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quarta-feira, 5 de julho de 2017

Lista dos escritores mais ricos do mundo não tem escritores

Stephen King

Lista dos escritores mais ricos do mundo não tem escritores

POR EULER DE FRANÇA BELÉM
EM 19/08/2012 ÀS 05:05 PM
James PattersonA “Forbes” publicou  a lista dos escritores mais ricos do mundo. Não há nenhuma surpresa: não há escritores de verdade na relação da revista. (Escritores de verdade são aqueles que cobiçam a eternidade, como Homero, Dante, Shakespeare, Cervantes, Laurence Sterne, Stendhal, Balzac, Flaubert, Nathaniel Hawthorne, Herman Melville, Machado de Assis, Eça de Queirós, Henry James, D. H. Lawrence,  James Joyce, Scott Fitzgerald, Faulkner, Thomas Mann, Graciliano Ramos, Carlo Emilio Gadda, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Lobo Antunes, entre muitos outros.) Os homens de letras citados pela “Forbes” são circunstanciais — surgem, ficam algum tempo na lista dos mais vendidos e, cinquenta anos depois (estou sendo generoso, aviso logo), ninguém mais sabe quem são eles. A literatura de mercado, para vender rapidamente, é assim mesmo. Sempre foi assim. Na época do francês Flaubert havia, é claro, muitos escritores populares — alguns faziam até mais sucesso do que ele, às vezes tido como obsceno, devido ao ruidoso processo provocado pelo romance “Madame Bovary”.
Hoje, assim como há indústrias de sabonete e cerveja, há azeitadas fábricas de autores e livros. Equipes talentosas, com um pé no jornalismo e na literatura de altíssima fofoca, escrevem livros, às vezes imensos, e fazem publicidade maciça. Vendem como água em dias quentes. James Patterson, se comparado a Proust e Joyce, deve ser tratado como analfabeto funcional. John Grisham, Ken Follett e Stephen King pertencem a um honroso quinto time da literatura mundial. Mesmo assim, não são grande coisa.
Li e reli a notícia, mas não entendi. Diz um texto, publicado no UOL, que Patterson, um gênio de Wall Street ou da lâmpada, lançou 14 novos títulos em 2011. Leia de nova e repita em voz alta: 14 livros num ano! Inacreditável: deve ser erro do UOL. Bons escritores, como os prolíficos Philip Roth e (o falecido) John Updike, lançam, no máximo, um livro por ano. E olhe lá.
Patterson, de quem pouco ouvi falar (garotos das livrarias são obrigados a usar camisetas com publicidade de seus livros), faturou 94 milhões de reais em 2011, segundo a “Forbes”. E não é que nem consigo disfarçar que estou começando a achar que estou com inveja do talento do “escritor” para ganhar dinheiro. George R. R. Martin, que escreveu a saga “As Crônicas de Gelo e Fogo” — que estou deixando para ler quando tiver 96 anos, porque este tipo de literatura melhora quando se tem Alzheimer —, faturou modestos 15 milhões de dólares no ano passado.
Descubro, lendo o texto que afanei da internet, que J. K. Rowling, autora de uma série debiloide, “Harry Potter”, vai publicar um livro adulto. Para que, nosso Deus?! Se havia infantilizado os adultos, com a série sobre um bruxo estúpido e sem nuance — porque as crianças, acredito, fugiram da bobajada —, por que Rowling volta, agora com prosa “madura”, talvez podre, para, como se dizia nos tempos de antanho, iludir os leitores de que estão comprando literatura de qualidade porque, afinal, todos estão lendo?
As mulheres estão fincando bem espertas. Na lista dos mais ricos, várias mulheres aparecem. A terceira mais rica, superando Grisham, é Janet Evanovich, que, meio envergonhado, deve dizer que não conheço, aliás, nem sabia o nome, algo pomposo.
Veja abaixo a lista dos quinze autores mais ricos e quanto eles ganharam no ano passado.
1. James Patterson: 94 milhões de dólares
2. Stephen King: 39 milhões de dólares
3. Janet Evanovich: 33 milhões de dólares
4. John Grisham: 26 milhões de dólares
5. Jeff Kinney, 25 milhões de dólares
6. Bill O'Reilly: 24 milhões de dólares
7. Nora Roberts: 23 milhões de dólares 
8. Danielle Steel: 23 milhões de dólares 
9. Suzanne Collins: 20 milhões de dólares 
10. Dean Koontz: 19 milhões de dólares 
11. JK Rowling: 17 milhões de dólares
12. George RR Martin: 15 milhões de dólares
13. Stephenie Meyer: 14 milhões de dólares
14. Ken Follett: 14 milhões de dólares
15. Rick Riordan: 13 milhões de dólares


domingo, 4 de janeiro de 2015

Neil Gaiman Entrevista Stephen King


Neil Gaiman Entrevista Stephen King

 O Sunday Times me pediu para escrever algo pequeno e pessoal sobre eu e o King. Eu escrevi isso:

“Eu acho que a coisa mais importante que aprendi com Stephen King, quando adolescente, foi lendo o livro de ensaios sobre horror e sobre escrever, A Dança Macabra. Ali ele ressalta que se você escrever apenas uma página por dia, só 300 palavras, no final do ano você tem um romance. Foi imensamente motivador – de repente, algo enorme e impossível se tornou estranhamente fácil. Já adulto, foi como eu escrevi livros que eu não tinha tempo para escrever, como o meu infantil Coraline .”

Ao encontrar Stephen King desta vez, a cosia que mais me surpreendeu foi o quão confortável ele é com o que faz. Toda aquela conversa de se aposentar da escrita, de parar, as sugestões de que talvez seja hora de parar antes que se torne repetitivo, parecia haver acabado. Ele gosta de escrever, gosta mais do que qualquer outra coisa que poderia estar fazendo, e não parece nem um pouco inclinado a parar. Exceto, talvez, com uma arma apontada.

A primeira vez que encontrei Stephen King foi em Boston, em 1992. Eu sentei na sua suíte de hotel, conheci sua esposa Tabitha, que é Tabby nas conversações, e seus então filhos adolescentes Joe e Owen, e falamos sobre escrever, e autores, sobre fãs e fama.

“Se eu começasse minha vida de novo,” ele disse. “Eu faria tudo igual. Mesmo as partes ruins. Mas eu não teria feito a promoção da American Express “Você Me Conhece?” Depois disso, todo mundo nos Estados Unidos sabia como eu era.”

Ele era alto e de cabelos negros, e Joe e Owen pareciam clones mais jovens do pai, recém-saídos da máquina de clones.

A outra vez que encontrei Stephen King, em 2002, ele me puxou para o palco para tocar kazoo (instrumento de sopro parecido com um cachimbo) com os Rock Bottom Remainders, um conjunto duvidoso de autores que conseguem tocar instrumentos e cantar e, no caso de Amy Tan, incorporar uma dominatriz enquanto canta “Estas Botas Foram Feitas Para Andar”, de Nancy Sinatra.

Mais tarde nós conversamos em um minúsculo banheiro nos fundos do teatro, o único lugar onde King poderia fumar um furtivo cigarro. Ele parecia frágil, então, e cinzento, recentemente recuperado de uma longa hospitalização por ter sido atropelado por um idiota numa van, e das infecções hospitalares que se seguiram. Ele resmungava da dor de descer as escadas. Fiquei preocupado com ele.

E agora, outra década, quando King sai do estacionamento em Sarasota Key para me cumprimentar, ele parece bem. Não está mais frágil. Está com 64 anos e aparenta mais jovem do que na década anterior.

A Casa de Stephen King em Bangor, Maine é gloriosa e gótica. Eu sei disso mesmo nunca ter estado nela. Já vi fotografias na internet. Parece o tipo de lugar que alguém como Stephen King merece viver e trabalhar. Há morcegos de ferro forjado e gárgulas nos portões.

A casa de Stephen King na Flórida, perto de Sarasota, uma extensão de terra no limite do mar, alinhada com grandes casas (“aquela ali foi de John Gotti,” eu aprendi enquanto passávamos por uma enorme e bem amuralhada construção branca. “Nós a chamamos de Mansão do Assassinato”), é feia. E não apenas carinhosamente feia. É um longo bloco de concreto e vidro, como uma caixa de sapatos gigante. Foi construída, explica Tabby, por um homem que construía shopping centers, e com material de um shopping center. É como a idéia de uma loja Apple para uma McMansion, e nada bonita. Mas uma vez dentro, as paredes de vidro tem uma vista perfeita sobre a areia e o mar, e há uma passagem metálica e azul gigantesca que se dissolve no nada e dá num canto do jardim, e dentro da casa há pinturas e esculturas, e, principalmente, o escritório de King. Tem duas escrivaninhas nele, com uma cadeira surrada e muito usada, de costas para a janela.

Essa é a escrivaninha que King senta todos os dias, e é onde ele escreve. Agora ele está escrevendo um livro chamado Joyland (Terra da Diversão), sobre um serial killer de Parques de Diversão. Abaixo da janela fica um espaço bem cercado de terra, com uma enorme tartaruga africana perambulando por ali, como uma monstruosa rocha ambulante.

Na primeira vez que conheci Stephen King, bem antes de vê-lo em carne e osso, foi na Estação East Croydon por volta de 1975. Eu tinha 14 anos. Peguei um livro com a capa inteira preta. Chamava A Hora do Vampiro (Salem`s Lot). Era o segundo livro dele; eu perdi o primeiro, um pequeno livro chamado Carrie, A Estranha (Carrie), sobre uma adolescente com poderes psíquicos. Fiquei acordado até tarde e acabei A Hora do Vampiro, adorando o retrato dickensiano de uma pequena cidade americana, destruída com a chegada de um vampiro. Não um vampiro bom, um vampiro decente. Dracula conhece Peyton Place. Depois disso eu comprei tudo que lançava de Stephen King. Alguns livros eram ótimos, outros não. Mas tudo bem, eu confiava nele.

Carrie, A Estranha foi o livro que King começou e abandonou, e o qual Tabby King tirou da cesta de lixo de papel, leu e encorajou-o a finalizar. Eles eram pobres, e King vendeu Carrie, e tudo mudou, e ele continuou a escrever.

Dirigindo ao sul para Flórida eu escutei, por mais de trinta horas, ao audiobook do romance de viagem no tempo de King, 22/11/63. É sobre um professor de Ensino Médio de Inglês (como também fora King, quando ele escreveu Carrie) que volta de 2011 para 1958, via um Buraco de Minhoca (termo físico) localizado num armazém de uma antiga lanchonete, com a missão de salvar John F. Kennedy de Lee Harvey Oswald.

O livro é, como sempre com King, o tipo de ficção que força você a se importar com que acontece, página após página. Tem elementos de horror, mas eles existem quase que como um tempero para algo que é em parte um romance histórico estreitamento pesquisado, em parte uma história de amor, e sempre uma reflexão sobre a natureza do tempo e do passado.

Dada à grandeza da carreira de King, é difícil descrever qualquer coisa que escreva como uma anomalia. Ele está no topo da ficção popular (e, ocasionalmente, não-ficção). Sua carreira (escritores não têm carreira, na maioria. Nós apenas escrevemos o próximo livro) é particularmente estigmatizada. Ele é um romancista popular, o que costumava significar, ou talvez continua sendo, a descrição de um autor de certo tipo de livro: um que recompensará sua leitura com prazer e trama, como John D. MacDonald (a quem King dá seu chapéu em 22/11/63). Mas não só um romancista popular: não importa o que escreva, parece que é sempre um escritor de horror. Eu pergunto se isso o frustra.

“Não. Não frustra. Eu tenho minha família, e eles estão todos bem. Temos dinheiro suficiente para comprar comida e ter coisas. Ontem, tivemos uma reunião da Fundação King (a instituição privada que King financia e que beneficia muitas causas). Minha cunhada Stephanie organiza tudo e nós todos sentamos e damos dinheiro para os outros. Isso é frustrante. Todo ano nós damos o mesmo dinheiro para pessoas diferentes… é como socar dinheiro num buraco. Isso é frustrante.

“Eu nunca pensei em mim como um escritor de horror. Isso é o que outras pessoas pensam. E eu nunca disse merda nenhuma sobre isso. Tabby veio do nada, eu vim do nada, nós ficávamos aterrorizados que eles viessem e tirassem isso da gente. Então se as pessoas quisessem dizer “Você é isso”, contanto que o livro vendesse, tudo bem. Eu pensei ‘vou fechar a boca e escrever o que quiser escrever’. A primeira vez que aconteceu o que você está falando foi quando eu escrevi Quatro Estações. Eram histórias que eu tinha escrito como eu escrevo todas elas. Quis escrever uma história do tipo ‘havia uma prisão’, Um Sonho de Liberdade (Rita Hayworth and The Shawshank Redemption); e outra baseada na minha infância chamada O Outono da Inocência (The Body); e também há uma história de uma criança que acha um nazista, O Aprendiz (Apt Pupil). Enviei elas para Viking, meu publicador. Meu editor era John Williams – morto há muitos anos, excelente editor -, ele sempre levou o trabalho a nível morto. Nunca queria empolgar-se. Mandei para eles o Quatro Estações, e ele disse ‘bem, primeiro de tudo, você chama de Estações, e só escreveu três. Então escrevi outro, O Método Respiratório (The Breathing Method), e o livro estava completo. Ganhei as melhores críticas da minha vida. E essa foi a primeira vez que as pessoas pensaram, Woah, isso não é exatamente de terror.”

“Estava num supermercado, e uma mulher velha veio dobrando o corredor e, essa mulher – obviamente um dos tipos de mulher que fala o que quer que venha no cérebro. Ela disse ‘Eu sei quem você é, você é o escritor de terror. Eu não leio nada que você escreve, mas respeito o seu direito de fazê-lo. Só gosto das coisas mais genuínas, como aquele Um Sonho de Liberdade.”

“Eu disse ‘Eu escrevi esse’. E ela disse ‘Não, não escreveu’. E foi andando para longe.

Acontece, vezes e vezes. Aconteceu quando ele publicou Louca Obsessão (Misery), sua crônica de fanatismo tóxico. Aconteceu com Saco de Ossos (Bag of Bones), sua história gótica de fantasmas sobre um romancista, com inclinações para Rebecca, de Du Maurier; Aconteceu quando ele foi indicado para a Medalha Nacional do Livro para Contribuição às Letras Americanas.

Não estamos mais conversando na grande caixa de sapato de concreto. Estamos sentados perto da piscina numa casa menor que King comprou na mesma rua, como uma casa de visitantes para a família. Joe King, que escreve sob o pseudônimo Joe Hill, está hospedado lá. Continua parecido com o pai, mas não mais um clone versão adolescente, e agora tem uma carreira bem sucedida como escritor e quadrinista. Carrega seu Ipad para onde vai. Eu e Joe somos amigos.

Em Saco de Ossos, Stephen King tem um autor que pára de escrever livros, mas continua publicando os empilhados no estoque. Pergunto quanto tempo seus editores poderiam esconder sua morte.

Ele sorri. “Eu tive a ideia do escritor que tem livros, em Saco de Ossos, porque alguém me disse anos antes que todo ano Danielle Steel escrevia três livros e publicava dois, e eu sabia que Agatha Christie tinha deixado uns dois de lado, para por um fim na carreira. Quanto a agora, se eu morresse e todos mantivessem segredo, iria até mais ou menos 2013. Há um novo livro da série A Torre Negra, ‘The Wind in the Keyhole’. Ele sairá em breve. E Dr. Sleep está pronto. Então se eu fosse atropelado por um táxi, como Margaret Mitchell, o que seria e não seria feito: Joyland não seria feito, mas Joe poderia finalizá-lo, facilmente. Seu estilo é quase indistinguível do meu. As ideias dele são melhores que as minhas. Estar perto de Joe é como ficar perto de um foguetinho, soltado fagulhas para todos os lados, todas ideias. Eu não quero desacelerar. Meu agente está enchendo o saco dos editores sobre o Dr. Sleep, a sequência de O Iluminado, mas eu segurei um pouco quando mostrei para eles o manuscrito, queria um tempo para respirar.”

Por que ele escreveria uma sequência para O Iluminado? Eu não disse a ele o quanto esse livro me assustou quando eu tinha 16 anos, nem o quanto eu amei e ao mesmo tempo fiquei desapontado com o filme do Kubrick.

“Eu fiz porque era algo irritante de se fazer. Dizer que você estava voltando para o livro que foi realmente popular e escrever uma sequência. As pessoas pensam nesse livro, elas leram quando crianças. Crianças leem ele e dizem que é assustador, e então, quando adultos, talvez leiam a sequência e pensem ‘não é tão bom’. O desafio é: talvez seja possível ser tão bom, ou talvez seja diferente. Isso te dá algo para lutar contra. É um desafio.

“Eu quis escrever Dr. Sleep porque queria saber o que aconteceria com Danny Torrance quando crescesse. E eu sabia que ele seria um bêbado porque o pai dele fora um. Um dos buracos que me pareciam ter O Iluminado era que Jack Torrance fora um sóbrio temporário que nunca tentara um grupo de ajuda, como o AA. Pensei, okay, vou começar com Danny com 40 anos de idade. Ele vai ser uma daquelas pessoas que dizem ‘eu nunca vou ser como meu pai, nunca serei abusivo como meu pai foi’. Então você acorda com 37 ou 38 anos e é um alcoólatra. Então pensei, que tipo de vida uma pessoa dessas tem? Ele terá vários empregos temporários, ele será enganado, e agora trabalha como zelador num hospício. Eu realmente o queria num hospício, porque ele tem aquele lado iluminado que pode ajudar as pessoas a atravessar quando morrerem. Eles o chamam de Dr. Sleep, e sabem quando o chamar quando o gato entra no quarto e senta na cama. Foi uma escrita sobre o cara que dirige o ônibus, e come no McDonalds, ou, numa noite especial, num Red Lobster. Não estamos falando de alguém que vai a restaurantes chiques.”

Stephen e Tabitha se conheceram entre as prateleiras da biblioteca da Universidade do Maine, em 1967, e se casaram em 1971. Ele não conseguiu uma vaga de professor quando se graduou, então começou a trabalhar numa lavanderia industrial, ou como frentista, até como zelador, enquanto alimentava sua lenta ascensão com contos ocasionais, na maioria terrores, vendidos a revistas masculinas com nomes como Cavaleiro. Eram extremamente pobres. Moravam num trailer, e King improvisou uma mesinha entre a lava-roupas e a secadora. Tudo mudou em 1974, com a venda da tiragem de Carrie, A Estranha, por 200 mil dólares. Pergunto quanto tempo faz que King não se preocupa mais com dinheiro.

Por um momento, ele pensa. “1985. Por um bom tempo Tabby entendeu que nós não tínhamos que nos incomodar com essas coisas. Eu não. Estava convencido de que eles levariam tudo embora, e teria de morar com três crianças numa casa alugada de novo, que tudo era muito bom para ser verdade. Por volta de 1985 eu comecei a relaxar e pensar ‘isso é bom, vai ficar tudo bem’.

“Mesmo agora, isso (ele gesticula para a piscina, a casa de visitas, o Florida Key e todas as mansões), isso é tudo muito estranho para mim, mesmo que seja apenas três meses do ano. Onde nós moramos no Maine, é um dos condados mais pobres. Muitas das pessoas que andamos e saímos cortam madeira para sobreviver, carregam lixo, esse tipo de coisa. Não digo que temos isso em comum, mas sou apenas uma pessoa comum, e tenho esse único talento que uso.”

“Nada me chateia mais do que ir a um restaurante chique em Nova York, onde você tem que sentar por três merdas de horas. Você sabe, e as pessoas tomarão drinks antes, vinho depois, mais três pratos, depois querem café, e alguém vai perguntar de alguma merda de imprensa francesa, e todo o resto é bosta. Para mim, a ideia do que é bom é dirigir para cá e ir numa casa de Waffle, pedir alguns ovos e um waffle. Quando vejo a primeira casa de Waffle, sei que estou indo para o Sul. Isso é bom.”

“Me pagam quantias absurdas de dinheiro para fazer coisas que faria de graça.”

O pai de Stephen foi comprar cigarros quando King tinha quatro anos, e nunca mais voltou, deixando-o às custas da mãe. Steve e Tabby têm três filhos: Naomi, uma ministra de unificação com um ministério digital; Joe e Owen, ambos escritores. Joe está finalizando seu terceiro romance. O primeiro de Owen sairá em 2013.

Pergunto sobre distância e mudanças. Como é escrever personagens que são trabalhadores braçais em 2012?

“É definitivamente mais difícil. Quando escrevi Carrie e A Hora do Vampiro, estava um passo além do trabalho manual. Mas é verdade, também – Joe descobrirá -, que quando se tem crianças pequenas, é mais fácil de escrever sobre eles, porque você observa-os e os têm em sua vida o tempo todo.

“Mas eles crescem. É mais difícil, para mim, escrever sobre uma menininha de doze anos em Dr. Sleep, do que quando tive de falar sobre um menino de cinco anos, o Danny Torrance, porque Joe era um modelo para Danny. Não quero dizer que Joe é iluminado, mas sabia como ele era, como ele brincava, o que queria fazer e essa coisa toda. Mas veja, o principal é: se você conseguiu imaginar todas as coisas fabulosas de Deuses Americanos, se eu posso imaginar portas mágicas e tudo o mais, então certamente eu posso forçar minha imaginação a trabalhar e dizer: veja, isso é como imagino ser trabalhar dez horas por dia num emprego atual.”

Estamos fazendo a coisa de escritor agora: falando sobre o ofício, sobre como e o que fazemos, inventando coisas para viver, e como vocação. Seu próximo livro, The Wind in the Keyhole, é um capítulo da série Torre Negra, parte de uma sequência que King traçou e começou quando era ainda um adolescente. A sequência levou anos para ficar pronta, e só terminou pela pressão dos assistentes, que estavam cansados de responder cartas de fãs perguntando quando a história seria concluída.

Agora ele terminou a história e está tentando decidir o quanto ele pode reescrever, e se ele vê a sequência como um longo romance. Será que pode fazer um segundo projeto? Ele deseja. Atualmente, Stephen King é um personagem no quinto ou sexto livro da Torre Negra, e Stephen King, o autor não-ficcional, está se perguntando se deve ou não eliminá-lo.

Conto a ele sobre a peculiaridade na minha pesquisa que estou trabalhando, onde tudo que preciso, ficcionalmente, estava esperando por mim quando eu fui procurar. Ele acena, concordando.

“Absolutamente – você estica o braço e lá está. A vez que isso aconteceu mais claramente foi quando Ralph, meu agente então, me disse ‘Isso é um pouco doido, mas você tem alguma ideia para algo como uma série de romances, como Dickens costumava fazer?’, e eu tinha uma história que estava brigando para respirar. Era À Espera de Um Milagre (The Green Mile). E sabia que se fosse fazer aquilo, teria de me dedicar. Comecei a escrever e fiquei confortavelmente à frente do cronograma. Porque…” ele hesita, tenta explicar de um modo que não pareça tolo, “Toda vez em que precisei de algo, esse algo estava bem ali para eu pegar. Quando John Coffey vai para prisão – ele seria executado por assassinar as duas meninas. Eu sabia que ele não era culpado, mas não sabia que o verdadeiro assassino estaria lá, nem nada de como havia acontecido, mas quando escrevi, estava tudo ali para mim. Você apenas pega. Tudo se encaixa como se já existisse antes.

“Nunca penso nas histórias como coisas inventadas; Penso nelas como coisas achadas. Como se as puxasse para fora do solo, e você as colhesse. Alguém me disse certa vez que isso era eu subestimando minha criatividade. Pode ou não pode ser verdade. Mesmo assim, na história que estou trabalhando, eu tenho alguns problemas não resolvidos. Isso não me tira o sono. Sinto que quando chegar a hora, vai estar lá…”

King escreve todo dia. Se não o fizesse não seria feliz. Se ele escreve, o mundo é um bom lugar. Então ele escreve. É simples assim. “Eu sento por volta de oito e quinze da manhã e trabalho até mais ou menos quinze para o meio dia, e nesse período de tempo, tudo é real. E de repente tudo some. Acho que provavelmente escrevo entre 1200 e 1500 palavras por dia. São seis páginas.”

Começo a contar a King minha teoria, de que quando as pessoas num futuro distante quiserem ter uma ideia de como as coisas eram entre 1973 e hoje, eles vão olhar para Stephen King. Ele é um mestre em refletir o mundo que ele vê, e gravá-lo nas páginas. A ascensão e queda do VHS, a chegada do Google e do smartphone. Está tudo ali, atrás dos monstros e da noite, tornando-os mais reais.

King é sanguinário. “Você não sabe se pode dizer o que vai ou não durar. Há um ditado de Kurt Vonnegut sobre John D. MacDonald que diz “Daqui a 200 anos, quando as pessoas quiserem saber como foi no século XX, eles vão recorrer a John D. MacDonald”, mas não tenho certeza se isso está certo – parece que ele está quase esquecido. Mas eu tento reler um livro dele todas vez que viajo para cá.

Autores preenchem os vazios de uma conversa com Stephen King. E, eu percebi, todos eles são, ou foram, autores populares, pessoas cujo trabalho foi lido, e lido com diversão, por milhões.

“Sabe o que é bizarro? Eu fiz a Feira do Livro de Savannah semana passada… Está acontecendo comigo mais e mais. Eu saí e fui aplaudido de pé por um monte de gente, e é algo tenebroso… ou você se tornou um ícone cultural, ou eles estão aplaudindo o fato de você não estar morto ainda.”

Digo a ele sobre a primeira vez que vi aplausos de pé nos EUA. Era para Julie Andrews em Minneapolis, numa feira. Não era muito boa, mas ela ganhou os aplausos por ser Julie Andrews.

“Isso é muito perigoso, no entanto, para nós. Quero que as pessoas gostem do trabalho, não de mim.”

E os prêmios que ganhou na vida?

“Deixa eles felizes de dá-los para mim. E eles ficam nas prateleiras. Mas as pessoas não sabem disso.”

Então Tabby King vem para cima para nos dizer que é hora do jantar, e, ela acrescenta, que lá na casa grande, a Tartaruga Gigante Africana foi pega tentando estuprar uma rocha.

Retirado de:



quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Stephen King / Amo meu país, mas ele está cheio de lixo

Foto
Stephen King
Foto de FRANÇOIS SECHET

Stephen King

“Amo meu país, mas ele está cheio de lixo”

Convencido de que passará à história literária na segunda divisão, ele vai ganhando prestígio entre as elites.

Entre a era Ford e a de Obama, ele desenhou o frescor do medo para o homem médio americano e para o resto do mundo. Mas ele não se dá a mais mínima importância.



Stephen King escreveu cerca de 50 romances e vendeu mais de 300 milhões de exemplares. O autor de Carrie, a estranha (1973) e O Iluminado (1979) -- o livro que Stanley Kubrick e Jack Nicholson converteram num filme memorável -- é certamente o escritor vivo mais popular do mundo. Símbolo e metáfora da cultura pop norte-americana e encarnação democrata do sonho americano, King é, entretanto, um cara absolutamente humilde, um histriônico terno e simpático que tende a minimizar seu talento de escritor e que tira sarro de si mesmo sem parar, num exercício que às vezes parece saudável e outras parece beirar o masoquismo.
Acaba de passar por Paris pela terceira vez na vida para promover seu último romance, Doctor Sleep (previsto para sair no Brasil pela editora Suma de Letras), que é uma espécie de continuação ou pedaço separado de O Iluminado. Hospedado no luxuoso Hotel Bristol, ele passeou pela cidade, deu uma entrevista coletiva massiva, fez milhares de leitores rirem no imenso teatro Rex, onde acabava de tocar Bob Dylan, e não parou de autografar livros e de fazer amigos contando anedotas e rindo de sua própria sombra. O autor de Angústia (Misery,1987) contou que levava 35 anos se perguntando o que teria acontecido com o protagonista de Doctor Sleep, nada menos que Danny Torrance, o menino que lia os pensamentos alheios e que sobrevivia a duras penas aos ataques violentos de seu pai alcoólatra e abusador, Jack Torrence, naquele hotel triste, solitário e fim de linha onde transcorria O Iluminado.
Danny tem agora quase 40 anos, bebe como o pai, frequenta as sessões dos Alcoólicos Anônimos e cuida de anciãos que estão à beira da morte. Daí o título do romance que é um compêndio do potente universo de King: há vampiros que comem crianças para se alimentar, gente com poderes paranormais, tiroteios, rituais satânicos e sessões de telepatia intensiva. Não se passa um medo mortal como em O Iluminado, mas é um romance de ação muito legível.
Num excelente artigo publicado em The New Yorker, Jushua Rothman explicou que King é o principal canal por onde fluem todos os subgêneros da metade do século XX: ficção científica, terror, fantasia, ficção histórica, livros de super-heróis, fábulas pós-apocalípticas, faroeste, que logo ele transfere a seu pequeno reduto de Maine, o remoto Estado do nordeste dos EUA onde vive, povoado por 1,2 milhão de pessoas.
A prova da sua influência na cultura norte-americana são o cinema e a televisão, que continuam disputando suas histórias. Embora aos 65 anos continue insistindo em que o que escreve não vale grande coisa, quatro décadas de ofício e uma legião de leitores no mundo todo acabaram convencendo uma parte da crítica e alguns companheiros de profissão de que a sua literatura, pensada para entreter a América rural pobre, tem mais interesse, sentido e qualidade do que ele mesmo crê.
Em 2003, King ganhou a Medalha da Fundação Nacional do Livro por sua contribuição às letras americanas, um ano depois de Philip Roth tê-la ganho. Naquele dia, o escritor Walter Mosley destacou "seu entendimento quase instintivo dos medos que formam a psique da classe trabalhadora norte-americana". E acrescentou: "Ele conhece o medo, e não só o medo das forças diabólicas, como o medo da solidão e da pobreza, da fome e do desconhecido."
Mas, acima de tudo, King é uma grande figura. Filho de mãe solteira e pobre, mede quase dois metros, é desajeitado e muito magro, tem uma cara enorme, fala pelos cotovelos, não para de dizer palavrões, tomou toneladas de "cerveja, cocaína e xarope para a tosse", toca guitarra numa banda de rock de amigos, tem uma mulher católica "cheia de irmãos", três filhos, quatro netos, uma conta cheia de zeros, pediu ao governo que lhe cobre mais impostos do que os que paga, adora Obama, odeia o Tea Party, faz campanha contra as armas de fogo e, como entrevistado, é uma mina de ouro: raras vezes se esquece de dar alguma manchete como resposta.
Então o senhor não gosta de vir para a Europa?
Vim uma vez a Paris com minha mulher em 1991, e outra a Veneza e a Viena, em 1998, com o meu filho; dessa vez passamos uma noite em Paris, mas fomos ver um filme de David Cronenberg. Na Europa, passo vergonha: não falo outra língua que não seja inglês, e não gosto de ir dando uma de celebridade. Prefiro a discrição. Eu vivo em Maine, uma cidade pequena onde sou só um a mais. Quando venho a Paris sou a novidade, ninguém nunca me viu, lá eles me veem desde sempre, não ligam, sou o vizinho.

Stephen King

Seu pai abandonou o lar quando ele tinha dois anos, mas lhe deixou a chave para a sobrevivência, sempre no Estado de Maine, onde ainda vive. Uma caixa cheia de histórias de, entre outros, Lovecraft. Depois, King começou a escrever romances. Entre Carrie, a estranha, o primeiro, e Doctor Sleep, uma continuação de O Iluminado, foram uns 50, além de 200 histórias que aprofundam os medos que nos assombram a todos, entre o terror, a fantasia e a ficção científica. Laureado com os prêmios do gênero, ele começa a se destacar entre a crítica, digamos, séria e acadêmica, que lhe rendeu seu reconhecimento, entre outras coisas, com a Medalha da Fundação Nacional do Livro, um ano depois de ela ter sido outorgada a Philip Roth, por exemplo.
E por que tende a se subvalorizar?
O contrário disso seria me chamar O Grande, que seria a mesma coisa que me chamar de O Grande Babaca. Não quero ser isso. Quero ser tratado como uma pessoa normal. Os escritores temos que olhar a sociedade, não o contrário. Se os meus editores me dizem para vir a Paris é porque querem vender livros. Nas feiras dos EUA trabalham moças como chamariz: se colocam nas portas dos locais de strip-tease e mexem um pouco a bunda para atrair os clientes. Aqui sou eu que mexo a bunda. Em casa, estou no meu lugar, na cadeira certa, escrevendo. É lá onde devo estar.
O que sente ao ter vendido 300 milhões de livros?
O importante é saber que o jantar está pago, o número de cópias que você vende dá na mesma, desde que sejam suficientes para continuar escrevendo. Adoro esse trabalho.
Não sente orgulho?
Não sei se é orgulho, mas me faz feliz saber que o meu trabalho conecta com as pessoas. Cresci para contar histórias e entreter. Nesse sentido, acho que fui um sucesso. Mas no dia a dia é minha mulher dizendo: "Steve, desça o lixo e ligue a máquina de lavar louça".
Sente-se maltratado pela crítica?
No começo da minha carreira vendia tantos livros que os críticos diziam: "Se isso agrada a tanta gente, não pode ser bom". Mas comecei jovem e consegui sobreviver a quase todos eles. Muitos críticos sabem que levo anos tentando demonstrar que sou um escritor popular, mas sério. Às vezes é verdade que o que vende muito é muito ruim, por exemplo, 50 tons de cinza é um lixo, pornografia para mamães. Mas A sombra do vento, de Ruiz Zafón, é bom, e Umberto Eco foi muito popular e é estupendo. A popularidade nem sempre significa que uma coisa é ruim. Quando leio uma crítica muito negativa, fico quieto para que o crítico não saiba que estou choramingando. Mas eu sempre as leio porque quero aprender, e quando uma crítica está bem feita, te ajuda a saber o que você fez mal. Se todos dizem que uma coisa não funciona, você pode acreditar neles. Em todo caso, a melhor réplica a uma crítica foi feita por um músico do século XIX cuja ópera foi demolida por eles. Ele escreveu uma carta ao crítico dizendo: "Estou no menor cômodo da minha casa. Tenho a sua crítica na frente e muito em breve a terei por trás."
Quando decidiu ser escritor?
Sabia o que faria aos doze anos. Escrever nunca foi um trabalho. Levo 54 anos fazendo isso e ainda não posso acreditar que continuem me pagando. De fato, não posso acreditar que nos paguem a nós dois por estar fazendo isso!
Eu tampouco. É verdade que teve uma infância um pouco "Oliver Twist"?
Nem tanto. Meu pai foi embora de casa quando eu tinha dois anos e a minha mãe trabalhou muito duro para criar a mim e ao meu irmão. O que mais lamento é que ela tenha morrido de câncer antes de eu fazer sucesso. Eu teria gostado de tratá-la como uma rainha! Meu primeiro romance, Carrie, a estranha foi publicado em abril de 1974 e ela morreu em fevereiro. Ao menos recebi o adiantamento e isso serviu para cuidar bem dela. Ela chegou a lê-lo e lhe agradou, disse que era maravilhoso e faria muito sucesso.
Herdou dela a imaginação?
Não, o senso de humor. A fantasia e a escrita, herdei do meu pai. Ele costumava mandar relatos às revistas ilustradas nos anos trinta e quarenta, embora nunca os tenham publicado. Adorava a fantasia, a ficção científica, as histórias de terror. De pequeno, encontrei em casa uma caixa cheia de livros de Lovecraft, de Clark Ashton Smith; foi como uma mensagem sua cheia de coisas boas.
Como é a sua relação com o dinheiro?
Nunca aprendi a ser rico, não dão aulas disso e não cresci com dinheiro. Quando pequeno costumava pedir 25 centavos para ir ao cinema ou trabalhar colhendo batatas. Nunca pensei que teria muito dinheiro. Minha mãe passou seus últimos dez anos cuidando dos seus pais e em casa nunca houve liquidez. Nesses casos, se, de repente, você põe a mão numa fortuna, pode se tornar vulgar e comprar um enorme Cadillac, paletós de três peças feitos sob medida e sapatos caros. Mas eu cresci numa comunidade ianque onde a ostentação não é bem vista. Depois me casei com uma mulher muito apegada à terra que teria rido muito se eu tivesse voltado para casa com um casaco de pelo de camelo. Ela teria dito: "Quem você acha que é? Mohamed Ali?". Apesar de que eu me venderia como uma puta por sapatos ou por carros, só tenho um carro elétrico. Vivemos modestamente e damos dinheiro às livrarias das cidades pequenas, à Unicef, à Cruz Vermelha. Seguimos o lema de J.P.Morgan: o homem que morre milionário morre fracassado. O dinheiro serve para pagar as contas, fazer teu trabalho, ajudar à minha família e ao meu sogro.
Ou seja, você é um self-made man com consciência social,que pede para pagar mais impostos do que os que já paga.
Todo mundo deveria pagar impostos de acordo com sua renda. Eu gosto de pagá-los só para boas causas, e não para custear guerras no Iraque, que foi a mais estúpida do mundo. Nesse sentido, encarno o sonho americano, embora sem Cadillac.
Também faz campanhas contra a venda livre de armas. Uma causa perdida?
O problema não são as espingardas de caça. 70% dos EUA é rural, e não vejo problema em que as pessoas cacem cervos e os comam. Ter revólveres em casa também não me parece ruim, eu mesmo tenho um, descarregado e longe do alcance das crianças. O grande problema, o que me deixa fora de mim, são as armas semiautomáticas. Dão 40, 60 ou 80 tiros seguidos, como a que se usou na matança de Connecticut. É vergonhoso que se vendam, mas o lobby da Associação Nacional do Rifle trabalha para os fabricantes de armas e se baseia na fantasia de que os EUA são como há 50 ou 60 anos. Dizem que as mortes de crianças são o preço a se pagar pela segurança. A cultura pistoleira forma parte da cultura americana, mas odeio isso, me dá nojo. Depois perguntam por que nunca venho à França ou à Alemanha: porque são civilizados e eu sinto vergonha de ser norte-americano. Amo o meu país, mas ele está cheio de lixo.
Quem ganhará a guerra entre Obama e o Tea Party?
Os do Tea Party são uns idiotas e uns racistas que atacam Obama basicamente porque tem a pele escura. Quando Bush arruinou o mundo inteiro em 2008 com suas ideias ultraliberais, não disseram nada. Agora esse alienígena cresceu dentro do Partido Republicano e não vai parar até destruí-lo, o que não me parece ruim. Sua única ideia é paralisar o governo, sem se dar conta de que a situação econômica está muito melhor do que com Bush. São como uma obstrução intestinal. Espero que em 2014 os americanos decidam dar esses 30 assentos a 30 democratas. Tudo melhorará. Em todo caso, se estão incomodados com Obama, pior vão ficar em alguns anos: o próximo presidente usará saias.
Falemos de Danny Torrance, o menino de O Iluminado, que agora volta com Doctor Sleep.
No fim de O Iluminado, em 1977, Danny tinha quatro ou cinco anos, porque escrevi o romance em 1976, durante o bicentenário, quando Ford era presidente. No início do Doctor Sleep ele tem oito anos. Durante 33 anos, esse menino esteve na minha cabeça. Eu me perguntava o que teria acontecido com ele, se continuaria ou não mantendo esse talento, a iluminação de ler os pensamentos das pessoas. Cresceu numa família terrível. Sua mãe, muito ferida, sobreviveu por milagre à surra da mesa da sala de jantar, e o pai, Jack, era alcoólico, como eu... Sabia que Danny devia continuar com raiva do mundo, porque seu pai era um canalha que abusava deles. A raiva é o centro do livro, entre Jack e Danny há uma geração marcada pela raiva.
O senhor bebia muito na época?
Quando escrevi o livro, muitíssimo. Sabe como é, os escritores temos que falar daquilo que conhecemos.
O que bebia?
Bebia muita cerveja. Isso não é tão forte... Mas é que eu tomava uma caixa por dia, 24 ou 25 latas...
Com outras substâncias?
Não nesse momento. Depois sim, tomei tudo o que se possa imaginar. Cocaína, Valium, Xanax, água sanitária, xarope para tosse... Digamos que eu era um multitoxicômano. O ruim é que na época não havia programas de ajuda, e fiz de Jack um alcoólico pior do que eu. Ele tentava curar a dependência da maneira mais dura e era pior. Agora tentei equilibrar isso em Doctor Sleep pensando no que teria acontecido se Jack tivesse tido ajuda. Então meti Danny nos Alcoólicos Anônimos.
Aquele romance fez com que o rotulassem como um narrador de histórias de terror. Isso o incomodou?
As pessoas, sobretudo os críticos e os editores, adoram os rótulos, gostam de meter os autores em jaulas, colocá-los numa pasta. Para os editores é como vender comida: esse escritor lhes dará vagem; esse, terror; esse, chocolate. Não acho isso ruim. Quando Carrie, a estranhafoi publicado, já tinha outros dois romances escritos, e perguntei ao editor em Nova York qual preferia, um mais literário, de um sequestro, ou outro de terror, Salem. E ele me disse: "O segundo será um best seller, mas se lançamos o de terror, vão te rotular". E eu lhe disse: "Se pagar a conta do supermercado, eu estou pouco me lixando. A minha mulher me chama de querido; meus filhos de pai; meus netos de vovozinho, e eu me chamo Steve. Pouco me importa como me chamem os demais".
Pensou em que lugar da literatura norte-americana ficará Stephen King?
É difícil de saber. Não sei se há vida depois, embora não creia nisso. Mas se ficasse algo semelhante à consciência, a última coisa com que eu me preocuparia seria em saber se a próxima geração me lê ou não. Dito isso, quando os escritores morrem, ou seus livros continuam sendo publicados ou desaparecem. A maioria desaparece. Ficam só alguns e esses são os importantes: Faulkner, Hemingway, Scott Fitzgerald, esquecido quando morreu e resgatado mais tarde.
Em espanhol, Cervantes, García Márquez, Roberto Bolaño, esses ficarão. Bolaño sabia tomar drogas e beber. Mas também acontece de ficarem as pessoas mais estranhas: de Stanley Gardner, o autor de Perry Mason, ficou muito pouco; mas não ficou nada de John D. McDonald, que era estupendo. E simplesmente nada de John M.Cain, mas sim de Jim Thompson. E, mais estranho ainda, permanece Agatha Christie... Ou seja, a gente nunca sabe quem vai perdurar. Acho que os escritores de fantasia têm mais chance de permanecer. E acho que, dos meus livros, resistirão Salem (Salems' lot), O IluminadoA Coisa e talvezA dança da morte . Mas não Carrie, a estranha. E talvez tambémAngústia. Esses são os imprescindíveis para quem os leu, mas não tenho nenhuma certeza de que as pessoas continuem pensando no meu trabalho quando eu morrer. Quem sabe. Somerset Maugham foi muito popular no seu tempo. Agora ninguém o lê. Escreveu grandes romances. Alguém lhe perguntou por seu legado e disse: "Estarei na primeira fila do segundo time". Dirão isso de mim.
Viu como prefere militar na segunda divisão?
Quando você está dentro do negócio, sabe bem qual é o teu nível de talento. Quando você lê um escritor bom, pensa: "Se eu pudesse escrever assim", você nota muito a diferença entre o que você faz e o que escreve gente como Philip Roth, Cormac McCarthy, Jonathan Franzen ou Anne Tyler. Há muitos muito bons.
O senhor continua lendo muito?
Tanto quanto posso, diariamente, embora assista muita televisão. E escrevo todos os dias, acabo de escrever uma coisa sobre Kennedy para The New York Times. Esse ofício é uma paixão. Mais que viver dele, gosto de praticá-lo. Preferiria estar escrevendo agora em vez de estar aqui.
Já acabamos.
Não, você é um cara ótimo, é que as ideias me vêm sem querer. Esta manhã estávamos no carro, paramos ao lado de um ônibus onde havia uma mulher sentada e eu pensei: "E se agora subisse um cara e lhe cortasse o pescoço? Será um conto curto, embora isso nunca se saiba;Carrie, a estranha ia ser um relato também e acabou virando um romance. O importante é essa pergunta: "o que aconteceria se...? Esse é o melhor motor das minhas histórias.
E depois acabam no cinema ou na televisão.
Sim, muita gente vai ao cinema no mundo e isso ajuda a te fazer popular. Mas no fim dá tudo na mesma, porque um dia você se encontra com gente pela rua que te reconhece e te diz: "Você é Stephen King? Cara, eu adoro os teus filmes". Outro dia, num supermercado da Flórida, uma mulher me parou e brigou comigo porque escrevo coisas aterrorizantes. Ela disse: "Prefiro The Shawshank Redemption (conto que inspirou o filme Um sonho de liberdade). E eu: "Fui eu que escrevi ". E ela: "Não é verdade, de jeito nenhum". E se foi.
O livro eletrônico lhe ajudou a vender maisO que acha da Amazon?
Amazon e o livro eletrônico são fantásticos para os escritores. Se antes um editor dizia não, era não. Agora, você pode editar seu livro e vendê-lo. Para os que estamos nisso há tempos, é um mercado a mais. Antes havia capa dura, capa mole e áudio. Agora há também livros digitais, que são maravilhosos. Tudo isso é formidável para os fornecedores do material, que somos nós: sempre vão continuar precisando de histórias. É um problema para os editores, que sempre foram os guardiões da qualidade, mas muitos descobrem novos talentos na rede. E para os leitores é ambivalente: sem livrarias, 90% do que inunda a Amazon é lixo. Como 50 tons de cinza. É inacreditável vender isso como ficção!