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domingo, 26 de novembro de 2017

Black Friday que não foi

Estive mais tempo do que queria na Debenhams, saltitando entre pisos para levantar a encomenda, experimentar roupa, olhar os saldos, devolver o que não me servia. Tinha uma gata para visitar na área e então planeei a visita à Debenhams de Oxford Street para esse dia também. Mas tinha suspirado de frustração por só me ter apercebido de manhã que hoje era a Black Friday. Cerrei os dentes e que se lixasse, estou habituada a multidões e as de Londres costumam ser ordeiras.

Saí da Debenhams já era de noite - o que não é difícil nesta terra por volta do inverno - mas ainda assim fiquei ligeiramente aborrecida. As últimas semanas tinham sido loucas entre trabalho novo a todo o gás e vários gatos para visitar todos os dias, queria um bom dia de dolce far niente. Mas bom, ainda ia a tempo e este era o primeiro dia que tinha reservado para stress a meio gás.

Ponho o pé fora dos armazéns, ainda a pensar nisto tudo e a planear onde ir apanhar o autocarro, quando vejo uma multidão ao virar da esquina a correr na minha direção. Não me lembro quanto tempo demorei a racionalizar a coisa, acho que pareceu muito e nenhum ao mesmo tempo. Lembro-me deste sentimento:



A partir daí entrei em auto-piloto. O pânico foi real, mas não me toldou completamente a memória. Lembro-me de rodar nos calcanhares e começar a correr na direção em que as outras pessoas estavam a correr, lembro-me de passar pela porta da Debenhams onde tinha acabado de sair e ver mais uma onda de pessoas a correr pela porta fora e escadas abaixo, lembro-me de ver mais pessoas a correr à minha frente, lembro-me de pessoas a gritar, lembro-me de ficar frustrada por ter botas de tacão calçadas e ponderar parar para as descalçar mas decidir imediatamente contra isso, lembro-me de ver uma pessoa a cair estatelada no chão à minha frente, lembro-me do pensamento "isto está a acontecer, AGORA" dominar grande parte da minha mente, lembro-me de guinar para a direita assim que vi um edifício com uma porta giratória e um lobby enorme porque sair da rua me pareceu instintivamente uma melhor opção do que continuar a correr feita alvo ambulante sem rumo.

Mais pessoas tiveram a mesma ideia mas as portas giratórias teimavam em não andar quando as empurrávamos - e eu fui uma das primeiras, estava a sentir a pressão das outras pessoas a quererem empurrar a porta e a mim pelo caminho. A rececionista, sem saber o que se estava a passar, pediu calma já que as portas paravam de girar precisamente quando eram forçadas, e lá conseguimos entrar a conta-gotas para o lobby marmorizado e iluminado. Suspeito que as caras à minha volta eram o espelho da minha, confusão, agitação da adrenalina e respiração ofegante pela corrida inesperada. Ninguém sabia o que se estava a passar e mais pessoas continuavam a forçar a entrada. Alguém grita alguma coisa e corre para dentro, para longe da rua e vamos todos atrás porque de repente as portas vidradas que nos separam da rua deixam de parecer proteção suficiente contra o que quer que fosse que estava atrás de todos nós. E é óbvio que todos soubemos imediatamente o que se estava a passar: um ataque terrorista na popular rua de loja no centro de Londres, na hora de ponta na Black Friday. Corremos todos para dentro dos corredores do edifício, sem saber para onde, numa tentativa em pânico de nos esconder dos atiradores (a esta altura já circulavam meios-rumores de tiros em Oxford Street). A rececionista direcionou-nos para o segundo piso, um piso vazio, sem acesso exterior a não ser com cartão. Aquela ala ampla e vazia, de paredes brancas e chão espelhado, pareceu-me o céu no momento em que entrei. Suspiro de alívio, apesar de a adrenalina continuar a percorrer-me, a razão começando a encontrar espaço para poder começar a funcionar.

A razão não tinha muito por onde pegar. Outro tipo de instinto fez-me a mim e a outras pessoas sacar do telemóvel para procurar notícias sobre o que se estava a passar, mas nem o Twitter nem os media tinham ainda pegado na situação. Lá fora continuávamos a ver pela janela pessoas a correr lá em baixo com alguns gritos de pânico. A alguém ocorreu de repente que devíamo-nos afastar das janelas, que éramos presa fácil ali à espreita, e devíamos apagar as luzes, "APAGUEM AS LUZES!". O pânico vem em ondas e propaga-se como fogo. "Ssssshhhh", gritei eu e mais umas pessoas: estávamos tão seguros quanto possível, e apagar as luzes não só não era possível como poderia parecer mais suspeito do que mantê-las acesas numa rua onde todos os outros edifícios estavam iluminados.

E depois começou a procura de informação, tentando cruzar relatos de uns grupos e de outros. Uma mulher, não esqueço porque mesmo no estado inicial de medo e ignorância completa me irritou com a segurança com que propagou informação alarmista: tinha saído a correr da Debenhams porque viu e ouviu homens armados a disparar contra os compradores, e eram do ISIS, eram do ISIS, eles tinham avisado que iam fazer alguma coisa na Black Friday, e agora cá estavam eles.

As pessoas ligavam a familiares e amigos, alguns que tinham sido separados a dizer onde estavam, o que se estava a passar. Eu continuava uma busca frenética pela Internet para compreender o que se estava a passar. Twitter da Metropolitan Police de Londres foi para onde me virei, a única fonte de informação fidedigna e segura, experiência de ataques passados onde havia sido espectadora ausente e que agora se tornava o guia de ação para uma experiência bastante mais ativa. Finalmente começavam a aparecer movimentações da polícia na rede social. A vaga e frustrante informação típica do início de ataques: a polícia está a responder a um incidente na estação de Oxford Circus, evitem a área.

Começou a espera. Não sabia quanto tempo teríamos de ficar ali; lembro-me de pensar que não tinha comida na mala e preocupar-me. Um trabalhador daqueles escritórios trouxe um jarro de água e copo. As casas de banho eram ali, se alguém precisasse. A rececionista de vez em quando voltava ao nosso piso para nos informar que havia mais pessoas no lobby, que não havia nenhuma informação, mas que estávamos seguros ali. Uma serenidade louvável. Para além de trocar mensagens com o D., nunca me passou pela cabeça informar alguém dos meus do que se estava a passar. O que é que ia dizer? Tenho uma maneira de encarar as adversidades que é a seguinte: engolir. Dentes cerrados e vamos racionalizar: qual é o plano? Não me estou a gabar: quando foi para fugir em pânico, sem nenhuma ameaça visível que não o pânico da multidão, também fugi. E isto nada tem que ver com coragem nem tampouco liderança. Até porque isto é uma estratégia que utilizo porque me serve a mim. Lembro-me de pensar com alívio que ainda bem que estava sozinha e só tinha de pensar em mim. Mas isto para dizer que a última coisa que queria era ligar a alguém que estivesse longe, para dar conta de uma situação que não fazia a mínima ideia de qual era, verbalizando o meu pânico. Entretanto a Met Police tinha informado para quem estivesse nas redondezas se abrigar em edifícios até informação em contrário. Tínhamos tomado a decisão correta, respirei fundo. E sentei-me no chão, preparando-me para esperar.

Notei o saco de compras que trazia e decidi enfiá-lo a custo na mochila, para que fosse mais fácil fugir da próxima vez. Voltei a ponderar descalçar a merda das botas de tacão (não descalcei).

Levantei-me para ir às janelas espreitar o que se estava a passar, na ânsia de sorver informação que teimava em não chegar pelo imediato Twitter. As pessoas já não corriam, pareciam andar normalmente pela rua. Algumas pessoas continuavam dentro do edifício oposto.

A mulher dos rumores voltou à carga, desta vez com a informação sensacional de que o marido estava a ver a BBC e que tinham informado que eram três grupos armados: um na estação de Oxford Circus, um na Debenhams, e outro na rua. Online, a BBC mantinha-se vaga nas informações, respeitando o bom jornalismo e seguindo a linha oficial da polícia, que continuava as investigações e sem divulgar nada. Apeteceu-me mandá-la calar, um Daily Mail ambulante que tira regozijo macabro de espalhar informação sensacionalista e completamente infundada.

Continuava a não haver relatos de nenhuns atiradores, esfaqueadores, camiões ou bombas. Começava a tornar-se exasperante. Mas quanto raio de tempo precisa a polícia para dizer o que se está a passar?!

Cerca de uma hora depois de entrarmos no edifício, a rececionista regressa para dizer que tinha falado com a polícia lá em baixo e estavam a recomendar às pessoas começarem a ir embora dali, não havia perigo. Tive as minhas dúvidas - não tinha havido informação oficial pelo Twitter para desandarmos - mas as pessoas lá fora caminhavam normalmente. E eu tinha as chaves do cat-sitting recente, uma casa ao fundo da rua onde me encontrava neste momento. Alguma coisa era só correr em frente.

Saímos. O som que me atingiu imediatamente foi o tectectectectec dos helicópteros por cima das nossas cabeças, as sirenes da polícia, as luzes azuis intermitentes dos carros de emergência: apesar de tudo, era uma zona ainda em estado de sítio. Caminhei até ao Hyde Park, até Marble Arch onde sabia que passavam autocarros para casa. Não valia a pena esperá-los na Oxford Street, de certeza. Centenas de pessoas na rua, mas isso não é nada de estranho naquela zona a uma sexta-feira à noite. Ainda me sentia meio fora do meu corpo, pela surrealidade do que tinha acabado de viver. A praça de Marble Arch estava cheia de pessoas, pareceu-me que um ponto de encontro de vários escritórios que devem ter políticas de evacuação planeadas para casos destes, com várias pessoas de colete refletor e megafone. De resto, a cidade completamente normal: carros a passar, a parar nos semáforos, autocarros a funcionar normalmente. Olhando em volta, as pessoas pareciam-me em estado normal. (Vi muita gente ainda abrigada em lobbies de escritórios enquanto caminhava até Marble Arch.)

Mas que raio se tinha passado?

Fui esperar o 10 à paragem. E lembro-me de pensar que ainda não estava normal por ter achado ridículo fazer um gesto tão banal como sacar do cartão para passar no autocarro. E havia qualquer coisa de estranho porque parecia-me que as pessoas à minha volta não estavam na mesma dimensão que eu, que havia qualquer coisa que não sentia certo. Lembro-me de recear ficar com algum resquício de ansiedade duradouro porque apesar de não ter estado sob perigo, experienciei tudo como tal e pensei estar a correr pela vida durante alguns fatídicos minutos.

Claro que isto agora me parece ridículo. Só quando cheguei a casa é que começaram a surgir as notícias de que a polícia não tinha encontrado vestígios de tiros ou de bombas ou de altercações ou de... nada. Até me sinto levemente zangada por esta experiência, impaciente pelo pânico que senti. Já reconstituí o que fiz e sei que tomei as decisões certas com a informação que (não) tinha: confiar que uma multidão a virar uma esquina em pânico sabe coisas que eu não, não esperar para confirmar o perigo, sair da rua o mais rápido possível, manter-me sossegada e esperar direções da polícia. O que não me impede de temer que o ridículo desta situação possa ser como a história do Pedro e do lobo da próxima vez...

Óbvio que não fiquei com resquícios de nada. Já voltei a Oxford Street ontem e hoje para continuar a cuidar da gata. Passei duas vezes pelo edifício onde entrei em pânico e vi que, caramba, é muito mais perto da Debenhams do que me tinha parecido na altura. Continuam-me a ser indiferentes as multidões, nas ruas e nas lojas, para além da leve irritação de quando queremos passar e não se mexem.

Mas continua-me ligeiramente preocupante a rapidez com que cheguei à conclusão de que aquilo era um ataque terrorista, toca a fugir. É um lembrete de que, apesar de não pensar nisso no meu dia-a-dia, a plausibilidade de uma situação dessas é forte no meu inconsciente e, a avaliar pelo pânico coletivo, no dos habitantes e turistas que visitam esta cidade.



S. 



quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Inhabitiveness

'The urge to settle permanently in one place can be felt as a quiet hum. Even wanting to stay in a job can bring some often much-needed reassurance and stability to our lives - even if we might worry we’re being a bit unambitious. According to the phrenologists, a group of early Victorian scientists who thought they could detect personality traits by examining a person’s skull (see: PHILOPROGENITIVENESS), the urge to find a groove and stay in it was innate. They called it ‘inhabitiveness’ and defined it as a ‘love of continuity, of endurance, of sameness, of permanency of occupation.’

Inhabitiveness’ lacked staying power, and by the middle of the century had faded into obscurity, partly because phrenology itself lost scientific credibility. But perhaps this loss of a word for the pleasures of permanency can also be traced to the enthusiastic response - by some Victorians at least - to the ideals of dynamism and mobility, and the idea that humans are not only hard-wired to nest, but also to discover and roam too (see: WANDERLUST). 


For other ways of feeling at home see: HIRAETH, HOMEFULNESS, HOMESICKNESS.'

- Tiffany Watt Smith, The Book of Human Emotions


Este é o primeiro agosto que passo em Inglaterra. Já vivi aqui três anos, intervalados, mas nunca vivi aqui em agosto. 

O 'quiet hum' comecei a senti-lo na primeira vez que me mudei para Sheffield. A ideia era passar lá os três anos supostos do doutoramento e manter-me por cá indefinidamente. Mas ainda havia o 'depois logo se vê'. Foi com muita alegria que regressei a Inglaterra, e me preparei para assentar. Mas depois não foi assim, e voltei a sair por um ano, porque podia, porque a libra estava demasiado forte, por razões de companhia. Voltei para o terceiro ano de PhD, e arrependi-me acerrimamente de ter saído. 

Entretanto veio 23 de junho e o maldito referendo. Exatamente no dia que eu completava as provas para recrutamento como civil servant da UE. Estava portanto em Bruxelas. Vim o voo todo no dia seguinte, quando se soube os resultados, a morder o lábio, chorei como uma desalmada assim que cheguei a casa. Digo sem reservas que foi o pior dia da minha vida. Pela irreversibilidade, pela estupidez, pelo desnecessário, pela recusa de partilhar um futuro connosco. As minhas duas paixões que se desalinharam e me atiravam agora para uma escolha imperativa: ou uma, ou outra.

Chorei baba e ranho quando a UE abriu uma vaga que correspondia às minhas competências. Coisa ridícula de menina privilegiada? Sem dúvida. Mas estava a ver a vida a levar-me para longe de Inglaterra, de onde o quiet hum me dizia para ficar. Desta vez sem possibilidade de saltitar daqui para Bruxelas e retorno, por causa do maldito referendo. A escolha imperativa a enfrentar-me muito mais cedo do que eu pensava: ou uma, ou outra.


'Anxiety is the dizziness of freedom.'
- Soren Kierkegaard, The Concept of Anxiety

'Kierkegaard argues that angst is the appropriate response to realising life is not predetermined, but that we have absolute freedom to make any choice we want - and have total responsibility for the outcome.'


O quiet hum continuou. Uma segurança muito forte de que eu estava onde devia estar, desculpada pelo doutoramento em curso mas que eu sabia que era muito mais do que isso. É aqui que eu devo estar mas, acima disso, é aqui que eu quero estar. E ficar. Até quando? Para sempre?... Não, nunca se diz para sempre. Até onde a vista alcança. Uma vontade forte, imperativa, constante de criar raízes num sítio, de conhecer as coisas de cor, de poder chamá-las minhas pela força do hábito e do tempo, a minha cidade, a minha casa, o meu país, o meu emprego, a minha carreira, o meu parque, as minhas ruas, o meu autocarro, as minhas lojas, o meu aeroporto. Um dia: a minha família. Nisto, não há nada que substitua o tempo. Tão diferente da vontade de há uns anos, tão diferente do quem eu me julgava. E daí talvez não... A despedida de Londres em 2011 e o quiet hum das saudades dos meses seguintes deviam ter sido um indício.

Mas depois aprendi a gostar de cidades mais à escala humana. Inglaterra seria, então, mas Londres não. Londres é caótica, gigantesca, stressante, cara. Em qualquer sítio de Inglaterra seria feliz. Tentei Sheffield, tentei o campo. Fui infeliz, pelas circunstâncias geográficas, pessoais e, porque não?, políticas. Detestava aquela cidade mas fingia que não. Era ali que devia estar, embora não onde quisesse estar. Detestar é uma palavra forte... Não guardo nenhum rancor ou ódio, longe disso, mas não quero lá voltar. Só percebi isso quando saí.

Londres ressurgiu no final desta primavera, por uns instantes com relutância porque estragava planos, mas logo depois com um fulgor que não passou mais. E se for ali? Não sentes o apelo da cidade novamente? Tão forte, em crescendo, estou em casa.

Estou feliz. Devia ter sabido que preciso disto, da confusão familiar, das multidões, de muita coisa a acontecer, das ruas corríveis e cicláveis, que tudo isto me rodeie sendo só preciso pôr o pé fora de casa. A minha introversão não se coaduna com a calma do campo; definha-me. A permanente estimulação dos sentidos é o perfeito complemento para a minha personalidade serena. Nada disto parece normal, nada disto soa bem (as cidades exercem força centrífuga em quem lá vive por razões que racionalmente me parecem lógicas). Mas é isto que sou e é disto que preciso, com uma constância que já me permite ter alguma confiança na sua permanência. 

O quiet hum continua, mas agora as minhas circunstâncias e os meus planos estão finalmente alinhados com ele. Finalmente. O quiet hum alimenta-os. 'É aqui, é aqui, é aqui!' As raízes. A minha casa. Os meus parques, as minhas ruas, os meus autocarros, a minha estação de comboio, o meu bairro, o meu rio, o meu terminal de autocarros, as minhas lojas. A minha cidade. O meu compasso cultural alinhado com as minhas circunstâncias.




S.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Veados, veados por todo o lado

Acho adequado vir aqui apresentar o desfecho deste episódio:

Fui hoje - finalmente - ao Richmond Park e vi dezenas de veados. À beira da estrada, a atravessar a estrada, nos prados, ao pé de Hampton Court, à beira de uma avenida incrível como quem vai para Teddington.




 Eram mais que as mães.

Quanto à zona adjacente, sim senhora, todo o cenário idílico que lhe dá a fama de uma das zonas mais procuradas da Grande Londres: casas lindíssimas de classe média-alta, muito sossego, limpeza e ordenação, longe da confusão do centro londrino, muito branquela, muito à subúrbio respeitável. Tudo do que neste momento da minha vida quero estar bem longe.



S.


domingo, 9 de julho de 2017

Uma Londres desconhecida

Há dois dias, porque o dia de trabalho foi eficiente e acabou cedo e porque Londres me chama para a rua com uma intensidade inescapável, decidi finalmente ir apresentar a Queeny Papa-Léguas à cidade. Parti sem rumo porque numa cidade que se desenrola à nossa volta com uma planeza a que ainda não me acostumei depois de 2 anos no Pico do Distrito, não é preciso recear esforços despropositados. Tira-se a altimetria da equação do esforço, fica só a simplicidade dos quilómetros. Fui seguindo ciclovias e outros ciclistas, até ver.

O até ver tornou-se Torre de Londres assim que me dei conta de que tinha chegado ao Big Ben e que a ciclovia onde estava se partia em duas: ou passar a Westminster Bridge para o outro lado do rio, ou virar à esquerda e continuar ao longo do Tamisa para leste, onde iria eventualmente chegar ao meu monumento britânico favorito.

O que eu não contava era ir estrear a rede londrina de auto-estradas de bicicletas, uma maravilha do planeamento urbano que não existia quando aqui vivi da última vez há 7 anos.

Como é que eu hei-de descrever isto... Basicamente é como se existisse uma Londres alternativa para bicicletas, como se os ciclistas tivessem a sua própria cidade, sem terem que se chatear com carros ou peões. Eu estou numa das estradas mais movimentadas da cidade, a zona do Embankment, mas ciclo com uma velocidade e um descanso que só imaginado em planos utópicos de cidades sustentáveis ou sonhos molhados de cycling freaks.


Isto que é uma animação a computador, tornou-se realidade o ano passado. Uma ciclovia de dois sentidos, completamente individualizada da parte onde passam os carros e do passeio dos peões. E há umas 8 como esta, senão me engano, que cruzam a cidade de umas pontas a outras.

Ora vide mais imagens e imaginai a trabalheira que não foi precisa para renovar estas estradas todas numa metrópole cheia de tráfego:




O cuidado posto no planeamento é notório nas fotos acima e abaixo, que ilustram como as cycle superhighways evitam as zonas onde param os autocarros.


E como as auto-estradas chegam a bifurcar em diferentes direções, no caso da CS3 para quem quer continuar pelo rio ou para quem quer entrar para dentro da City. Em baixo acho que foi onde me enganei ao seguir os ciclistas da frente e cortar para dentro da cidade, em vez de continuar em frente para leste na direção da desejada Torre.


Lá corrigi o meu erro pouco depois e cheguei à Tower Bridge, onde a apresentei à Queeny PL.


Eu ainda estou parva como esta rede gigante de ciclovias, que inclui as 8 auto-estradas mais ciclovias adjacentes e quiet roads para quem quer pedalar longe da confusão, se desenvolveu nos últimos anos sem eu dar por isso! Ainda em 2013, a primeira e última vez que pedalei na capital, a minha experiência foi a de uma cidade em que se ciclava pior do que em Bruxelas. Que puxão político que isto levou.

(a parte onde pedalei, de Westminster à Torre de Londres, está a roxo)

E por isto, ainda que o odeie pela parte hipócrita e de auto-serviço que desempenhou na campanha para o Brexit, o Boris Johnson, iniciador disto tudo, vai ter sempre a minha gratidão.



É que até túneis individuais estas ciclovias têm, porra! Um túnel para os carros e outro túnel ao lado para as bicicletas. Ainda hoje andei noutra das superhighways e lá estava um. (Não encontrei foto, vão ter de confiar.)

Ainda assim, é notório que muitas zonas da cidade, mesmo centrais, ainda não estão convenientemente servidas de boas ciclovias. Por exemplo, de sul para norte, de Westminster até ao Regent's Park, não há linhas de jeito. Mas o passo da evolução, e os trabalhos a decorrer por troços das superhighways planeadas, fazem-me estar muito otimista pelo futuro ciclável da cidade dos meus sonhos.

E quão demente seria isto, se se viesse a realizar?



Aqui fica o único mapa com as auto-estradas que encontrei - curiosamente num site japonês, que o tfl.gov.uk, para minha grande surpresa e frustração, não tem nenhum mapa da rede em condições.



Boa sorte agora em tentar me tirar daqui, Theresa May.




S.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

A caminho de uma carreira como cat lady

Estava aqui a folhear as Páginas Amarelas sheffieldianas e não sabia que esta cidade tinha tantas 'catteries'. Nunca sequer tinha visto a palavra 'cattery' escrita, nem sabia que isso existia. Existem aqueles hotéis para animais, sim senhora, mas assim só para gatos desconhecia que fosse uma coisa que existisse. E tantos. O pessoal aqui deve ter mesmo muitos gatos. É a coisa que mais saudades tenho de ter. Poder dar festas a um gato, dar-lhe colo, ouvir 'miaau', apertá-lo com força até ele se zangar e me dar uma sapatada com garras de fora. Era a primeira coisa que fazia se não estivesse expressamente proibido no contrato de arrendamento: arranjar um gato.
 
Depois de ver tanta cattery nas PA pensei que fixe, fixe, era haver um gatil qualquer onde aceitassem voluntários, assim sempre saía um bocadinho mais de casa e aproveitava para matar as saudades de festas a gatos. E até há um gatil para gatos abandonados, sim senhora, e até aceitam voluntários, mas depois pensei melhor e ser voluntária num gatil deve ser um dos trabalhos mais ingratos do mundo. Deve ser horrível estar a limpar cocó de gato naquelas caixas de areia e ter gatos a passar por nós com aquele olhar mais sobranceiro que existe e que só os gatos conseguem lançar, sabem? como quando lhes tentamos captar a atenção e eles semi-cerram os olhos devagarinho e viram a cabeça para o lado. Os gatos são o animal mais ingrato do mundo. Ao menos num canil há a recompensa imediata da alegria canina pela atenção humana.
 
Por falar em sobranceria felina, no outro dia fui ao café dos gatos em Londres, o Lady Dinah's Cat Emporium, e não dá para acreditar no desprezo que se leva. Aquilo em teoria é o sonho dos meus sonhos: chá, scones, Londres, gatos, preenche todos os requisitos, mas depois na realidade é só triste. Triste porque se paga 6 libras só de entrada, tem que se reservar com antecedência, há limite de tempo para lá estar (90 minutos) e os gatos não estão nem aí. Enquanto esperávamos por uma amiga observei durante uns bons minutos pela montra o ambiente do café e comecei logo a suspeitar que aquilo ia ser um falhanço porque havia vários gatos mas estavam todos a dormir, bem longe do alcance dos groupies humanos. Acho que nós ainda tivemos um bocado de sorte porque durante a nossa hora e meia dois gatos acordaram e estiveram a desfilar pela sala - como também só os gatos sabem desfilar - e lá se aproximaram um bocadinho de nós. De resto foi dar festas nos gatos que dormiam pelas mil e uma plataformas, cestos e recantos que por lá havia, - e que nem um olho se dignavam a abrir - e é se queres aproveitar um bocadinho da experiência gatil. E ainda por cima nem nos deixam pegar nos bichanos ao colo, o que, suspeito, deve ter tanto que ver com o bem-estar dos animais como com as preocupações paranóicas do health and safety (mandaram-nos lavar as mãos antes de entrar - sim, é este o nível de universo paralelo daquele café em particular e desta terra em geral).
 
Acho que vou ter que pôr as minhas fascinações felinas em suspenso por uns tempos, assim não há condições.

 
'Sou um gato e estou-me a cagar que tenhas dado 6 libras para me ver. Aliás, devias era ter dado 10.'




S.  

domingo, 26 de outubro de 2014

Tenho a mesa cheia de feminismo

Ainda estou a ressacar da minha primeira conferência feminista de ontem, em Londres. Tenho o computador rodeado de panfletos sobre organizações, campanhas e mulheres incríveis, que catalogo diligentemente no meu caderno de notas virtual, para futuro contacto.
 
O PhD não é um mar de rosinhas, não senhor (decisões, decisões, só decisões), mas caramba, se calhar todos os investigadores que nos dizem constantemente que os anos de doutoramento são os mais livres e felizes da nossa vida profissional têm razão.
 
 
 
 
 
 
S.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Já só faltam 21 (II)

Ontem encontrei uma Londres cheia de sol, pessoas e um grande sorriso amigo.
 
Também encontrei isto:


Uma meta maratonista ali mesmo em frente ao palácio.
 
Juro que não fiz de propósito. Só lá fui apanhar o comboio para casa.
 
É capaz de não ter sido coincidência, mas foi a primeira vez que admiti que um dia vou correr uma maratona. Foi em voz alta, para outra pessoa, por isso agora é real.
 
Pronto, era só isto.




S.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Outra blasfémia, outra heresia, outro palavrão

Por falar em tradições de pastelaria que já não são o que eram (ou que começo a desconfiar que nunca chegaram a ser), num ano quase inteiro que vivi em Londres nunca comi scones. E isto é uma coisa que eu tenho muita vergonha em admitir. Não foi por esquecimento ou por recusa (eu gosto mesmo muito de scones) mas porque nunca os vi a serem servidos em cafés ou pastelarias.

Posto isto, não sei se um dos símbolos vendidos como o supra-sumo da Britishness é na verdade falso, ou se Londres tem pouco de British, ou se fui eu que andei de olhos fechados durante dez meses.

Em contrapartida, em Bruxelas já devo ter comido scones umas quatro ou cinco vezes. 

Não é só o clima que anda todo trocado, está visto.





S.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Do chá verde, com amor

Numa banca de rua, algures em Camden, uma senhora me disse:

- As folhas de chá verde têm que ser molhadas com água fria antes de lhes botarmos a água a ferver, para perderem o gosto amargo característico do chá verde.

A dica, não pedida mas agradavelmente recebida por vir de uma especialista daquela que era uma banca de chás, mudou a minha relação com o chá verde para sempre. Toda uma gama que me estava vedada por não aguentar o travo amargo está agora novamente à minha disposição. A água fria por cima das folhas? Resulta mesmo.





S.


Acabei de provar o Earl Grey da Rituals e também é bom, bom, bom. Aliás, como tudo naquela loja, a única onde perco realmente a cabeça, maldita seja. 

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Egocêntrica, much?

Ontem tomei duas decisões, com potencial de mudança de vida, que me fizeram constatar que eu não me conheço. Ou não me conheço, ou estou a evoluir* para outra coisa qualquer mais depressa do que o meu ego consegue desvendar.

- Inscrevi-me na Meia-Maratona de Lisboa. Vou em março a Portugal, de propósito correr uma prova que insisti durante uma hora, ainda há dias, nunca me meter. Em retrospetiva, após os últimos meses de treinos continuados nem sei bem em nome de quê, faz todo o sentido. Do ponto de vista de quem eu sou (era? sempre fui?), juro que não faz. Não foi preciso a Gralha me espicaçar muito para ficar com o bichinho desta prova, depressa anui. O que revela, mais uma vez, que eu não me conheço.

- Recusei uma perspetiva profissional em Londres. Ainda não acredito. Não acredito é no alívio que senti após o decidir, sabendo, aqui algures mas que não era só na cabeça, que tomei a decisão correta. Afinal tenho instinto ou coisa que o valha... (Mentira, a lista dos prós e contras também esteve presente e foi o teste final. Se bem que o alerta veio das entranhas.) Eu amo Londres, eu fui lá tão feliz, eu cheguei a sentir-lhe mais a falta, tantas vezes, do que a pátria materna, e recusei conscientemente, livremente e aliviadamente me mudar para lá, trocando esta cidade pela qual não tenho carinho especial pela minha amada Londres. 

Desculpem-me os clichés mas isto é aquilo do rio não passar duas vezes pelo mesmo sítio? Ou do outro que dizia que o difícil não é ir atrás dos nossos sonhos, é saber e ter a coragem de largá-los quando já não são os nossos sonhos? 

É por estas e por outras que eu tenho um medo terrível de ter filhos. Não é pelas mudanças do corpo, não é pelos vómitos, não é pelos horrores do parto, não é pela alteração do ritmo de vida, não é por ter que cuidar de outro ser humano, não é pelas manhãs a dormir até ao almoço que se acabam, não é pelo aperto financeiro, não é pelo We Need To Talk About Kevin, não é pelo fim do tempo e espaço pessoais, não é pela adolescência da prole, não é pelo mudar de fraldas, não é pela incerteza do futuro. É simplesmente porque o meu eu de hoje não sabe que eu vai encontrar do outro lado da maternidade. E eu ainda tenho tanta coisa que quero concretizar neste estado mental do presente.






S. 

*Atenção que quando digo evoluir não é como sinónimo de progresso, é mais no sentido de como os Pokémons evoluíam: chegavam a determinada altura, após não sei quantas batalhas e skills adquiridos tinham a possibilidade de evoluir para uma criatura diferente. Mas quantas vezes o estádio anterior não era bem mais poderoso...

domingo, 29 de setembro de 2013

Desportos radicais em Londres

Foi após muito remoer de prós e contras, em que dois tornozelos me andam a lixar planos de corrida mais uma enorme curiosidade versus uma condução à esquerda endiabrada, que finalmente andei de bicicleta em Londres. Sinto-me uma pessoa diferente e sei que amanhã o meu commuting a pedalar vai parecer uma brincadeirinha de crianças.

Peguei na bicicleta a tremer mas decidida porque queria mesmo muito experimentar bicicletar na amada cidade e porque tinha pouco mais de duas horas para matar as saudades. E eu quando vou a Londres tenho uma espécie de sítios ritualescos por onde tenho que passar e dizer olá, tenha o tempo que tiver. Daí que a bicicleta me pareceu boa ideia.

Coisas que me deviam ter gritado "nããããooo...!" na altura (e até gritaram, eu é que escolhi fazer de surda):

-  conduzir do lado esquerdo da estrada: esta foi a que me gritou "nãããoo" de forma mais audível. Os cruzamentos sabia que eram a parte mais lixada porque é quando se muda de direção e o instinto mais fortemente diz para posicionar do lado normal, ou seja, à direita. Fui o caminho todo a gritar mentalmente "esquerda, esquerda, esquerda, ESQUERDA", especialmente quando era altura de virar numa rua qualquer. Problemas adicionais: às vezes, há estradas com três ou mais faixas no mesmo sentido e, se quero ir em frente, tenho que ir na faixa do meio. Faz engolir mesmo muito em seco uma pessoa estar numa das ruas mais movimentadas de Londres, na faixa do meio e não saber se deve encostar à esquerda ou à direita nessa faixa porque entretanto já se baralhou toda e deve-se ir encostadinha é o mais à direita possível, certo? Ou era à esquerda? Vrrrroooom, e o autocarro que acabou de me rasar a esquerda. Ok, calma. Semáforo vermelho.

- conduzir na hora de ponta: hah, essa também foi boa. Começar a bicicletar numa metrópole a sério (cá Bruxelas, quais quê) às 19h da tarde. Nunca me pesou tanto o capacete que não levava como naqueles 20 minutos que durou a coisa.

- ausência de pistas cicláveis: sinceramente, fiquei desiludida. Pensava que Londres tinha uma muito maior consideração pelos seus ciclistas do que vi. Ruas fundamentais e largas no centro da cidade sem vias designadas para bicicletas, que não precisam de ser vias individualizadas, apenas uma coisa deste género:



Todas as ruas em Bruxelas, mesmo as mais insignificantes, têm símbolos de bicicletas no chão que indicam onde estas devem circular e mesmo que não constituam uma faixa diferenciada, estão lá. No caso de ruas mais estreitas, o símbolo da bicicleta está no centro da estrada, indicando que o ciclista se deve posicionar no meio da faixa e o carro que espere. Foi um choque enorme descobrir que Bruxelas está bem mais à frente que Londres em alguma coisa.

De resto, admirável como aquela cidade é plana de fazer inveja e que nunca precisei sequer de olhar para as mudanças (mas olhei e eram só três. Em Bruxelas as bicicletas de aluguer precisam de sete). Gostei muito do sistema de aluguer Barclays, mais fácil de usar e com bicicletas mais leves do que o aqui do burgo. Pena o movimento tão intenso nas artérias centrais e a ausência de espaços exclusivamente cicláveis. Próxima experiência: Lisboa. 



S.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Disney rant #3097235

Queria só acrescentar uma achazinha à fogueira dos defeitos da Disney.

Quando estávamos em Londres surgiu a ideia de irmos à loja da Disney comprar um presente para um bebé que tinha acabado de nascer. Não foi preciso a ideia ser formulada em voz alta duas vezes que eu fui logo lá, ansiosa por ir espiolhar as maravilhas que eles têm para bebé e por ter um pretexto para ir a uma loja Disney que é sempre uma experiência de, er... overdose sensorial. Eu sei, eu sei, num post critico o excesso de brilhantes e noutro admito o meu fascínio pela loja abrilhantada. Sou uma criatura contraditória, que querem. 

Dizia eu que fui logo a correr, direitinha à dita loja. Fui logo a correr, mas porque Londres é grande, ainda tive tempo de me preparar mentalmente para as multidões selváticas da Oxford St. Não correu muito mal.

A secção dos bebés tem coisas fascinantes. Eu, que tenho inúmeras crises existenciais sobre a maternidade (por antecipação, ainda que uma antecipação indefinida), e que nunca tive a oportunidade de lidar de perto com coisas de bebé, fascina-me o mundo consumista direcionado para estes minúsculos seres humanos. A prenda era para uma bebé menina por isso ia muito self-conscious do que iria escolher. Não queria dar mais um contributo para o potencial afogamento da criança em cor-de-rosas, brilhantismos, folhinhos, e piroseiras do género. Mas então se calhar, diz-me a voz da razão retrospetiva, não me devia ter ido enfiar numa loja Disney, né?

As roupas para bebézinhos ali são espetaculares. Têm os bonecos dos filmes e são de boa qualidade. São também, como suspeito que é normal, bastante segregadas: há o que é especificamente para menina e o que é especificamente para menino. Mas também há coisas neutras (Deus seja louvado). Depois de muito minuto a andar para trás e para a frente, pesando os prós e contras de tanta característica, tinha-me decidido por um body muito bonito cor-de-rosa que se salvava porque tinha a Nala, que é provavelmente a minha "princesa" Disney favorita. Gosto muito da Nala. Era tão ou mais aventureira que o Simba quando eram miúdos, divertida e corajosa, e deu-lhe na cabeça quando ele se armou em parvo e não queria ser rei, e lutou ao lado dele contra o Scar e as hienas.  






Pronto, tinha aquelas manias do banho como deve ser e depois casou e apagou-se completamente mas das princesas da minha infância ainda era a melhorzita. 

Isto para dizer que até estava disposta a fechar os olhos ao cliché cor-de-rosa porque tinha lá a Nala. Até que vi o que vinha escrito em conjugação: "Love Me, Love Me". Oh, que bonito. Súplicas a futuros e hipotéticos príncipes encantados num body de uma recém-nascida. Espetacular. E ainda há quem duvide da força dos estereótipos de género na educação das pessoas. O bombardeamento começa assim que chegam ao mundo, há cá espaço para inovar.

Arrumei o cabide muito direitinho na prateleira, engoli a bílis que entretanto me tinha subido à boca, e optei por uma coisa muito branquinha, muito linda, e com o coelho Tambor, do Bambi.

Vai ser bonito quando forem meus.

Isto pode parecer uma coisa insignificante mas é com pequenos passos que se muda qualquer coisa neste mundo. E ainda que a bebé não seja minha e eu não tenha absolutamente nada que ver com o que ela vestirá/brincará/usará/verá, não quero estar a contribuir para algo que vai contra o que eu defendo. Diz-se que "you should not mix your politics with the raising of your children" mas será que isto é mesmo assim? Se achamos que as nossas políticas não são boas para aplicar na educação dos filhos então valem elas de quê?

Já sei, vou engolir isto tudo quando/se for mãe. Eu depois prometo que digo qualquer coisa.



S.


sábado, 11 de maio de 2013

E respira fundo

Há umas duas ou três semanas, quando pus finalmente mente à obra e a sério para desenhar uma candidatura a doutoramento,  comecei a comiserar o facto de estar numa cidade francófona. Aaai, que não tenho bibliotecas como deve ser, aaai, que os livros que preciso são tão específicos e cá não há, aaai, que é só coisas em francês e eu preciso de uma cidade inglesa, aaai, que Londres fica tão perto mas tão longe, aaai, que a biblioteca da LSE é que era, aaai, coitada de mim. Escapou-se-me o facto de estar a viver no centro sobre all-things-UE, como também me escapou o facto de que aqui também há universidades, universidades que ainda por cima têm institutos europeus, e que universidades têm bibliotecas, e que sim, vivo numa cidade francófona mas literatura académica é universal e portanto anglófona. E só depois de pesquisar incessantemente como poderia reaver a minha membership das bibliotecas londrinas, é que me lembrei que se calhar devia era pesquisar como conseguir ficar membro da biblioteca da Université Libre de Bruxelles, por razões estupidamente óbvias. 

Solução tão simples para os meus problemas.

Ia cética, tenho que admitir, quando cheguei ao campus da ULB para me inscrever na biblioteca de ciências sociais e humanas. Assim que vi todo o edifício devotado à mesma (após cerca de meia-hora às voltas pelo campus, um mapa copiado à pressa para o bloco de notas, e muito desvio, como é sempre inevitável) o ceticismo deu lugar ao entusiasmo. 


Quando, cerca de duas horas depois, saí de lá com um livro emprestado por duas semanas e possibilidade de o renovar através da net, no conforto do lar, quase que vinha a chorar de alegria por ter encontrado tão honrada substituta para a minha biblioteca favorita. Com o bónus de que posso alugar livros (coisa que não podia na outra, daí as intermináveis tardes passadas naquele edifício gigante na Portugal Street) e que fica a 20 minutos de bicicleta de casa - enquanto a outra ficava a 45 de metro.

Hoje lá fui eu estrear o caminho de bicicleta até à univ para ir buscar nova leva de livros. Perto e caminho razoavelmente plano, que mais posso desejar?

Entretanto descobri que mais de metade dos livros que constam na minha to-read list não estão disponíveis naquela biblioteca, o que me frustra um bocado os planos de preparação. Tenho sempre a opção Amazon, mas por serem livros académicos e demasiado específicos raramente os encontro a preços baixos. Será um problema para solucionar mais para a frente. Entretanto descobri que os meus antigos códigos da King's ainda me dão acesso aos academic journals que vou precisar portanto a questão dos livros em falta foi posta de lado. O computador recebeu um beijo repenicado e um abracinho sentido que em boa verdade não são merecidos porque não é ele que dita o acesso aos valiosos artigos. Mas digamos que fiz o inverso do "shooting the messenger".

Isto tudo para deixar aqui registado que voltei à vida académica, ainda que seja só pré-académica por agora, e que toda a minha santa hora livre vai ser agora dedicada à preparação desta nova fase (não de verdade, senão não estava aqui, mas é mais ou menos isso). Só vou no segundo livro e já sinto o meu cérebro a esticar neurónios que não esticava há muito, como quando se vai ao ginásio após o mês de férias de verão. É quase doloroso. Intervalo com muito olhar para a parede desfocadamente, enquanto tento assimilar o que li (muitas vezes sem sucesso), e que equivale aos alongamentos após corrida intensa. 

Eu não consigo estabilizar no mesmo sítio muito tempo, seja ele geográfico, profissional, ou mental. É uma característica que já reconheci que faz mesmo parte de quem sou e tenho vindo a aprender a viver com ela. Temo que um dia me venha a dar problemas - uma pessoa precisa de uma certa estabilidade na vida para chegar a algum lado, seja para progredir na carreira, seja para criar uma rede de amigos e pessoas importantes na nossa vida num lado qualquer. Mas enquanto não me der problemas não há que lamentá-la.

Vou precisar de muita sorte para os próximos meses e de muito conforto emocional. Já re-abasteci o stock doméstico de Nutella, pelo sim pelo não.   




S.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Ele há coisas... #33

Queria só deixar aqui reiterado que eu sei que tenho um problema. Eu sei.


Mas, em minha defesa, eu não fui a Londres por causa disto, nem sequer a King's Cross. Fui lá apanhar o comboio para casa e chegámos com demasiada antecedência. Por acaso fui na direção de King's Cross em vez de St Pancras, e por acaso segui a placa que dizia "Platforms 9, 10, 11", e por acaso encontrei a parede e o carrinho que procurava avidamente. Como tínhamos algum tempo livre e já que estávamos ali, na fila para a foto me deixei ficar.

(Sim, há fila. De meia hora. Que não decresce porque está sempre a chegar mais gente avariada dos miolos.  Até tiveram que pôr aquelas fitas à la fila de aeroporto, e há um senhor vestido de maquinista que vai metendo ordem naquilo. E um fotógrafo profissional. E pode-se escolher o cachecol da equipa com que se quer tirar a foto. A menina atrás de mim perguntou à mãe se o cachecol amarelo era dos Hufflepuff e eu não me contive e larguei um YES seguido de sorriso aberto. Se bem que porque é que ela quereria ser dos Hufflepuff supera-me.)

Tenho a dizer que o senhor meu companheiro tem uma paciência que valha-me deus. Aguentou ali, estoicamente durante meia-hora sem revirar os olhos uma única vez, e ainda serviu de fotógrafo quando chegou a minha vez. Se fosse ao contrário, eu não aguentaria, decerto. Faria um esforço, vá, mas reviraria o olho de vez em quando, cruzaria os braços também, e olharia para o céu uma vez por outra. De maneiras que este é para manter. 

Ah e também fui lá falar à minha escola antiga, com mais uma data de antigos alunos, sobre como é que é isto do mundo do trabalho e tal. Estava à espera que me dissessem a mim. Às vezes dá-me uma vontade louca de rir porque eu não faço ideia do que estou a fazer. E o engraçado é que suspeito, pela primeira vez na vida, que os outros crescidos também não.

Como disse, eu sei que tenho um problema mas não me apetece fazer nada em relação a ele. Nem preciso. Enquanto tiver plataformas com números em frações, castelos para visitar, livros para ler, 20 graus na rua, o D. a meu lado, algum dinheirinho no bolso, um Oyster na carteira e Londres a duas horas de comboio, não preciso mesmo.



S.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Amazon intriguista

Ontem recebi um email da Amazon, daqueles de publicidade diária, que é abrir e delete instantâneo. Só que este era diferente. Vinha endereçado a mim pessoalmente. E falava de como estavam interessados num livro que eu tinha comprado há uns tempos, e se por acaso eu não o queria trocar.

Oito da manhã é ainda assim muito cedo para processar informação inesperada e com um wtf larguei o botãozinho delete e guardei para ler mais tarde, com tempo e sem pressas matinais.

E foi assim que descobri o Amazon Trade-In. 

Oh, que maravilha de sistema! Ao que parece, a Amazon estava-me a perguntar se eu por acaso não estaria interessada em enviar de volta um livro que comprei há uns dois anos e receber dinheirinho do bom por ele. Dado que o livro em questão é um daqueles calhamaços teóricos que se compra para uma disciplina e nunca mais se volta a pôr os olhos em cima, ia chorando de alegria. Queres o meu livro? Oh, querida Amazon, tomai-o! Em troca recebia um voucher para gastar livremente pelas Amazons desse mundo.

Aquilo imprime-se umas etiquetas postais pré-pagas, envia-se para a Amazon, eles avaliam se o livro está em bom estado, e ou o aceitam e enviam o voucher amado, ou rejeitam e enviam de volta o livro, de graça. Que desvantagem há aqui? Nenhuma!

Exceto que não se aplica às "Amazons desse mundo". Aplica-se à britânica unicamente. E os envios dos livros têm que ser feitos de e para o Reino Unido. Daí que o email se tenha referido àquele livro em concreto; um livro que comprei quando vivia em Londres.

Chorei lágrimas sofridas.

Oh Amazon, porque me tormentas assim! Vivia feliz na ignorância do sistema Trade-In, para quê me o introduzires se não tenho como o usar? É para me esfregares na cara que já vivi em Londres e já não vivo, é? Espeta mais a faca, sua bandida. Como se fosse preciso.

Odeio quando websites se armam em espertos. "S., olha só este novo sistema que temos aqui, o Trade-In. Muito útil para trocares livros que estão a ganhar pó em casa por dinheiro, e até tens este aqui que queremos muito. Aaah... Já não vives no UK. Uuups..."

Estúpida.





S.

domingo, 24 de março de 2013

Guia para uma viagem de sonho à Escócia

Há vários anos que uma das minhas viagens de sonho é ir à Escócia. Este ano, e por uma agradável coincidência, tive que me deslocar várias vezes a esta região em trabalho. Fiquei maravilhada com Edimburgo, que em nada desapontou e cuja aura de mistério e magia me lançaram num remoinho de lembranças de leituras passadas, visitei Glasgow várias vezes mas um bocado de fugida, e vi da janela minúscula de um avião as montanhas, os lagos e o verde que povoam a imaginação quando se pensa em Escócia.

No entanto, a minha viagem de sonho é muito mais do que isto. Quero conhecer esta parte do UK de uma ponta a outra, quero ir a Inverness, a Aberdeen, à Ilha de Skye, visitar os castelos assombrados, caminhar à beira dos lochs, andar no comboio que diz que tem as melhores vistas daquele campo, palmilhar aquilo de uma ponta à outra. Só assim arrumarei a Escócia no compartimento mental dos sonhos realizados.



Entretanto vou-me apercebendo que aquilo tem mesmo uma identidade própria e singular, diferente de (pelo menos) Londres e arredores, ainda que não sinta que estou noutro lado que não o UK. É complicado, para uma pessoa de fora, entender completamente os meandros da identidade de um povo, e por isso é sempre muito interessante quando se tem oportunidade de falar com insiders. Para além de uma ou outra conversa que já tive com o boss - que por acaso é escocês - tive no outro dia uma conversa curiosa com um senhor em Glasgow, que dizia que se irritava quando as pessoas diziam que o seu inglês era muito bom; "Eu não falo inglês", dizia ele, "Falo escocês, o que não é de todo a mesma coisa". Eu não concordo, inglês é a língua, o que há são depois as variantes. Ninguém diz que fala americano, assim como não se diz que se fala brasileiro; o que existe é o inglês escocês, o inglês indiano, o inglês irlandês, e por aí fora. Português europeu e português do Brasil. Mas não deixa de ser extremamente interessante a veemência com que o senhor disse aquilo, e a forma como ele diferencia a língua que fala, da língua que falam grande parte dos seus concidadãos. Durante a licenciatura, quando fiz o minor em Estudos Ingleses, um dos livros de leitura versava precisamente sobre a identidade dos vários povos das ilhas britânicas. Fascinou-me - e continua a fascinar-me - a complexidade das identidades nacionais dos quatro países. O que é ser britânico? E o que é ser inglês, escocês, welsh? Que um escocês não é inglês mas é britânico (ou pode nem se sentir tal). Mas que um inglês entende Englishness e Britishness como sendo a mesma coisa, e que por vezes um escocês se identifica mais como europeu do que como britânico. Fascina-me profundamente, isto das identidades nacionais. Se não tivesse seguido pela via do género, na minha dissertação, tenho a certeza que teria enveredado por aqui. O referendo para perguntar aos escoceses se querem uma Escócia independente já tem data marcada para setembro de 2014, e eu mal posso esperar pelo resultado. Seria algo inédito nos nossos dias, e, caso vença o "sim", muitas questões ficariam em aberto: Teria a Escócia que se candidatar novamente à UE? Manteria a libra esterlina? Como seria o estatuto dos seus cidadãos? Teriam que pedir visto para visitar outro país europeu? Desatará a abrir embaixadas escocesas pelo mundo fora? É incrivelmente interessante porque abriria um precedente nesta Europa cujas regiões querem mais e mais autonomia: a Catalunha, o Norte de Itália, o País Basco, a Bretanha, a Flandres, a Irlanda do Norte...

Mas divago. Eu queria era vir para aqui sonhar um bocadinho e não meter-me numa discussão sobre nacionalidades.

Dizia eu que a minha viagem de sonho à Escócia é muito mais do que Edimburgo ou Glasgow. Há outra parte crucial, para além de a palmilhar de uma ponta à outra, que é o meio para lá chegar: obrigatoriamente partindo de King's Cross de comboio, atravessando Inglaterra toda até à região nortenha do UK. Para vislumbrar o campo inglês, uma ou outra aldeia lá ao fundo, e ver a paisagem a mudar de forma.

Esta semana, foi mesmo isso que aconteceu. Não parti de King's Cross mas de London Euston (uma vez que para Edimburgo é que eles partem de KC e eu fui para Glasgow) e a atenção à paisagem foi reduzida uma vez que ia a trabalhar (benditos comboios com wi-fi) mas deu sem dúvida para maravilhar os sentidos e espicaçar a curiosidade. Se eu pensava que tal viagem me iria apaziguar o desejo de conhecer a Escócia, enganei-me profundamente; se há coisa que fez foi tornar mais obsessiva esta vontade. 

A viagem dura cinco horas e, a cerca de hora e meia do fim, as planícies verdes inglesas começam a dar lugar a um outro tipo de paisagem bem diferente:





Olhei para o lado e até me assustei com o que passava do outro lado da janela: montes imensos, arredondados e verdes, florestas e vales, pelos quais o comboio passava, indiferente e seguindo o seu curso. Começou-me a dar um bocado de raiva por a máquina fotográfica (ou vulgo telemóvel) não estar à altura para captar a beleza do que os meus olhos viam; e convenhamos que a janela de um comboio em movimento não ajuda. Às tantas desisti e decidi apoiar-me apenas nos olhos e na memória para guardar estas vistas.

Quando parámos em Carlisle e eu vi escrito por debaixo da placa da estação a expressão "Lake District" é que me ocorreu que aquilo ainda não era a Escócia mas sim uma região que já tinha ouvido falar por alto, pautada por lagos (pois), florestas e de grande beleza natural. 

E foi então que a minha lista de "sítios a visitar antes de morrer" adquiriu mais um nome. No fundo, no fundo, o que eu quero é palmilhar o Reino Unido de uma ponta à outra, que aquilo tem tanto sítio para visitar, tanto castelo, manor, palácio, aldeia, vila e parque natural que uma vida inteira não chegava para conhecer como deve ser.

Entretanto comecei a chegar à Escócia. Uma vez que as linhas férreas não têm placas de indicação, como é que eu descobri? Muito simples:








Neve!

Quilómetros e quilómetros de manto branco a tapar aquelas montanhas e aqueles campos, que desconfio tenham outro encanto quando a neve derrete. Mas assim, de uma perspetiva quentinha e confortável, me pareceram muito bonitos na mesma. 

Ainda embriagada pelo que tinha visto na viagem, surripiei da receção do hotel uns três ou quatro panfletos de excursões pela Escócia. Só para me darem umas ideias... Entre eles havia uma revista grátis totalmente devotada a roteiros a pé pela região. Páginas e páginas com percursos de vários quilómetros, com respetivos mapas, distâncias e fotos do que se pode ver em cada um. Fiquei pasmada com a devoção que aquele povo parece ter pelas paisagens incrivelmente belas com que a natureza os brindou. De notar que este é um país onde em meados de março apanhei neve e ventos gelados, e onde no inverno anoitece às três da tarde. E não é plano, de todo. Nada convidativo a atividades exteriores, portanto. 

No meio da coleção, encontrei o que andava à procura: excursões de um, dois e três dias por sítios emblemáticos da Escócia. Ouro sobre azul: são excursões pequeninas, em carrinhas de 7/9 lugares, muito personalizadas e com guias apaixonados pelo que fazem. Desde a experiência na Normandia, onde fizemos uma destas excursões muito pessoais pelas praias e cemitérios de guerra, que acredito ser a melhor maneira de conhecer verdadeiramente uma região. Alugar um carro é aventureiro mas para quando se tem muito tempo e, arrisco, dinheiro. Há que contar com muito desvio, enganos no caminho, fails em aldeias ou vistas que não são assim tão bonitas porque na foto pareciam diferentes. Partir com um guia é ter a certeza do que se vai ver, de que vamos visitar o que há de mais bonito e historicamente relevante. E além disso, é completamente diferente acompanhar as vistas com relatos apaixonados e cheios de detalhes que só quem conhece pode dar. 

Trouxe o panfleto das excursões. O grupo chama-se Timberbush Tours e é exatamente o que pretendo no dia em que a roadtrip pela Escócia acontecer. Espantou-me os preços em conta (excursões de um dia inteiro por volta de £30 por pessoa) e a diversidade de percursos por onde escolher. Comecei logo a maquinar fazer dela a nossa escapatória deste verão, mas por mais que deseje esta viagem sei que não vou poder privar-me de verdadeiro calor e sol uma vez no ano e ir mais para o norte em vez de rumar ao sul. Este inverno extraordinariamente rigoroso não me deixa sentir bem em desperdiçar a semana estival anual numa viagem à Escócia. Cá ficará a marinar por mais uns aninhos. Entretanto, vou-me babando com as fotos do folheto.



S.


domingo, 10 de março de 2013

Exposição à vista

Há uns meses dei-me conta de uma exposição que o V&A em Londres estava-se a preparar para receber e que encaixa perfeitamente num dos meus interesses literários mais aguçados: o período Tudor. A exposição chama-se "Treasures of the Royal Courts" e conta com peças inéditas das Cortes do Henrique VIII e Elizabeth I, dos Stuarts e do Ivan, o Terrível (como este último foi aqui enfiado permanece um mistério para mim).




Infelizmente, só agora reparei que é uma exposição paga - os museus londrinos gigantes, preciosos e totalmente grátis habituaram-me mal - mas estou convicta de que valerá a pena. Só precisava de um pretexto para voltar a Londres nos próximos meses.

O pretexto chegou há uns dias, sob a forma de celebração dos 20 anos do meu curso na King's e convite para lá ir falar sobre a minha vida pós-European Studies (o que eles acham que eu possa ter de interessante para contar supera-me um bocado mas, hey, qualquer desculpa é boa para voltar a Londres :D). Calha mesmo bem para ir visitar a exposição das Cortes, que abriu ontem e lá estará até meados de julho. A ver vamos se nessa altura vai estar mais alguma coisa que valha mesmo a pena ver. Já decidi que me vou manter afastada dos veados, por isso vou ganhar umas 3 ou 4 horas para queimar a conhecer um recanto qualquer daquela cidade que ainda não tenha visitado. Talvez seja desta que vá ao mercado Spitalfields.





S.

sábado, 9 de março de 2013

Feira do Livro: versão indoor

Continuando no tema dos livros, hoje foi dia de visitar a Foire du Livre de Bruxelas. Não estava com expectativas de comprar nada, já que a língua em questão, aliada ao meu cada vez mais especializado gosto e à preferência pelos e-books, tornava a tarefa de encontrar algo que me fizesse puxar da carteira mesmo muito díficil. Da carteira tive que puxar na mesma, uma vez que para meu enorme espanto e indignação a entrada era paga. Sim senhora. Autoridades bruxelenses sempre a promover a cultura. Deu-me logo uma grande pontada de saudade no coração da maravilhosa Feira do Livro de Lisboa, aquele Parque Eduardo VII cheio de filas e filas de barraquinhas de livros, muito sol, muita luz, muito calor, ar livre, um passeio anual que não falhava. Levantei o queixo do chão, engoli a indignação e puxei da nota sem reclamar. 



"Um dia o Obama pediu ao Harry Potter para transformar o seu inimigo em sapo." Quem terá sido este inimigo de que eles falam, hum? Será que o Mitt Romney passou a pertencer à classe dos anfíbios e ninguém deu por nada?

A certa altura ainda pensámos que o bilhete de entrada podia ser como nas discotecas e tivesse livro incluído (não tinha). Paga-se mesmo só pelo privilégio de poder ir ver e comprar livros. Hahahaha, está boa, esta.

Tinha muitos livros interessantes e originais para crianças, algo que desconfio que os belgas são bons, uma vez que já tinha reparada na livraria do aeroporto umas coisas engraçadas. Não sei se tem alguma coisa que ver com a tradição de bandas-desenhadas e ilustrações. Isto trouxe-me um sorriso aos lábios:




Tenho que confessar que me senti muito deslocada, naquela feira. É mesmo muito estranho percorrer quatro pavilhões enormes (ao jeito da FIL de Lisboa) e não encontrar um único livro que se conheça, nenhum nome de autor que ressoe. Ali dei de caras com o quão superficialmente conheço o meu país de acolhimento, a sua literatura contemporânea e clássica, essa parte tão fundamental da cultura e identidade de um povo. É uma coisa que me incomoda, põe-me desconfortável e, ao invés de me fazer querer ler mais sobre a Bélgica, agarrar numa História deste país, faz-me ter vontade de fugir daqui a sete-pés, enroscar-me nos braços da cultura britânica, numa língua que eu conheço não só as palavras mas também e fundamentalmente o tom. Não me é nativa como a visceralmente portuguesa, mas precisamente por estar a meio caminho entre a belga que desconheço e a lusitana que me está entranhada, dá vontade de profundar mais e mais.

Nunca lá fui a feira do livro alguma.

A União Europeia tinha uma secção num dos pavilhões, onde figurava uma imagem gigante da sala do plenário de Estrasburgo, uma imagem com quase todos os atuais deputados e com sinais a indicar que grupo político se senta onde.   



Os 20 deputados europeus belgas tinham direito a fotos maiores, e a senhora responsável pela secção deu-me placas com os nomes deles todos para eu tentar adivinhar quem era quem. Fiquei ainda mais desanimada por ver que nenhum deles me ressoava na memória, muito menos seria capaz de juntar nome e cara. Lá acertei um que me lembrava de ver nas reuniões de igualdade de género no PE, nem tudo esteve perdido.

Saí de lá de mãos a abanar, um niquinho triste pelo sentimento de alienação mas de bons espíritos. Afinal, a experiência foi partilhada com quem mais importa e portanto os risos somados e a tarde diferente pesaram bem mais na balança das experiências. E uma História da Bélgica pode já vir a caminho...



S.