Mostrar mensagens com a etiqueta amor. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta amor. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

"Who made these rules anyway?"

Desde 2010 que penso muito sobre o que é isto de "casa". Quanto tempo demora a estabelecer uma, do que é ela depende, se podemos ter várias? Se tem que ser sempre onde moramos, se é onde vive quem amamos, se é imutavelmente o sítio onde crescemos ou se é onde ansiamos estar. A sabedoria cibernauta nunca me conseguiu esclarecer -  que choque, não é verdade.
 
Temos então:

 
O meu telemóvel liga automaticamente em vários sítios, nomeadamente na minha morada oficial, no meu trabalho, no aeroporto de Varsóvia, no Workshop Café, em casa dos meus pais, no autocarro do aeroporto em Edimburgo, na lavandaria do bairro. Não me parece que isto os classifique como "minha casa".
 
 

Não gosto de vinho. E também não acho que o supermercado da esquina se classifique como casa.




Eeeeeh... Eu queria perguntar em que sentido? mas tenho medo...

 

Outro... Bom, este vou interpretar no sentido mais light. Sim, é onde estamos mais à vontade, é onde podemos saltar por isso das convenções da vida em sociedade e ser os animais que na verdade somos. Tudo bem. Mas isto é mais quando estamos sozinhos em casa, não apenas quando estamos em casa.
 
 

Nah. Isso é a casa dos meus pais, é a casa da minha infância, é onde mora a minha família. :) A minha casa terá que ser outra coisa qualquer. Senão nunca se criavam casas novas, era sempre a da mãe...
 


Não tenho cão :( . Só o que está em casa dos meus pais. Mas esse não é meu, lá está, é dos meus pais, nunca foi meu porque eu estava lá mas depois já não estava e o bicho é 100% de coração da minha mãe. Quer dizer, ele faz uma grande festa sempre que me vê, nem consegue acreditar que eu voltei, não sei se pensa que eu moro ali à mesma, se entende que eu pertenço à matilha dele, mas acho que não, ele não sofre quando eu me vou embora, não fica a ganir baixinho quando desapareço, ou à chuva sentado de olhos presos no portão por onde saí, como faz com a minha mãe. Por isso, não, não tenho cão realmente. 




Sim, está bem, mas, er... explicação demasiado escatológica.
 


...

Esta nem faz sentido.




Ah, assim está bem. É onde quisermos, é onde a construirmos, está bem. Mas isso significa que pode ser em muitos lados? Mas, e também, o que é realmente preciso para ela ser casa, mesmo "casa" (recuso-me a empregar a palavra "lar", que odeio)? Dá para se tornar casa num instante, só porque eu quero?
 
A sabedoria cibernauta não foi capaz de me satisfazer.
 
Acabei por voltar à sabedoria popular.



Ah, porra. Este é mais complicado.
 
O meu coração está em muitos lugares. Está em todos os sítios onde eu já fui feliz, está no passado ligado às memórias da minha infância, mas também está no futuro, demasiadas vezes no futuro, em coisas que anseio fazer, em pessoas em abstrato que ainda não conheci. Está em sítios que eu nunca vi mas que sinto que conheço, está em sítios que nem existem mas que, segundo a minha cabeça, podiam muito bem existir. Estamos antes a falar de pessoas? Bom, isso aí eleva ainda mais o grau de  complicação. Pode a nossa casa ser uma pessoa? É que as pessoas movem-se. E são muitas, como escolher.
 
Uma amiga, bem mais experiente do que eu nisto das emigrações (aos 26 anos já tinha vivido em 7 países diferentes), disse-me uma vez que a maldição de qualquer emigrante era nunca mais voltar a ter a alma inteira, esteja onde estiver. Se estou em Bruxelas sinto falta da minha família e amigos em Lisboa, se estou em Lisboa sinto falta dos meus amigos de Bruxelas, em Londres deixei uma grande amiga, outra fugiu para a Dinamarca. Para onde quer que um emigrante se mude, vai sentir sempre falta de alguém. Ela disse mais: onde quer que esteja nunca vai conseguir reunir todas as pessoas que ama no mesmo sítio. Seja para festejar os anos, seja numa graduation, seja num casamento. E isto é assustadoramente verdade e irremediavelmente cruel.

Só se... for uma pessoa mesmo muito especial.
 
Eu voltei sem o D. em janeiro. Não estava planeado, mas é temporário, não houve drama. Motivos estritamente profissionais. Eu estou contente por estar de volta a Bruxelas, ansiava pela minha rotina, pelas minhas coisas, voltar aos meus percursos familiares de corrida, estar sossegada no meu canto. Por isso acho que esta é a minha casa. Mas é também a nossa casa e por isso há qualquer coisa estranha no ar, um silêncio que é um bocadinho maior do que eu estar aqui sozinha simplesmente. Parece que está qualquer coisa partida. Não me interpretem mal, eu sou uma criatura que se sente muito bem sossegadinha, quieta no seu canto, que fica feliz por ouvir e ver pessoas à sua volta por aí e se contenta com isso. Os grupos esgotam-me emocionalmente. Mas a minha casa está esquisita. Ainda no outro dia dei por mim a pensar como é que fazem as pessoas que vivem sozinhas e longe da família, por exemplo, para aguentar a falta de carinho físico (não é desse, vá, seriedade), os abraços ou as festinhas de quem nos quer mesmo bem. Depois até arregalei os olhos um bocado horrorizada a pensar que devia estar a começar a bater mesmo mal para pensar naquilo porque eu sou uma pessoa que gosta de guardar as distâncias físicas, mesmo de quem gosto mesmo, mesmo muito. Sou um bocado como aqueles bebés que fogem dos beijos ou limpam a cara a seguir, com a diferença que eu tenho mais vinte e tal anos em cima, por isso sou um coração de pedra. Mas a verdade é que aquilo continuou a preocupar-me durante dez ou vinte minutos. Parece então que há uma parte do meu coração que não está aqui, tente eu racionalizar isto como queira.
 
Porque a verdade é que eu contei os dias todos mentalmente desde que entrei no avião numa Lisboa chuvosa até chegar ao aeroporto da Portela novamente. E eram só 26. Mas passaram um a um, vagarosamente, de uma maneira que não costumam passar. E eu depois nem conseguia ver Family Guy, não achava piada nenhuma aquilo, e não conseguia comer crepes porque era o que fazíamos todos os sábados ao fim da tarde, nem conseguia sentar no pufe porque era o lugar dele. Eram coisas simples que eu evitava, sem grande drama, mas só porque me pareciam desconcertantes. Já está um pouquinho melhor, vi-o há pouco tempo, já não faz mal sentar no pufe.
 
Vi-o, fui radiosamente feliz, mas não estava em casa, mesmo estando com ele em Portugal. A sensação é sempre a do temporário, estou só de passagem, é pena não vires para casa comigo... Esta casa. Daqui. Que é nossa por alguma razão que eu ainda não consegui descortinar completamente e que continua a ser a minha casa mas que está meio errada. É que é possível, claro que é, mas eu não sei construir casas sozinha. Nunca construí sem ele. Por isso casa não é onde quer que ele esteja, mas definitivamente que ele tem que estar lá. É qualquer coisa que construímos os dois de raiz, onde temos rotinas tão aborrecidamente corriqueiras como beber chá a seguir ao jantar nas nossas canecas castanhas do Ikea, ou irmos dobrar e buscar a roupa seca à lavandaria, ou ver o New Girl com um crepe de chocolate no colo (o teu é com açucar. Branco, não mascavado, mesmo à gulosão).
 
Não sei muito bem agora como concluir isto porque eu não gosto de dramatizar. E esta falta de casa é temporária, vamo-nos ver tão regularmente para duas pessoas que estão a dois mil quilómetros uma da outra. E daqui a uns meses vamos construir outra casa de raiz, noutro sítio diferente de Bruxelas, diferente de Lisboa, diferente de Londres, talvez A casa, será? Não vale a pena gritar saudade aos quatro ventos, as coisas são como são e há quem esteja tão pior de saudades do que nós. Ainda assim, percebo agora o que a Helena uma vez disse, de como a pessoa que inventou o estrangeiro devia morrer.



S.


sábado, 14 de setembro de 2013

Amoramoramoramor

Ao fim de oito anos de namoro, descobres que é mesmo, mesmo, mesmo, mesmo amor quando dás por ti a parar o estudo da tua (amada) IG para ir espreitar regularmente o resultado do (odiado) Benfica vs P. Ferreira e informar o parceiro regularmente por sms. 

Há um dito que é:



Eu acabei de inventar outro: "Se uma feminista parar a leitura de um artigo muito interessante sobre representação dos direitos das mulheres para te enviar uma sms com o resultado de um jogo de futebol de um clube rival, casa com ela!"



S.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Vida a 2 e a 1+1

Começou quando a nossa vida a dois ainda não tinha começado. 

O laço da imperatividade da presença física foi quebrado quando o D. entrou num avião a caminho de Londres três meses antes de mim. A nossa relação tornou-se "relação à distância" durante esse tempo, com pontuais visitas de parte a parte, e ainda que temporariamente. Mas o mito de que a presença era absolutamente necessária a todo o tempo desfez-se e tornámo-nos duas pessoas com vidas autónomas, que se sobrepõem muitas vezes, que vivem juntas, que se amam e que partilham um desejo enorme de constituir um "nós" verdadeiro, todos os dias e à sua maneira.

Quando parti para Londres, viajei de avião sozinha pela primeiríssima vez. Como o D. o tinha feito três meses antes, aliás. Outra amarra que foi quebrada. Rapidamente ficou inscrito na minha mente que é possível, eu sou capaz, faz-se. O que até aqui estava conotado na minha mente com "férias em família" (necessariamente, para mim, férias eram em família) tornou-se um mero instrumento que me leva do ponto A ao ponto B. O avião perdeu a mística que encerrava.

Estes dois cortes de amarras, da imperatividade da presença física e do avião como parte de férias, deram origem a uma coisa muito curiosa e que eu nunca esperei: vou a qualquer lado sempre que é preciso. Idem com o D., ou a coisa não funcionaria.

Há um jogo em Londres para ver, mete-se o D. num autocarro e vai ver. Surge a ideia de surpreender os meus pais interrompendo-lhes as férias de verão para se me juntar a eles, lá vou eu a voar até Faro. Reunião de trabalho em Lisboa, apanha-se o avião e lá estou eu na Portela passado duas horas. Jogo do Benfica com o Barcelona, segue sr. D. até terras espanholas. Férias de natal na terra-natal, senhor meu parceiro parte uns dias antes de mim.

É tudo muito novo, isto. Ou antes, por razões circunstanciais (o Benfica de repente joga muito fora mas muito perto daqui e o meu emprego é muito dado a reuniões fora de Bruxelas) intensificou-se recentemente. Talvez por isso mesmo o gosto a autonomia e a quebra da presença física esporádica sejam hilariantes e um gosto ainda não decididamente certo como saboroso ou amargo. Por enquanto é isso mesmo, hilariante, exhilarating, libertador, confortável, saudável. E a sensação de "CASA, cheguei a casa" quando se entra pela porta do nosso pequeno apartamento bruxelense e "olha só quem está aqui, a falta que me fizeram estes braços e estes traços familiares e este riso e esta voz e estas piadas reconfortantes, perspicazes e conhecedoras". Mesmo quando se acaba de deixar outra casa que já foi Casa, outras caras familiares, outros braços reconfortantes, e ainda se está a tentar descortinar se o país que se acabou de visitar e já foi o meu país continua a ser o Meu País e, se sim, que lugar no meu coração tem este onde acabei de aterrar cheia de alívio.

A ausência é uma poderosa catarse de sentimentos. Especialmente porque suscita a saudade. Faz-nos sentir vivos e humanos, e permite definir claramente o que é fundamental e importante na nossa vida, como acho que mais nada o consegue.





S. 

sexta-feira, 27 de julho de 2012

O significado de "Norte" em "Mar do Norte"

A verdade é que já suspeitava que isto pudesse acontecer. A mudança da onda de calor para os normais 19 de máxima estava demasiado perto para me deixar acreditar que a costa estaria realmente soalheira. Mas uma pessoa fica triste à mesma, claro está.

Vem o suspiro do lado, o pingo de chuva no lombo ainda descoberto, a aragem que sopra do Mar do Norte (sendo que aqui a palavra-chave é mesmo Norte), eu que inalo continuamente o meu Vicks porque me constipei quando faziam 30 graus em Bruxelas, a frustração em forma de riso-grito, os entre-olhares cheios de "eu já sabia", a desilusão espelhada na cara do outro, o conformar e o arrumar de toalhas e o encaminhamento para a estação e o comboio que nos levará de volta.

Mas depois um de nós exclama "Ah, que belo dia de praia!", entre-olhares sabedores novamente, desatamos a rir a bandeiras despregadas - porque, sinceramente, o que se pode fazer mais para além de rir? - e começamos, entre risos, a ter genuína pena de quem espera um ano inteiro para ir passar férias de uma ou duas semanas naquela terra e não poder sequer tirar a t-shirt nem sentir o sol na pele, e, entre suspiros meio a sério meio a brincar, afirmas que lá para outubro estás com uma depressão em cima porque não apanhaste sol como deve ser um único dia no verão, mas que ficas muito feliz por mim por eu estar bem, já que sou a pessoa europeia do sul mais avessa ao sol e calor que conheces, uma vez que, não obstante Bruxelas ser o que é, só nos levo é mais para norte, incluindo Manchesters e Oostendes e sonho com viagens à Escócia e a Londres em vez de Marselhas ou mesmo Lisboas e Faros. E eu rio - porque, sinceramente, o que posso fazer mais além de rir? -, e rio, rio, rio por um momento quase à beira da loucura, porque andámos a ansiar este dia de praia toda a semana (todo o verão?) e chegou-se ali e foi o que se viu, e pagámos pela viagem, e demorámos duas horas a chegar, e fomos comprar toalha, fatos de banho e protetor solar (grande LOL neste último) quando podíamos ter era ido jantar à luz das velas ou mesmo gozado os 30 graus que se fizeram sentir hoje em Bruxelas num parque qualquer. E continuo a rir porque sinceramente ainda bem que foi assim e que os planos saíram furados, e houve improviso e continuamos sem raio de sol a tocar-nos a pele, porque é destes grandes flops que nos lembraremos mais tarde, daqui a 7 anos, daqui a 17, daqui a 27, daqui a 37, daqui a 47, daqui a 57, daqui a 67, daqui a 77, e é esta a diferença entre os filmes maus e a vida: um mau dia de praia, o único deste verão e no nosso dia especial.

E rio ainda mais um bocado porque estou exatamente onde quero estar, no ponto da vida onde quero estar, com a única pessoa do mundo que queria ao meu lado, a visitar exatamente o que queremos visitar, com os exatos constrangimentos que se quer e as frustrações que fazem o que realmente interessa ter valor, e sem exatamente nada que eu quisesse mudar. Tal como este post, que está confuso e caótico como é devido da loucura que ainda sobra do falhanço deste dia, que falhou tão espetacularmente - e este é o meu ponto - como eu quero que muitos dos nossos dias falhem. Já que são deles que reza sempre a memória.




Na minha opinião, as fotos que marcaram o nosso dia.



S.    

quinta-feira, 5 de abril de 2012

A solidão é solitária

Já não sei estar sozinha. Acho que lhe perdi o jeito.

Em Londres eu sabia muito bem estar sozinha. O meu horário reduzido de aulas e o trabalho exigente do D. fizeram com que eu passasse muito tempo em casa, contente de volta das tarefas domésticas que eram minha obrigação pela primeira vez, a dar um pulinho à High Street, ir ao banco, ir ao supermercado, ir à Primark bater palminhas aos preços impossivelmente baratos. Palmilhar a cidade na companhia exclusiva de mim mesma. Ao final da tarde, ele chegava a casa, e o sentimento de lar instalava-se; as horas solitárias do dia eram agradáveis porque temporárias. E porque eu sempre gostei muito da minha companhia.

Em Portugal tinha o contrário, horário a rebentar pelas costuras, tempo passado a trabalhar em vários sítios diferentes com pessoas diferentes, sempre com companhia. À noite e aos fins-de-semana lá estávamos nós dois, e se não estávamos, a proximidade dos pais, avós e um Luky a dormir ao tapete nunca deixava espaço para solidões.

Aqui, tenho permanente companhia: no escritório com colegas, ao fim da tarde e fins-de-semana o D. 

Não admira pois que uma solidão, ainda que de poucos dias, me pareça estranha. À boa moda do Luky, eu aproximo-me dela, cheiro-a e torço o nariz por não a achar familiar. Ainda que tenha por ela uma espécie de amor-ódio. Enquanto caminhava para casa depois do trabalho (sim, estou-me a aguentar estoicamente neste meu novo hábito, quem diria...) ía enumerando entusiasmada todas as coisas que podia aproveitar para fazer em casa estando sozinha: aproveitar o silêncio para me embrenhar a fundo na leitura, ver episódios de Downton Abbey em modo contínuo, limpar a casa de alto abaixo, estudar muito muito muito para o exame que se aproxima...

Mas depois uma pessoa chega a casa e não está cá ninguém. Os estores estão corridos e a sala está na penumbra. Silêncio. Nenhum movimento fora o meu. Ninguém com quem dividir a baguete quentinha acabadinha de comprar.

Ainda por cima a cidade está meio deserta, já a hibernar para o fim-de-semana prolongado de Páscoa. A caminho para o trabalho quase não vislumbrei vivalma; as duas escolas por onde passo estão fechadas para férias. Menos gente na rua, no trabalho, menos carros. A minha colega de escritório doente e a minha supervisora de férias. Cidade e Parlamento a meio gás.

Ao que a tudo isto se soma a ansiedade a borbulhar cá dentro quando sei que ele está em viagem. A transitar de um lado para o outro. Eu juro que não era assim; não me lembro de momento em que ganhei esta paranóia estúpida e irracional de entes queridos em viagem. Sei que há cerca de dois anos, quando o D. embarcou para Londres uns meses antes de mim, eu passei o dia todo agitada. Estava no meu trabalho de verão e lembro-me perfeitamente de ter aberto um site daqueles que mostram o percurso dos aviões em direto e estar constantemente de olhos presos na figurinha minúscula do avião por cima do mapa imenso da Europa. Desta vez não deu porque a viagem foi de expresso. Ainda que a possibilidade de mandar mensagem de vez em quando tenha atenuado a paranóia.

Dei o desconto de na altura ser por causa da grande mudança, do lançamento um bocado às cegas que foi a ida dele para lá, a incerteza de se tudo iria correr bem. Mas ele depois veio (foi! não é veio... por mais mudanças o compasso geográfico nunca muda, caraças) a Portugal. E eu passei outro dia com o nervosismo a borbulhar no peito, daquele chato porque não dá para acalmar visto não ter razão lógica. Ainda pensei que tivesse que ver com aviões - tenho uma irritação e nó no estômago cada vez maior quando preciso de utilizá-los - mas hoje veio confirmar que não. Também se aplica a autocarros. Se bem que hoje foi misto de ansiedade com excitação a fazer as contas mentalmente tentando imaginar quando é que ele passaria o Túnel da Mancha. Parecia uma criança: "Já chegaste? Já chegaste? Já chegaste?" Quando me informou que já estava em solo londrino abri um sorriso do tamanho do mundo, de alívio misturado com alegria por tê-lo a ele em Londres - devo pensar que estas coisas se transferem por osmose...

Por isso concluo: estar sozinha num lado qualquer é aborrecido. Desamparador. Tenho muita mania de achar que amo a vida de emigrante, que me abre o espírito e me desperta os sentidos mudar de cidade e de país, mas a verdade é que eu não aguentava aqui sozinha uma semana. E que portanto a companhia, o apoio emocional nas banalidades do dia-a-dia, a partilha da descoberta de novos lugares e as duas escovas de dentes na casa de banho não são para ser tomados como garantidos ou trivializados; se não fossem eles sei perfeitamente que não estaria aqui.




S.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Bom enchimento de almofada


Isto é assim. Quando se vive a dois e se está longe de tudo e de todos, e só nos temos um ao outro... Mentira, o que não faltam aí são cabeleireiros, só a dois quarteirões daqui conto uns seis ou sete. Mas ser emigra e jovem é contar os tostõezinhos, que a crise persegue os pobres portugueses até para fora das fronteiras do Portugal.

Não sou especialmente dotada como cabeleireira - o cabelo fica sempre com as marcas da máquina, tipo relva aparada - e tremo de cada vez que a máquina faz um trrrrrreeeee mais puxado, mas tirando isso dá-me um gozo enorme ver os tufos de cabelo a cair no chão. Começa mesmo a surgir um sorriso maníaco na minha cara, um esgar maquiavélico de estar a estragar qualquer coisa, quando o cabelo está meio curto meio comprido então é o auge, já ninguém pára aquela máquina, muhahahahahahaha!

Ficou razoavelmente bem cortado, acho que foi o meu melhor até agora. Fica a esperança de um dia destes ele me deixar cortar à máquina zero.






S.

sábado, 10 de março de 2012

A ponte dos cadeados

Um dos meus programas favoritos de TV é o Portugueses pelo Mundo. Fascina-me conhecer o que é que outros portugueses andam a fazer pelo mundo fora, os seus percursos, como foram parar ao Perú ou a Marrocos ou à Singapura e que tipo de coisas fazem nesses países. E o facto de estes programas fazerem uma espécie de visita guiada pelas cidades, com relatos e comentários dos portugueses que lá vivem, faz com que o interesse seja muito maior do que um simples documentário de viagem pela cidade em questão.

Há umas semanas a RTP2 estava a repetir os episódios todas as noites e calhou vermos o de Paris. E descobrimos uma curiosidade muito engraçada. A senhora que vivia lá já há uns anos foi mostrar uma ponte no Sena que estava cheia de cadeados presos à rede que casais apaixonados tinham aí colocado. Ora, segundo consta, alguém se tinha lembrado de fazer isso em 2007 ou 2008 e a moda pegou. Parece que os pombinhos íam lá à ponte, colocavam um cadeado com os nomes dos dois e votos de amor eterno, fechavam-no e deitavam a chave ao rio. Só que aquilo começou a tomar tais proporções que a Câmara Municipal tinha-se visto obrigada a ir lá retirar os cadeados que todos os dias brotavam que nem cogumelos e que entretanto começaram a espalhar-se por outras pontes da cidade. Não sei se foram os protestos ou a insistência das pessoas, mas o que é certo é que ao fim de algum tempo as autoridades parisienses limitaram-se a encolher os ombros e a deixar os cadeados onde estavam.

No dia em que fomos a Paris, na correria entre escalas, tivemos de ir espreitar a tal ponte.


E lá estavam os cadeados todos pregados à Pont des Arts, de todos os tamanhos e feitios, com as inscrições dos amantes.




Eu bem espreitei lá para baixo para o rio, na esperança vã de vislumbrar alguma chavita lançada ao rio. Mas parece que o metal não flutua e um rio de cidade não é propriamente translúcido... Mas fiquei contente por ter testemunhado esta curiosidade que apanhei nos Portugueses pelo Mundo por acaso, e que de outra forma não iria encontrar ou saber o que significava.



S.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A guerra, o amor, o Lobo e o divórcio

Depois de ler o livro com a compilação das cartas enviadas à mulher durante a Guerra Colonial, e depois de saber que entretanto já casou mais 2 vezes, fiquei com uma vontade enorme de ler mais obras deste autor.




Quando se lê coisas tão íntimas como cartas, sendo elas cartas diárias de amor, escritas durante uma guerra, fica-se com a sensação que se conhece esta pessoa, que o véu que cobre a alma de cada um de nós foi levantado e espreitámo-la na sua intimidade e crueza.

Gostava de perseguir a sua obra para tentar encontrar pistas que desvendem a vida deste homem, como evoluiu a partir do rascunho da sua primeira obra que preparava em Angola, o acompanhamento que fez da filha bebé, o nascimento da segunda, o que levou à separação da mulher que tanto idolatrava e à qual invariavelmente escreveu todos os dias durante provavelmente os dois anos mais difíceis da sua vida.

É que saber todo aquele amor e devoção acaba em divórcio, faz uma pessoa sentir-se traída. "Ai amavas tanto a mulher, tanto 'Gosto de Tudo de Ti", tanta idolatraria, tanta angústia de separação e saudade para acabar em divórcio?". Fico triste com a vida e com a natureza humana.

Ao que parece, este senhor não tem é uma escrita fácil, daí que não saiba por onde começar. Começo pelo primeiro livro? Haverá um mais fácil que sirva de introdução a toda a obra? Sugestões aceitam-se.



S.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Depois desta figura, temo ser uma péssima feminista

No domingo satisfiz o meu lado de rapariguinha-que-acha-que-ser-princesa-medieval-é-o-auge-da-'cool'icidade. Ou seja, o meu lado nerd medieval ronronou nas horas em que estive trajada assim. E especialmente por esta altura:



Se a isso corresponder um D. vestido a pagem/cavaleiro (as modas masculinas mudaram um bocadito. Temo que os estatutos conferidos sejam irreconhecíveis hoje em dia), e uma companheira com um igual lado nerd medieval, e está completo o dia de fantasia.




S.



Queria ligar isto aos 6 anos juntos que completamos hoje. A foto é capaz de dar. Caramba, como o tempo passa. E como as pessoas olham com um misto de respeito e estranheza quando se diz 'hoje fazemos 6 anos de namoro'. Parece que não é suposto. Não com 22 anos. Como não era suposto termos embarcado numa vida a dois em Londres aos 21. Haja vontade e amor e continuaremos por muitos e bons anos a fazer o que não era suposto. A dares-me na cabeça porque os meus 'e se...' são compulsivos e eu a dar-te na cabeça porque tens com cada sugestão. Ora agora ir viver para a América! Ora agora ir viver para Bruxelas! Londres, né? Olha, uma viagem de costa a costa americana...! Uma viagem pela Europa?? ('Não digas isso muitas vezes que eu começo a pensar a sério...). Acho que é por isso que te amo. Representas para mim a possibilidade do sonho tornado realidade. Desta vez, não como príncipe encantado - e muito menos medieval (aquela gente não tomava banho) - mas sim a vivência de coisas diferentes, maravilhosas, tristes, desconhecidas, surpreendentes, mas sempre, sempre partilhadas. Desviadas da rota certinha e direitinha que eu tanto abomino mas para a qual sou irremediavelmente atraída se estiver por minha conta. Não quero dizer clichés como 'completas-me' ou 'os opostos atraem-se'. Porque uma pessoa deve-se bastar a si própria, deve ser um ser completo, único e auto-suficiente. Não esperar que outro(s) lhe arranjem, limem arestas, lhe salvem. E os completos opostos não se atraem. Tal como os inteiros semelhantes também não. Tu és coisas que eu não sou, sabes coisas que eu não sei, tens coisas que me fascinam porque impensáveis em mim. E vice-versa. Mas em comum temos mais, muito mais. E no meio disto, conseguimos um 'nós' nunca perfeito, sempre em construção, mas melhorado diariamente. Cheio de infinitas possibilidades. Por isso, repito: que continuemos por muitos anos a fazer o que não é suposto. Que a nossa familiaridade nunca caia em monotonia e que o nosso amor seja sempre ligeiro o suficiente para acomodar novas circunstâncias e profundo q.b. para aguentá-las. Nunca perdermos o Norte. E que haja sempre um par de braços (sejam os meus sejam os teus) à espera em casa, seja ela onde for.  

quarta-feira, 16 de março de 2011

6 meses

Entretanto passei a marca dos 6 meses em Londres e não me dei conta.

O humor não tem sido dos melhores. A duas semanas do fim das aulas a ansiedade sobre o meu futuro aperta. Porque fica tudo em aberto. E porque o facto de não ter emprego irá tornar-se insustentável para mim nessa altura. Tenho horror à inação, à inutilidade, ao vazio. Porque já os experimentei e são o pior estado mental possível. Anseio a sentir-me prestável, a ver o meu trabalho reconhecido, a pôr em prática o potencial que sei possuir. E quero ganhar dinheiro. Não vou ser hipócrita e negá-lo. A lista dos e-mails enviados cresce sem correlação positiva com o número de convites para entrevista. Alguns dirão: 'Bem-vinda ao mundo dos crescidos, Sara.' E têm eles razão. 

Depois vem este pânico irracional de voltar para Portugal. Acelera-me o coração, deixa-me sem ar pensar em voltar à minha vida anterior e a tudo como era antes, como se nunca tivesse vivido noutro sítio, como se nunca tivesse explorado e amado esta cidade, como se ela não me tivesse enriquecido tanto, como se não tivesse sido FELIZ aqui. Voltar e continuar tudo na mesma. E de vez em quando ouvir 'Londres' no telejornal e o ar prender-se nos pulmões, fazer o caminho habitual até Lisboa de carro (seria inevitável) e pensar 'Eu vivi a pouco mais de 30 min de tudo o que alguma vez precisei para ter uma vida completa e nunca precisei de andar de carro'. 

Vida completa. Hmm. É aqui que o pânico degenera em dúvida. 'Vida completa é para ti viver em Londres?'. Não. Vida completa é viver em Londres com o D.. Este complemento circunstancial de companhia faz toda a diferença. É o estar em casa e saber que esperamos alguém. É o preparar o jantar e ter em conta um gosto alheio. É rir às gargalhadas com outra pessoa durante o The Office. É o ouvir outra pessoa respirar durante a noite. É o poder dizer espontaneamente 'Então!!' (não há tradução possível para inglês). É entrar em pânico por as castanhas estarem a acabar no supermercado mesmo quando não gostamos de castanhas. É o lavar meias, boxers e chuteiras. É o ficar trancada em casa porque a outra metade se esqueceu e levou as duas chaves. É o ter 2 roupões, 2 toalhas de banho, 2 escovas de dentes e 2 tipos de desodorizante diferentes na casa de banho. É ter uma caixa de correio com 2 nomes.

Se um dia tiver de escolher entre Portugal com D. e Londres sem D. ... Espero não ter de escolher. Seria pânico qualquer que fosse a escolha. Por isso dou graças por não ter tido que escolher (se não dou devia dar. Todos os dias). O espírito de emigrante manifestou-se com igual intensidade nas duas partes, e uma delas largou tudo para que a outra pudesse concretizar um sonho. Dou graças por o cupido ter acertado em alguém com a mesma ânsia de descobrir, experimentar e sonhar que eu. E por permitir que os dois pilares nos quais assenta a minha felicidade e estabilidade possam ser construídos à mesma medida.

Um dia escrevo sobre a família. Alargada. Porque nunca pensei (e eu penso demais) que fosse tão pouco difícil estar longe fisicamente das pessoas que conheço desde sempre. Mas hoje fico-me por aqui.






S.