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quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Diário de uma boina Basca

Quando soube que Vasco Pulido Valente regressara aos jornais com um diário publicado semanalmente no Público, não saquei logo a pistola porque não uso, mas pensei de imediato no prazer de me lançar na escrita contrapontística de um diário anti-Vasco. Saiu-me na hora um título e tudo: Diário de uma boina basca. Durante uma semana diverti-me com a ideia e sobretudo com o título — mas não me sentei ao computador. Quando finalmente o fiz, senti desolação: eu não ia querer obrigar-me semanalmente a ler aquela prosa sádica que, sob o argumento altruísta de nos mostrar o mundo como ele é, dedica fervor e fel à defesa de um péssimo mundo possível mas não inevitável.

Para alguns bem-intencionados, a escrita alegadamente irónica de Vasco cumpre hoje o papel das farpas de Eça de Queirós. Tem o mesmo espírito endiabrado, o gosto de fustigar a nação. É certo que, como Eça, Vasco procura o efeito e pretende ver o país por uma luneta. Mas o sátiro Eça elevava-se. O sarcástico Vasco entrincheira-se. As suas frases têm o resultado, por vezes implícito mas dificilmente involuntário, de defender posições conservadoras e cínicas.

Outros dizem que em certos aspectos a escrita de Vasco ressuma anacronia como a de Eça. Talvez apenas porque Vasco, historiador, engalana frequentemente a sua prosa punitiva com as casacas e as polainas da época. Mas na verdade, apesar das recorrentes alusões a figuras e factos do século XIX, nem o próprio Vasco pretende confundir-se com Eça, salvo na inconfessada ambição estética de ser o irónico-mor da pátria. E de facto os dois autores não se confundem: a décalage de Eça, morto de um século, não nos tolda o riso; já a pátina reaccionária do plumitivo Vasco, agora redivivo, mendiga pena.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Malefícios da idade?

Vasco Pulido Valente, vetusto comentador da imprensa, escreve isto:
«(…) neste tempo de euforia da esquerda, que a televisão e os jornais servilmente reflectem (…)».
E nesse ínterim nós lemos os jornais todos do país, que andam a levar nas palmas Marcelo Rebelo de Sousa, partilharem, por exemplo, esta “notícia”, por estas ou outras palavras:
«Centeno gastou "integralmente" a "almofada" financeira»
Como qualquer pessoa minimamente atenta sabe, nenhuma das afirmações acima é verdadeira.

Pelo que me pergunto se os meus amigos que ainda acham Vasco Pulido Valente o máximo da perspicácia e da análise política em Portugal não estarão a envelhecer tão mal como ele. Sendo que alguns destes amigos têm menos trinta anos do que o ogre que lhes os excita os neurónios.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Cinismo à portuguesa

Duas afirmações colhidas na Internet sobre o candidato à presidência da República Paulo Morais:
«Tudo o que é demais enjoa, e ainda mais quando se faz vida disso. Se ninguém [o] refuta é precisamente porque o cromo se tornou inofensivo por ridículo.»
«Paulo Morais (…) exibe a sua mania da corrupção, de uma maneira insultuosa e quase alucinada.»
A primeira afirmação é de um cidadão qualquer, a segunda é de Vasco Pulido Valente. É destas duas espécies de cinismo que o país sofre, o cinismo do eleitorado comum e o cinismo dos fazedores de opinião. Ao longo de anos, Morais indicou números e nomes para a história da nossa desgraça. A imprensa e a justiça pouco exploraram as pistas, e o aproveitamento privado do erário público continuou — como de resto todos testemunhámos, de forma mais empírica ou mais esclarecida.
Contudo, não ter o denunciador sido amordaçado, torturado ou preso faz dele um cromo, um personagem ridículo. E a insistência na denúncia é, para o comentador emérito da direita portuguesa, uma forma de insulto (insulto decerto para os benfeitores da economia nacional).

Para ser tido como um candidato respeitável neste país, Paulo Morais tinha de ser morto ou fazer-se matar pelas suas acusações.
A alternativa era ser um betinho palavroso e igualmente inofensivo para o statu quo como Marcelo Rebelo de Sousa — e nesse caso não só o bom povo o elegeria como teria a enternecedora preocupação de VPV com a forma como uma eleição presidencial como esta pode ser aviltante para um cliente do Gambrinus.

Cromo por cromo, o povo português prefere os de pedigree. E para Valente toda a gente é estúpida, mas há os estúpidos comuns e os nossos (dele) estúpidos. 

Um só país, duas manifestações do mesmo cinismo. Não foi à toa que Cavaco existiu. 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

É verdade. As sociedades de partido único resolvem-nos melhor.

«Os pequenos partidos são um sintoma de sociedades que não conseguem resolver os seus problemas.»

Vasco Pulido Valente, Público

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A perversão secreta de um inspector da ASAE

Não li e, por falta de tempo, não tenciono ler as sequelas d’Os Maias publicadas pelo Expresso (excepto a de Rentes de Carvalho, por interesse particular). Mas li com um sorrisito a crítica de sábado de Vasco Pulido Valente. O cronista do Público até pode ter razão na análise e na substância da sua crítica à iniciativa estival do semanário de Balsemão, mas tem forçosamente de se lhe notar um ânimo de virgem ofendida: tocaram no seu Eça e na sua História de Portugal: aqui d’El Rei!
Desconfio, com suficientes motivos, que VPV escreveria catilinária semelhante mesmo que os livrinhos do Expresso fossem todos de inequívoco acerto e interesse.

De resto, quando VPV se mostra tão possessivo em relação a Eça de Queirós está a cometer o pecado da soberba. Ao contrário do que lhe dizem e ele na sua ilusão acredita, Valente não é Eça reincarnado. Desde logo porque não há uma linhagem tibetana do escritor do monóculo que permita reivindicações do género guru alfacinha. Mas sobretudo porque, ainda que VPV tenha um bom domínio da língua e da verrina, falta-lhe humor.
Eça não era talvez menos corrosivo e maldoso do que VPV, mas era mais alegre. Quando embarcava numa prosa demolidora fazia-o com o espírito jovial de quem sai de casa para se divertir. VPV derrama a sua verve como a agoniada criatura da série Alien (que derretia muito metal mas não parecia nada divertida ao fazê-lo).
A verdade é que onde Eça usava a ironia VPV usa o sarcasmo, ou, como reza o dicionário, a ironia acerba, amarga, azeda. Quando lemos Eça de Queirós damos por nós a olhar em volta à procura de quem soltou as gargalhadas que ouvimos (é o nosso momento, breve, de acreditarmos em encarnações), mas depois percebemos que elas emanam do próprio texto, são manifestações do autor, metempsicose entre um espírito oitocentista e o chumbo da mesa de composição na tipografia. Já a última página do Público ao fim-de-semana induz outra mística: lemo-la com o embaraço de quem dá por si a espreitar pela janela a perversão secreta de um feroz inspector da ASAE.

Eça não deixava que a necessidade de arrasar perturbasse a ocasião de rir — VPV age com a incumbência e o humor de um mangas-de-alpaca da corrosão. Eça ria-se como um diabrete — Vasco, se é que ri, ri como um velho diabo.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Do estado das artes

«(…) durante 30 anos de absoluta liberdade não apareceram “actividades culturais” de qualidade e consequência: em 2012 continua a não haver teatro, dança, ballet e tudo o resto.» Vasco Pulido Valente, in Público de 23/12/2012

No mesmo artigo em que reconhece que a cultura sempre viveu financeiramente mal neste país, Vasco Pulido Valente é capaz de cometer a frase tremendista acima e de afirmar que os produtores (culturais) «mais do que merecem» a ausência de público. Público que, aliás, tem um manifesto «desinteresse ou repugnância» pela «presença ou só o cheiro da Cultura».
Ora, é curioso que o anacoreta Valente, que reconhece a atávica alergia tuga à cultura e o subfinanciamento da dita, não hesite, como sempre faz, em culpar os produtores culturais pelo (suposto) fracasso das artes em Portugal.
Se não soubéssemos que a especialidade pulidiana são os raciocínios mancos servidos com prosa gourmet, talvez estranhássemos. Ou se não conhecêssemos a necessidade patológica que o arquétipo do velho rezingão tem de considerar Portugal um esgoto.

Curiosamente, nem estou de acordo com a premissa de que a cultura tem sido subfinanciada. Ou por outra: nos últimos dez anos houve orçamentos simpáticos para a cultura, o que acontece é que, como aliás VPV também refere, em Portugal a cultura é um chapéu de abas muito amplas. Tão amplas que tem sido possível acolher na sua sombra com uma regularidade e um cachet impressionantes o cançonetista Tony Carreira e uma miríade de epifenómenos.

Se não há público em Portugal para a cultura é porque aos portugueses têm sido servidas doses maciças de imbecilização nas TVs, nas rádios e nas escolas. Quase todo o espaço público português, incluindo a RTP e os artigos do triste Vasco, está ao serviço da estigmatização das artes. Para os media nacionais, teatro em Portugal são as comédias do sr. José Pedro Gomes. As comédias de J. P. Gomes (por vezes hilariantes) já eram quase tudo o que a maioria dos portugueses suportava e quase tudo a que a maioria dos portugueses assistia, mas a crise veio trazer uma súbita necessidade de humor ao país. Os nossos concidadãos, néscios e carentes como crianças órfãs, nunca foram encarados como seres inteligentes e interessados em alguma coisa diferente da anedota, mas agora a anedota é também caridosa e salvífica. Ainda ontem na Prova Oral da Antena 3, do sintomático Alvim, se reforçava esta crença, à sua maneira, natalícia.
Pelo seu lado, as escolas, na senda dos programas televisivos de talentos anónimos, estão mais apostadas em levar os meninos ao palco do que em sentá-los na plateia. As escolas, corpos docentes inteiros, como as TVs, seguem a ideia de que quem é capaz de gorjear uma cançoneta sem cair do palco é um portento das artes. E estão igualmente disponíveis para incensar o talento mimético e acéfalo. Na mesma medida em que, com honrosas excepções, estão indisponíveis para fazer qualquer pedagogia ou ilustração, aliás o seu mester.
(As universidades não contam para a educação nacional; são geralmente inúteis nesta equação das artes.)

E entretanto, ao contrário do que é apregoado no espaço mediático da paróquia, as artes lusas recomendam-se vivamente. (Posso sustentá-lo com uma lista, se alguém o desejar.) Concedo que seja necessário ir aos teatros e aos museus para saber disso — mas as televisões, as escolas e a opinião pública, incluindo a última página do Público ao fim-de-semana, não sabem como se sentar calma, anónima, regular e atentamente numa plateia. É este, e não outro, o drama das artes em Portugal.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

IV Reich?


A imagem acima, com que tropecei no Facebook, é de um texto de Vasco Pulido Valente. Prosa de Outubro de 1989, no Independente.
Lembro-me deste artigo (ou de outros no mesmo sentido). O historiador conhecia a matéria e os seus cenários parecem assustadoramente certos, se entendermos a actualidade naquele sentido meio «bélico». Mas é curioso recordar que na altura VPV designava isto como «o problema alemão», quando hoje lhe parece conceder uma certa legitimidade, justeza. Como se o domínio da Alemanha, mais do que inevitável (pela sua pujança económica e pelos erros dos outros países) fosse uma questão de justiça, deixasse de ser um «problema» para ser a recompensa certa e até «moral» pelo seu mérito. Restando-nos, aos outros países, assumir a condição de vermes submissos.
Mas talvez não haja motivos para tanto fatalismo. A Alemanha certamente não se revê no retrato pulidiano de 1989, e talvez no final do dia, fruto de outro «problema» chamado «globalização», precise tanto da UE como a UE dela. Bolas, alguém tem de ser optimista — para pessimista (ou «realista», diria ele) basta o Vasco. De resto, não consta que as suas piores previsões tenham acertado. Por enquanto, pelo menos.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

A oficialização do óbvio

No que toca ao caso Relvas, podíamos achar que o óbvio se tornara ululante mesmo para o mais distraído ou comprometido português, mas ainda carecia de oficialização. Com algum atraso devido aos seus imensos afazeres, o guru da direita, o sempre frontal, precursor e clarividente Vasco Pulido, lá pôs o carimbo na coisa — nos fundos de um artiguito que é, por assim dizer, um exemplo de prosa directa, clara e sobretudo corajosa: «não deve existir um lugar marcado para a irresponsabilidade no Conselho de Ministros»*.

É certo que não menciona o nome do ministro Relvas e evita a palavra demissão, mas isso porque os grandes educadores do povo têm horror aos «bas-fonds da política». A populaça que traduza o artigo e aplique se quiser a eufemística sabedoria ao seu vil quotidiano.

De qualquer modo, a direita pode agora ser menos contumaz que já não é vergonha nenhuma — tem o exemplo do santinho padroeiro.

*In «Mais desgraças», artigo no Público de 27/5/2012

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Acontece

Leio a crónica da última página do jornal de hoje e estranho: o JN mudou de grafismo? Pouco provável. Coço a cabeça: o Manuel António mudou-se para o Público? Não. É o Vasco a ter razão completa. Também lhe acontece.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Vasco, o retratista

Consta por aí (uma simpática leitora até me escreveu a informar disso) que em três pinceladas Vasco Pulido Valente pintou no Público o retrato certeiro e definitivo do Portugal recente — com o nobre intuito de fazer o enterro do socialismo. Um reverente blogue de direita reuniu as palavras sagradas num post que pode ser lido neste link. (A direita sempre precisou de um papa, e em Portugal a oferta aumentou exponencialmente nos últimos tempos, mas algumas almas fascinadas parecem tê-lo encontrado sobretudo na encantadora figura do decano cronista.)

Despertado na minha caverna pelo correio amável que me enviaram, lá fui eu ler a trilogia pulidiana “Esquerda e direita”, prometendo a mim próprio não voltar a embirrar com o homem. Em vão.
Como retratista, Vasco não usa a paleta toda, pelo que as suas telas resultam um pouco artificiais. Aquilo é real, sabemos penosamente que sim, o autor tem talento para o desenho. Mas, como recusa uma mais plausível prolixidade cromática nos acabamentos, a obra parece velada por uma fina gaze, como se o mestre pusesse um filtro à frente do olho que deita ao modelo. Num relance, chega a parecer uma daquelas gravuras vendidas em lojas de decoração que apostam numa limitada gama de cores: uma serra em escala de azuis, o pôr-do-sol em escala de laranjas, estão a ver o género.

Sem piedade, a trilogia conclui que o socialismo (ou a social-democracia) foi responsável pela crise nacional e europeia — e o Estado Social foi o seu instrumento. Ora, os americanos, mormente a feroz percentagem republicana deles, parecem não concordar. Começam, aliás, por não concordar que exista uma crise europeia. Parece, diz-se na campanha republicana, que a pátria da liberdade (e da recusa do Estado Social) está terrivelmente endividada, tem um défice preocupante, cresce menos do que desejaria, entrará provavelmente em recessão, vê o desemprego aumentar com perigo para a estabilidade social, etc. Os sintomas, dirão eles para proteger o orgulho ianque, são “europeus”, agravados por um presidente “socialista”. Mas nós sabemos o quão socialista Obama tem podido ser, e como a economia americana divergiu profundamente da sua ortodoxia.

O retrato pulidesco tem assim, talvez, de ser retocado — antes que os óleos sequem. (Depois disso, só uma equipa de restauradores do Louvre o poderá fazer, e nós não temos assim tanto tempo para esperar.) Se eu próprio não tivesse abandonado os pincéis e o atrevimento, propunha portanto ao insigne artista que matizasse a sua tela com uma das duas seguintes cores (ou ambas):

1) Talvez não tenha sido a social-democracia a falhar, mas o próprio capitalismo, tal como posto em prática;
2) O despesismo, a corrupção, a incompetência da máquina fiscal, a mitigada redistribuição de rendimentos, a especulação financeira, etc. são em si responsáveis pela crise, independentemente do sistema em que ocorrem.

(Quando se pinta um retrato de uma entidade viva, convinha, de resto, não esquecer 2008. A elipse foi uma figura de estilo inventada por Estaline para a fotografia, não para a pintura.)

Claro que o pulido cronista, quando isso não lhe atrapalha a argumentação para uso no flagelo doméstico, estende o problema ao Ocidente inteiro, sem que então lhe interesse assim tanto distinguir sistemas. Ou seja, para ele a peçonha é, consoante os dias, uma particularidade da Europa (que tem no socialismo e em Portugal os seus mais desprezíveis cultores) ou do Ocidente inteiro (se a prosa tiver uma ambição mais universal e exacta e menos luso-moralista). De uma forma ou doutra (e aqui não se engana nada), a crise é dos países que tiveram preocupações com o bem-estar dos cidadãos. Daí alguma direita (não só ela) andar agora fascinada com a China, esse sábio sistema que aproveita o melhor do capitalismo sem se tornar sentimental. Os sentimentos sempre foram um empecilho quando se trata de criar riqueza. Para alguns. 

domingo, 22 de janeiro de 2012

Vasquito

Só li citações (ando a poupar nos jornais), mas parece que o camarada Vasco, escrevendo sobre cultura, ontem falou de “produção nacional”. Diria que o fez para dar razão ao seu próprio argumento: em Portugal não falta quem fale sobre o que não conhece.
Acertou, não duvido, na questão dos vereadores — quanto a mim, acerta-se sempre quando se fala mal de vereadores.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Sai mais um bagaço

«O Governo de coligação PSD-CDS, desde que tomou posse, ofereceu, generosamente, à gente sua amiga uma dezena de lugares de proeminência muitíssimo bem pagos. O que produziu um escândalo de certa maneira inesperado. (…) À superfície não se vê por isso o motivo por que um acto, por assim dizer normal, de Passos Coelho provocou agora tanta indignação e tanta conversa.»
Vasco Pulido Valente, «Uma velha história», Público de 14/1/2012

A “análise” de que extraí o pedaço acima não se distingue, a não ser pelo acabamento da prosa, daquilo que produziriam habituados comentadores de tasca, exímios a concluir serem os políticos todos iguais e a defender ser profundamente estúpido considerar a mudança. Fecha a porta ao debate da mesma forma (embora com outra conveniência, mas não é esse o ponto que agora me interessa).
Por vezes espanta que as redacções de VPV, com frequência pouco mais do que fúteis, façam dele o cronista-mor do reino. Mas a explicação é simples: também a intelectualidade portuguesa não se distingue geralmente do auditório de taberna — excepto por uma mais aguda sensibilidade à gramática e à retórica. Se estivéssemos no século XIX, o corte da jaqueta seria igualmente considerado. E aí o escriba teria talvez de mudar de alfaiate.

sábado, 17 de dezembro de 2011

A relíquia

O Público tem na sua última página dois colunistas e uma relíquia. Infelizmente, não segue a política dos museus nacionais de fechar a página ao fim-de-semana. Mas devia. Se a ideia é ter naquele espaço representantes da direita e da esquerda, o Pedro Lomba e o Rui Tavares cumprem-na com distinção. O tipo que que entra de serviço à sexta desequilibra o arranjo. Mas não exactamente por favorecer um dos pratos da balança: antes porque acrescenta uma dimensão bizarra às coisas. No Público, há a realidade, há as interpretações da esquerda e da direita e há a visão do Vasco. É um pouco como se diz dos ingleses: bem comportadinhos nos dias úteis e bêbados ao fim-de-semana. É divertido, claro, ler-se a última página do Público de sexta a domingo, mas, como a cerveja, não traz proveito à vidinha que nos espera na segunda. Só que, instituído como está o Vasquito ao fim-de-semana, prescindir agora o Público da sua prosa seria como a New Yorker abdicar do flâneur e da borboleta. (Ou só da borboleta, pronto.)

Tendo em conta a crise da imprensa, talvez o Público pudesse proletarizar-se um pouco e ir buscar ao JN o Manuel António Pina. Ganhava-se a classe média e ganhava-se em pontaria, é certo, mas prejudicava-se a decoração da casa. Os dois são escribas sucintos, mas têm utilidades diferentes: Manuel António escreve pouco e acerta muito; os textitos do Vasco vão bem com o grafismo e as cortinas da Redacção. No dia em que acabem com ele (salvo seja) repetir-se-á o avassalador drama ocorrido quando o Público mudou de logótipo: lágrimas e ranho por uma ou duas infindáveis semanas.

Claro que se o Público dispensasse o Vasco a ERC poderia intervir. Quer dizer, talvez não a ERC — o Instituto dos Museus e da Conservação. Ou o Instituto de Arqueologia*. Uma dessas entidades tão absolutamente caras ao novo poder decerto sairia em defesa da sua relíquia queirosiana.


* Como é evidente, o Governo decidiu fundir o IMC e o IGESPAR apenas para estragar a piada.


[Nota: texto revisto e com pequenos acrescentos.]

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Teatro Nacional

Quando Vasco Pulido Valente, a propósito do Dona Maria, insiste no «fracasso» da dramaturgia nacional como uma das duas razões para no seu entender se extinguir a instituição, dir-se-ia que na sua cabeça está um Teatro Nacionalista, não um Teatro Nacional. Não é estranho que à época da sua instituição o TNDM II pretendesse criar um repertório nacional, mas seria estúpido que mais de cento e cinquenta anos depois essa permanecesse a única ideia ou a ideia fundamental (quando, aliás, Shakespeare entrou naquela casa logo no século XIX). Ainda que aceitássemos nada se ter escrito no domínio dramatúrgico em Portugal que valesse a pena, caberia contudo explicar porque não se justifica um Teatro que apresente peças estrangeiras. O chauvinismo não parece ser razão séria — e é talvez pouco respeitável alguém que defenda um Portugal fechado sobre si mesmo.

A outra razão que VPV aponta é a inexistência de público para o teatro em Portugal. Este argumento não é de todo destituído e, apresentado na sua forma simplória, colhe em vários círculos pensantes e decisores. Poder-se-ia argumentar que, por exemplo, as Finanças em Portugal também não têm uma audiência fácil, mas nem por isso deixam de tentar existir. A resposta é que as Finanças são fundamentais para a sobrevivência do país, o teatro não. É verdade. Mas de que país estamos a falar?
Um país que dispensa o teatro com este argumento dispensa, por coerência, todas as manifestações culturais “eruditas” (ou não comerciais). Não significa isto que os utentes são necessariamente os mesmos, significa que — do teatro à literatura, da dança à história, das artes plásticas à filosofia, da cultura clássica à mais contemporânea — são todos minorias, pouco relevantes, se avaliados por uma estatística cega.
Ora, um dos deveres democráticos de um Estado é assegurar uma sobrevivência digna às suas minorias — mesmo que antropologicamente, se quiserem. Depois, se pretender integrar uma certa ideia de civilização, poderá tentar fazer mais alguma coisa.
É claro que muitos convivem bem com ideia de choldra, até para poderem continuar a usar a sua gramaticazinha queirosiana. Mas não parece ser essa a função de um Governo.

Excedeu-se o Estado português neste seu labor de assegurar a “alternativa democrática” na área da cultura? Com um orçamento significativamente inferior a 1% do OE não parece ser o caso. Tanto mais que o investimento público na área do entretenimento, da festa pura e dura, do pimba, é superior. Mas isto, mesmo que inútil, é popular, concorrido — e, enfim, não se intromete no quintal do cronista.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Irritações 2

Ignoro como seja Vasco Pulido Valente na sua existência real. Apenas conheço a persona que se projecta a partir dos textos que ele escreve. E esta por vezes* faz-me pensar em certos escritores que deixam de se interessar pelo seu tempo, pelo menos enquanto intervenientes, já só vivem para a posteridade. Perguntam-lhes por autores vivos que eles admirem e eles têm um gesto de enfado. Todos os que são dignos de louvor estão mortos e enterrados, não pertencem a esta época. Jovens promessas das letras? Não lêem, não acreditam, não têm tempo nem paciência. Quando não estão a escrever, relêem os mestres. De resto, já não crêem na literatura, os livros vão desaparecer. Talvez alguns grandes vultos sobrevivam. E, sim, admitem se instados, modestos, ficariam contentes se uma ou outra obra sua se incluísse no panteão.
Esta não é uma arrogância nova, repete-se a cada geração ao longo da história. Em certos espécimes envelhecidos, a falta de generosidade e o egotismo vencem o sentimento de pertença e a curiosidade. A urbe é a certa altura para estes pessimistas como as trezentas concubinas para o geronte Salomão de A Cidade e As Serras: um serralho «ridiculamente supérfluo». Mas, como diz Jacinto, não são exactamente as concubinas que se tornam imprestáveis.
Talvez a literatura acabe, mas será por falta de leitores, não de escritores. Se estes Schopenhauers (para nos mantermos na perspectiva do Jacinto queirosiano) não estivessem publicados, se não tivessem sido lidos, se mantivessem um mínimo de abertura e curiosidade em relação ao que se produz no seu tempo, talvez vissem o problema pelo lado certo. A época não tem falta de génio criativo — tem falta de público. Décadas antes, as pessoas eram postas no caminho das obras, literárias ou outras. Agora, com conivência geral, as obras são afastadas do caminho das pessoas, como obstáculos que impedem o avanço da carroça.
Estes jubilados podem já não ter ânimo para ir admirar ou agitar as artes — mas escusavam de ser tão prestimosos a promover o enterro delas. Escusavam de pôr o seu prestígio ao serviço da actividade funerária.

*Ver Público de sexta-feira.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Irritações 1

Para Vasco Pulido Valente não há nada no país que valha realmente a pena. E nem vale realmente a pena tentar promover seja o que for. Por ele, o país fechava e deitava-se a chave fora. Vasco Pulido Valente é um velho resmungão, possivelmente misantropo. Escreve livros que a esmagadora maioria das pessoas ignora. No entanto, ninguém questiona o seu direito a escrevê-los e publicá-los. Durante anos, ninguém questionou o seu direito a investigar ao seu ritmo e ser pago para isso. Se aplicássemos à sua obra os critérios demagógicos que hoje vigoram e que ele aplaude, talvez lhe estivéssemos a pedir indeminizações.

sábado, 24 de setembro de 2011

A decadência do Ocidente I

Artigos como “A Decadência do Ocidente”, de Vasco Pulido Valente (Público de ontem) aliviam felizmente a desproporcionada autoflagelação patriótica e recentram (bem) o debate, já não na Europa, mas no Ocidente. Decerto que nada impedia Portugal de ter sido menos “ocidental” no seu endividamento, de ter tido um desempenho económico mais sensato, mas isso seria pretender que Portugal tivesse agido fora do “lugar-comum” europeu (e ocidental), tivesse tido a argúcia precoce de conceber a ruptura ou a falência do sistema. Teria sido admirável (e eventualmente salvífico), mas pouco provável, pouco de acordo com o nosso perfil de "aluno esforçado" — e, provavelmente, teria merecido a censura dos nossos parceiros.
Muitos dos que agora vêem com nitidez a decadência do ocidente estavam antes razoavelmente pacificados com o modelo económico em vigor, quando não eram eles próprios exímios gastadores nas suas áreas. Não eram talvez os casos de VPV nem de Medina Carreira, mas mesmo estes não se teriam atrevido (e creio que ainda não se atreveram) a dar o salto necessário no raciocínio: a decadência do Ocidente é talvez sinónimo de uma falha básica do capitalismo: o crescimento infinito é uma quimera. Perigosa.
Importaria sobretudo perceber se o endividamento que nos condena a todos, e nos deixa nas mãos dos especuladores e da China, teria sido evitado se o modelo capitalista tivesse sido empregue com mais, digamos, moderação. Ou seja, se se tivesse evitado esbanjar dinheiro em obras faraónicas e não raro inúteis, se não se tivesse feito das derrapagens absurdas nos orçamentos de obras públicas (invariavelmente com proveito de privados) a norma, se se tivesse legislado e posto em prática um modelo judicial capaz de diminuir drasticamente a corrupção, se a democracia tivesse sabido ser inclusiva e (portanto) promotora da produtividade dos cidadãos, se se tivessem condicionado ou evitado as regalias das classes dirigentes (carros, motoristas, cartões de crédito, vencimentos exorbitantes, pensões precoces e ricas), se se tivesse definido um espectro bem menos generoso para variações salariais (a quantidade de pessoas que em Portugal ganham mais de 3.000 euros é simplesmente suicida). Em suma, importa perceber se a causa do declínio do Ocidente é a desvirtuação do sistema ou se, como alguns pretendem, é a própria definição de Ocidente (segurança social, conforto, bem-estar, direitos humanos) que inclui a cláusula de implosão.
Talvez seja prematuro declarar a insolvência do capitalismo, mas é sem dúvida triste que antes disso se declare a falência da civilização.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Vasco Pulido Valente e o equívoco*

«Durante trinta anos, Portugal gastou bastante mais do que ganhou» e agora tem de pagar os desvarios. Num ano ou dois.
Aquele é o diagnóstico (de resto acertado), e esta é a sentença, pronunciada com um sadismo de velho mestre-escola.
Percebo o furor. A um queirosiano não são permitidas meiguices. Depois de Uma Campanha Alegre, malho que hesite não conta. No entanto, a venerável retórica de Vasco Pulido Valente, se serve para nos divertir, não serve a verdade.
O endividamento de Estado não foi uma originalidade nacional, mesmo tendo em conta os níveis absurdos que atingiu com Sócrates. Durante as últimas décadas, esta foi uma praxis ocidental, aliás incentivada pelo sistema económico internacional vigente, com manifesto regozijo dos mercados. Um estado que resolvesse seguir um caminho diferente ou era nórdico ou era estúpido. Ora, não consta que haja fiordes em Portugal e desde 1986 que a Europa não nos deixa ser (demasiado) estúpidos. Pelo contrário: de alguma forma, a Europa indicou-nos este caminho, ao “sugerir-nos” que não havia necessidade de produzirmos tanto em áreas como a agricultura e as pescas, por exemplo.
O descalabro poderia ser evitado? Claro. Aqui como na Espanha ou em Itália. Ou nos Estados Unidos. Mas, de certeza que cinco anos atrás havia assim tanta gente favorável a uma mudança de paradigma económico (que é aquilo que está em cima da mesa)?
Um destes dias, a Europa e os EUA vão descobrir que não se resolve em 24 meses um erro colectivo velho de trinta anos. Isto muito antes de descobrirem que a premissa de crescimento permanente em que assenta o capitalismo também terá de ser revista.

*Público de hoje.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Panem et circenses

«Há muito tempo que o Estado tomou sobre si o extraordinário encargo de animar a populaça», escreve Vasco Pulido Valente e tem razão. Nos factos e na crítica que o adjectivo deixa implícita. É, de resto, uma crítica partilhada por uma parte dos comentadores de direita e pelo Secretário de Estado da Cultura. Acabar com o circo parece e é uma campanha urgente. Num país a sério não se usam as instituições do Estado como comissões de festas. O papel de mordomos de romaria ou anfitrião de circo cabe à sociedade civil — e a palhaços encartados.
Acontece que a sanha da direita agora no poder mais do que se arrisca a deitar fora o menino com a água do banho.
A obscena promiscuidade entre o que é animação e cultura tem dois sentidos: algumas das instituições que providenciam o disparatado entretenimento vão sendo também responsáveis pelo pouquinho que resta de cultura na lusa pátria. Acabar com elas sem mais é pintar de cinzento o país, de um velho e estupidificante cinzento.
Ou a direita deseja isto ou não conhece o país que habita.
Uma das razões nem sempre mencionada quando se apela à extinção das estruturas culturais do país é o incómodo da direita com a arte contemporânea. A EGEAC, um dos alvos do artigo de VPV, é, entre outras coisas, também promotora de acções neste âmbito. Para a direita que temos no poder, animação e arte contemporânea são a mesma e desprezível coisa. Mas talvez a direita, se frequentasse mais o país real, soubesse que onde lê arte contemporânea poderia ler arte clássica. A realidade é esta: tirando a animação, tudo está no mesmo triste bote neste rectângulo que se afunda. Julga a direita que a música clássica se salva sem a subvenção e as instituições do Estado? O bailado? A ópera? A literatura? O teatro clássico? O teatro, tout court? Que os cidadãos correm a ver o que se lhes ofereça nesta área? Que pagam um tostão que seja se por azar passarem à porta? Em que planeta vive esta direita?