cronologia dos autores

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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Almeida Garrett (1799-1854)

É não só o introdutor do Romantismo em Portugal, como o renovador da literatura portuguesa. Uma vida rica, uma personalidade fortemente instável. Garrett era um dândi e um snob, mas um tipo de valor. Lutou pela liberdade de armas na mão, sofreu o exílio; e quando conheceu o poder, usou como poucos em benefício da comunidade. E sofreu como um cão a paixão e o ciúme. 

João Baptista da Silva Leitão de Almeida Garrett (Porto, Rua do Calvário, n.º 18-20, 4-II-1799 - Lisboa, Campo de Ourique, actual Rua Saraiva de Carvalho, 9-XII-1854). Poeta, dramaturgo, romancista, publicista, epistológrafo, etnógrafo.

Bibliografia: Ode à Liberdade (1820);  O Retrato de Vénus e O Dia 24 de Agosto (1821); Catão; O Corcunda (1922) Camões (1825); D. Branca. (1826);  Adozinha (1828);  Lírica de João Mínimo Da Educação (1929); Portugal na Balança da Europa (1830); Romanceiro vol. I. (1843); Frei Luís de Sousa (1844); Flores sem Fruto (1845); Viagens na Minha TerraFilipa de Vilhena (1846); A Sobrinha do Marquês (1848); O Arco de Santana (vol. II) (1850);  Romanceiro, vols. II e III (1851); Folhas Caídas (1853). Póstumos: O Roubo das Sabinas (1968).

O ano de 1799

ContextoPortugal integra a Segunda Coligação contra a França, organizada por William Pitt. Além da Inglaterra, inclui a Áustria, o reino de Nápoles, a Rússia e a Turquia. Por incapacidade da rainha, D. Maria I, o príncipe D. João assume a regência do reino.

Confronto: Napoleão, derrotado por Nelson na batalha naval de Abukir, regressa do Egipto. No fim do ano, o golpe do 18 de Brumário (9 de Novembro) afasta o Directório; Bonaparte primeiro-cônsul.

Livros: Manuel Maria Barbosa du Bocage, Rimas, t. II; Tomás António Gonzaga, Marília de Dirceu., parte II.

Confronto  Friedrich Schleiermacher, Discurso sobre as ReligiõesFriedrich Schiller, A Morte de Walden; J. G. von Herder, Metacrítica; James Mackintosh, Discurso sobre o Estudo da Lei da Natureza e das Nações  Mungo Park, Viagens no Interior de África 

Pintura:

Vieira Portuenese, Nossa Senhora da Conceição

confronto: 
Goya, Os Caprichos

Música:

Marcos Portugal, La pazza giornata ovvero Il matrimonio di Figaro (libreto: Geteano Rossi).

 confronto: Ludwig van Beethoven, Sonata #8, "Patética"


E aindaDescoberta da Pedra de Roseta, a partir da qual se decifrará a escrita hieroglífica. Alessandro Volta descobre a pilha.


domingo, 9 de maio de 2021

Almeida Garrett: notas avulsas



1. Garrett e este miserável país. A casa onde morreu Almeida Garrett está em risco, por abandono e especulação. Somos um país de alarves, ainda atiramos lixo pela janela do carro, não temos civilização para respeitar a memória espiritual de quem foi enorme no seu tempo, apesar de todas as humaníssimas fraquezas. Somos um país de lepes, canalha de mão estendida a quem encheram os bolsos sem antes ensinarem a mastigar de boca fechada. O resultado é esta vileza. Demolir aquilo é como arrasar a casa de Dickens em Londres, onde ele só viveu escassos meses, mas está lá, para ser visitada; é como destruir a casa de Balzac em Paris, onde o homem viveu com um nome falso, e mesmo assim não se livrava dos credores, e também lá está. Mas é pior, muito pior para nós, periféricos, provincianos, tão atrasados que até envergonha. Eles, ingleses e franceses têm tanto, e tantas casas, de Dickens, de Balzac, de Thackeray, de Hugo, de... E nós temos tão pouco... (21-III-2005)


2. O cânone poético de Cascais. Cascais passou a ser diferente quando Almeida Garrett (1799-1854) publicou Folhas Caídas (1853). O poema «Cascais», poderosa expressão lírica do romantismo, pela intemperança, volubilidade, transgressão que encerra, veio acrescentar algo ao património cultural cascaense. Não vemos Cascais do mesmo modo depois de lermos este poema, pois a nossa relação com o espaço será inevitavelmente condicionada por ele. A composição tem assim uma dimensão ontológica que altera a percepção, a vivência, em suma a sensibilidade de quantos a lêem em face duma realidade geológica com milhões de anos, até então apreendida sempre da mesma forma pelo homem -- ou, mais rigorosamente, nunca uma estesia semelhante fora manifestada e comunicada desta maneira: «Inda ali acaba a Terra, / Mas já o céu não começa; / Que aquela visão da serra / Sumiu-se na treva espessa, / E deixou nua a bruteza / Dessa agreste natureza.» (16) Garrett, foi, portanto, uma espécie de patrono literário de Cascais, um autor citado sempre que se pretendia mostrar como «estes sítios» (outro poema de Folhas Caídas sobre o espaço cascaense) haviam sido um estímulo para um grande escritor.
Em meados so século XX, o poeta moçárabe (17) Abu Zayd 'Abd ar-Rahman ibn Muqãna (al-Qabdaqi al-Lixbuni), século XI, natural do lugar de Alqabdaq, surge como autor a (re)descobrir. Para além do interesse histórico-cultural da sua poesia -- em que encontramos «uma das mais antigas referências literárias aos moinhos de vento, situados na Europa» (18) -- trata-se também de um excelente poeta do Andaluz. Com a inauguração do monumento que o evoca, da autoria do escultor António Duarte (autor também da estátua de D. Pedro I, no coração da vila), Ibn Muqãna (ou Mucana) foi talvez o primeiro poeta -- em especial com o conhecido «Poema de Alcabideche», objecto de várias versões -- a ser incorporado na bagagem cultural do grande público, mercê também das disciplinas escolares orientadas para as realidades locais que vigoram nos programas de há algumas décadas para cá.
Em meados do anos 60 Cascais tinha dois ex-libris poéticos que ultrapassavam a condição de meras referências literárias, sendo antes dois textos canónicos absolutamente definitivos e adquiridos pela população estudantil e de média formação cultural.
Notas:
(16) Almeida GARRETT, Folhas Caídas, Mem martins, Publicações Europa-América, s.d. : 56.
(17) María de Jesus RUBIERA MATA, Ibn Muqãna de Alcabideche, 2.ª edição, Cascais, Associação Cultural de Cascais, 1996 : 7-8.
(18) Fausto do Amaral de FIGUEIREDO, «Abú Zaíde Ibne Mucana», Cascais e os Seus Lugares, n.º 20, Estoril, Junta de Turismo da Costa do Sol, 1966 : 16. (19-XI-2007)

domingo, 21 de março de 2021

História e ficção, mentira e verdade



Alexandre Herculano procurou nos romances históricos uma abordagem às mentalidades de época que não lhe dava uma heurística que relutava extravasar o dado documental. Debalde procurou suporte que lhe permitisse suprir essa lacuna na sua fundamental História de Portugal (1846-1853); e mesmo para as obras de ficção, a procura de vozes do passado que lhe transmitissem a dolorosa pena do celibato, cuja desumanidade desde a juventude o perturbava, resultou infrutífera, como assinala no prefácio do Eurico:
          «Essa crónica de amarguras procurei-a já pelos mosteiros, quando eles desabavam no meio das nossas transformações políticas. Era um buscar insensato. Nem nos códices iluminados da Idade Média, nem nos pálidos pergaminhos dos arquivos monásticos estava ela. Debaixo das lájeas que cobriam os sepulcros claustrais havia, por certo, muitos que a sabiam; mas as sepulturas dos monges acheia-as vazias.»  Alexandre Herculano, Eurico, o Presbítero [1844], (ed. cit,, p.VI).

Fez, assim, apelo à idiossincrasia poética e ao escopo artístico, ciente de que o ficcionista de recursos tem a intuição que faltará ao historiador. A esta, junte-se a ideia supletiva do romancista como alguém que mede a temperatura do tempo, e por isso mais fidedigna a ficção do que obras contemporâneas, propositadamente concebidas para deixar um testemunho à posteridade. Podemos lê-lo num artigo da Panorama, cujo excerto magnífico foi transcrito por Vitorino Nemésio, na apresentação da edição crítica (1944):

«Novela ou História, qual destas duas cousas é a mais verdadeira? Nenhuma, se o afirmarmos absolutamente de qualquer delas. Quando o carácter dos indivíduos ou das nações é suficientemente conhecido, quando os monumentos, as tradições e as crónicas desenharam esse carácter com pincel firme, o noveleiro pode ser mais verídico do que o historiador; porque está mais habituado a recompor o coração do que é morto pelo coração do que vive, o génio do povo que passou pelo do povo que passa. [...] Porque [os historiadores] recolhem e apuram monumentos que foram levantados ou exarados com o intuito de mentir à posteridade, enquanto a história da alma do homem deduzida lògicamente das suas acções incontestáveis não pode falhar, salvo se a natureza pudesse mentir e contradizer-se, como mentem e se contradizem os monumentos.» 
Este historiar da alma -- porventura a mais significante das historiografias -- remete-me para a maravilhosa Svetlana Alexievich, que assim mesmo se definiu: «historiadora da alma», aqui já não se socorrendo (exclusivamente) da intuição, mas também do testemunho vívido e vivido.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

BALZAC, de Jaime Brasil [1966]

     O arranque:«O fenómeno Balzac é um quebra-cabeças para quem conhece a vida do escritor e lhe lê as obras.» 
     Livrinho de 42+6 páginas, certamente a introdução geral à monumental edição de A Comédia Humana, que a Portugália Editora começou a publicar em 1966, sob a direcção de José da Cruz Santos. O opúsculo é uma jóia, e bem merecia uma reedição, pelo estilo sedutor de Brasil, pela sua notável concisão. A capa, com uma foto da perturbante escultura de Rodin, erigida no Père Lachaise, reenvia-me para outra excelente biografia de Jaime Brasil, sobre o artista de O Beijo, texto de maior fôlego, escrita na Paris já sob ocupação (conspirador anarquista, a fuga para Portugal, em 1941, terá como consequência a prisão, episódio de que falarei noutra altura, a propósito doutro livro).
     A dualidade homem-artista vai ocupar as primeiras páginas. O contraste entre o saco de carne, ossos e vísceras (e vícios) e o génio criador levou Brasil a escrever: « [...] O artista é um instrumento, irresponsável pela tarefa que executa. Não tem nenhum mérito em realizá-la. Obedece a um imperativo que lhe é exterior. O génio é uma excrescência no homem, como uma neoplasia.  Não se sabe de onde vem. Não é inato no indivíduo. Surge em determinado momento da vida, misteriosamente. Tem intermitências: obras geniais alternam com outras medíocres do mesmo autor.»
     Repare-se na arrumação destes períodos: frases curtas e lapidares denunciam a um tempo o jornalista experiente na comunicação com um público vasto e um autor de fortes convicções.
     Quanto à origem do génio, talvez não seja despropositado acrescentar que os indivíduos que -- ultrapassando ou não condicionalismos de partida que os destinariam à mediocridade -- se alçapremaram a uma posição única, pelo que representaram no seu tempo e que de alguma forma lograram a imortalidade, são produtos de uma aleatória transmissão genética; porém, parece pacífico que tanto a inteligência como a sensibilidade se potenciam nos primeiros anos de vida, aguardando apenas a oportunidade de eclodirem naqueles que o acaso -- biológico e biográfico -- bafejou.

     Jaime Brasil, Balzac -- Escorço da complexa personalidade do autor de A Comédia Humana, Lisboa, Portugália Editora [1966].