Um grupo de amigos que se reúnem. Amigos que vão chegando a pouco e pouco para uma tarde passada em conjunto. Dois deles, um casal, entra, cada um com seu telemóvel na mão. Mal transpõem a porta, e sem sequer cumprimentar os restantes, um dos elementos tem esta exclamação que se afigura, magnifica: "a mesa, tão bonita a mesa, vou tirar uma fotografia para enviar para... ". E é um frenesim. E tira uma, e duas, e três e n fotografias.
A anfitriã, ar de espanto, nada diz, mas nota-se o desconforto. Os outros? Esses nem ligam, é que "aquilo" aquela fixação, mais, aquela alienação "faz parte".
E é este "faz parte" que nos devia colocar a questão óbvia
Para onde caminhamos? Que sociedade construímos? Que mundo é este em que somos escravos de máquinas.
Máquinas e mais máquinas.
Máquinas que mostram, máquinas que "espreitam", máquinas que retratam, máquinas que desnudam até à alma.
Máquinas. Telemóveis, smartphones, tablets, toda uma panóplia que poderia ser (e é) de imensa utilidade se usada com inteligência.
Máquinas que quebram a privacidade, e que impedem o diálogo e a conversa olhos nos olhos. Máquinas que cegam, numa cegueira absoluta.
Máquinas que escondem o que está à nossa volta, que não nos deixa ver o Outro, vê-lo tal qual é, VÊ-LO.
Máquinas que substituem a partilha, a conversa, a cumplicidade.
É isto que queremos para os nossos filhos?
É isto que lhes CONTINUAMOS a transmitir? É este o legado que lhes deixamos?
Quem lhes ensina convivência, mas autêntica? Quem lhes ensina camaradagem, quem lhes ensina o jogo, a gargalhada, o verdadeiramente lúdico?

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É isto que queremos? O acompanhado/sozinho?

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É esta prisão, estas grilhetas que queremos para as nossas vidas?
Será por acaso, por mero acaso, que já existem instituições para tratamento desta forma de dependência?

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É esta tendência para a alteração/deformação até da parte esquelética, que queremos, não só para nós como para as gerações futuras?

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Queremos transformarmo-nos nuns tristíssimos e desgraçados zombies, vazios e ocos de tudo? É isto que queremos?

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Ter capacidade de viver o simples e a liberdade. De usufruir do belo, da VIDA, meus caros, da VIDA, esse bem maior, é JÁ uma utopia?
Acordemos. Não teremos, também, uma quota parte significativa de culpa em todo este processo?
Façamos tudo, mas tudo o que estiver ao nosso alcance para inverter este processo, um desastre mascarado de normalidade.
Recordando o nosso querido José Régio no seu belíssimo poema Cântico Negro afirmo, de forma categórica e muito, muito consciente:
(...)
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí.
* Imagens tiradas do Google