Toda a chocante sequência final de Night Moves (Um Lance no Escuro) geralmente considerado um filme-chave dos anos sombrios que começam com Nixon - ocorre num barco a motor, no Golfo do México na Flórida. Mas se a personagem principal se chama Harry, e se a história pisca o olho ao final de Ter ou Não Ter de Howard Hawks, a comparação termina aí. Só o nome do barco, o Point of View, sugere que Night Moves, realizado por Arthur Penn e estreado em salas em 1975, é tanto um filme de escritor como de cineasta. Ou mais.
A época era a da meta-literatura, do meta-cinema: visitava-se muito os plateaux de cinema nos romances (em Didion, Wurlitzer, Stone). Aqui, o antigo profissional de futebol americano tornado detective (Gene Hackman) tem de encontrar a jovem fugitiva Delly, que salta de duplo em duplo para ajustar contas com a mãe, uma antiga actriz sem talento da Universal. Mas Night Moves, de uma forma sugerida por uma cena em que Moseby mostra a Paula (Jennifer Warren) uma jogada de xadrez com os cavalos («knight moves»), é sobretudo a história de um detective privado que tropeça mais sobre a verdade do que a deduz, e que, ao fazê-lo, descobre mais coisas sobre a própria vida do que sobre as dos seus clientes. Metafísica diabólica, portanto, sob a capa de um policial.
Grande decepção. Ficaremos surpreendidos ao ler o que pensa do filme o seu criador Alan Sharp, mas esta severidade explica em parte os momentos em que as cenas não fluem tão bem como deveriam. Sharp é uma ave rara, um romancista escocês que, no início dos anos 70, começou a escrever argumentos derivativos para Hollywood, com um sucesso de que foi o primeiro a ficar surpreendido (Billy Two Hats, The Hired Hand, A Última Fuga, Ulzana, o Perseguido) de filmes que o levaram a trabalhar com Nicholson, Rafelson, Aldrich, Lancaster, Peckinpah e outros. Mas Night Moves era segundo ele o melhor argumento que tinha escrito durante este período: o mais negro e o mais ambicioso. O filme é também a sua maior decepção profissional.
Provocante. «Diz-se que Night Moves é mal conhecido mas na minha opinião é o contrário. Encontrou o seu público, que toma o filme generosamente por aquilo que é: provocante, bem feito, interpretado de forma soberba, com muitas coisas que não funcionam. Como se as pessoas vissem em filigrana aquilo que podíamos ou devíamos ter feito com ele. E por uma vez, este fracasso artístico é inteiramente culpa nossa; não há forma de atirar as culpas ao produtor, ao distribuidor ou ao público. Toda a gente lutava para entrar no filme, toda a gente estava motivada.» James Woods como mecânico, Melanie Griffith na flor dos seus 15 anos, por trás de um estendal como em E Deus Criou a Mulher...
«Eu tive a oportunidade de reescrever com Arthur Penn durante seis meses. Pensei para comigo que uma história tão em ressonância com o país lhe iria agradar. Mas nesta fase, o Arthur precisava de um sucesso comercial. O meu guião era tudo o que ele tinha à mão e não se prestava nada a isso, porque era ainda mais negro e radicalmente deprimente do que o que fizemos no final.»
Penn era demasiado artista para tomar as rédeas e fazer o próprio filme. Coisa que, comicamente, Sharp irá ao ponto de lhe reprovar. «Nunca o confrontei em relação a este assunto. O Arthur é demasiado simpático para isso. O que lhe interessava, a ele, era o casal Moseby e a mulher (Susan Clark) por razões pessoais, penso eu: ele estava em processo de divórcio. Enquanto que eu fazia girar tudo à volta de Paula, uma mulher do género de Claire Trevor ou Ida Lupino. O problema, é que o Arthur era demasiado perspicaz para não reconhecer que Paula era a personagem interessante. Mas não teve estômago suficiente para se livrar de Paula e fazer o filme que queria fazer, simplesmente a apagou, sem ter mais nada no seu lugar.»
O centro do filme é uma longa cena de sedução, impactante e vacilante ao mesmo tempo. «Vemos apenas uma fracção dela. Era um longo monólogo sobre os Kennedy e tudo isso, como o país tinha perdido a fé em si mesmo. Essa sequência era o coração do filme, dava o tom. E o Arthur rodou-a, na Flórida, um momento grandioso; Jennifer Warren está magnífica. Mas removeu-a na montagem, a conselho dos seus comparsas, Beatty, Nicholson e Rafelson, que lhe disseram que ele ia à vida com uma cena tão no limite.»
Cenas de acção impressionantes. «Ela estava no limite, mas fazia o filme. O Arthur acobardou-se. Aldrich nunca teria feito isso, mudar qualquer coisa para tornar o filme mais comercial. No entanto, entre Bob Aldrich e Arthur Penn, qual é que é considerado um artista? Não o Bob, que era mais produtor que cineasta. Mas ele teria seguido o seu instinto. O Bob não teria cedido.»
A ser revisto (a Warner acaba de lançar o DVD), o trabalho de Arthur Penn nas cenas de acção continua impressionante. E Gene Hackman no final eleva a parada. As reservas de Alan Sharp são portanto, como tinha escrito sobre o barco, uma questão de ponto de vista.
in «Libération», 26 de Agosto de 2005.