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20 abril, 2018

"Atos humanos" - Han Kang

Há memórias que nunca saram.
“Como lidar com a morte de alguém quando o seu corpo não aparece? Esta é a história de Dong-ho, um rapaz que não resistiu a seguir o melhor amigo até à manifestação, mas, quando ouviu os tiros, largou-lhe a mão, procurando-o agora entre os cadáveres de uma morgue improvisada. E é também a história dos que cruzaram o caminho de Dong-ho antes e depois dessa noite infame – os que caíram por terra desarmados e os que foram levados para a prisão e torturados; os que sobreviveram ao terror mas nunca mais conseguiram falar do assunto e os que, tantos anos passados, sabem, tal como Han Kang, que a história pode repetir-se a qualquer momento e que é preciso lembrar os atos brutais de que os humanos são capazes.”

Coreia do Sul, Maio de 1980.
Estudantes protestaram em todo o país contra o prolongamento da lei marcial, o encerramento de universidades e maiores restrições à liberdade de imprensa.
Na cidade de Gwangju a repressão contra os estudantes foi tão violenta que a população e os sindicatos se juntaram a eles no protesto contra o ditador Chun Doohwan, sucessor do presidente assassinado Park Chung-hee, que durante quase duas décadas governou o país com mão de ferro.
A brutalidade da polícia e do exército, que até usou lança-chamas contra cidadãos desarmados, provocou 165 mortos, segundo fontes oficiais. Nunca foram divulgados os números de presos, torturados e desaparecidos.
Han Kang nasceu e viveu em Gwangju até aos nove anos. Não presenciou o massacre. A família tinha-se mudado para Suyuri, nos arredores de Seul, quatro meses antes.
Em 2013, quando tomou posse como presidente a filha de Park Chung-hee, “o passado veio ao de cima e arrancou as ligaduras que cobriam feridas antigas para os habitantes de Gwangju, entre eles, Han Kang”.
Serão os seres humanos cruéis? Será a experiência da crueldade a única coisa que partilhamos enquanto espécie? Não passará a dignidade a que nos agarramos de uma ilusão para disfarçarmos, perante nós, esta simples verdade: que cada um de nós pode ser reduzido a um inseto, um animal voraz, um pedaço de carne? Que ser aviltado, magoado, esquartejado... é o destino essencial da humanidade, um destino cuja inevitabilidade a História confirmou?
Atos humanos",  misto de ficção e realidade,  é um comovente e corajoso relato do massacre de Gwanjiu e um alerta para “os atos humanos de que todos nós somos capazes, atos brutais e atos generosos, atos básicos e atos sublimes”.
A sinopse prepara-nos para o que vamos ler, mas... não é fácil, não!
Tal como em “A vegetariana” - o primeiro romance de Han Kang, vencedor do Man Booker International Prize - a trama é complexa, com muitas personagens (algumas existiram mesmo), e vários narradores (alguns também personagens) a desenvolver em saltos constantes entre passado e presente uma história de dor e violência, que dá voz aos mortos, aos desaparecidos, aos brutalmente torturados. Dor e violência que se lê e na limpidez de uma escrita rigorosa e poderosa.
Como disse “The Independent” - «Atos Humanos é de tirar o fôlego.»

Quando morreste, não pude fazer-te um funeral,
e, assim, a minha vida tornou-se um funeral.
Para ler e reflectir sobre a capacidade destrutiva e sombria da humanidade.

Atos humanos, de Han Kang
Tradução de Maria do Carmo Teixeira
Ed. D. Quixote, 2017
227 págs.

08 setembro, 2017

"A vegetariana" - Han Kang

- Porque é que não comes carne? Ela pousou os pauzinhos e olhou para ele. – Não tens de me dizer, se for difícil para ti.
- Não – responde ela com serenidade. – Não me é difícil. O problema é que acho que não vais compreender. – Tornou a pegar nos pauzinhos e mastigou lentamente alguns rebentos de soja. – É por causa de um sonho que tive.
- Um sonho?
- Tive um sonho… e é por isso que não como carne.
É estranha e comovente a história de Yeong-hye, mulher normal, nem feia nem bonita, de poucas palavras, filha e esposa submissa, que depois de um sonho terrível decide mudar radicalmente a sua vida, impor a sua vontade e enfrentar a conservadora sociedade sul-coreana, o marido que a despreza, os pais e a irmã que a ignoram. Como? Tornando-se vegetariana.
Essa inesperada, incompreensível e assustadora mudança de comportamento tem consequências negativas sobre toda a família e brutais sobre ela própria.
Dividida em três partes, a história começa no presente mas engenhosa e subtilmente recua ao passado dando voz a familiares – marido, cunhado e irmã – que desvendam de forma crua e dura factos da infância e adolescência da protagonista. Preocupa-os a estranha decisão dela? Não! Preocupa-os o que dessa decisão pode “respingar” sobre eles.
Na primeira parte a voz é do abjecto marido:
… sempre pensei nela como alguém que não tinha rigorosamente nada de especial. Para dizer a verdade, quando nos conhecemos, nem sequer me senti atraído por ela. No então, embora não tivesse nada de muito atraente, nada tinha também de repulsivo e, por isso, não havia motivo para que não nos casássemos… raramente me pedia alguma coisa e nunca discutia comigo.. .servia-me na perfeição… era a mulher mais trivial do mundo… uma esposa absolutamente comum…
Até um certo dia de fevereiro…
… em que ela, provocadora, deita fora carne, ovos e leite, recusa sair do quarto, deixa de limpar, de cozinhar, de tratar da roupa e recusa o sexo com o marido por o corpo dele lhe cheirar a carne.
Os dias passam, ela definha. Incapaz de a demover o marido fala com a sogra e logo marcam uma reunião de família. Tal não preocupa a "nova" Yeong-hye revoltada, vingativa, fantasista e decidida a tomar o controlo da sua vida. Nem o marido desprezível, nem o pai, um herói da Guerra do Vietname autoritário e agressivo, conseguirão que volte a comer carne. Antes morrer. É assim tão mau morrer?
O que se segue é provocador e desconcertante, mas eu não desvendo para que a sensação de absurdo seja sentida também por si.
(Nota: O hospital confirmará que esta mulher revoltada que começou por querer ser vegetariana, depois um vegetal e por fim uma árvore, não sofre de qualquer doença mental.)

Este romance, feito de histórias bem imaginadas que se encaixam umas nas outras como peças de um puzzle, não é fácil de entender, não!
É tão estranho, tão estranho, que, não sei como, se entranha em nós e a vegetariana Yeong -hye não nos sai da cabeça.
Porquê? Bem... é segredo.

(Ufa! Este foi difícil de digerir! Mas não deixei de comer carne...)

A vegetariana, de Han Kang - Man Booker International Prize 2016
Tradução de Maria do Carmo Figueira
Ed. D. Quixote, 2016
190 págs.