O actual museu de Terra Cota, em Xian, onde está
exposta uma parte deste espólio é, pois, um pormenor de uma enorme necrópole
com muito ainda por descobrir. É num enorme pavilhão que se encontra cerca de
um milhar destas figuras exposto à curiosidade de hordas de turistas chineses
que se acotovelam, orgulhosos da sua história comum, e mais uns quantos
ocidentais que por ali andam como aves raras. O exército de Terra Cota é famoso
em todo o mundo, eu deveria dizer em todos os mundos, porque a China é tão
diferente do Ocidente que temos a sensação de estar num outro mundo. As suas
reproduções estão por todo o lado, há programas de televisão sobre estes
guerreiros, da Austrália à Europa, vendem-se réplicas minúsculas por todo o
planeta, e, da Índia ao Japão não há ninguém que não tenha estas imagens como
familiares. Não deixa, pois, de haver uma irónica justiça nisto: ninguém conhece
imagens do tal imperador mas todos sabemos de cor as feições de tantos e tantos
dos seus insignificantes guerreiros. Cada um dos soldados anónimos de Terra
Cota conseguiu, afinal, o que o imperador não logrou alcançar: a imortalidade
em forma de estatueta de 20 yuans produzida pela indústria cultural do século
XXI.
Tapornumporco
Blog da RS.T - Real Esseponto do Tinto - Coimbra - Os Três Pastorinhos também bebiam o seu copito
18/12/17
O Triunfo da Maralha, por Lim Pó Pó
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Viagem
07/09/17
Um País, Dois Sistemas, por Tungs Ténio
Pequim é uma cidade indefinida, não tem um traço de
personalidade vincado, ao contrário de Xangai. Do ponto vista urbanístico e
arquitectónico, Xangai é única. De qualquer sítio desta megametrópole de cerca
de 30 milhões de habitantes, vê-se um edifício icónico, seja a torre das telecomunicações,
a Xangai Tower (a babel chinesa, o edifício mais alto da China) ou o
celebérrimo abre-latas, entre muitos outros. Além disso, Xangai é policêntrica,
tem diversas zonas marcantes como o óbvio centro financeiro de Pudong ou o
Bund, na margem direita do rio Huang Po, a People Square ou ainda Nanjin Road.
Pequim não é assim. À excepção de Tianamen, tem muitas zonas
indistintas que podiam estar em qualquer outra cidade global, com os seus
prédios de verticalidade anónima. Deste ponto de vista, Pequim está mais
próxima de Madrid ao passo que Xangai faz lembrar Barcelona, mais icónica e
distinta (traduzo, simplificadamente, para a minha própria escala familiar a
incomensurabilidade das dimensões chinesas).
Tianamen é o verdadeiro coração de Pequim. A célebre praça
dos massacres de 1991 é um símbolo chinês (não por aquela razão,
confortavelmente atirada para debaixo do tapete da memória colectiva chinesa
recente, vantagens de não haver Google na China…), mas não um ícone cosmopolita,
como os edifícios de Xangai. No seu lado Este encontra-se a magnífica Cidade
Proibida, local de peregrinação de milhões de visitantes, na sua esmagadora
maioria, chineses, parecem-me habitantes do interior que fazem a viagem das
suas vidas e se emocionam com toda a iconografia que levaram uma vida a
venerar, um pouco como a malta das excursões em Portugal que vai visitar os
Jerónimos ou o Mosteiro da Batalha com a emoção de quem vai a Roma ver o Papa.
A Cidade Proibida é um local magnífico, sem dúvida, e dou graças aos deuses comunistas
por terem inspirado Mao a poupá-la em vez de, como seria natural nele, mandar
destrui-la em nome da obsessão comunista com o apagamento dos vestígios da china
imperial. Muitas outras maravilhas do passado, como a muralha histórica de
Pequim, por exemplo, que foi praticamente destruída, não tiveram a mesma sorte.
Muitos pagodes, templos, túmulos antigos e estátuas foram destruídos.
Saquearam-se museus e bibliotecas, queimaram-se livros - tudo o que cheirava a
«antigo» foi pilhado. Mas a Cidade Proibida talvez fosse suficientemente poderosa,
demasiado imponente e admirável, para que os comunistas sonhassem sequer
destruí-la. E mesmo assim só sobreviveu à voracidade predadora da Revolução
Cultural graças à lucidez do primeiro ministro Zhou Enlai que mandou o exército
guardá-la.
Aquilo é impressionante, mesmo para um comunista supostamente animado
de ódio à civilização imperial: a sua escala, a sua dimensão impressionante, os
seus pátios gigantescos, as suas esculturas e pavilhões, a sua lógica simbólica
(a água, a terra, o ar, o fogo, a madeira - os elementos fundamentais para os
chineses), os seus estandartes imperiais (rara excepção na ânsia reset da revolução comunista), os seus
pedaços de paisagens metodicamente recortados nos portões enormes, quando
passamos de um pátio para outro… E só depois de passarmos pela experiência de
deslumbramento que é passear pela Cidade Proibida é que nos apercebemos da
imensidão provocadora do retrato de Mao à entrada. O ditador, ao menos tinha
sentido de humor... Deixar a sua fotografia na fachada do mais reservado e
exclusivo (como se sabe apenas o imperador e o seu séquito podiam transpor os
portões da Cidade Proibida) de todos os espaços da milenar China, é uma
verdadeira heresia, um escarro na solenidade imperial. O maior apologeta da
igualdade faz-se retratar na fachada do mais exclusivo espaço de toda a
história da China, Charlot no Olimpo, Bucha e Estica em Vaalhala…
Ou então, pensando melhor, Mao não tinha sentido de humor
rigorosamente nenhum e simplesmente levava-se a sério (é sabido que levar-se
muito a sério é marca distintiva das pessoas que não têm sentido de humor)...
Arauto da igualdade radical entre todos os homens, a verdade é que acabou por
se tornar, ele próprio, no senhor absoluto e omnipotente de toda a China,um quase Deus. Mao
impôs o culto da personalidade em todo o país: a fidelidade ao Grande Líder
tornou-se mais importante que a fidelidade à própria família; preconizou a
despersonalização total do indivíduo e a sua fidelidade total ao chefe; impôs
um regime de vigilância totalitarista, até aos mais profundos meandros da consciência
individual de cada habitante da China, um regime tão panóptico que nem Michel
Foucault ousou conceber algo de tão radical nas páginas mais radicais de Vigiar e Punir. Implantou um culto da
personalidade (da sua), cujo reverso foi a despersonalização de cada indivíduo
(em nome da fidelidade a Mao, deixa de pensar, faz o que te ordenam, morre se
preciso for, não existas)… No fundo o regime maoista não foi mais que a
continuidade da tradição chinesa do despotismo e do absolutismo que vem
das profundezas das dinastias imperiais.
E, por isso, talvez não seja assim tão incoerente, a fotografia de Mao à entrada
da Cidade Proibida. No fundo existiram dois Maos: o líder comunista e o
imperador, sendo que o segundo acabou sempre por se impor ao primeiro. O último
imperador, afinal, não foi Pu-Yi, mas o Grande Timoneiro: sua Majestade
Imperial, o Divino Mao Tse Tung.
Em Xangai, um grupo de ocidentais como nós, passa
perfeitamente despercebido e ninguém estranha a nossa presença. Percebe-se – é uma
cidade cosmopolita. Mas em Pequim, as pessoas entusiasmam-se e vibram connosco,
como se fôssemos espécimes raros vindos de outro mundo. Pedem-nos constantemente
para que tiremos fotos com eles, são extremamente afáveis e premeiam-nos com
sorrisos e gritinhos depois de conseguirem a almejada foto. Nós sentimo-nos um
pouco como Marco Polo se deve ter sentido há 800 anos atrás. Os pais trazem os
filhos para nos verem, as famílias reúnem-se apressadamente para capturarem a
imagem de um de nós entre eles e, quando há um indivíduo a tirar-nos uma foto,
olhamos melhor e já estão mais dez atrás a aproveitar a boleia.
Nada disto passa pela cabeça aos habitantes de Xangai para
quem somos só mais meia dúzia de estrangeiros entre os muitos que por ali
passam. Xangai parece-me uma outra China, mais moderna, mais aberta que a
ortodoxa Pequim. E talvez não seja por acaso que a nossa guia em Xangai, Cati
(nome ocidental para o podermos fixar melhor que o original chinês) seja
notoriamente mais desenvolta e urbana que a sua colega de Pequim, Marta. Esta
não só fala um castelhano mais ou menos ininteligível, como, sobretudo, é mais
obtusa: tem dificuldade em ouvir-nos e descamba, invariavelmente, em
verborreias exasperantes. Tem uma fixação em histórias de doenças e hospitais,
mostra-se obcecada com as dificuldades sofridas no passado recente por si e
pelos seus pais «camponeses», como faz questão de sublinhar. As suas histórias
não são destituídas de interesse, mas tornam-se repetitivas, obsessivas,
maçadoras. Marta ignora o humor e respeita a ortodoxia comunista, dela não se
ouve uma sílaba crítica da ideologia e do poder dominantes.
Mas Cati, percebi-o imediatamente, assim que nos deu as boas
vindas e começou a falar, é mais crítica. Goza com os tiques do regime, tem um
sentido de humor e uma ironia que a distanciam da seriedade e da rigidez da sua
colega de Pequim. Marta achava natural que o facebook estivesse bloqueado na China, claro, trata-se de uma
república socialista; mas Cati falou-nos logo de uma app chinesa que permite desbloquear o FB e o Google e aceder, como
ela diz, «à civilização». Fala um excelente castelhano, vivo e fluído –viveu na
argentina – tem umas noções de português-brasileiro e, sobretudo, sabe ouvir e
passar informação nas doses certas, sem nos assoberbar com excessos. Para mim, ambas as guias passaram a representar as duas chinas,
Marta, a China tradicional, comunista, rígida e fechada; Cati, a china moderna
e cosmopolita. Um país, dois sistemas, na fórmula de Deng Xiao Ping: Xangai e
Pequim, o capitalismo fervilhante e a atrofia comunista.
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Viagem
05/09/17
Bienvenidos a Beijing, por Chu Chu
- Bien venidos a Beijing! – saúda-nos Marta, a guia local que
nos vai acompanhar enquanto por aqui andarmos, num espanhol razoável, seria
sempre razoável ouvir uma língua familiar num sítio tão longínquo. A China é
uma república socialista, continua, e, como tal, não há acesso nem ao Facebook
nem ao Google nem ao Messenger. Estão bloqueados na China.
Gosto da relação República Socialista – bloqueio de redes
sociais… Se eu fosse politicamente ingénuo poderia ter pensado que a primeira
parte do enunciado - «A china é uma República Socialista» - implicaria algo
como: «logo, respeitamos a democracia e a liberdade de expressão e, por isso,
podem ir ao Google à vontade». Mas não: é precisamente ao contrário. O mais
estranho é que a Marta diga isso com toda a naturalidade. Como se fosse
apodítico que uma república socialista não tolere a liberdade de expressão...
Como não me tenho como politicamente ingénuo não estranhei o raciocínio mas lá
que é esquisito, é.
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Viagem
01/09/17
A Terra Vista do Espaço, por Zetung
No decurso da viagem de avião, de Bruxelas até Beijing, fui
seguindo o plano de voo no écran do computador de bordo para me ir atordoando com
tanto sítio improvável que ia sobrevoando. O voo 936 da Henan Airlines dirigiu-se à Alemanha e, tanto quanto fui acompanhando,
sobrevoou a Polónia, a Lituânia, a Bielorrússia, a Ucrânia, entrou Rússia adentro,
sempre com a grafia das cidades a mudar e foi assim que me pareceu ter passado
pelas antigas províncias soviéticas (azerbeijão, uzbequistão, kazaquistão ou
coisa parecida). Mais tarde reconheci nomes mongóis acabados em ar, até que a grafia chinesa se foi
impondo e eu percebi que já sobrevoava o império do meio. Ficaram para trás nomes
como Novobirisk, Donetsk, Samara, Tashkent, muitos em ov e foi inesquecível ver o mar de Aral lá em baixo, com o sol a pôr-se,
centenas e centenas de pequenos lagos, um oceano em decomposição acelerada,
apeteceu-me pedir ao piloto do avião para aterrar para poder ver aquele
espectáculo mais de perto.
Já em Beijing, reparei na variedade de cartazes publicitários
em tanta língua diferente – eslavo, japonês, chinês, azeri e outros que não
pude identificar. Tanta diversidade, tantos caracteres diferentes! Pensei que é
estreita a noção do mundo que temos no ocidente, comparativamente, tão
homogéneo, com os mesmos caracteres linguísticos de Norte a Sul, ao contrário
do que por aqui se observa. O mundo é, do ponto de vista linguístico, muito,
mas mesmo muito diverso!
Sinto uma vaga sensação – contudo, não desagradável – de
estar perdido num sítio longínquo, num tempo e num espaço virados do avesso,
habitados por pessoas estranhas que falam uma língua ininteligível e nos olham
como se fôssemos provenientes de outra galáxia. Como podemos falar em aldeia global? Mcluhan, é certo, nunca
viajou para a China.
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Viagem
30/08/17
O Lótus Azul, Zetung
A experiência de incomunicabilidade é constante porque aqui
ninguém fala inglês e os que o julgam fazer, falam apenas um idioma vagamente
semelhante, praticamente ininteligível. Embora alguns sítios tenham indicações
em Inglês, na esmagadora maioria estas são apenas em mandarim. E nem os códigos
gestuais nos são comuns – podemos levantar 1,2,3,4 dedos para significar os
números de 1 a 4, mas do 5 em diante, os chineses usam gestos próprios que não
correspondem aos nossos. O 10, por exemplo, não é simbolizado pelas duas mãos
abertas mas por dois dedos cruzados… Assim é difícil.
As barreiras culturais também são omnipresentes, por exemplo,
quando peço water ao jantar e esse
pedido, uma vez descodificada a palavra, o que não é imediato, lança o alvoroço
entre os empregados até que, finalmente, há um que nos aparece de ar sorridente
com um copo de água…fervida (e depois eu procuro disfarçar e peço um saco de
chá que me trazem, com um ar espantado e eu percebo que criei mais um ruído adicional
porque, pelos vistos, eles bebem mesmo água a ferver ao jantar e não chá). Até
o funcionamento do elevador é invulgar porque é necessário passar o cartão
digital do hotel para que funcione e, à primeira vez, o meu não funcionou (por
inabilidade minha, certamente) e eu decidi-me a descer pelas escadas, 14
andares, não fosse o diabo tecê-las. E o 4º andar, onde anda o quarto andar?
Pois, não anda. Os chineses suprimem frequentemente o numero 4 porque, para
eles, é o número do azar e por isso o elevador passa do 3º para o 5º, mas o bar
do hotel fica no quarto andar que não está indicado… Confuso? Também achei.
Ainda por cima temos que aguentar com o famigerado jet leg, mas jet leg a
sério, já fiz outras viagens para sítios distantes mas isto supera tudo, a
China é mesmo nos antípodas. Bom, eu sinto-o tão fortemente, ao jet leg, que é por isso que estou agora
aqui sentado no hall do hotel às 4 da
manhã, quando deveria estar a dormir para recuperar da viagem…
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