Harold Floyd Brooks nasceu em Fayetteville, Carolina do Norte, no dia 07 de junho de 1932, juntamente com o irmão gêmeo, Harry. Juntavam-se a uma família já bastante numerosa e eram, respectivamente, o sétimo e o oitavo filhos de David e Cornelia Brooks. O porte físico franzino de Harold fez com que os colegas da escola o apelidassem de Tina (pronuncia-se “Teena”, uma corruptela de “tiny”, que significa muito pequeno).
Ainda na cidade natal, começou o aprendizado do saxofone e o seu primeiro instrumento foi um sax “C-melody”, bastante comum nos anos 30 e 40, mas que atualmente é muito pouco usado no jazz ou na música
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Em 1950, Bubba Brooks deixou a banda de Sonny Thompson e Tina o substituiu por alguns meses, tendo então participado de sua primeira gravação, em 1951. Em seguida, vieram trabalhos em diversas outras bandas de R&B, como as dos pianistas Charles Brown e Amos Milburn e a do trompetista Joe Morris. Nesse período, complementou sua educação musical com aulas de harmonia ministradas por Herbert Bourne, com quem estudou por cerca de um ano.
Em 1955 foi contratado por Lionel Hampton para uma excursão, mas não chegou a gravar com o vibrafonista. Em compensação, o convívio com outros músicos de jazz despertou-lhe o interesse pela música que Dexter Gordon, Sonny Rollins e outros tenoristas estavam fazendo. Contribuiu para incrementar esse interesse o trabalho como integrante da banda do Blue Morocco, um clube situado no Bronx. Ali, Tina conheceu e fez amizade com o pianista Elmo Hope e com o trompetista Benny Harris, que posteriormente o apresentaria a Alfred Lion.
O principal executivo da Blue Note ficou vivamente impressionado com os dotes musicais do jovem saxofonista e o incluiu entre os músicos que acompanhavam o organista Jimmy Smith – Lou Donaldson, Lee Morgan, Kenny Burrell e Art Blakey – na gravação de “House Party”, em 25 fevereiro de 1958. As sessões foram tão proveitosas que acabaram rendendo mais dois álbuns: “The Sermon” e “Confirmation”, sendo que em algumas faixas Smith lidera um combo com a seguinte formação: Lee Morgan, George Coleman, Curtis Fuller, Eddie McFadden, Kenny Burrell e Donald Bailey.
De qualquer forma, a semente estava plantada. Após as gravações com Jimmy Smith, Tina Brooks fez diversos trabalhos para a Blue Note, sob a liderança de Kenny Burrell, Freddie Hubbard (de quem se tornaria grande amigo epara quem compôs “Gypsy Blue” e “Open Sesame”), Freddie Redd e Jackie McLean. Infelizmente, o saxofonista já havia mergulhado no tenebroso mundo das drogas, o que o tornava pouco confiável para qualquer gravadora – mesmo a Blue Note, onde além do carrinho de Lion, também contava com a amizade e a proteção de Ike Quebec, então produtor da companhia.
Não que o mítico selo da Nota Azul fosse desprezar um talento colossal por conta de sua dependência química. Afinal de contas, ali pontuavam malucaços da estirpe de Lee Morgan, Sonny Clark e Art Blakey – curiosamente, três músicos que acompanhariam Brooks em um dos seus melhores álbuns. Portanto, a Blue Note não era nenhum convento de adoráveis freirinhas!
Exatamente por conta disso, o saxofonista acabou por gravar quatro discos como líder: “Minor Move” (de 1958), “True Blue” (de 1960, e que seria o único lançado durante sua vida), “Back To The Tracks” (também de 1960) e “The Waiting Game” (de 1961). Todos são de uma qualidade assombrosa, e entre os acompanhantes, músicos da estatura de Johnny Coles, Kenny Drew, Philly Joe Jones, Art Taylor, Paul Chambers, Sam Jones, Duke Jordan e outros luminares.
Difícil tarefa, a de destacar apenas um deles. Logo, a escolha do álbum resenhado se deu por métodos absolutamente científicos: “mamãe mandou eu escolher esse daqui...”. Felizmente, qualquer resultado redundaria em um disco esplendoroso e o vencedor dessa disputa foi... “Minor Move” – o primeiro álbum gravado por Brooks na qualidade de líder.
Exatamente o disco que contou com os pirados e talentosos Lee Morgan (trompete), Sonny Clark (piano) e Art Blakey (bateria), e mais o certinho e tão talentoso quanto Doug Watkins (baixo). Como se dizia antigamente, um quinteto do balacobaco! As gravações foram feitas no dia 16 de março de 1958, sob a batuta do mago Rudy Van Gelder, mas somente em 1980 essa jóia veria a luz do sol, graças a um lançamento da Blue Note japonesa. Para júbilo dos fãs de jazz do resto do planeta, o cd foi posteriormente lançado pela série Connoisseur, em 2000.
Exibindo uma potência sonora e uma vitalidade ímpares, o grupo abre os trabalhos com “Nutville”, composição epopéica de Brooks. Trata-se de um blues em tempo médio, irrigado com altas doses de histamina. O piano de Clark é energético e cheio de groove, com direito a solos sensacionais. A influência de Sonny Rollins, com sua vitalidade e criatividade incessantes, fica patente nos solos de Brooks e o “enfant terrible” Morgan, do alto dos seus 19 anos, incendeia a sessão.
“The Way You Look Tonight”, de Jerome Kern e Dorothy Fields, recebe um arranjo acelerado, mas que respeita as estruturas melódicas da canção e mantém o seu inato lirismo. O líder agrega fluência e inventividade ao tema, dando-lhe um frescor que enternece os ouvidos. Morgan, absoluto, é o retrato da exuberância: seus solos são complexos, ricos, sendo quase possível tocar o som que se espalha a partir das caixas acústicas e a inabalável dobradinha Watkins-Blakey é segura como poucas.
Mais um standard executado em tempo médio, “Star Eyes” era um dos temas preferidos de Charlie Parker e Brooks paga um soberbo tributo ao mestre de todos os mestres do sax alto, com solos de extremo bom gosto e elevada combustividade. Primorosa a intervenção de Clark, tanto no acompanhamento quanto nos solos, que pode mostrar o vigoroso improvisador que sempre foi. Morgan faz parecer fáceis as mais impressionantes peripécias ao trompete, tamanha a sua intimidade com o instrumento.
Brooks também é o autor da faixa que dá nome ao disco, outro petardo sonoro no qual os sopros do líder e de Morgan dão um sentido exponencial ao termo “em estado de ebulição”. Destaque para a forma como o baixo aveludado de Watkins, herdeiro direto de Oscar Pettiford, dialoga com o piano de Clark e a bateria de Blakey, numa demonstração de entrosamento e sincronismo impressionantes.
A versão do quinteto para “Everything Happens to Me” é nada menos que sublime. Uma balada altamente lírica, onde Brooks demonstra sua reverência ao genial Lester Young. O solo de Morgan é breve e desconcertante e Blakey parece ter forrado com veludo as suas baquetas, ttamanha a delicadeza dde sua percussão. Impossível não se emocionar com a atmosfera de três da madrugada, que remete a amantes insones, cigarros acesos e gelo se liquefazendo no copo de whisky. Discaço!
Apesar das circunstâncias favoráveis, a instabilidade emocional de Brooks devastou-lhe a possibilidade de uma carreira bem sucedida. No meio do ano em que gravou esse disco, por exemplo, ele simplesmente desapareceu da cena musical por quase um ano, somente vindo a dar as caras em agosto de 1959, para participar de algumas faixas do álbum “Swingin’”, de Kenny Burrell.
Em 1961 Tina gravou seu último disco para a Blue Note e passou a viver de forma errática, a reboque da dependência química que lhe roubava a carreira, a saúde e a dignidade. Chegou a participar de shows e jams na região do Bronx e a sua última performance conhecida foi ao lado de Ray Charles, em 1963. Depois disso, as notícias sobre sua vida são incertas. Sabe-se apenas que no dia 13 de agosto de 1974 Brooks faleceu, em virtude de falência dos rins e do fígado, e que há alguns anos já não conseguia tocar.
Uma grande perda para o jazz, não apenas pelo que efetivamente fez – e que, apesar da discografia rarefeita, foi muito do ponto de vista qualitativo – mas também pelo que poderia ter feito. Sobre o talento de Brooks e sua forma personalíssima de tocar, escreveu o crítico Eric Novod: “Suas improvisações inspiradas, fruto da combinação de linhas graciosas do blues com o mais complexo bebop, faziam dele um dos maiores nomes do sax tenor”.
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