desde o início do processo educativo, escolar e familiar. Desde logo assume especial importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação pré-escolar e 1º ciclo deveriam ser estimuladas, muitas vezes são, e para as quais poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações. No entanto, é preciso não esquecer e reflectir nas consequências de se ir construindo uma escola que, como referia António Nóvoa, vai ficando cada vez mais obesa e que, apesar do tempo enorme que os miúdos passam lá passam, não pode, e talvez não deva, ensinar o "imenso tudo" que parece ser necessário saber nos tempos que correm.

Apesar dos esforços de muitos docentes, a relação de muitas crianças, adolescentes e jovens com os materiais de leitura e escrita assentará, provavelmente de forma excessiva, nos manuais ou na realização de trabalhos através da milagrosa “net” proliferando o apressado “copy, paste” ou resumos disponíveis das obras que são de leitura obrigatória ou recomendada.

 Neste contexto, embora desejasse muito estar enganado, não é fácil construir miúdos ou adolescentes leitores que procurem livros em casa, em bibliotecas escolares ou outras e que usem o "tablet" também para ler e não apenas para uma outra qualquer actividade da oferta sem fim que está disponível. A iniciativa dos booktokers que referi acima pode ser um bom sinal.

Felizmente e apesar das dificuldades também importa sublinhar que se realizam com regularidade experiências muito interessantes em contextos escolares no âmbito do Plano Nacional de Leitura e da Rede de Bibliotecas Escolares com os professores bibliotecários têm desenvolvido um trabalho essencial, ou em iniciativas mais alargadas a outras entidades como autarquias e instituições culturais. Esperemos que continue a existir e os professores continuem a poder realizar o seu trabalho.

Sabemos, sem dúvida, que precisamos de criar leitores e sendo leitores irão à procura dos livros ou da leitura, mesmo em tempos menos favoráveis.

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

UM DIA CABANEIRO

 Pode parecer estranho e peço desculpa aos que sentem a sua vida complicada, mas já tinha saudades de um dia assim, cabaneiro como aqui se fala, chuva pesada, vento que assobia no telheiro e um tempo mais frio, mas que ainda não pede lenha na salamandra. Parece que vai continuar assim mais alguns dias. Dá para pouca lida e num monte, como se costuma dizer, só não trabalhamos se não quisermos, há sempre que fazer. Faz-se quando o tempo levantar, na minha idade não temos pressa.

É bom que venha a água, a água é a fonte de onde tudo vem.

Os velhos como eu gostam de dizer “como antigamente”, conversa de velho, é claro. Mas a verdade é que a chuva já não vem como antigamente, os homens e os modelos de desenvolvimento enviesados por interesses outros mexeram, mexem, com a Terra que se sente e se zanga cada vez com mais frequência. Acredito que ainda estamos a tempo de voltar aos Invernos de antigamente, depende de nós e dos que vêm a seguir a nós.

É um tempo que convida a ler coisas que estavam em lista de espera, a escrever algo não urgente, a ouvir sons menos habituais, a arrumar o que aguardava oportunidade e, sobretudo, dá disponibilidade.

São também assim, cabaneiros, os dias do Alentejo.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

QUE FAZER COM ESTES RESULTADOS?

 Depois da divulgação em Julho dos resultados globais das provas finais do 9.º ano o Instituto de Educação, Qualidade e Avaliação divulgou um relatório com uma análise mais fina das provas e também das Provas de Monitorização da Aprendizagem (Moda).

Sublinhando a importância e utilidade da divulgação, a verdade é que se mantêm alguns invariantes que as políticas públicas se revelam incapazes de atenuar de forma mais sustentada.

Assim, são claras as diferenças entre as médias de Português e Matemática obtidas pelos alunos Alentejo litoral, península de Setúbal e Açores, significativamente mais baixas que a região norte.

Também de forma previsível, os alunos que frequentam o ensino privado obtêm, em média, resultados mais elevados que os do ensino público.

No que respeita aos resultados das Provas de Monitorização da Aprendizagem (Moda) realizadas pelos alunos do 4.º e 6.º ano alguns dados.

De registar que mais de metade dos alunos do 6.º ano, 55,7%, obtêm um resultado abaixo do nível Proficiente na avaliação em a literacia em Língua Portuguesa (55,7%) e a literacia histórico-geográfica (52,4%)", refere o relatório. No que respeita à literacia em Matemática mais de metade tem um desempenho ao nível Proficiente ou Avançado, 56,2% no 4.º ano e 51% no 6.º ano.

Tal como no caso do 9.º ano também nestas provas se registam assimetrias previsíveis face ao resultado médio dos alunos que beneficiam da Acção Social Escolar, à região geográfica e à frequência de ensino público ou ensino privado.

Como disse acima, as alterações face ao que é comparável com avaliações anteriores não são significativas, ainda que volte a sublinhar a importância da sua divulgação.

A questão crítica é, como sempre, o que fazemos com estes resultados, que ajustamentos nas políticas públicas de educação, mas não só, se exigem para que se corrijam assimetrias e melhorem os resultados dos alunos.

A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores e das escolas, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e desburocratizados de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que se exige, repito, das políticas públicas.

terça-feira, 11 de novembro de 2025

E NÃO ACONTECE NADA?

 Ontem referi aqui a situação do Ruben, um adolescente de 16 anos com uma Perturbação do Espectro do Autismo, com o 9.º ano terminado e que a escola e família consideram não ser adequado o prosseguimento numa escola regular tem uma vaga para frequentar o Estabelecimento de Educação Especial da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo – APPDA de Lisboa.

Acontece que a Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (Dgest) não tem autorizado a matrícula porque não estaria garantida a questão do transporte. A família desesperava porque o aluno sempre beneficiou de transporte do Município e para continuar precisa de um comprovativo de matrícula que  … a Dgest não autorizava. A mãe informou estar disponível para assegurar o transporte, mas desde o início do ano que o Ruben está em casa.

Entretanto, um dia após a peça do Público (saiu no Domingo), o Ministério informou que a matrícula estava autorizada, notícia de hoje

Assim, o Ruben iniciará as aulas a partir de amanhã. É bom para ele e para a família.

É também positivo que a situação que se arrastava desde Outubro esteja resolvida. No entanto permanece a questão, porquê tanto tempo de espera com implicações para o aluno e família?

A voz de uma peça no Público é mais elevada que os pedidos da família? Acelera processos e decisões?

E os alunos e famílias com a voz muito baixa e com problemas que não chegam à imprensa?

E não acontece nada?

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

DIREITOS DE GEOMETRIA VARIÁVEL

 No Público encontra-se uma notícia daquelas que fala dos problemas minoritários que afectam as minorias que, como sabemos, quase sempre tem uma voz muito baixa. Quando chega à imprensa pode ser que fique um pouquinho mais elevada.

Um adolescente, o Ruben, de 16 anos com uma Perturbação do Espectro do Autismo, com o 9.º ano terminado e que a escola e família consideram não ser adequado o prosseguimento numa escola regular tem uma vaga para frequentar o Estabelecimento de Educação Especial da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo – APPDA de Lisboa.

A Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (Dgest) não autorizou a matrícula porque não estaria garantida a questão do transporte. A família desespera porque o aluno sempre beneficiou de transporte do Município e para continuar precisa de um comprovativo de matrícula que  … a Dgest não autoriza. A mãe informou estar disponível para assegurar o transporte, mas desde o início do ano que o Ruben está em casa. E não acontece nada.

A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, em variadíssimas áreas como mobilidade e acessibilidade, educação, emprego, saúde e apoio social, em que a vulnerabilidade e o risco de exclusão são enormes. Assim sendo, exige-se a quem decide uma ponderação criteriosa de prioridades que proteja os cidadãos dos riscos de exclusão, em particular os que se encontram em situações mais vulneráveis. Como frequentemente afirmo, os direitos não são de geometria variável cumprindo-se apenas quando é possível.

Reafirmo que não esqueço o que de positivo se faz, mas conheço tantas práticas e tantos discursos que alimentam exclusão e são desenvolvidas e enunciados ... em nome da inclusão. Sempre recordo o Mestre Almada Negreiros na "Cena do Ódio" quando falava da "Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões".

domingo, 9 de novembro de 2025

UMA HISTÓRIA DO TEMPO DA PALMATÓRIA (que raio de rima)

 Na última newsletter semanal do Público sobre Educação na área “AULA DE HISTÓRIA” abordava-se uma temática mesmo histórica, “Educar com ou sem palmatória?”, com um pequeno texto e muito curioso.

Felizmente, para a generalidade dos alunos de hoje as referências à palmatória surgirão em conversas como os pais ou, mais provavelmente, com os avós.

E a verdade é que o tema me fez viajar no tempo, a minha primária no início dos anos 60 e recordar uma história cujo herói, as histórias têm sempre um herói, ainda há poucos dias aqui o referi.

Na verdade, da nossa vida fazem parte alguns heróis, uns de ficção que aparecem junto de nós transportados nos livros ou nos filmes, que passam a ser companhias próximas e parceiros de aventuras, outros inventados pela fantasia que se vai modificando à medida que se cresce e outros, reais, porque em algum momento realizaram acções ou comportamentos que os tornaram heróis aos nossos olhos, às vezes, durante pouco tempo, outras vezes permanecendo com essa aura sempre que nos lembramos deles.

Um dos meus heróis reais de miúdo foi o meu amigo Fernando, colega de primária. Já vos falei dele, tinha os melhores pés para o futebol que alguma vez vi naquelas idades, ajudava-nos a ganhar quase sempre os jogos com o pessoal de fora. Era também um herói que resistia a um pai que lhe batia brutalmente, nunca me esqueci de como às vezes o víamos. Não acontecia nada, os miúdos não tinham direitos e os pais eram donos dos filhos e uma cultura de que uma tareia educa.

Mas o que o tornou mesmo o Fernando um herói foi a sua atitude revolucionária face ao terror da nossa escola, a Régua, é verdade, a Régua ou a palmatória.

O que nós sofremos com aquela Régua, apanhávamos pelos erros, pelas contas mal feitas, por atraso ou distracção, por comportamento. Podia dizer-se que levávamos reguadas por dois motivos fundamentais, por tudo e por nada. Às vezes, num requinte de fino recorte, o professor dizia a um de nós para bater no colega e se achasse que nós batíamos devagar, dava ele nos dois. Tínhamos um indescritível amor à Régua.

Um dia, o Fernando, um dos mais frequentes e bons utilizadores dos serviços da Régua trouxe uma ideia, roubar a Régua. Todos nos entusiasmámos com a lembrança e com a adrenalina da acção e a coisa foi combinada, muito bem combinada, mesmo coisa de profissionais. Um grupo pequeno, à saída, pediu ao professor para ir ver algo nas traseiras da escola enquanto o Fernando, o herói, ficou na sala e roubou a malvada Régua. Nesse dia à tarde, depois da escola, ainda não tinham inventado o dia inteiro de intoxicação escolar e ainda se brincava na rua, juntámo-nos num espaço discreto e imaginem, queimámos a Régua. O Fernando, o herói, acendeu o fósforo da fogueirinha em que a Régua se finou, merecia.

No outro dia, para não variar, o professor procurou a Régua na gaveta da secretária e, claro, não a encontrou. Vociferou, perguntou se sabíamos quem a tinha tirado, o grupo calou-se, todo, ficámos sem intervalo, mas ganhámos um herói, o Fernando.

Dias depois, apareceu uma Régua nova na sala e …

Mas isto era coisas de outro tempo.

Depois da primária nunca mais soube do Fernando e também nunca o esqueci.

sábado, 8 de novembro de 2025

CHUMBAR PARA APRENDER

 Ontem deixei umas notas a propósito dos dados divulgados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativos ao desempenho dos alunos do básico entre 2011-12 e 2023-24. Exceptuando os anos da pandemia a retenção parece revelar alguma estabilização, a taxa de retenção ou desistência foi em 23/24 de 3,9%, face a 3,8% em 23/23.

Um outro dado relevante é a dificuldade de recuperação em Matemática após uma retenção e o peso da nota de matemática na retenção. No 9.º ano apenas 29,6% dos alunos com “chumbo” conseguem nota positiva no ano seguinte e 96,6% dos alunos retidos a Matemática no 9.º ano têm nota negativa nesta disciplina.

Como escrevi quando foram divulgados os resultados deste ano, acentua-se a preocupação com o nível genérico de conhecimento dos alunos na disciplina de Matemática, área de conhecimento nuclear e que alimenta outras áreas do saber.

Hoje, uma reflexão num sentido diferente, a questão da retenção e, sobretudo, dos seus efeitos que parecem insuficientes a ver pelos resultados divulgados, apenas um em cada quatro alunos do 9.º ano tem nota positiva no ano seguinte ao “chumbo”.

Também sei pela experiência de muitos anos a abordar a questão da retenção e dos seus efeitos que rapidamente emergem os comentários falando do “passar sem saber” da “pressão para compor estatísticas”, de "têm que chumbar e trabalhar mais", de "facilitismo", etc.

Recordo que no Relatório “Low-Performing Students - Why They FallBehind and How To Help Them Succeed” divulgado pela OCDE já em 2017 evidenciava que o “chumbo”, a retenção, era, e parece que ainda é, para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram.

Insisto, chumbar não melhora os resultados dos alunos independentemente de situações individuais bem-sucedidas.

O peso da retenção no nosso sistema escolar parece assentar na errada convicção de que a repetição só por si conduz ao sucesso e alimenta o que também a OCDE já classificou de "cultura da retenção". Importa ainda considerar o impacto económico desta cultura que diferentes estudos têm mostrado.

Confesso sempre alguma surpresa quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção de tantos alunos em cada ano, algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber".

Como me parece evidente não é dada disto. Diferentes países com taxas de retenção baixas e não consta, que os alunos transitem de ano sem conhecimentos como, aliás, se evidencia nos resultados nos estudos comparativos internacionais.

A questão é saber se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme a evidência e a experiência mostram. Muitos estudos internacionais, incluindo o nosso sistema, também mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso. Os franceses utilizam de há muito a fórmula “qui redouble, redoublera” quando referem esta questão.

Nesta conformidade e do meu ponto de vista, a questão central não será o chumba, não chumba, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional. Importa ainda que as políticas educativas sejam promotoras de condições de sucesso para alunos e professores. O número de alunos por turma no Ensino Básico e no Secundário, a forma como foram definidas as metas curriculares, a cultura de competição e centrada exclusivamente em resultados, os cortes no número de docentes que poderiam desenvolver dispositivos de apoio, são apenas alguns exemplos do que não deve ser feito se, efectivamente, se quiser promover qualidade e sucesso. Sim, eu sei da dramática falta de docentes, mas também esta questão foi resultado de políticas públicas claramente falhadas e sem responsabilidades assumidas.

Como é evidente este tipo de discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste.

Os alunos que “passam sem saber” e a quem, por razões de natureza diferente, recursos por exemplo, não é disponibilizado apoio nos anos seguintes, ou os alunos que são retidos sem que no ano seguinte também e pelas mesmas razões não acedem a apoios adequados e competentes estão condenados ao insucesso e à exclusão. Repito condenados à exclusão, quer “passem sem saber” quer chumbem porque “têm de trabalhar mais” e não “podem passar sem saber”.

Assim sendo, o essencial é promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.

É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social, replicando o velho "tal pai, tal filho". A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus. Também sabemos que miúdos que passam mal aprendem pior e chumbar só para não “passarem sem saber” ou “passarem sem saber” e esperar que melhorem  … não tem bom resultado.

É necessário também diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional, mas não em idades precoces criando percursos irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".

A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.

É o que temos de fazer acontecer em Portugal.

É o que espera das políticas públicas.