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terça-feira, 19 de maio de 2009

O HOMEM QUE MUDOU OS RUMOS DA BATERIA JAZZÍSTICA


Discos tributos a Charlie Parker não são coisa rara no universo do jazz. Inúmeros músicos já o fizeram, com resultados que variam do sublime (“Stitt Plays Bird” e “Bud Plays Bird”, por exemplo) ao razoável (caso do modesto “To Bird With Love”, perpetrado por um pouco inspirado Dizzy Gillespie). Cerrando fileiras com os álbuns da primeira categoria, o impecável “Max Roach 4 Plays Charlie Parker” se destaca até mesmo entre os seus pares – é grande entre os grandes e, a cada audição, fica ainda maior.

Sobre o articulado Maxwell Lemuel Roach, tudo já foi dito e tudo mais que se venha a dizer pode resvalar, perigosamente, em surrados clichês. Mas fatos são fatos e não se pode negá-los. Sim, ele é, ao lado do também genial Kenny Clarke, um dos pais da bateria no bebop, tendo protagonizado grandes momentos no mítico Clube Minton’s, onde o estilo foi gestado. Sim, ele revolucionou a forma de se tocar bateria, colocando o instrumento na linha de frente jazzística, tirando-o da obscuridade rítmica a que se achava relegado. Sim, ele foi um compositor de primeiríssima linha, tendo legado aos amantes do jazz pérolas como Mr. X (homenagem a Malcolm X), Blues Waltz e Mildama. Sim, também foi um aguerrido militante da causa negra e dos direitos civis, tendo dedicado um álbum antológico ao tema, o engajado “We Insist! - Freedom Now”. Sim, ele tocou com toda a elite jazzística – do clássico Duke Ellington, seu parceiro no magistral “Money Jungle”, ao vanguardista Anthony Braxton.

Quando o maior combo jazzístico jamais reunido fez o célebre concerto no Massey Hall, em 1953, quem foi o baterista escolhido? Ele mesmo, o incansável Max, nem um pouco intimidado com as presenças sobrenaturais de Dizzy Gillespie, Charlie Parker, Bud Powell e Charles Mingus. Inspirado por tantos gênios, no ano seguinte resolveu montar uma banda à altura: convocou o mago Clifford Brown, com quem dividiu o nome do quinteto, e os excelentes Harold Land (sax tenor, substituído posteriormente por ninguém menos que Sonny Rollins), Richie Powell (piano) e George Morrow (baixo). A banda permaneceu por dois anos como uma das melhores em atividade, somente sendo desfeita quando o inesperado fez uma tenebrosa surpresa: Clifford e Richie foram vitimados em um terrível acidente, que também custou a vida da esposa do pianista.

O baque foi enorme. A muito custo, Max se recuperou da perda dos amigos e voltou a tocar. Formou uma nova banda, mantendo o velho amigo Morrow e incorporando os jovens e talentosos Ray Bryant (piano), Kenny Dorham (que teve a enorme responsabilidade de substituir o fabuloso Brown) e Hank Mobley. Com essa formação gravou os ótimos Max Roach + 4” e “Jazz in ¾ Time” – Sonny Rollins substitui Mobley no segundo disco e Billy Wallace substitui Bryant em algumas faixas do primeiro. Também com uma formação semelhante, Roach liderou um afiadíssimo quarteto “pianoless”, encarregada de dar novo tratamento a composições e standards imortalizados por Bird, no magistral “Max Roach 4 Plays Charlie Parker”.

Sem a presença das teclas de Bryant, coube a Roach e Morrow (substituído em algumas faixas por Nelson Boyd), literalmente, “carregar o piano”. Embora se dividindo entre a manutenção da arquitetura rítmica e o alinhavo da textura sonora da banda, o baterista reina soberano em todas as faixas, ora adotando uma postura lírica digna de um Connie Kay, ora arrebentando as baquetas, pratos e adjacências, qual um ensandecido Elvin Jones. Ele é o líder incontestável da gravação – e não faz a menor questão de esconder isso, impondo à vulgar expressão “dar no couro” uma literalidade ímpar.

No repertório, pérolas da joalheria birdiana, como as indefectíveis “Ko Ko” e “Confirmation” recebem um tratamento harmônico da maior qualidade. Nos metais, um encapetado Dorham e um alucinado Mobley (e há quem diga que ele não sabia solar!!!!) cometem as maiores diabruras em nome do sacrossanto jazz. O ótimo George Coleman substitui Hank Mobley em três faixas, mas isso não altera a qualidade do disco, gravado para a Mercury entre dezembro de 1957 e abril de 1958. Músicas consagradas por Parker, como a quase balada “This Time The Dream Is On Me” (biscoito finíssimo da dupla Arlen/Mercer) são reelaboradas com personalidade e reverência, destacando-se nesta o sublime trompete de Dorham.

O dínamo Roach desencadeia um tsunami sonoro nas eletrizantes “Yardbird Suite” e “Au Privave”, tocadas em ritmo alucinante. Em ambas, o baixo pululante de Morrow segura a onda e permite aos demais companheiros que se esbaldem em seus solos – não há menção do fato nas notas do disco, mas é muito provável que a pobre bateria tenha ido para o beleléu após as sessões de gravação. O álbum tem espírito de bebop e corpo de hard bop, sem demérito a nenhuma das duas escolas. E Roach ainda teve tempo de brindar a audição com uma excelente composição sua, a serpenteante “Raoul”, que evoca discretos sabores orientais. Ao ouvinte, cumpre se deliciar com este banquete dionisíaco. Empanturremo-nos, pois!

O grande mestre da percussividade, o mago que deu uma nova cara à bateria e redefiniu o uso dos pratos e timbales, o dedicado educador que formou gerações de novos jazzistas à frente da Lenox School of Jazz e da University of Massachusetts, partiu para o outro plano da existência em 14 de agosto de 2007. Legou uma obra de personalidade, manteve intacta sua integridade artística e mostrou ser possível praticar um engajamento político completamente apartado de qualquer vaidade pessoal, sem jamais resvalar no panfletarismo histérico. Certamente teria gostado muito de ver o negro Barack Obama a comandar os destinos políticos de seu país.


OS.: Este post é dedicado aos novos amigos FIGBATERA e ANDRÉ TANDETA, bateristas de primeira, com quem tenho compartilhado ótimas discussões no âmbito da blogsfera.

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