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quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Inhabitiveness

'The urge to settle permanently in one place can be felt as a quiet hum. Even wanting to stay in a job can bring some often much-needed reassurance and stability to our lives - even if we might worry we’re being a bit unambitious. According to the phrenologists, a group of early Victorian scientists who thought they could detect personality traits by examining a person’s skull (see: PHILOPROGENITIVENESS), the urge to find a groove and stay in it was innate. They called it ‘inhabitiveness’ and defined it as a ‘love of continuity, of endurance, of sameness, of permanency of occupation.’

Inhabitiveness’ lacked staying power, and by the middle of the century had faded into obscurity, partly because phrenology itself lost scientific credibility. But perhaps this loss of a word for the pleasures of permanency can also be traced to the enthusiastic response - by some Victorians at least - to the ideals of dynamism and mobility, and the idea that humans are not only hard-wired to nest, but also to discover and roam too (see: WANDERLUST). 


For other ways of feeling at home see: HIRAETH, HOMEFULNESS, HOMESICKNESS.'

- Tiffany Watt Smith, The Book of Human Emotions


Este é o primeiro agosto que passo em Inglaterra. Já vivi aqui três anos, intervalados, mas nunca vivi aqui em agosto. 

O 'quiet hum' comecei a senti-lo na primeira vez que me mudei para Sheffield. A ideia era passar lá os três anos supostos do doutoramento e manter-me por cá indefinidamente. Mas ainda havia o 'depois logo se vê'. Foi com muita alegria que regressei a Inglaterra, e me preparei para assentar. Mas depois não foi assim, e voltei a sair por um ano, porque podia, porque a libra estava demasiado forte, por razões de companhia. Voltei para o terceiro ano de PhD, e arrependi-me acerrimamente de ter saído. 

Entretanto veio 23 de junho e o maldito referendo. Exatamente no dia que eu completava as provas para recrutamento como civil servant da UE. Estava portanto em Bruxelas. Vim o voo todo no dia seguinte, quando se soube os resultados, a morder o lábio, chorei como uma desalmada assim que cheguei a casa. Digo sem reservas que foi o pior dia da minha vida. Pela irreversibilidade, pela estupidez, pelo desnecessário, pela recusa de partilhar um futuro connosco. As minhas duas paixões que se desalinharam e me atiravam agora para uma escolha imperativa: ou uma, ou outra.

Chorei baba e ranho quando a UE abriu uma vaga que correspondia às minhas competências. Coisa ridícula de menina privilegiada? Sem dúvida. Mas estava a ver a vida a levar-me para longe de Inglaterra, de onde o quiet hum me dizia para ficar. Desta vez sem possibilidade de saltitar daqui para Bruxelas e retorno, por causa do maldito referendo. A escolha imperativa a enfrentar-me muito mais cedo do que eu pensava: ou uma, ou outra.


'Anxiety is the dizziness of freedom.'
- Soren Kierkegaard, The Concept of Anxiety

'Kierkegaard argues that angst is the appropriate response to realising life is not predetermined, but that we have absolute freedom to make any choice we want - and have total responsibility for the outcome.'


O quiet hum continuou. Uma segurança muito forte de que eu estava onde devia estar, desculpada pelo doutoramento em curso mas que eu sabia que era muito mais do que isso. É aqui que eu devo estar mas, acima disso, é aqui que eu quero estar. E ficar. Até quando? Para sempre?... Não, nunca se diz para sempre. Até onde a vista alcança. Uma vontade forte, imperativa, constante de criar raízes num sítio, de conhecer as coisas de cor, de poder chamá-las minhas pela força do hábito e do tempo, a minha cidade, a minha casa, o meu país, o meu emprego, a minha carreira, o meu parque, as minhas ruas, o meu autocarro, as minhas lojas, o meu aeroporto. Um dia: a minha família. Nisto, não há nada que substitua o tempo. Tão diferente da vontade de há uns anos, tão diferente do quem eu me julgava. E daí talvez não... A despedida de Londres em 2011 e o quiet hum das saudades dos meses seguintes deviam ter sido um indício.

Mas depois aprendi a gostar de cidades mais à escala humana. Inglaterra seria, então, mas Londres não. Londres é caótica, gigantesca, stressante, cara. Em qualquer sítio de Inglaterra seria feliz. Tentei Sheffield, tentei o campo. Fui infeliz, pelas circunstâncias geográficas, pessoais e, porque não?, políticas. Detestava aquela cidade mas fingia que não. Era ali que devia estar, embora não onde quisesse estar. Detestar é uma palavra forte... Não guardo nenhum rancor ou ódio, longe disso, mas não quero lá voltar. Só percebi isso quando saí.

Londres ressurgiu no final desta primavera, por uns instantes com relutância porque estragava planos, mas logo depois com um fulgor que não passou mais. E se for ali? Não sentes o apelo da cidade novamente? Tão forte, em crescendo, estou em casa.

Estou feliz. Devia ter sabido que preciso disto, da confusão familiar, das multidões, de muita coisa a acontecer, das ruas corríveis e cicláveis, que tudo isto me rodeie sendo só preciso pôr o pé fora de casa. A minha introversão não se coaduna com a calma do campo; definha-me. A permanente estimulação dos sentidos é o perfeito complemento para a minha personalidade serena. Nada disto parece normal, nada disto soa bem (as cidades exercem força centrífuga em quem lá vive por razões que racionalmente me parecem lógicas). Mas é isto que sou e é disto que preciso, com uma constância que já me permite ter alguma confiança na sua permanência. 

O quiet hum continua, mas agora as minhas circunstâncias e os meus planos estão finalmente alinhados com ele. Finalmente. O quiet hum alimenta-os. 'É aqui, é aqui, é aqui!' As raízes. A minha casa. Os meus parques, as minhas ruas, os meus autocarros, a minha estação de comboio, o meu bairro, o meu rio, o meu terminal de autocarros, as minhas lojas. A minha cidade. O meu compasso cultural alinhado com as minhas circunstâncias.




S.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

O feminismo a custar-me dinheiro, oh

Gostava de saber porque é que um casal com apelidos diferentes tem que pagar o dobro do que um casal com o mesmo apelido para redirecionar o correio para o estrangeiro.

Ou se paga à cabeça ou se paga ao agregado familiar. Independentemente do apelido, são sempre dois destinatários que eles terão que despachar de maneira diferente. Para quê a diferenciação?



S.


P.S. E enfiem  mas é as 500 libras onde vos aprouver, com esse dinheiro venho eu a Sheffield 5 vezes por ano - que pensando bem devem ser as vezes que tenho que cá vir de qualquer das formas - e recolho o correio eu mesma.

sábado, 2 de maio de 2015

Uma pessoa ri-se, ri-se, mas quero dizer, quão triste é isto?

'Do you know the difference between the clouds and the sky? If you do, you're lucky, because if you live in England, the two are pretty much synonymous. (...)

Our word sky comes from the Viking word for cloud, but in England there's simply no difference between the two concepts, and so the word changed its meaning because of the awful weather.'

The Etymologicon: A Circular Stroll Through the Hidden Connections of the English Language, Mark Forsyth


Hoje fui correr vestida com o meu equipamento de inverno: camisola de manga comprida, calças, impermeável, tapa-orelhas. 

(Eu o inverno tolero bem, o que me frustra mesmo é o prolongamento do mesmo por meses que não devia. Especialmente depois do contraste de uns dias em Portugal a correr de chapéu e protetor solar.)





S.

sábado, 18 de abril de 2015

A pé, de comboio, de avião e de carro: a saga da Queeny PL

Quando estava no processo de escolher que bicicleta arranjar para me deslocar em Sheffield, depressa ficou arrumado que teria que ser uma dobrável para poder ser o mais portátil possível. Já me imaginava a fazer viagens de comboio a Londres e afins, e deslocar-me na metrópole com a minha própria bicicleta, para não precisar de passar um mês sem comer para carregar o Oyster para ir a todos os sítios que queria ir. Era uma prospetiva que me deixou de estrelinhas nos olhos desde que vi duas belgas de meia-idade a embarcar no Eurostar em direção a Bruxelas com as suas Brompton muito compactas ao seu lado.

O uso da Queeny PL para visitas a cidades inglesas nunca chegou a acontecer, mas ela fez jeito em algumas das minhas deslocações em Sheffield. Não tanto jeito como deveria, porque o frio e a neve chegaram entretanto e eu perdi a vontade de enfrentar as colinas sheffieldianas no pós-inverno. Mas o potencial está lá. Quando se tornou claro que ainda não seria Sheffield que seria casa permanente, percebi que não estava preparada para a vender e portanto teria que arranjar maneira de a levar para Portugal.

Fartei-me de correr fóruns por essa internet fora para ler testemunhos de pessoas que já tinham viajado com as suas bicicletas de avião e as ditas cujas sobreviveram à aventura. Bastantes, foi o que acabei por descobrir.

Para bicicletas normais, o que muita gente aconselhava era levá-las sem desmontar nada, apenas com um plástico a toda a volta, sendo que a lógica era que quanto mais óbvio for que ali vai uma bicicleta, mais cuidado os senhores das malas têm com elas. E realmente foi isto que eu vi no aeroporto de Manchester da última vez que tinha viajado para Lisboa: um senhor a dirigir-se ao balcão de check-in com uma bicicleta pela mão enrolada em plástico.

Mas para o meu caso não era o ideal por duas razões:

- a minha bicicleta é dobrável, por que não utilizar essa vantagem para a transportar mais facilmente;

- queria poupar algum dinheiro transportando-a como bagagem normal ao invés de taxa extra de equipamento desportivo.

Rapidamente descobri que a Ryanair tem uma política muito simples de transporte de o que eles chamam equipamento desportivo. Por €50/£50 eles transportam qualquer instrumento musical ou equipamento desportivo até 20 kg (30 no caso de bicicletas). Basta adicionar online como se adiciona bagagem normal de porão. Mas o meu problema é que a minha dobrável caberia nos limites de uma bagagem normal, visto ter o peso e as dimensões adequados. Para quê dar então 20 ou 30 libras a mais só porque o conteúdo da minha bagagem de porão calhava ser umas barras de ferro e dois pneus em vez de roupa e cosméticos?... 

A forretice é a mãe do desenrascanço. 

Falei com o atendimento ao cliente online da Ryanair, num serviço de chat muito catita que eles têm, para expôr o meu caso e perguntar se se poderia tratar uma dobrável como bagagem normal. A resposta que obtive - e que prontamente imprimi como prova para o check-in - foi que, desde que não excedesse os limites da bagagem normal de porão e que a acondicionasse de forma segura, poderia fazer check-in da bicicleta como bagagem normal de porão.

A segunda dor de cabeça foi saber o quão preciso era acondicionar a bicicleta. Uns diziam que pouco, uns diziam que muito e contavam histórias de terror de bicicletas recebidas nas passadeiras à chegada amolgadas ou com raios de roda partidos, outros que não era importante o acondicionamento mas sim fazer o mais visível possível que dentro daquela bagagem ia uma bicicleta, na lógica do saco de plástico e do bom coração do pessoal das bagagens.

Acabei por me decidir a encomendar uma mala de transporte de dobráveis até 20 polegadas de roda e depois acomodar arestas que ficassem com plástico de bolhinhas.

Escolhi a mala que me pareceu mais resistente e encomendei-a:



Quando chegou constatei que a bicicleta cabia à vontade no saco, que ele era mais mole do que parecia, e que seria impossível carregá-lo de casa à estação e da estação ao aeroporto. Nunca na vida, já que o saco não tem pegas que dêem jeito e não tem rodinhas para puxar.

Não tem rodinhas mas há uma coisa que tem: a bicicleta. Por isso ficou decidido que a levaria montada até ao comboio, desmonta-la-ía no comboio, e depois levava-a montada da estação ao balcão do check-in, onde a poria dentro do saco.

Impossível acondiciona-la com o plástico previamente, portanto. Ainda pensei em levar o plástico na mala, mais a fita e uma tesoura, para depois lá tapar arestas mais salientes, mas depois logo pensei 'que lixe, se não a consigo enrolar toda em plástico qual é o sentido de acondicionar certas partes, sei lá o que é que está mais atreito a partir-se, vai à confiança'. Sendo que uma vez dobrada a bicicleta parece tão robusta, deixei-a nas mãos do pessoal das bagagens.

Os pneus já estavam um bocado embaixo, pelo que não foi preciso esvazia-los um pouco para transporte em avião, como vi recomendado em alguns fóruns.


Comboio

Os comboios em Inglaterra têm uma carruagem com espaço para se transportar bicicletas, normalmente numa das carruagens da ponta. Vi inúmeras pessoas a transportar bicicletas - normais e dobráveis - pelas estações e pelos comboios pelo que sabia que bicicleta no comboio não seria um problema. Normalmente eles recomendam comunicar à operadora que se vai transportar uma bicicleta, porque o espaço para bicicletas é limitado, mas no caso das dobráveis não é necessário porque podem ser transportadas nos sítios das malas. 

Entrei com a Queeny comboio e arrumei-a no sítio das bicicletas de qualquer forma, por ter mais espaço e ir mais segura.


Aquilo tem umas fitas de velcro para se prender as bicicletas e não caírem durante a viagem.



Basicamente o 'cycle storage' é um espaço com bancos que se auto-arrumam, e que portanto também dá para pessoas em cadeiras de rodas ou passageiros sentados sempre que não há bicicletas a bordo. Uma coisa tão simples de se ter e que facilita a vida aos ciclistas e encoraja a utilização de bicicletas.


Avião

Chegadas ao aeroporto, lá percorri os corredores desde a estação até ao terminal do check-in com a Queeny a rolar ao meu lado (não tivessem sido os pneus esvaziados e eu teria sido menina para tê-los percorrido montada na bicicleta, que aquela porcaria é longe que se farta). Devo dizer que a atenção de colocar rampas e elevadores em tudo o que é mudanças de piso, quer nas estações quer em todo o aeroporto, me facilitou enormemente a vida (imagino então o alívio que não é a pessoas com mobilidade reduzida). Seria de esperar que colocar rampas e elevadores, ou pelo menos escadas rolantes, em sítios onde o pessoal normalmente anda carregado fosse óbvio mas Bruxelas ensinou-me que não é. Muita bagagem com metade do meu peso alombei eu pelas escadas das estações do metro bruxelense.

Chegada à zona do check-in tratei de desenrolar o saco que trazia dentro dos alforges para embalar a bicicleta e despachá-la para o porão. 


Embalada e pronta a viajar 2000 km.



Estava com medo que surgissem problemas se fosse óbvio que o saco levava uma bicicleta e obrigarem-me a pagar a taxa de equipamento desportivo (que no aeroporto seriam £60) e a brincadeira acabar por me custar quase tanto como a bicicleta no final de contas. Mas não. Correu tudo bem, o senhor no check-in indicou-me só que levasse o saco ao balcão da bagagem fora de formato para que a mala fosse tratada com mais cuidado, já que era um saco mole.

Perfeito. Relaxei e comecei a acreditar que ia chegar a Portugal com uma bicicleta inteira. 

À chegada, estava ansiosa para ver o tratamento que a riquinha tinha levado. Quando a mala foi ter ao tapete do bagagem fora de formato, desembalei a Queeny PL, respirei de alívio por a ver inteira e sem mazelas, desdobrei-a, e lá fui eu até onde a família me esperava com a menina a rolar ao meu lado.


Cá está ela já em Lisboa pronta para a última etapa da viagem :)


Carro

Ainda a surpresa maior foi a bicicleta não caber na mala do carro, mesmo dobrada, e ter que se ter aberto o banco para a frente. Mas a vontade de tentar que ela coubesse não era muita à uma da manhã, pelo que acredito que a culpa foi minha, não da Queeny ou do espaço da bagageira do carro.


Moral da história: correu tudo muito melhor do que eu antecipava e agora que vi a simplicidade que é viajar com a bicicleta, as voltas pela Europa que me aguardem. 




S.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

A mais chata das virtudes

Só agora, ano e meio depois de ter começado a correr, é que finalmente entendi que a única fórmula mágica para correr mais rápido e melhor é correr em modo fácil o tempo quase todo.

Caramba, que coisa tão contra-intuitiva. 

Basicamente porque a coisa mais importante na corrida, e sobretudo na corrida de longa distância, é a capacidade do nosso corpo usar oxigénio para converter glicose em energia eficientemente. O sistema aeróbio, portanto. E isso só é treinado correndo em modo fácil muito regularmente. Ou seja, é preciso uma coisa muito chata e inimiga de quem quer ver resultados aqui e agora, chamada: PACIÊNCIA. 

Treino de séries de velocidade também é importante para se melhorar, mas este tipo de treino só é aguentável pelo corpo em doses muito baixas. Porque depois de um treino intenso o que é que acontece: os músculos demoram a regenerar e o tempo de recuperação tem que ser maior sob pena de começarem a aparecer lesões. Não se consegue voltar aos treinos com a frequência necessária para eles darem frutos e ficamos perpetuamente no sistema do um passo à frente, dois atrás. 

Aliás, a ideia de que não é o treino em si mesmo que produz resultados, mas o que acontece no nosso corpo a seguir a ele, é muito esclarecedora.

Mas isto continua a ser tão contra-intuitivo porque se se corre devagar parece que não estamos comprometidos com o nosso treino já que não damos o melhor em cada sessão, como é que vamos conseguir atingir o nosso pace no dia da corrida se mal o treinamos nos treinos... Mas parece que o senso comum não é sempre indicativo de verdade (cofaterraéplanacof). Vou confiar na ciência.

Tenho aprendido nestes últimos meses a ouvir com muito mais atenção o meu corpo e por isso mesmo mantive lesões afastadas durante a preparação para a meia-maratona de Lisboa, mas agora que penso nisso, não cumpri o meu plano de treinos completamente porque precisava sempre de tirar mais dias do que o indicado devido a sessões demasiado intensas. Resultado: o treino não teve a regularidade que devia. Consequência: não atingi o objetivo que sabia que estava ao meu alcance (fazer a meia em menos de duas horas). Ainda assim, com este método do saber escutar e respeitar o corpo fui capaz de voltar à estrada mais rápido do que pensei e manter afastada a lesão no joelho direito que andava a ameaçar há umas semanas (figas, que ainda está na corda bamba).

A meia-maratona aqui em Sheffield é já daqui a duas semanas portanto ainda não vou ser capaz de testar se isto de correr devagar mais vezes funciona mesmo - a chave aqui é mesmo a consistência ao longo do tempo - mas vai revolucionar certamente a maneira como eu encaro a corrida e como vou pensar o treino para a maratona. Já não vou ter medo de correr em dias seguidos, por exemplo, coisa fundamental para treinar para uma maratona, mas coisa que à intensidade atual seria lesão certa. Ainda que para a meia de Sheffield não vá com ideias de bater as duas horas devido à bela subida inicial até mais da milha 5:



Se a primeira parte correr bem, a segunda é toda a descer. Se for com calma na subida (que aliás é uma subida familiar) e a coisa correr bem e tal, e guardar a maior parte energias para a segunda parte (o contrário do que fiz em Lisboa), quem sabe o que poderá acontecer... Também, contando que isto é cidade para ainda estar abaixo dos 10º daqui a duas semanas, quem sabe se a quebra mental e os pensamentos derrotistas dos 12-13 km se mantêm ao largo (ainda nunca tinha cruzado uma meta com vergonha, como aconteceu desta vez em Lisboa).

Por causa de compromissos académicos, razões logí€ticas e vida em geral, não vou fazer uma data de corridas que tinha planeado para esta primeira metade de 2015 (APAV, Sinos, Edimburgo). Vou a esta de Sheffield, à da Nike Women 10k em Londres em junho, e talvez consiga fazer os 20 km de Bruxelles no final de maio, desta vez completos. Por isso mesmo ainda não sei bem o que vou fazer entre abril e julho em termos de treinos, talvez me concentre em fortalecer o corpo para depois entrar no treino para a maratona com uma boa base e diminuir as probabilidades de lesão aqui e ali devido à estrutura não estar bem montada.

Por enquanto estou a ficar entusiasmada para a meia de Sheffield, coisa que não pensei que fosse acontecer pela inscrição feita num impulso de raiva e vergonha uns dias depois de Lisboa.


Delays, sim, tipo o meu...


Desejai-me um bocadinho de sorte e um bocadinho de força mental (que a força física disponibilizo eu). :)


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

A caminho de uma carreira como cat lady

Estava aqui a folhear as Páginas Amarelas sheffieldianas e não sabia que esta cidade tinha tantas 'catteries'. Nunca sequer tinha visto a palavra 'cattery' escrita, nem sabia que isso existia. Existem aqueles hotéis para animais, sim senhora, mas assim só para gatos desconhecia que fosse uma coisa que existisse. E tantos. O pessoal aqui deve ter mesmo muitos gatos. É a coisa que mais saudades tenho de ter. Poder dar festas a um gato, dar-lhe colo, ouvir 'miaau', apertá-lo com força até ele se zangar e me dar uma sapatada com garras de fora. Era a primeira coisa que fazia se não estivesse expressamente proibido no contrato de arrendamento: arranjar um gato.
 
Depois de ver tanta cattery nas PA pensei que fixe, fixe, era haver um gatil qualquer onde aceitassem voluntários, assim sempre saía um bocadinho mais de casa e aproveitava para matar as saudades de festas a gatos. E até há um gatil para gatos abandonados, sim senhora, e até aceitam voluntários, mas depois pensei melhor e ser voluntária num gatil deve ser um dos trabalhos mais ingratos do mundo. Deve ser horrível estar a limpar cocó de gato naquelas caixas de areia e ter gatos a passar por nós com aquele olhar mais sobranceiro que existe e que só os gatos conseguem lançar, sabem? como quando lhes tentamos captar a atenção e eles semi-cerram os olhos devagarinho e viram a cabeça para o lado. Os gatos são o animal mais ingrato do mundo. Ao menos num canil há a recompensa imediata da alegria canina pela atenção humana.
 
Por falar em sobranceria felina, no outro dia fui ao café dos gatos em Londres, o Lady Dinah's Cat Emporium, e não dá para acreditar no desprezo que se leva. Aquilo em teoria é o sonho dos meus sonhos: chá, scones, Londres, gatos, preenche todos os requisitos, mas depois na realidade é só triste. Triste porque se paga 6 libras só de entrada, tem que se reservar com antecedência, há limite de tempo para lá estar (90 minutos) e os gatos não estão nem aí. Enquanto esperávamos por uma amiga observei durante uns bons minutos pela montra o ambiente do café e comecei logo a suspeitar que aquilo ia ser um falhanço porque havia vários gatos mas estavam todos a dormir, bem longe do alcance dos groupies humanos. Acho que nós ainda tivemos um bocado de sorte porque durante a nossa hora e meia dois gatos acordaram e estiveram a desfilar pela sala - como também só os gatos sabem desfilar - e lá se aproximaram um bocadinho de nós. De resto foi dar festas nos gatos que dormiam pelas mil e uma plataformas, cestos e recantos que por lá havia, - e que nem um olho se dignavam a abrir - e é se queres aproveitar um bocadinho da experiência gatil. E ainda por cima nem nos deixam pegar nos bichanos ao colo, o que, suspeito, deve ter tanto que ver com o bem-estar dos animais como com as preocupações paranóicas do health and safety (mandaram-nos lavar as mãos antes de entrar - sim, é este o nível de universo paralelo daquele café em particular e desta terra em geral).
 
Acho que vou ter que pôr as minhas fascinações felinas em suspenso por uns tempos, assim não há condições.

 
'Sou um gato e estou-me a cagar que tenhas dado 6 libras para me ver. Aliás, devias era ter dado 10.'




S.  

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Thanksgiving primaveril

Hoje é o primeiro dia em vários meses em que o sol  realmente aquece a sala através da vidraça. Ainda não liguei o aquecimento mas estão 20° cá em casa. Já anoitece depois das 17h. Acabei a minha primeira semana de facilitadora de estudantes e a coisa correu melhor do que estava à espera. E pensar que tive tantas dúvidas sobre isto. Vou voltar a correr depois de duas semanas parada por causa da tosse. O semestre da primavera vai começar esta semana e eu vou ter aulas sobre feminismo. Há passarinhos a cantar lá fora, também contentes com o sol que aquece, embora ainda haja montes de neve pelos cantos da rua. Vou a meio do segundo livro de Harry Potter versão bilingue. Afinal a minha confirmação de doutaramento é só em setembro em vez de maio, o que me dará tempo para fazer um melhor trabalho do que antecipava. A hora está quase a mudar. Tenho chocolates Lindor na mesa. Tenho quem me leia histórias em voz alta - e goste. Descobri o The Office versão alemã. Tenho cada vez menos entusiasmo pelas redes sociais, blogs e afins. Amo a língua inglesa como nunca.   




S.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O frio está nos ossos de quem o sente

Hoje acordei e deparei-me com este cenário:


Aaaah, que bonito, tudo branquinho! Mas só é bonito porque hoje não tenho que sair de casa. E só tenho planos para correr na rua no sábado.
 
Por falar nisso, este fim-de-semana fui outra vez à floresta correr. Sheffield estava com bocaditos de neve nos passeios por isso o meu destino foi fácil de decidir. Os senhores do tempo disseram expressamente que ia nevar durante a noite mas "will not accumulate". Que mentira. Não acumulou como a foto em cima, mas havia brancura nos passeios. E eu fui os 15 minutos entre minha casa e a floresta a correr à pinguim, devagarinho e a levantar muito os pés com medo de escorregar.
 
Mas, caneco, se valeu a pena. A entrada da floresta tem um caminho de alcatrão e esse estava gelado. Mais um bocadinho de pinguinismo e uma ou outra escorregadela imperceptível.


Para cá logo aprendi e vim pela erva nevada.
 
Mas quando aquilo passou para terra batida foi o céu. Correr na neve fofa é espetacular. É divertido, não tem o impacto que o alcatrão ou os passeios têm nas articulações, e o treino passa a correr porque uma pessoa fica deslumbrada com as paisagens à volta.






É um treino mais lento, não só porque o caminho por entre a floresta é sempre a subir, mas porque ando sempre a parar para admirar a vista e tirar fotos. Ainda por cima estava um sol brilhante e bonito, com tanta gente a passear os cães, a passear-se a si e aos filhos, a correr, a fazer BTT, ou na esplanada (!). Os Sheffieldianos apreciam o ar livre, quer-me parecer, e estão se a marimbar para o frio, só felizes porque não chove.
 
Quanto mais me embrenhava na floresta mais abundante era a neve, até que comecei a achar que estava num postal de Natal.




Era hora de voltar para trás mas só me apetecia continuar porque queria descobrir o que estava além daquela curva, além daquele morro, além daquelas árvores.
 
E depois ganhei tanta sede que queria água e não tinha, ainda por cima com o rio a correr ao meu lado o tempo todo. O rio! pensei eu, É isso mesmo! E fui beber água gelada ao riacho que ali passa. Soube mesmo bem, quem precisa de bebedouros ou garrafas de água à cintura quando se tem água pura aos pés. Fiquei foi o resto do caminho com a mão que fez de tacinha gelada, mas who cares.
 
Saltei mais uma vez as pedras do rio, bebi mais um bocadinho de água fresca e passei por um lago congelado, antes de sair da floresta e subir para casa.
 


 
 
Foi um dia bom. Enlameado, apercebi-me ao fim, mas bom.
 
 
 
 
S.


 

domingo, 11 de janeiro de 2015

Florestas, onde estiveram toda a minha vida?

Estas semanas que passei a correr em Portugal debaixo de 16-17° e sol brilhante estavam-me a amolecer o espírito. Que inverno é este, interrogava-me eu, quando as minhas corridas curtinhas eram passadas a correr de fonte em fonte para acalmar uma sede que não era suposto se fazer sentir em pleno inverno. Fez-me várias vezes falta um chapéu com pala, que o sol encandeava durante os treinos.
 
Well, no more. Ontem à noite olhei apreensiva a neve que caía em rodopio por causa do vento forte, e rezei a todos os santinhos que os 5° que davam para hoje fossem suficientes para não deixar o gelo acumular nos passeios. Esperei pelo meio-dia para ver se o pico do calor - hahaha! - ajudava a derreter o que pudesse restar da água congelada de ontem.
 
Acho que os santinhos me devem ter ouvido porque hoje não tive vislumbre de superfície vidrada alguma.
 
Ainda assim o meu plano era enfiar-me pela floresta adentro. Munida dos meus ténis ultra-resistentes, ultra-não-escorregantes, ultra-impermeáveis, de tapa-orelhas, luvas e impermeável corta-vento, lá fui eu. Tinha esperança que ia ser desta que estreava o aconchego polar de pescoço que nos deram na São Silvestre de Lisboa, mas infelizmente ainda não está assim tanto frio. Mais inverno virá, não desanimarei.
 
 
(Fotos da primeira vez que lá fui, não houve paciência para tirar o telemóvel da braçadeira desta vez)
 
Está um vento do demónio aqui no norte de Inglaterra. Vi várias árvores arrancadas pela raiz na tal floresta e não fui capaz de despir o impermeável durante toda a corrida, coisa que pensei que ia acabar por acontecer uns minutos depois de começar a correr. Fiz schlop, schlop durante grande parte do caminho e fiquei com os ténis cheios de lama, mas com sorriso maníaco na cara. É tão mais fixe ir pelo mato dentro, à beira-rio, e ver patinhos e esquilos. O ponto alto foi quando tive que saltar um riacho de pedra em pedra, espetacular, e nem molhei os pés porque estes ténis são mesmo impermeáveis e feitos para a selvajaria. Estou mesmo contente com isto de correr na floresta.
 
 
(idem)
 
 
Olhai, isto é um caminho que vai dar ao Peak District, a mancha verde mestre do mapa, sempre por floresta, por isso num destes dias hei-de lá ir ter, quando começar a correr mais de hora e meia ao fim-de-semana.



Bem que podem os passeios congelar, já encontrei alternativa mais do que compensadora.




S.  

sábado, 10 de janeiro de 2015

Zen por acaso

Oh, tão queridos :)



Estou a ver que não é por acaso que ficaram em primeiro lugar na satisfação estudantil em 2014.
 
Mas acho que não se aplica. De Bruxelas às vezes vem-me uma saudade aguda da Av. Louise, e das corridas que lá dava, uma coisa um bocado parva, mas de resto estou bem quanto à capital belga. E da hometown não tenho grandes saudades, mas isso pode ser porque a visito mais do que o sensato. De qualquer forma, do que sinto falta são de pessoas, mas como essas pessoas estão espalhadas por vários países, o homesickness não se aplica.
 
Não é que morra de amores por Sheffield, e a sua descentralidade até me chega a aborrecer levemente (como ontem, que entrei no aeroporto de Lisboa às 16h15 e só cheguei à minha porta inglesa bem pertinho da meia-noite). Mas - como dizer isto? - estando aqui não me apetece estar em mais lado nenhum, não anseio por viver noutro lado qualquer nem estou sempre a pensar "daqui a um ou dois anos vou-me poder mudar para ali, depois é que vou estar realmente satisfeita", não, agora estou precisamente onde quero e onde sinto que devo estar. Nem tenho ânsias de viajar para outros sítios, quando em Bruxelas não parava quieta.
 
Não faço ideia do que vou fazer daqui a três anos quando acabar o doutoramento, nem quero saber, porque se significar continuar aqui (aqui, Sheffield, ou qualquer outra parte do UK), está-se bem.
 
Acho que finalmente estou  a viver mergulhada no presente, sem os olhos sempre postos no futuro. E isto é de uma serenidade incrível.




S. 

domingo, 30 de novembro de 2014

Isto sim, é deprimente

Em vez de me dizerem:

"Não sei como consegues viver num país com o clima inglês", (lol, passo mais frio em Portugal do que nestes países nortenhos e nem consigo dormir de pijama de inverno aqui, benditas casas bem isoladas)

digam antes:

"Não sei como consegues viver num país com tão pouca luz solar no inverno".




São quatro da tarde e ainda temos um mês até ao solstício de inverno para isto piorar.




S.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

O esforço de guerra feminino

Hoje, ia eu muito bem a pensar na vida, quando piso uma placa que me fez voltar para trás:


In recognition of the women of Sheffield who served their city and country by working in the steel industry and factories during World War I and World War II. The people of Sheffield will always remember with gratitude these 'women of steel'. 2011
 
Bonito. É uma placazinha no chão, ao pé de uma árvore, e é muito recente, mas é bonito. Digno de uma cidade industrial, que viu muitos homens partirem para a linha da frente, mas que viu também muitas mulheres a darem o litro na sua terra para que o país aguentasse o esforço de guerra.
 
 
 
 
S.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Isto nem devia merecer um post

Mas qualquer agulhofóbico sabe o quão sensacional é a seguinte vitória:
 
Fui levar uma vacina hoje, sozinha pela primeira vez na vida. Reformulando: não só tomei a iniciativa de ir levar esta vacina como ainda o fiz desprovida de qualquer coação (i.e. mãe a dizer "tem que ser"). Estou incrivelmente orgulhosa de mim própria.
 
E nem desmaiei! Nem estive nervosa a semana toda anterior, só uns minutinhos na sala de espera, mas o nervoso equivalente a quando queremos que uma coisa passe de vez (reunião, apresentação em público e afins). O fator novidade é capaz de ter ajudado, uma vez que sempre que o meu cérebro resvalava para antecipações detalhadas de "Será que vou sentir o líquido a entrar pelo braço adent... olha este anúncio tão giro sobre a clamídia!" (Sou como as crianças, dá-se-lhes uma distração qualquer fora do comum passa-lhes logo o choro.)
 
Acho que é capaz de ser isto o que eles chamam de envelhecer, não?





S

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Lição de ética

Era uma vez um jogador do Sheffield United chamado Ched Evans. Um dos melhores jogadores da sua geração, marcou muitos golos pelo clube, chegou a ser capitão da seleção do País de Gales, jovem promissor. Aqui há uns anos, foi condenado a 5 anos de prisão por violar uma rapariga e ter convidado os amigos para ver. Os 5 anos passaram a 2,5 e em outubro o jogador foi libertado. O clube nunca quebrou completamente o vínculo laboral (penso que chegou apenas a suspender o contrato com o jogador quando ele foi condenado) e portanto a dúvida para muita gente foi: vai o Sheffield United integrar um violador condenado na equipa? Pode? Deve?
 
Temos uma Associação de Jogadores Profissionais que diz que não só pode como deve. Foram eles que requereram que o clube aceitasse o jogador de volta aos treinos, o que acontecerá ainda esta semana. Há um mês, quando interrogado sobre se o Evans devia voltar a jogar profissionalmente, o representante desta respeitosa instituição deu uma resposta sarcástica do género "não sabia que as pessoas quando cumprem pena de prisão não podem voltar a fazer coisas". Mestre da sensibilidade, portanto.
 
Ele era jogador, foi condenado por um crime, cumpriu a sua pena, volta à sua vidinha. E isto parece-me certo. Uma pessoa não pode ficar irreparavelmente culpada por um erro que cometeu - e pelo qual pagou o preço que a lei estipula - o resto da sua vida. Há que lhe ser dada uma segunda chance, a oportunidade de se reabilitar para a vida em sociedade.
 
E aqui se calhar é que está o problema: ele não acha que fez nada de errado. Nunca pediu desculpa à vítima, continua a declarar-se inocente. Não há como ser reabilitado se não há admissão de culpa.
 
Entretanto o nome dele vai ser cantado todos os domingos, em estádios com milhares de pessoas. Vai ser o ídolo de muito rapaz, de muito adolescente cuja admiração pelo seu talento de chutar uma bola para dentro de uma baliza vai ser misturada com admiração pela pessoa que ele é, o Ched Evans. Ele destruiu a vida de uma rapariga, mas isso vai passar a ser visto apenas como um aborrecimento na vida talentosa deste jogador, no melhor dos cenários um erro que ele cometeu e pelo qual pagou e no pior dos cenários ela será relembrada como a má da fita porque lhe estragou a carreira, a carreira de um promissor jogador de futebol. Assim como acontece com todas as outras vítimas de violação e abuso sexual que estragam as carreiras de famosos apresentadores, políticos, atletas. Como se atrevem, realmente.
 
Pelos vistos, esta rapariga vítima de violação não lhe estragou rigorosamente nada. Suspendeu-lhe a carreira por três anos, coisa menos coisa, mas o lugar no clube estava cá à sua espera quando ele saísse. 
 
Uma petição tem circulado contra o regresso do ex-violador ao Sheffield United, assinada por mais de 150 000 pessoas. Há muita gente que acha que idolatrar homens que violam raparigas não é boa ideia. O clube ainda não se decidiu formalmente se o vai voltar a integrar oficialmente na equipa, mas a permissão para treinar esta semana deixa antever qual será a decisão. Os jornais dizem que a última palavra cabe aos presidentes do clube, dois sauditas, por isso, pronto, já sabemos que são as considerações éticas de anti-violência contra as mulheres que vão singrar sobre a vontade de fazer dinheiro.
 
 
 
 
 
S.
 
 
P.S. Já referi que a maior defensora e promotora da inocência do Ched Evans é nada mais nada menos do que a sua própria namorada? Namorada que já o era aquando do crime, portanto, e mesmo que acreditasse piamente na inocência do seu pombinho, tinha sido traída de uma das formas mais escabrosas que uma pessoa pode ser? Namorada que vem a público defender uma e outra vez que ele devia ser permitido voltar a integrar o Sheffield United e que ele é muito boa pessoa? Valha-nos todos os santinhos contra a perda de respeito próprio.

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A Velocidade e a Distância entram num bar e dizem à Altimetria: ...

- "... ah, e tal, a ver se estás quieta!"

A minha mania é que 13 km aqui são iguais a 13 km em Bruxelas. Não são. Especialmente se também vou com considerações de tempo.
 
Pois o que voltou a acontecer? Voltei a ficar manca.
 
Nos primeiros meses de corrida, por esta altura há um ano, andava só feliz que conseguia aguentar cada vez mais quilómetros a correr. Era um percurso plano, planíssimo, a minha volta pela Avenue Louise e mais tarde pelo bairro de Etterbeek. Nunca me ralei com o tempo que demorava, só queria não parar de correr durante N-km. Veio a meia-maratona, veio a lesão, veio a paragem. Veio a viagem de bicicleta, manteve-se a paragem.

Há 3 meses quando recomecei novamente a correr decidi que só a distância já não metia pica, queria ser mais rápida. Como disse há 9 meses, queria voltar a correr os 21 km, mas desta vez em bom.
 
O problema foi que mudar-me para Sheffield dos Picos mudou as condições desta equação. Não só ando a aumentar a carga de quilometragem, como a carga da velocidade, como a carga da altimetria. E o meu corpo não aguenta isto tudo ao mesmo tempo. Vou repetir isto novamente para ver se me convenço a mim própria: NÃO. AGUENTA. TUDO. AO MESMO. TEMPO. 
 
"A semana passada corri 10, esta quero correr 11 ou 12", é sempre a minha lógica. Mas mantendo a velocidade, se possível melhorando. E metendo-me por caminhos desconhecidos que envolvem sempre subidas longas e íngremes como um raio, e descidas semelhantes (o que também é muito amigo das lesões). Ignorar sempre os treinos em que é suposto correr a uma velocidade e distância moderadas porque, oh, se já fiz esses km e tempo antes, o que é que vou estar a treinar, então? Boooring.
 
Nunca dou tempo nem espaço ao meu corpo para se habituar às três novas coisas, mantendo-as as três constantes uma vez ou outra. E o que acontece? A perna do costume a acender-se com as lesões do costume, tipo árvore de natal: canela, PLIM!, joelho, PLIM!, anca, PLIM!. E lá fica a corrida suspensa por uns tempos.
 
A medida não pode ser só o fôlego, a mecânica da coisa ainda é mais frágil e importante. Tenho que ser mais esperta do que isto, e aprender deu uma vez por todas que a paciência é uma virtude. E dar um bocadinho mais respeito ao meu corpo do que isto. Ele merece. E ele chega lá, eu sei.
 




S.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Despertares, bicicletas e alarmes

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O alarme soou ainda não eram oito da manhã. Estridente e omnipresente, é das piores maneiras de arrancar o cérebro à terra dos sonhos. Estremunhada e aflita, sabia o que fazer: calçar os primeiros sapatos que encontrasse, vestir o roupão, resgatar a chave do fundo da mala, e dirigir-me para a rua o mais rápido possível. Sob pena de a universidade achar que o pessoal desta residência é demasiado lento para seu próprio bem e decidir repetir a simulação de incêndio à surpresa. Tive sorte: houve pessoas que foram apanhadas pelo alarme a meio do banho. A manhã fria não convidava a cabeças molhadas e chinelos enfiados à pressa nos pés nus.
 
O zelo que os britânicos têm pelo health and safety roça a paranóia. É o cobertor apaga-fogos na parede da cozinha. As simulações de incêndio anuais, pré-avisadas e com passos muito detalhados que têm que ser cumpridos sob pena de repetição. As reuniões que começam com a informação à la assistente de bordo de onde se encontram as saídas de emergência. É o não poder usar a sala de estudantes fora de horas sem primeiro tirar um curso online sobre segurança e o que fazer em caso de emergência. São as inspeções aos apartamentos para medir a temperatura dos quartos e da caldeira. É o autocolante que todos os aparelhos elétricos (até o ferro de engomar, até a torradeira, até a chaleira) aqui de casa têm em como foram inspecionados em maio de 2014. É o terem enviado um email a avisar que o alarme de incêndio da residência tinha que ser arranjado e que NINGUÉM podia usar qualquer aparelho elétrico durante a hora e meia que durou o arranjo.
 
Eu gosto muito do controlo sistemático que eles têm sobre o caos logístico do dia-a-dia - especialmente depois da experiência belga, que continua a infiltrar-se nas nossas vidas de formas inesperadas - mas isto é um bocadinho demais.
 
 
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Hoje saltei da cama sem precisar de nenhum alarme estridente de incêndio, só pela prospetiva de ir pedalar pela primeira vez na minha nova bicicleta, na minha nova terra, até às minhas novas aulas. Estava nervosa; não pegava numa bicicleta desde Sagres.
 
Mas não precisava de estar. Descida a rua e assim que curvei para a agora especial Manchester Rd, o nervosismo foi-se embora e o júbilo instalou-se. Estava a cair aquela chuvinha irritante, as minhas pernas estavam a ficar todas molhadas e o trânsito foi maior do que o que eu estava à espera, mas a alegria francamente primária de estar novamente a pedalar numa cidade abafou o desconforto. Também porque o caminho foi quase todo a descer. Mas isso não é para aqui chamado; o que importa é que já regressei aos meus commutes de bicicleta e eles funcionam.
 
A Queeny Papa-Léguas portou-se muito bem; é leve como um raio, a miúda, e responde demasiado rápido aos meus movimentos. E é tão pequenina e maneirinha. Deve ser uma vista muito gira, eu, com o meu metro e meio, capacete de patins de criança, a conduzir uma mini-bike pela cidade fora. Quem me dera ter mantido a capa de dementor, para dar um ar mais sério (mas depois talvez ficasse só a parecer um hobbit azul, teria o efeito contrário). Considerações de aparência à parte: é a coisa mais parecida com voar. A rolar num objeto tão pequeno por aí fora, deve ser muito parecido com voar numa vassoura (baixinho).
 
Nota-se muito a euforia ainda?
 
Para cá já não me senti a voar numa vassoura, a força da gravidade já não estava do meu lado. As colinas de Sheffield mostraram que não estão para mariquices de viagens de bicicleta facilitadas e eu cheguei ao meu destino sem fôlego, a suar e com os músculos por cima do joelho a latejar. Pensei que fosse pior, ainda assim. É só porque estou destreinada, nada a apontar ao outro bicho. A QPL está aí para as curvas, e para os altos, e para os baixos.





S. 

domingo, 12 de outubro de 2014

Verdura citadin... (qual citadina, qual quê!)

Hoje fiz a minha primeira corrida de reconhecimento em Sheffield. Caramba, que agora já senti na pele o que move os atletas de trilhos.
 
Não foi a primeira vez que corri pela cidade, nem que descobri novos sítios a correr aqui. Aliás, todas as novas zonas da cidade que descobri foram durante corridas. Sendo o centro de Sheffield bastante pequeno e tudo o resto zonas residenciais, falta-me pretextos para ir a essas novas zonas. A corrida é o melhor deles todos. Não foi assim a primeira vez que corri na nova terra mas foi a primeira vez que corri por sítios tão fora do nucleozinho central da nova terra.
 
Andava a sonhar com o passeio de hoje há vários meses, muito antes de me ter mudado para aqui. No Google Maps, Sheffield fica tentadoramente perto de uma mancha verde enorme que promete uma Inglaterra natural e paisagens de uma beleza incrível. Fica perto o suficiente para se poder pensar em visitar a tal mancha verde sem necessitar de transportes mas longe o suficiente para não compensar o tempo que se leva a ir até lá a pé. A não ser que se vá a pé mas um bocadinho mais depressa.
 


 
Foi a mancha verde que este verão me motivou a voltar a passar a marca dos 10 km na corrida. Quando conseguisse correr os 10 km já poderia ir tocar a mancha verde e voltar para trás.
 
E foi precisamente isso que fiz hoje.
 
Estudei muito bem o mapa, o caminho até às portas do Peak District e o caminho alternativo de volta - que se é para passear é para ver coisas o mais diferente possível. Estudei o nome das ruas onde tinha que cortar, a distância aproximada entre elas para saber quando as devia esperar (que seria contada pelo fiel Garmin), e lá saí de casa armada do telemóvel, chaves de casa e quatro libras caso precisasse de apanhar o autocarro de volta. O Street View do Google Maps serviu para ter uma ideia do que esperar em termos de paisagem, tipo de estradas e altimetria da coisa. Por isso já tinha ideia do que ia ver.


 
Não desapontou. O sol deu o ar da sua graça toda a manhã e eu pude apreciar o verde verdejante das colinas aqui da zona e o mais raro azul claro do céu limpo.

A primeira parte do trajeto foi feita pela Manchester Road, uma estrada bastante importante e comprida que liga Sheffield a Manchester atravessando todo o Peak District. Gosto da auto-evidência do nome.


Para lá...


... e para cá:




O ponto de retorno foram as barragens do Rivelin, uns enormes reservatórios de água já no parque que suspeito serem a fonte de abastecimento de água aqui da zona.


Assim que as avistei foi altura de voltar para trás, fazendo o caminho inverso por uma estrada mais ou menos paralela, que corre um bocadinho mais a norte do que a Manchester Road. Diz que era o vale do Rivelin e por isso foram uns bons quilómetros sempre a descer.
 
Cá está o rio Rivelin:


E uma vaca peluda:


Claro que se desceu vai ter que subir e eu estava preparada mentalmente para onde iria recuperar todos aqueles quilómetros fáceis: numa rua também ela de nome auto-evidente, a Hagg Hill.
 
Não sabia era que os iria recuperar tão rapidamente. Uma inclinação como nunca vi, impossível de a correr. Caminhá-la fez pior às minhas pernas do que os 10 km que já havia corrido até ali. Ou fez melhor, consoante a perspetiva.
 
Olhai a montanha-russa que foi o passeio domingueiro:


(Eu não sou trilheira portanto não estou habituada a gráficos como estes. Nem na nossa viagem de bicicleta consegui linhas de altimetria tão acentuadas, abençoado Sheffield.)
 
Mas uma vez chegada lá acima houve recompensa, e das grandes:






Rica vista, sim senhora.
 
Isto para dizer que, sim senhora, tendo este tipo de caminhos e paisagens para descobrir então está-se muito bem aqui.





S.



quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Sheffield Geographic

Esquilos no jardim:



Coelhos:



No outro dia viemos a correr atrás de uma raposa, que entretanto se escapuliu para dentro de um quintal.
 
Tenho que deixar de dizer que vivo numa cidade.




S.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A barraca das bicicletas


Assim que soube que nos iamos mudar para Sheffield comecei a procurar formas de manter o hábito de me deslocar para o trabalho de bicicleta. Em Bruxelas ganhei-o e reconheço que é das formas mais baratas e fáceis de uma pessoa se deslocar numa cidade. Especialmente uma cidade relativamente pequena e sem metro, como Sheffield.  
 
Bruxelas tem a rede maravilhosa e incrivelmente extensa de bicicletas de aluguer, o Villo!, que torna a combinação de transportes muito fácil e útil. Às vezes ia de bicicleta e vinha a pé, ou ia de metro e vinha de bicicleta, ou ia a pé uma parte do caminho e de bicicleta o resto, conforme me desse na real gana e consoante o que a meteorologia ditasse. Alugar as bicicletas nas estações espalhadas pelas ruas da cidade tornava a coisa mesmo cómoda e sem a obrigação do "se levar a bicicleta, depois tenho de a trazer". Preocupações com roubo, zero; com arranjos, idem, uma vez que era só estacionar a bicicleta numa das estações e rodar o assento para trás, de forma a sinalizar às carrinhas de manutenção que aquela bicicleta tinha qualquer coisa de errado. Era mesmo uma situação perfeita.
 
Ora, Sheffield não tem nada disto. Soube logo que se quisesse manter os meus hábitos de ciclista urbana teria que comprar a minha própria bicicleta. A questão principal, claro está, foi: que tipo de bicicleta? Gostei especialmente que o website da universidade tivesse uma secção com conselhos aos ciclistas, e mais concretamente que dissesse que em Sheffield todas as bicicletas têm que ter mudanças. Que essas pessoas que vêm das flatlands não pensassem que aqui uma bicicleta urbana de mudança única servia. Ri-me muito porque pensei logo em Londres e na incrível planez de que estive consciente o caminho todo na minha experiência londrina de ciclismo urbano. Caramba, que ali nunca se toca mesmo no manípulo das mudanças! Basicamente o website quase nos advertia que deveríamos escolher uma bicicleta de montanha.
 
Mas a minha dúvida sempre esteve fundamentalmente entre comprar uma desdobrável ou uma normal. Desde que comecei a pedalar na cidade que sonho com uma desdobrável. A desdobrável promete portabilidade, comodidade, combinação de transportes, mais uma vez. Podia levá-la no comboio quando fosse a Londres, podia levá-la no avião quando fosse a Portugal, podia levá-la no autocarro se não me apetecesse fazer o caminho universidade-casa a pedalar. É só desengatar um manípulo e lá está ela dobrada ao meio.
 
Claro que o problema de uma desdobrável é a fragilidade da coisa. Uma coisa que se desengata e volta a engatar muitas vezes tem que ser mesmo boa ou corre o risco de se desengatar quando menos queremos. Nomeadamente quando estamos a pedalar, no meio da estrada. Neste sentido, uma bicicleta normal é mais robusta e dá uma sensação de maior segurança. Estava ciente de que as desdobráveis mesmo boas começam nos mil euros para cima. Estava também ciente de que nunca daria esse dinheiro por uma bicicleta. Muito menos com orçamento de estudante. Mais: estava ciente de que uma bicicleta boa normal também vai parar acima dos 500 euros, pelo menos. E que nunca daria esse dinheiro por uma bicicleta, ainda por cima que não me oferecesse portabilidade. Portanto a decisão foi tomada rapidamente, para dizer a verdade.  
 
Ganhou a desdobrável. Não a de mil euros, bem entendido, mas uma das mais em conta e depois de uma extensa pesquisa e avaliação de prós e contras e do quanto estava eu disposta a pagar a mais por específicos prós. O marketplace da Amazon acabou por ser o escolhido para encomendar a nova riquinha.
 
Chegou ela numa caixa enorme, dobrada a meio e com pneus vazios. A salvação foi uma coisa maravilhosa de que cedo descobri a existência: o Cycle Hut.


Esta espécie de contentor onde se arranjam bicicletas é um serviço gratuito da Universidade de Sheffield aos seus alunos e empregados para incentivar o uso da bicicleta na cidade. Basicamente os mecânicos diligentes fazem reparações e check-ups de segurança às bicicletas dos alunos, de forma gratuita, às terças e quintas-feiras. A iniciativa e os próprios mecânicos especializados são financiados pela política de transportes da universidade. Ou seja, basicamente funciona assim: o dinheiro que a universidade ganha com as tarifas dos seus parques de estacionamento vai para aqui. 
 
Há lá como não amar isto?


Entretanto já levei a Queeny Papa-Léguas ao senhor doutor, e em boa altura o fiz, já que o manípulo que prende o guiador na posição vertical está a modos que precário. Não me apetece muito estar a pedalar e de repente ficar sem guiador, de maneira que ainda não a estreei. Mas nunca a comodidade de dobrar a bicicleta a meio e a enfiar no autocarro será mais apreciada do que quando a levei ao Cycle Hut.
 
Entretanto, e enquanto a peça nova não chega, tenho andado, num processo lento e estupidamente contra-intuitivo, a mentalizar-me de que aqui se conduz do outro lado da estrada. A palavra-chave aqui é ESQUERDA: lado esquerdo da estrada, encostada sempre o mais à esquerda possível, nas viragens de direção, voltar a encostar à esquerda. Ainda tenho a sensação inconsciente - demasiadas vezes - de que este carro vai em contra-mão, ou de que devo esperar os carros daquele lado da estrada e ficar surpreendida quando um passa rente a mim quando caminho no passeio esquerdo da estrada. Sinto-me canhota ao quadrado.




S.