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quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

A Tropicália Revisitada

(de Marcelo Machado, 2012, 89min. Trailer.)

"O Tropicalismo foi um movimento de ruptura que sacudiu o ambiente da música popular e da cultura brasileira entre 1967 e 1968. Seus participantes formaram um grande coletivo, cujos destaques foram os cantores-compositores Caetano Veloso e Gilberto Gil, além das participações da cantora Gal Costa e do cantor-compositor Tom Zé, da banda Mutantes, e do maestro Rogério Duprat. A cantora Nara Leão e os letristas José Carlos Capinan e Torquato Neto completaram o grupo, que teve também o artista gráfico, compositor e poeta Rogério Duarte como um de seus principais mentores intelectuais. 
Os tropicalistas deram um histórico passo à frente no meio musical brasileiro. A música brasileira pós-Bossa Nova e a definição da “qualidade musical” no País estavam cada vez mais dominadas pelas posições tradicionais ou nacionalistas de movimentos ligados à esquerda. Contra essas tendências, o grupo baiano e seus colaboradores procuram universalizar a linguagem da MPB, incorporando elementos da cultura jovem mundial, como o rock, a psicodelia e a guitarra elétrica. 
Ao mesmo tempo, sintonizaram a eletricidade com as informações da vanguarda erudita por meio dos inovadores arranjos de maestros como Rogério Duprat, Júlio Medaglia e Damiano Cozzela. Ao unir o popular, o pop e o experimentalismo estético, as idéias tropicalistas acabaram impulsionando a modernização não só da música, mas da própria cultura nacional. 
Clássico estudo de Favaretto
Seguindo a melhor das tradições dos grandes compositores da Bossa Nova e incorporando novas informações e referências de seu tempo, o Tropicalismo renovou radicalmente a letra de música. Letristas e poetas, Torquato Neto e Capinan compuseram com Gilberto Gil e Caetano Veloso trabalhos cuja complexidade e qualidade foram marcantes para diferentes gerações. Os diálogos com obras literárias como as de Oswald de Andrade ou dos poetas concretistas elevaram algumas composições tropicalistas ao status de poesia. Suas canções compunham um quadro crítico e complexo do País – uma conjunção do Brasil arcaico e suas tradições, do Brasil moderno e sua cultura de massa e até de um Brasil futurista, com astronautas e discos voadores. Elas sofisticaram o repertório de nossa música popular, instaurando em discos comerciais procedimentos e questões até então associados apenas ao campo das vanguardas conceituais. 
Sincrético e inovador, aberto e incorporador, o Tropicalismo misturou rock mais bossa nova, mais samba, mais rumba, mais bolero, mais baião. Sua atuação quebrou as rígidas barreiras que permaneciam no País. Pop x folclore. Alta cultura x cultura de massas. Tradição x vanguarda. Essa ruptura estratégica aprofundou o contato com formas populares ao mesmo tempo em que assumiu atitudes experimentais para a época. 
Discos antológicos foram produzidos, como a obra coletiva Tropicália ou Panis et Circensis e os primeiros discos de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Enquanto Caetano entra em estúdio ao lado dos maestros Júlio Medaglia e Damiano Cozzela, Gil grava seu disco com os arranjos de Rogério Duprat e da banda os Mutantes. Nesses discos, se registrariam vários clássicos, como as canções-manifesto “Tropicália” (Caetano) e “Geléia Geral” (Gil e Torquato). A televisão foi outro meio fundamental de atuação do grupo – principalmente os festivais de música popular da época. A eclosão do movimento deu-se com as ruidosas apresentações, em arranjos eletrificados, da marcha “Alegria, alegria”, de Caetano, e da cantiga de capoeira “Domingo no parque”, de Gilberto Gil, no III Festival de MPB da TV Record, em 1967. 
Irreverente, a Tropicália transformou os critérios de gosto vigentes, não só quanto à música e à política, mas também à moral e ao comportamento, ao corpo, ao sexo e ao vestuário. A contracultura hippie foi assimilada, com a adoção da moda dos cabelos longos encaracolados e das roupas escandalosamente coloridas. 
O movimento, libertário por excelência, durou pouco mais de um ano e acabou reprimido pelo governo militar. Seu fim começou com a prisão de Gil e Caetano, em dezembro de 1968. A cultura do País, porém, já estava marcada para sempre pela descoberta da modernidade e dos trópicos." (Via Tropicalia.com.br)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

<<< Tropicalia ou Panis et Circenses >>>


(Manda brasa, mestre Tatit!) >>> "Sou de uma geração em que a canção brasileira lançou olhares para todos os cantos do mundo, todas as épocas, todas as idades, todas as faixas de consumo, de maneira que, volta e meia, tenho desejo de reviver essa espécie de rito de passagem para uma outra esfera cancional, muito além da sonoridade "brasileira" constituída até a bossa-nova. Tropicália é - e sempre será, ôi-iá-iá - a liturgia dessa passagem deste "Miserere Nóbis" (Gilberto Gil e Capinan) até o "Hino do Senhor do Bonfim" (João Antonio Wanderley). Acho que Rogério Duprat estava especialmente iluminado quando pôs toda a sua perícia de maestro arranjador e compositor erudito a serviço de uma intervenção decisiva na história de nossa música. Basta verificar o cuidado com que o músico trata cada faixa tendo em vista o rito global que o disco celebra.

Os tiros de canhão que demarcam a tênue zona de fronteira entre "Miserere Nóbis" e "Coração Materno" (Vicente Celestino) estão na verdade anunciando o extraordinário esforço de interpretação que Caetano Veloso investe numa canção totalmente estigmatizada pela rigorosa triagem bossa-novista. É como se o modo de cantar equilibrado compensasse os sinais melodramáticos e recuperasse um estilo que ajudou a definir os contornos de nossa sonoridade. Ou seja, nada é apenas supérfluo.

E o rito tem continuidade com as frases melódicas ascendentes de "Panis et Circenses" (G. Gil e C. Veloso) e com a imagem da ceia na sala de jantar. O canto dos Mutantes, com The Mamas & The Papas nas veias, dizendo versos desconexos mas ecoando sentidos para todos os lados, é a encarnação do viço tropicalista que se propagaria pelas décadas de 70, 80, 90... até hoje.


No bolero "Lindonéia" (G. Gil e C. Veloso), o isolamento da personagem se concretiza plenamente na voz de Nara Leão, e as imagens são mais pictóricas do que literárias. As linguagens falando no ambiente tropicalista. A faixa seguinte, "Parque Industrial" (Tom Zé), sempre me pareceu conter uma verdadeira simbiose entre o arranjador e o compositor. O lado happening dessa canção, que pela primera vez no disco reúne os 4 principais nomes do movimento (Gil, Gal, Caetano e Tom Zé), evoca o convívio anterior de Rogério Duprat com o experimentalismo erudito; o maestro, por sua vez, sempre entusiasta das referências à sociedade industrial, deve ter visto na canção de Tom Zé o campo ideal para plantar suas figuras sonoras. Há entre esses dois um misto de taleno, afinidade e até compleição física que me faz pensar nessas simbioses fecundas que só duram uma criação.

"Geléia Geral" (G. Gil e Torquato Neto) é o manifesto ideológico do movimento com um jogo alucinante de passado e futuro. "Baby" (C. Veloso) é o próprio futuro da canção brasileira, pós-Beatles, pós-Paul Anka e pós-Celly Campello. "Três Caravelas" (Algueró e Moreu) é o passado que se espraia por toda a América hispânica. "Enquanto Seu Lobo Não Vem" (C. Veloso) é o presente imediato em que o desejo se manifesta independentemente dos limtes. "Mamãe Coragem" (C. Veloso e T. Neto) é o próprio rito de passagem com suas dores e alegrias. Depois disso, só o jogo intersemiótico de "Bat Macumba" (G. Gil e C. Veloso), que se converteu em canção única, irrepetível como composição.

Fico pensando: como pode um disco-manifesto não ser um disco datado? Mas logo me lembro de Sgt. Pepper's, da mesma época, e não penso mais nisso.
 





 Este texto aqui reproduzido,
de autoria de Luiz Tatit,
saiu na coleção "Ilha Deserta",
da Editora Publifolha, pgs. 115-117.













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