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domingo, 11 de dezembro de 2022

Traje da Beira Alta

Em 1977, com o patrocínio da OLIVA foi editada uma coleção de 16 postais com a temática de trajes portugueses femininos, das regiões portuguesas, insulares e ultramarinas. As ilustrações são de Laura Costa, de quem temos falado. Esta artista caracterizava com frequência o tipicismo dos trajes portugueses que os utilizou em muitos dos seus desenhos e foi com saia de lã com riscas escuras, avental do mesmo tecido, blusa branca, colete de rabichos de pano azul, lenço de chita garrida, capucha de burel, mitenes de lã, meias brancas e chinelas, que retratou a região da Beira Alta.



Gosto da caracterização, só que eu não me lembro de em Forninhos haver este traje de mulher ou um traje próprio. Já escrevi alguma coisa sobre o nosso trajar e dizia então que as roupas interiores eram de linho, cada família cultivando o seu linhar e a roupa de fora, era de burel, batido no pisão. As mulheres para além da capucha de burel para se livrarem do frio e das saias pelo tornozelo, usavam avental com duas algibeiras, uma de cada lado, lenço preto na cabeça ou um "caichené" todo enramado, também usavam ao domingo mantilha e xaile de merino; nos pés, umas chinelas ou tamancas.
Na minha infância, algumas velhas ainda usavam essas saias compridas, xaile e lenço atado no pescoço ou atrás da cabeça ou ainda no alto da cabeça (tipo orelhas de lebre), mas não me lembro de vê-las com mitenes e admirar-me-ia que as suas avós os usassem. Mas para Laura Costa ter este conhecimento não seria indiferente a convivência com Fernando de Castro Pires de Lima, médico, professor, escritor e etnógrafo português, de que foi ilustradora de vários livros infantis adaptados de histórias populares por este.
Ocoletes com rabicho ou corpetes e meias brancas eram peças que apenas eu via no Entrudo ou em momentos "folclóricos".
As mulheres de Forninhos pouca roupa possuíam do que a que andava no corpo e a de ir à missa. O vestuário era praticamente reduzido a duas mudas: a de trazer a cote e a das festas, dos casamentos e dos enterros - incluindo o da própria, porque para a mortalha era sempre guardada a roupa melhor que tinha.
Mulher viúva vestia roupas pretas por todo o resto da sua vida.

sábado, 6 de novembro de 2021

Velhos são os trapos

Na economia doméstica antiga, nada se perdia, tudo se criava..."No aproveitar é que está o ganho" - dizia-se. Os farrapos, os restos de tecidos, reaproveitados foram uma das primeiras formas de reciclagem...
Reduzidos a tiras, mandavam-se tecer, em arcaicos teares manuais e saíam mantas que serviam para a cama, para o berço dum filho e até para apanhar a azeitona!

novelos feitos de trapos/farrapos

Tear

Manta de farrapos

Mais alguns exemplos do que se podia e pode ainda fazer com os velhos trapos:

Passadeira de farrapos

Tapete feito com trapos

O mesmo tapete, mas virado ao contrário

Clicar nas imagens para ampliar.

E como esta é a altura do ano em que mais lembramos e honramos os que já partiram, aproveito para lembrar que ligada à fiação Forninhos teve fiadeiras e, pelo menos, uma tecedeira, chamada Nazaré Esteves. Penso que era avó da Luzia, pois casou com Daniel Almeida, no dia 11-01-1897, conforme registo:


Podia confirmar com a minha tia Margarida, como era costume, se houve mais tecedeiras, mas a minha tia deixou-nos ontem e o funeral foi hoje ao início da tarde, no cemitério de Forninhos. Tinha 85 anos. 
A minha tia ajudou-me a construir a história do BlogDosForninhenses e eu não esquecerei as conversas que tínhamos ou a sua admiração, o apoio, por quem se dedicava ao conhecimento do passado. Ganhei dela uma visão do mundo e da vida que não tenho.
Obrigada tia Margarida pelo que nos deu. Será sempre lembrada.

Tia Margarida

Será rezada a missa do 7.º dia, na igreja de Forninhos, dia 13/11, pelas 16h00.

sábado, 16 de maio de 2020

Patimónio popular: O Tronco

Sendo o gado vacum, asinino e cavalar um auxiliar precioso para os trabalhos do campo, depressa o povo concluiu que lhes tinha de proteger os cascos, o que deu ao proliferar nas aldeias de um equipamento fundamental importância: o "Tronco" que servia para ferrar o gado do trabalho. 
O
Tronco de Soutocico, Arrabal, Leiria

O tronco tal como a própria designaçao indica, consistia numa estrutura de madeira, de quatro pilares obtidos através de troncos, dois deles com orifícios onde se fixava uma pequena armação em madeira, em forma de jugo, onde era metida a cabeça do animal quando vinha a ferrar. A estrutura cingia-lhe os movimentos, permitindo ao ferrador executar o seu trabalho, evitando coices e cornadas.
Houve dois em Forninhos. 
O mais antigo de que há memória era nos Olivais; o outro ficava na direcção do Picão, perto da escola velha (hoje Casa/Sede da Junta de Freguesia). 
Havia ali um largo com oliveiras e nesse largo fizeram o 2.º tronco, que servia todos os lavradores de Forninhos e de outras povoações, que quisessem vir ali limpar e proteger os cascos dos seus animais de trabalho. Ainda existia há uns anos.
O ferrador era o tio Belarmino do Barracão (já falecido), uma pessoa muito entendida em animais, com conhecimentos de veterinário popular, formado na universidade da vida, por isso chamado também sempre que algum animal doméstico sofria acidente ou tinha um achaque. Exemplo, quando as vacas se engasgavam com uma batata entalada na goela, lá vinha o tio Belarmino do Barracão...
Trabalhou nos dois troncos a "calçar" e cuidar dos animais dos nossos antepassados. 
Bem-haja!
Toda a gente conhece as ferraduras de burros e cavalos. Menos conhecidas são as ferraduras dos bois, chamadas canelos.
Cavalos, burros e machos, animais com casco único, levavam ferraduras, seguras com cravos que entravam a martelo. Já as vacas, animais de dois cascos, eram aplicados canelos, igualmente seguros por cravos.
Imobilizados os animais, o ferrador tirava a ferradura velha com uma grande turquês. Depois cortava com um formão um pouco do casco. Alisava o casco com uma grosa e aplicava-lhe a seguir com grandes marteladas uma nova ferradura, ajustada ao tamanho e unha do animal. Com um martelo espetava os cravos - uns pregos que eram enfiados em buracos da ferradura de modo oblíquo relativamente à pata. Depois cortava e limpava com uma grosa as pontas dos cravos que saiam do casco.
Existe uma expressão relacionada com o ofício de ferrador "dar uma no cravo e outra na ferradura" que significa dar um golpe certo e outro não, dizer duas coisas contraditórias.
Naquele tempo, nos animais sujeitos a muito trabalho, os cascos dianteiros tinham de ser ferrados de quinze em quinze dias, não só por trabalharem todo o santo dia, mas devido também ao esforço desses animais na tracção dos carros pelos caminhos pedregosos. Mas havia lavradores que não levavam ao tronco os seus animais com esta regularidade.
O meu pai disse-me que as conhecidas jarmelistas foram as primeiras vacas que o meu avô teve e se o tio Belarmino não viesse dentro de quinze dias a Forninhos o meu avô Cavaca ia ao tronco das Antas ou de Dornelas. Foi lá muitas vezes...
Como em quase todos os lares havia pelo menos um animal de tracção ou carga, o tempo de espera para ferrar os animais, chegava a ser um bom par de horas, ou mais...!
O que vale é que havia por perto tabernas onde podiam esperar pela sua vez enquanto toamavam uns copos e conversavam. Mas também podiam ficar a conversar entre si, perto do tronco. Os troncos de ferrar eram locais de convívio aonde acorria muita gente para contar e ouvir histórias e novidades.

Nota: Foi com a preciosa colaboração do meu pai: Samuel Cavaca, filho de um afamado lavrador de Forninhos: Zé Cavaca, que fiz este artigo sobre um "património menor", porém de uma funcionalidade e de um saber-fazer importantíssimo. 

domingo, 23 de junho de 2019

Tempos de "ócio"

Como é que as mulheres de antigamente ocupavam os seus tempos de "ócio"?
Antes de mais, falar de "ócios" para uma mulher casada nos anos 40, 50, 60...na aldeia só pode ser uma piada de mau gosto, já que essas mulheres tinham sempre que fazer: lavar roupa, varrer a casa; preparar a comida para o vivo (os animais), pois na maior parte dos casos estava a cargo das mulheres; acartar lenha, preparar as cinco ou mesmo seis refeições do dia, amassar e cozer o pão. Depois disto tudo, que tempo havia de restar às mulheres da aldeia que se possam mesmo dizer "tempos de ócio"?
Os poucos momentos que tinham ainda assim eram passados a trabalhar: sentadas ao soalheiro passavam o tempo a remendar meias, a bordar, a fazer meia com cinco agulhas (anos 40 e 50), a fazer malha com duas agulhas, a fazer renda (mais tarde nos anos 60)...
Ou seja: mesmo nesses momentos, o tempo livre era para uso da casa e família.
Era o tempo de criar sete, oito, nove, dez, onze, doze filhos. Era um amanhecer cedo e deitar tarde, desde as sementeiras às colheitas. 
E, à noite, sob a luz do candeeiro, de azeite, de petróleo, era quando se podiam sentar na máquina de costura para deitar uns fundilhos nas calças dos maridos e dos mais pequenos ou transformar a roupa dos mais velhos para os mais novos. Até que um dia...
Correu no povo que não era bom coser à noite pois aparecia "a costureirinha", uma personagem de outro mundo, uma alma penada que faltara ao cumprimento de uma promessa.
Segundo testemunhos, à noitinha ouvia-se o tic-tic-tic de uma máquina de costura, das antigas, de pedal, assim como o cortar da linha e até, segundo alguns relatos, o som de uma tesoura a ser pousada. O som podia vir de qualquer casa vizinha onde houvesse uma máquina de costura a trabalhar, mas, certo é, que estes inexplicáveis sons deram origem à "lenda-da-costureirinha" (no Google há várias lendas associadas) foi assim que se deixou a costura nocturna e era nas tardes livres - quase sempre ao domingo - que as mulheres se sentavam a costurar na máquina.
Era o tempo de uma sociedade que tinha os seus medos, os seus mitos, as suas crenças e o seu modo de ser e de estar na vida.
A minha avó materna, lembro que tinha a sua máquina no quarto de dormir junto à janela virada para a rua e era onde as suas filhas nas horas vagas se sentavam a costurar. Foi na máquina da minha avó que a minha mãe aprendeu a coser roupas e a minha avó disse várias vezes em vida que quando morresse a máquina ficava para a minha mãe, mas na partilha dos herdeiros não lhe coube a máquina.
Entretanto, a minha mãe comprou uma máquina manual que colocava sobre a mesa e enquanto cozia rodava a manivela com a mão. Eu pedia-lhe que me deixasse coser (parecia fácil), mas ela não me deixava, não fosse a agulha partir-se ou eu picar-me nela!
Depois vim para a Grande Lisboa e o tempo foi passando e acabei por não aprender a alinhavar e a coser.

foto retirada da wikipédia

sábado, 25 de maio de 2019

Água-Pé, o vinho dos pobres

Tirando os pedintes que andavam de porta em porta e os ciganos que não tinham poiso certo, os jornaleiros eram os mais pobres das vivências de antigamente na nossa aldeia. Nada tinham de seu, que não fosse a força braçal, tão últil para os trabalhos da gente abastada.
Acontecia que o jornaleiro por não ter posses para preparar uma refeição, comia e bebia aquilo que o patrão lhe dispunha em cada ocasião. E, como os ricos são, regra geral, avarentos, dispunham ao pobre jornaleiro pão duro e barolento, uma sardinha conservada à força do sal e uma tira amarelada de toucinho rançoso e o vinho era o das borras do pipo ou algum já muito avinagrado, pois esses trabalhadores não podiam passar sem o exilir H2O roxo e bebiam tudo o que lhe viesse aos queixos. 



Só que jornaleiros havia que exigiam boa pinga durante a jornada de trabalho, lançando, se caso fosse, o ultimato de que, sem bom trato não tocariam na enxada nem na rabiça do arado. Quantas vezes não se ouviu "pão barolento, vinho vinagrento, sardinha salgada, cava tu enxada"
O ideal seria uma botelha de vinho tirado do pipo grande, do qual o patrão se servia, mas isso nem pensar! 
Valia então aqui muitas vezes a perspicácia de alguns patrões. 
Em Forninhos, por exemplo, havia um patrão que fornecia aos jornaleiros água-pé, um vinho mais fraco, menos alcoólico, que podia beber-se em maior quantidade e era o que geralmente os trabalhadores dos ranchos e campanhas consumiam no trabalho do dia a dia e também às refeições, por tal, a rotularam num pretérito não muito distante de vinho dos pobres (em alternativa, há quem a chame de champanhe dos pobres, dado que, por vezes, a água-pé tem um ligeiro pico que pode passar por gaseificado).
Conta-se até que esse patrão, na hora do jantar (hoje o nosso almoço) tocava uma corneta para um familiar do seu trabalhador ir buscar ao seu armazém água-pé. A água-pé era fundamental, para o trabalhador prosseguir com as suas tarefas, ao ponto de fazer parte do "contrato da jorna".

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Do sino ao relógio

Para atrair os fiéis informando-os que a missa ia começar, as igrejas passaram a utilizar os sinos, logo, os sinos passaram a informar o horário à comunidade, utilizando o sistema latino de contar as horas a partir do nascer do sol. Em Forninhos, durante muitos anos, a única forma de orientação para lá da inclinação do sol, era mesmo o sino da igreja, não o da foto, mas o original que desde não sei quando até meados dos anos oitenta do séc. 20 marcou o tempo na minha aldeia. Esse depois de muito tocar e com muitas fissuras, foi substituído por este:

Sino de bronze da minha aldeia - 1986 

Um dia veio o relógio público. Mas a transição da marcação da hora do sino para o relógio como nós o conhecemos actualmente, não foi tão simples e imediata como podemos supôr. O hábito de colocar relógios públicos nas torres das igrejas é recente. Foi uma ambição das povoações do século 19 e princípio do 20. Em Forninhos, foi só depois da construção do cemitério, anos 40, que a torre da igreja foi aumentado em altura e o campanário recebeu o relógio mecânico. Este novo melhoramento aconteceu ali por volta de 1949-1950, do séc. 20. Aliás, acho que o campanário podia não existir até 1950. Até essa altura, no topo da Igreja Matriz, o que existia era um campanariozinho(?). Uma construção muito mais simples e mais baixinha(?).

Agora, como é sabido, o relógio da igreja é eléctrico e o som e toque das Ave-Marias são gravados, mas dantes havia um relógio mecânico ligado a uma corda de aço, com os seus martelos exteriores a bater no sino que dava as horas.
Dlam, Dlam, Dlam..., dolente, sem pressa, ia batendo e dizendo a cada um em que ponto do dia se encontrava. 
Com os ouvidos sempre atentos, as cabeças erguiam-se e contavam:
Uma.
Duas.
Três...
Se por acaso parava (às vezes esqueciam-sede lhe dar corda), era logo notada a sua falta: "Hoje o sino não dá horas". "Que horas serão?".






B - Badalo do sino
M - Martelo colocado na sineira junto ao sino.

Nessa altura, além dos sinais horários vindos do sistema de relogoaria, ainda havia o toque  do Anjo, ao meio-dia e às 7 da tarde o toque das Trindades; de miúda lembro-me da tia Esperancinha (perdoem-me aquelas de quem não me lembro) ir tocar às Trindades, mas depois deixou o cargo, com certeza devolvendo a responsabilidade à aldeia, que acabou com esse ritual que se cumpriu por muitos anos.
Outros toques do sino, tinham as mesmas funções de hoje, quase sempre relacionadas com actos religiosos.
E com isto, dou comigo a recordar um célebre poema de Fernando Pessoa,  com este título sempre nostálgico "Ó sino da minha aldeia" que até parece ter sido escrito em Forninhos:


Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.


Fernando Pessoa


Um agradecimento a todas as pessoas que me ajudaram a esclarecer algumas dúvidas.

sábado, 12 de janeiro de 2019

Do cagadouro à retrete


O

Situavam-se por toda a aldeia, coexistiam com os homens e periodicamente matavam a torto e a direito. Na época contemporânea, a freguesia de Forninhos foi afectada por várias epidemias, por detrás das epidemias estava o estado deplorável de salubridade.
Mas, primeiro há que explicar o que eram os cagadouros. Eram autênticas estrumeiras públicas, onde as pessoas vazavam os penicos e onde principalmente "arreavam a calça", tudo normal para a época, até a ignorância do perigo que era ter uma estrumeira/lixeira a céu aberto, com a consequente difusão de bactérias, principalmente na época de chuvas. Em 1911, num relatório dirigido à Direcção das obras públicas do Distrito da Guarda, refere-se:
"São causas de insulabridade as estrumeiras nas lojas, pateos e nas ruas. A água do único chafariz que a povoação tem, em ocasião de chuvas fortes é de fácil inquinação por as enxurradas se misturarem com ella. A água provem de duas minas e a entrada para uma d´ellas em declive até serve de latrina da vizinhança como tive ocasião de ver!! De modo que, quando chove fortemente, a enxurrada lá arrasta para dentro da mina toda a inundice e porcarias depositadas à entrada da mesma. De tanta inundice, pois, e da inquinação das águas deverão provir por certo as graves doenças que de tempos a tempos afligem a população". (artigo de João Nunes, sobre Forninhos, Revista de História da Sociedade e da Cultura, n.º 18/2018). 
Eu, confesso que não fazia ideia de que na minha terra em 1911 houvesse apenas um chafariz! Quando era pequena havia vários.
Tinha-se de passar com cuidado, de noite é que era mais complicado, então no tempo chuvoso era mesmo uma lástima; mesmo de dia podia-se levar com uma penicada em cima.  Era assim em toda a parte. Ficou célebre o rei francês que levou com os dejetos que a mulher atirara para a rua. A fim de evitar que tal voltasse a acontecer, não proibiu aquele mau hábito, apenas impôs a obrigação de gritar "Água vai!" antes de lançar as porcarias pela janela, a fim de as pessoas terem tempo de se desviarem.



Depois nos anos 70 começaram a aparecer as retretes de madeira, construídas nos pátios das casas e quintais, com um buraco para os despejos. Havia uma na casa do meu avô Cavaca, outra na casa do tio Zé Saraiva, na casa do tio Augsto Marques também me lembro haver uma e no páteo da casa da tia Rosa/Zé Pego também lá estava uma retrete. As coisas foram melhorando, mas muito lentamente, até chegarmos ao final dessa década. Forninhos teve então rede de água e embora a rede de esgotos chegasse mais tarde, algumas pessoas começaram a ter quarto-de-banho e notou-se uma gradual diminuição da utilização dos cagadouros, pelo menos já não faziam fila indiana...

domingo, 10 de dezembro de 2017

O barrete

A figura do Pai Natal levou-me há meia hora atrás, neste domingo de vento muito frio a uma pesquisa no Google para as palavras "gorro/carapuço/barrete".
E eis que dou comigo a lembrar o barrete, uma peça de vestuário muito utilizada em Forninhos pelos homens de antigamente: tio Mosca, tio Alberto Janela, tio Francisco Ferreiro, tio Luís Pego, tio Figueiró, tio Joaquim Moca, etc...



Feito de pano grosso, geralmente de cor preta (não estou a falar do dos campinos ou dos do Pai Natal), possuía uma virola que circundava toda a abertura e terminava numa borla.
Enterrado até às orelhas e muitas vezes enfiando-as dentro dele, o barrete tanto caía sobre o ombro, como poderia pura e simplesmente estar colocado para trás. Era ao gosto de cada um.
Agora o que eu não sabia!
Tinha um forro solto e no fundo "do saco" aglomeravam-se as mais diversas utilidades que a cada homem diziam respeito...era uma "algibeira" onde se juntava uma ou outra parca moeda para remediar algum imprevisto, a onça do tabaco, o caderno das mortalhas para o enrolar,  por vezes o próprio lenço de assoar e sei lá mais o quê...!
Cabia "tudo" no barrete bem guardado e sempre à mão, para além de preservar o frio!
Falando em "algibeira", não posso deixar de me referir também ao avental e lenço da cabeça que as mulheres de Forninhos usavam; o avental também servia de mala e porta-moedas: possuía duas algibeiras, uma de cada lado e que serviam para meter o lenço de assoar, o dinheiro para os gastos, os rebuçados...
O avental e o lenço de cote usados no dia-a-dia, também serviam de cesto para apanhar cachos e outra fruta, tal como vaiginhas e feijões, etc...
Esta forma prática e sem complicações de se viver, penso que acabou por terminar talvez no início dos anos 90.

sábado, 14 de outubro de 2017

Do lume ao fogão de gás

Acho que todos sabemos que o fogo foi das primeiras descobertas/invenções tecnológicas da Humanidade. E das mais úteis. Mas não quero falar da origem do fogo, para tal, como se sabe, há muitos sítios na net que podem ler, quero somente falar mais um pouco do Forninhos sem eletricidade, nem gás...nem fósforos em todas as casas. Eram caros: 3 tostões uma simples caixa de fósforos. Na década de 50/60 do século passado, para acenderem o lume iam à casa da vizinha e traziam umas brasas.



Já não sou desse tempo, para escrever sobre este assunto, tive de falar com familiares sobre a utilidade da lareira no seu tempo, fiz umas perguntas, e cada um falou-me das suas lembranças: a comida era toda preparada ao lume. Fosse inverno ou verão, o lume estava aceso quase todo o dia, se não mesmo o dia todo. Era o "fogão" da altura e a panela de ferro de três pernas em ferro fundido era a rainha da cozinha nos anos 50. Havia-as de vários tamanhos. Ao lado delas, o tacho, a sertã, a grelha, a caldeira, tudo arrumado ao lume, em cima das trempes, ou pendurados num entrelaçado de ferro. As tenazes e o abanador também estavam por ali.
Mas são os serões em família em torno do lume, os moxos baixinhos que se usavam (bancos de madeira)a lembrança mais viva. Ou então panela dos feijões ao lume e as trempes com a sertã em cima a fritar um ovo e umas batatas às rodelas em azeite ou mesmo o tacho a fritar as filhós em épocas de festa; o fumeiro e caniço por cima das cabeças, lá em cima a secar as castanhas, quando as havia, são recordados também. A morcela colocada no testo da panela de ferro é uma imagem muito presente, assim como a chouriça, a farinheira e os couros em vinha d´alhos grelhados na grelha ou o assador nas trempes que se ia sacudindo, até as castanhas ficarem no ponto e de seguida o pano a abafá-las. 
O calor confortante do borralho, o cheiro da panela do "vivo" e o quanto era bonito de ver a avó a fiar o linho e a irmã ou uma tia a fazer uma camisola de lã ou até um trabalho de renda; o púcaro com vinho quente com açúcar ou o panêlo do café e o pão torrado nas brasas; a caldeira dos torresmos a ferver que um dos mais velhos e com mais habilidade ia mexendo: tudo foi recordado.
Depois, um dia, apareceu na aldeia o primeiro fogão a gás e pronto, começou aí o princípio do fim do lume e da lareira para fazer a comida. Com a utilização do gás no preparo dos alimentos começava uma nova era para as mulheres de então, mulheres-heroínas, diga-se.
Aos poucos e poucos as panelas de ferro foram sendo substituídos por utensílios mais modernos e sendo inutilizáveis na cozinha, é-lhes imediatamente dada nova função...assumem o papel de "vasos"ostentando belas espécies de plantas e flores decorando varandas, balcões e pátios, ou como objecto decorativo no interior das casas.

sábado, 1 de outubro de 2016

Coisas da Escola

Não havia mesas ou secretárias, havia as carteiras em madeira com tampo inclinado e o quadro da escola, à frente, enorme, que era quase sempre fonte de conflito: quem ia ao quadro era de castigo e a seguir o castigo ainda era pior, para alguns...
O alfabeto era o meu preferido.
Nós líamos o alfabeto assim:
- A, Bê, Quê, Dê, É, Fê, Guê, Agá, I, Jê, Lê, etc...
Hoje é como vocês sabem.
Ora, este modo de ler os nomes das letras levavam a que houvesse sempre confusão com duas letras cujo nome era lido da mesma maneira, por exemplo: o 'c' e o 'q'. Ou seja, com leitura da época os dois eram 'quê'. Então o 'c' era quê e aquele que fica lá para a frente no abecedário, depois do 'pê' era o 'q' de 'qua qua'.
Mas havia uma fórmula muito mais antiga de o chamar: era o 'quê de 9'. Se não acreditam basta perguntarem aos pais ou avós, consoante a idade que tenham...ou aceder aqui.
Se reparar esse quê e o 9 são iguais no desenho. A posição relativamente à linha de escrita é que é diferente: o quê assenta a barriga na linha, ao passo que o nove assenta na linha a pontinha da 'haste'.  
Essa linha, era sagrada. A barriga de cada letra tinha de assentar nela.
Devem lembrar-se que para os principiantes até havia cadernos de duas linhas, ou seja, cada 'linha' de escrita eram afinal duas linhas e era dentro delas que se escrevia: nem para cima, nem para baixo, à excepção, claro, da haste do quê para baixo, a do 'dê' para cima, a do 'pê' para baixo, o 'h' que ultrapassava a de cima, etc...
E a tabuada? 
O meu livrinho da tabuada

Não havia calculadoras, nem computador para fazer contas, felizmente aprendemos a fazer contas nós mesmos!
 As contas eram feitas na cabeça de cada um (eu às vezes contava pelos dedos, confesso).
Tardes inteiras, em grupo, a decorar e cantarolar: 
- 2 vez 1, dois.
- 2 vezes 2, quatro.
- 2 vezes três, seis...e por aí adiante...
Acho que a cantilena era a mesma por todo o país, com a mesma entoação.
Letra e música feitas nas escolas do então Magistério Primário do nosso país, pelos vistos!
Não há como não lembrar também o livro de leitura de cada classe e o material que não era propriamente de ensino, como a régua -não a régua de régua e esquadro-, mas das reguadas e a vara de carvalho ou cana da índia ou fosse lá do que fosse - eram estes os materiais muito em voga nas mãos dos professores da época. 
E, finalmente, mas não menos importante, os mapas, o globo terrestre, alfabetos em madeira, unidades e instrumentos de medida.

Notas:
- Não são do meu tempo: o aparo e a caneta do tempo e o tinteiro na carteira; a pedra de ardósia e a pena (julgo que também de ardósia, o giz veio muito mais tarde) com que se escrevia nela, a palmatória e as fotos de Salazar e Tomás.
- Li sobre o 'quê de 9' num blog chamado "capeia arraiana", a cujo autor agradeço, e foi por aí que nasceu este artigo.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

A BOINA À ESPANHOLA

Gosto imenso de coisas antigas e marcantes, coisas que nos tocam, tal como a boina conhecida por basca, mas em Forninhos por boina à espanhola. A sua história está disseminada pela Península Ibérica de modo bravo ou romanceado, mas terá porventura chegado à nossa terra por volta dos anos sessenta, altura do primeiro surto migratório.
A boina, era um adereço relevante dos "passadores" espanhóis bascos, que tal usavam para passarem os "engajados" portugueses pelos Pirineus a "salto" para França.
Nem todos conseguiam a "travessia" e do fracasso faziam redobrar a esperança para novas tentativas, deixando na terra a "moda" da boina dos seus guias como reconhecimento de bravura...a moda pegou e o que começou por ser moda, tornou-se em mais uma componente de identidade e por tal não morrer no esquecimento.


A boina à espanhola, era preta com um espigo na corôa, forrada a seda ou coisa parecida, sendo que meio século atrás, na Feira Nova ou em Trancoso, o seu custo rondava os 5$00 (cinco escudos), dizem os mais antigos. Porventura caras, até porque tinha de vir mais um par de alpercatas, porque para trás ficavam os muito mais baratos carapuços altos e quentes, mas grosseiros para os mais velhos e a eles habituados desde sempre, bem como a imitação da boina espanhola sem fôrro ou as boinitas com pala que embora frias botavam figura nas festarolas.
Tive várias, segundo me diz a minha mãe.
António Carau

Eu e tantos outros da minha idade, mas pela simples razão de sermos uns "corrécios" "bandoleiros", uma tribo de tal não posso esquecer "ladrões" que de vez em quando pilhava o que estava à mão de semear e tudo entrava na boina. Traquinices que as nossas mães mais valia não verem sob pena de haver arrelia séria e por tal muitas vezes as lavávamos no rio e secavam penduradas nos amieiros para estarem lavadinhas para na manhã seguinte estarem dependuradas na nossa mão e louvarmos como imposta mocidade portuguesa, o tirano do Salazar.
Mas também não posso esquecer o meu pai e outros: tio Carau, tio Guerrilha, tio Zé Lopes, tio Forra ...que nas lides da lavoura e mesmo por detrás da rabiça do arado, não a despegavam da cabeça, a não ser aos domingos e dias de festa em que imperava o chapéu; já os rapazotes usavam-na como sedução das raparigas quando a usavam tipo rufia, gingão e malandro em alguns casamentos à espanhola...

sábado, 25 de junho de 2016

O alguidar de barro

No tempo em que o dinheiro não abundava, passava por Forninhos gente comerciante (deviam ser oleiros) que trocavam alguidares por milho, feijão, centeio...e estava pago. Como havia alguidares de vários tamanhos, as pessoas enchiam de cereal o alguidar que queriam levar...ou porque eles queriam ou porque as pessoas não tinham mais nada para pagar. Era uma economia muito de trocas directas, como já escrevi há tempos.
O interessante é que de tantas ocupações que houve nesta terra, não havia oleiros, embora em tempos muito remotos, possa ter havido uns fornos de cozedura de cerâmica: telha, panelas, tigelas, alguidares, cântaros e outros utensílios de uso doméstico, pois Forninhos já se chamou 'Fornos'. Na relação do primeiro censo da população do reino em 1527, no reinado de D. João III, Forninhos é intitulado  'lugar de fornos' e não creio que cozendo-se pão em todas as aldeias e quintas, o nosso topónimo se referi-se a fornos de cozedura de pão!
Mas, voltando ao alguidar, segundo um 'site' chamado Ciberdúvidas, é uma palavra de origem árabe, de al-guidar, e foi mais um legado que os mouros nos deixaram.
Não havia casa que não dispusesse de um. As suas utilidades eram inúmeras: nele se 'batia' a massa do pão-leve e amassava e deixava a massa levedar para fazer as filhoses, no alguidar lavava-se a loiça do dia a dia, um para lavar, outro para enxaguar, era para o alguidar que em Dezembro/Janeiro de cada ano se 'migava' o trigo que servia para ensopar o sangue do porco e fazer as morcelas, para o alguidar se cortavam as carnes durante a desmancha e se deixava as chouriças em vinha d' alhos, etc. e tal... 
E quando por um descuido algum se partia, não se deitava fora, lá vinha o 'amola tesouras - conserta sombreiros - conserta alguidares', que com uma técnica própria colocava uns 'gatos' (um espécie de ganchos de arame/agrafos) que permitiam vedá-lo e dar-lhe mais uns tempos de 'vida'.



Quem ainda tem um alguidar de barro?

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Quem se lembra?

Já que Maio é o mês dos burros, será interessante dar a conhecer um dos acessórios do burro, a cangalha. A cangalha era uma espécie de albarda de madeira que era assente no lombo do animal, quer dizer, sobre o dorso assentava uma albarda e as cangalhas assentavam sobre a albarda. Serviam para transportar o estrume (fertilizante orgânico) para as sementeiras, quando os caminhos eram estreitos e não havia os tractores que hoje há!
Acrescento ainda que as cangalhas eram feitas por um carpinteiro, hoje uma das profissões já extinta em Forninhos.

burro de cangalhas
Agora, com sua licença, o porquinho.

pia de pedra
Mãos habilidosas na arte de trabalhar a pedra de certo a executaram esta pia de pedra (granito) igual a tantas outras que serviu de certo viandas sem fim, quer às porcas parideiras, quer aos lustrosos porcos que serviriam de sustento, durante todo o ano, às pessoas da casa.
Agora que as viandas se tornam inúteis, a pia encostada à parede permanece disponível para outras funções, quiçá, um dia servir de floreira num qualquer jardim. Enquanto isso não acontecer esta pedra silenciosa, continuará com muitas estórias ainda por contar.

Urna partida 
Em cada aldeia, há sempre estórias que são transmitidas de forma verbal. Essas estórias têm sempre um fundo de verdade, embora "quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto", mas a história que conto não tem acrescentado.
Há umas dezenas de anos atrás, quando uma retroescavadora, ao serviço da Junta de Freguesia, procedia à abertura de um caminho, foram levantadas algumas urnas - algumas com ossos que se desfizeram com o movimento - e foram levadas dali para servir de bebedouros a animais (ou pias, como popularmente assim chamamos). Há quantos anos lá estavam? Sabe-se lá?
O que sei é que o nosso património precisa de ser protegido e protegê-lo não é levá-lo para lugares que nada têm a ver com ele, aliás, se assim fosse para que serviria o património existente?
As urnas deviam voltar àquele lugar (cemitério medieval de S. Pedro), porque só àquele lugar dizem alguma coisa. A povoação residente de Forninhos pode não ter pessoas interessadas, mas o concelho tem uma Associação de defesa do património, Aquilaris - Património Vivo Aguiar da Beira, que tem o dever de defender o que pertence à comunidade. 

Ah! Aguiar da Beira, sim, foi onde o nosso Primeiro Ministro inaugurou na semana passada uma queijaria e no seu discurso, desatou a elogiar Dias Loureiro, antigo dirigente e um dos principais responsáveis pela fraude do BPN, que causou aos contribuintes um prejuízo superior a 4.700 milhões de euros.

sábado, 28 de março de 2015

Limpar a casa pela Páscoa

Não era só limpar - era uma limpeza geral. A Páscoa era a altura em que tudo em casa tinha de ficar a brilhar. O balcão (escadas) de madeira ou de pedra, o soalho da casa toda, bancos, cadeiras, a loiça, a roupa, as cortinas...nada escapava. Era uma lavagem geral e que durava quase toda a semana.
Com água e sabão amarelo e escova na mão esfregava-se com força o soalho de madeira todo e o balcão se fosse de madeira. Aquela mistura de água, sabão e madeira molhada, era um odor inesquecivelmente bom. 
Eram tarefas feitas exclusivamente por mulheres e que as deixava exaustas, mas ao mesmo tempo satisfeitas por poderem usufruir daquele cheirinho e limpeza únicos!
Aqui, lembro que certas mulheres usavam por baixo dos joelhos um objecto feito de madeira chamado "tacoila", para que não se molhassem os joelhos, quando se lavava o soalho de madeira da casa.

Tacoila

Apresentavam-se os trapos todos a limpeza geral também. Lá diz o rifão popular: na semana dos Ramos lava os teus panos que na da Paixão lavarás ou não. Era preciso lavar tudo, cortinas, rendas e linhos, pôr tudo ao sol a corar, as colchas de dias de procissão também eram retiradas das arcas/malas e arejadas nessa semana. 

colchas em dia de procissão

No que toca aos homens, havia sempre uma preocupação especial nesta altura do ano que era caiar as paredes da casa, principalmente as da sala do folar. No dia do folar o padre entrava em casa com a sua comitiva, benzia a casa e na sala do folar desejava as Boas Festas, Aleluia, Aleluia.
Essa divisão tinha de ser especialmente preparada, com todos os pormenores. A última coisa que passava pela cabeça de uma dona de casa de Forninhos era receber o padre sem ter tudo limpo e sem ter preparado o folar (oferta da casa ao pároco). Antes do meu tempo, ofertavam queijo, ovos, bolos de azeite, pão-leve, pão-trigo.
Eram tempos bem diferentes dos de hoje.
Na igreja matriz também: limpava-se chão, escadas, altares. Areavam-se castiçais, lanternas, o turíbulo, etc. para no sábado da Aleluia, tudo brilhar e se encher de flores e de vida, pois durante a quaresma tudo devia estar despido e pobre nos altares da igreja.

Para si e para a sua Família votos sinceros de que passem bem a Páscoa. 

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Do cântaro à torneira

Hoje trago um extracto (que reproduzo) do Livro do Pe. Luís Ferreira de Lemos, de Penaverde. O autor terminou esse livro em 1966 e descreve como eram os instrumentos domésticos da sua terra e do seu tempo, assim:
«À arca do bragal sucedeu a mala de coiro ou de folha de Flandres, quando não o volumoso e mais cómodo guarda-fatos, com espelho ao alto, de ver o corpo inteiro e o ajuste dos sapatos.
Também na cozinha, ao antigo "cambeleiro" - um tronco de carvalho ou castanho, de galhos compridos e hirtos, onde se penduravam as panelas de barro ou de ferro - sucederam os pregos ou cabides que seguram os tachos de alumínio ou de esmalte, alinhados nas prateleiras. O cântaro de barro ou de lata é que tem o mesmo lugar no fundo da cantareira, enquanto não fôr substituído pela torneira de água encanada. É lá que vai cada um buscar a água para se lavar de manhã, na bacia comum, que isto de lavatório ou quarto de banho é luxo de fidalgos, em casas grandes. Banho? Salvo raras excepções, só os garotos ou rapazes, nos açudes dos ribeiros, passado o S. João, mais por desporto ou para pescar, que por exigência intrínseca de higiene. Por banho entende o escalda-pés a quem estiver engripado, ou aqueles minutos de águas sulfúricas contra o reumatismo. (...)».
Em 1966, nessa terra (na minha e nas outras) ainda não havia água canalizada em casa. Isso mesmo diz-nos o autor «O cântaro de barro ou de lata é que tem o mesmo lugar no fundo da cantareira, enquanto não fôr substituído pela torneira de água encanada». A cantareira tira o seu nome ao cântaro, sendo o móvel onde são colocados esses cântaros de barro ou de lata.

cantareira

Cantareira
Por cima, levava loiças, em baixo havia um espaço de arrumações e, no meio, à altura das mãos da dona de casa, lá estava a larga e espaçosa prateleira a albergar os cântaros.
Quando a água começou a entrar pelas casas dentro, lá se foram as cantareiras e as idas à fonte e tudo se resumiu a uma torneira...isto, na cozinha. 
Ainda é possível observar que «É lá que vai cada um buscar a água para se lavar de manhã, na bacia comum, que isto de lavatório ou quarto de banho é luxo de fidalgos, em casas grandes». Isto, diz o autor. Mas penso que a coisa pode estar um tanto romanceada, porque os lavatórios não eram só luxo de fidalgos, em casas grandes. Os lavatório era uma peça que havia em muitas casas. Pelo menos, em Forninhos!

lavatório
Lavatório
Este está completo, tem o jarro para a água limpa, a bacia e o balde que recolhia a água da bacia, depois de utilizada na higiene das pessoas. Tem ainda a saboneteira que era outro acessório deste conjunto.
A esta peça espantosa de antanho sucedeu-lhe a casa de banho equipada com três torneiras (lavatório, bidé e chuveiro/torneira da banheira) e ainda o autoclismo.

domingo, 26 de outubro de 2014

A pilheira

O termo "pilheira" significa em Forninhos, a parte da retaguarda da lareira onde se depositam as cinzas sobrantes do último lume, que seria menosprezada, não fora que ainda hoje nos meios rurais protege as culturas da geada.
A propósito de cinzas: já ouviu falar em "ollas"? Eu não. Mas as "ollas" eram o equivalente às urnas cinerárias, normalmente feitas de barro, mas também de chumbo e de pedra onde depositavam as cinzas mortuárias, sendo guardadas no próprio chão das sepulturas ou mesmo na própria casa. E, o termo "pilheira", no tocante aos ritos cinerários, significava o espaço onde se guardam as ollas.
É minha convicção que o termo pilheira poderá remontar a esse tempo em que as cinzas eram guardadas em casa, no lar...nesse tempo longínquo em que os nossos antepassados cremavam os corpos e quiçá guardavam, cada um, as cinzas dos seus. 
Desculpem levar a conversa para algo triste, mas tudo faz parte da nossa história, mesmo quando falamos da morte. Já as nossas avós diziam aquela lengalenga que começa assim: "à morte ninguém escapa, nem o rei, nem o papa...".



Cozinha antiga com pilheira. Uma relíquia do passado!