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domingo, 25 de outubro de 2009

PARABÉNS, LITTLE BIRD!


James Edward “Jimmy” Heath completa hoje (25/10) 83 anos de absoluta devoção à música. Esse saxofonista, compositor, band leader e arranjador, nascido em 1926, em Filadélfia, pertence a uma das linhagens mais nobres do jazz: é o irmão do contrabaixista Percy e do baterista Albert “Tootie” Heath.

No rádio de casa, em plena era do swing, dois músicos chamavam a atenção do pequeno Heath: Johnny Hodges e Benny Carter. Ainda na infância e em virtude das dificuldades decorrentes da Grande Depressão, Jimmy e o irmão mais velho, Percy, foram morar com a avó, na cidade de Wilmington, na Carolina do Norte. Ali, o futuro saxofonista tomou as suas primeiras lições musicais, inicialmente dedicando-se ao sax alto. De volta à Filadélfia, Jimmy não teve a menor dificuldade de se integrar à prodigiosa cena musical.

Durante a década de 40, a cidade natal de Heath era um celeiro de grandes músicos: John Coltrane, Benny Golson, Specs Wright, Cal Massey, Johnny Coles, Ray Bryant e Nelson Boyd eram figurinhas fáceis nos clubes e boates da cidade e tocavam sempre juntos. Em 1945, ouviu pela primeira vez o som revolucionário que Charlie Parker, Dizzy Gillespie,Bud Powell e outros gênios estavam produzindo em Nova Iorque e adotou o bebop como sua forma preferida de expressão musical.

Não demorou muito para que Heath começasse a tocar ao lado dos seus novos ídolos. Em 1948 ele foi convidado a integrar a Howard McGhee’s All-Stars, ao lado de quem faria a sua primeira viagem internacional, a fim de participar do First International Jazz Festival, em Paris. No ano seguinte, Heath se uniu à orquestra de Dizzy Gilllespie, com quem tocaria por cerca de dois anos. Por sua habilidade, Jimmy logo recebeu o apelido de “Little Bird”.

Em 1951, Heath resolveu trocar o sax alto pelo tenor e começou a desenvolver uma carreira das mais interessantes como compositor e arranjador. Além das gravações, acompanhando gente como J. J. Johnson, Kenny Dorham, Miles Davis, Gil Evans, Clifford Brown, Elmo Hope e Blue Mitchell, o saxofonista também fez alguns arranjos para o próprio Mitchell e também para Art Blakey e Chet Baker.

Em 1956, Chet Baker e Art Pepper eram astros de primeira grandeza no cenário jazzístico. Naquele ano, os dois uniram as forças para gravar, para a Pacific, um disco inteiramente dedicado às composições de Heath, denominado “The Playboys”. Nos anos 90 esse disco foi relançado em cd, recebendo o título de “Picture of Heath” e incluía talvez a composição mais conhecida de Heath: “CTA”.

Mas a vida não era apenas sucessos e flores para o talentoso Jimmy. As dores de amores – um relacionamento terminado deforma nada satisfatória – e uma profunda depressão abriram o caminho para as experiências com a insidiosa heroína. Em janeiro de 1955 Heath foi preso por porte de heroína. Condenado a cumprir pena no Presídio de Lewisburg, ele passou quatro longos anos na penitenciária.

Quando saiu em liberdade condicional, em 1959, Heath integrou a banda de Miles Davis, entrando no lugar que havia pertencido ao amigo John Coltrane, dispensado algum tempo antes, exatamente por causa de seus problemas com as drogas. Quando Heath se preparava para excursionar pela Califórnia com Davis, recebeu ordens do oficial justiça responsável por acompanhar o seu caso para permanecer dentro de um raio de 90 milhas de Filadélfia, sob pena de caracterizar quebra da condicional.

Heath e Davis tentaram de todas as formas conseguir uma autorização para a viagem, mas foi inútil. O saxofonista teve que deixar o grupo e Coltrane foi novamente convocado para o antigo posto. Pouco tempo depois, Miles entraria no estúdio para gravar, ao lado de Trane e de alguns dos músicos mais fabulosos da história do jazz, o extraordinário “Kind Of Blue”.

Os anos 60 foram extremamente produtivos. Muitos discos como líder e gravações ao lado de Nat Adderley, Blue Mitchell, Freddie Hubbard, Donald Byrd, Oliver Nelson, Sam Jones, Milt Jackson, Julian Priester, Art Farmer, Cal Tjader e outros. Uma associação bastante feliz com o selo Riverside, de Orrin Keepnews, permitiu a Heath que lançasse algumas obras-primas, boa parte delas de inegável vocação hard bopper.

Uma delas é o disco “The Quota”, gravado nos dias 14 e 20 de abril de 1961, no Plaza Sound Studio, em Nova Iorque, sob a supervisão do engenheiro Ray Fowler. Reunido aos irmãos Percy (baixo) e Albert (bateria), Jimmy ainda pôde contar com a volúpia de Freddie Hubbard (trompete), o refinamento de Julius Watkins (french horn) e a exuberância de Cedar Walton (piano).

Os arranjos do disco são todos de Jimmy, autor de quatro das sete faixas. O sexteto possui uma sonoridade robusta, atuando em alguns momentos como uma verdadeira big band, especialmente quando os metais soam em uníssono. A faixa de abertura, “The Quota”, demonstra bem essa capacidade do saxofonista/arranjador. Grandes momentos de Hubbard, Percy e Walton, em uma vigorosa composição, bastante calcada no hard bop.

“Lowland Lullaby” é outro tema do líder, que começa de maneira suave, como se fosse uma balada, e em seguida pega fogo. Watkins e Hubbard travam um excitante duelo ao longo da faixa, merecendo destaque os solos de Jimmy e de Albert, ambos soberbos. Em um momento mais relaxado, “Thinking Of You”, uma antiga balada da década de 20, soa como uma sessão West Coast – apenas a incendiária presença de Hubbard, com um solo devastador contrasta com a atmosfera cool que o sexteto imprime à gravação.

Milt Jackson, parceiro constante nos anos 60e 70, comparece com “Bells And Horns”. Jimmy está no auge da criatividade, com solos fluentes e altamente técnicos. Percy e Albert, com a cumplicidade natural de dois irmãos, conduzem o ritmo de forma impecável, sobrando bastante espaço para as improvisações marcantes de Hubbard e Walton. O trabalho orquestral em “When Sunny Gets Blue” é antológico. Os metais se sobrepõem e interagem, criando efeitos belíssimos, parecidos com os das mais azeitadas big bands, especialmente a do maestro soberano Duke Ellington. A atuação de Jimmy, aliás, lembra os melhores momentos do velho ídolo Johnny Hodges.

“Down Shift” e “Funny Time”, ambas de Jimmy, complementam o set – a primeira é um bebop de primeira e a segunda começa como um blues e depois acelera, se transformando em um hard bop efeverscente e altamente dinâmico. A potência sonora de Hubbard, espetacular, é o ponto mais alto em ambas. Não é à toa que os guias de jazz costumam atribuir tantas estrelas a esse álbum esplendoroso, considerado por alguns como o ponto alto da carreira discográfica de Jimmy Heath.

Dos anos 70 em diante, Heath tem se mantido em plena atividade. Adicionou a flauta e o sax soprano ao rol de instrumentos que domina, excursionou com grandes nomes como Sonny Stitt, Milt Jackson, J. J. Johnson, Pat Metheny, Dusko Goykovich, Slide Hampton e Clark Terry e continuou a fazer arranjos para diversos músicos, como Sonny Rollins e Antonio Hart. Em 1975, ao lado de Albert e Percy, criou o grupo “The Heath Brothers”, que permaneceu ativo até a morte do baixista, em 2005, gravando diversos – e elogiados – álbuns.

Os Heath Brothers lançaram um álbum recentemente, chamado “Endurance” (2009), com David Wong assumindo o baixo e com a participação especial do brasileiro Cláudio Roditi. Jimmy também construiu uma sólida carreira como educador musical (foi professor da Aaron Copland School of Music e de outras respeitadas instituições de Nova Iorque), sendo que muitos dos seus ex-alunos atualmente brilham no cenário jazzístico, como o saxofonista Antonio Hart e o trompetista Darren Barret.

A tradição musical da família Heath permanece, pois seu filho James Mtume é percussionista e compositor, mais ligado ao R&B. Jimmy também compôs peças sinfônicas e recebeu o título de Jazz Master em 2004, dado pela National Endowment For The Art. Uma vida longa e prolífica, que pode ser sintetizada em uma frase de Dizzy Gillespie: “Tudo o que posso dizer é: se você conhece Jimmy Heath, você conhece o bebop”. Parabéns, Mestre!


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