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sábado, 24 de setembro de 2016

Closer (Mike Nichols, 2004)

Closer congregou um texto engenhoso, um elenco adequado e um timoneiro experiente, três atributos primordiais para o sucesso de um filme numa perspetiva clássica, herdada do teatro. O realizador Mike Nichols levava já anos de análise dos meandros das relações humanas, tendo inaugurado a carreira em 1966 com a herculeana tarefa de dirigir Elizabeth Taylor e Richard Burton, o casal mais volátil da história de Hollywood, na transposição da peça Who’s Afraid Of Virginia Woolf?, sobre um matrimónio entorpecido pelo consumo constante de álcool. Clive Owen, como um dermatologista manipulativo, Julia Roberts, como uma fotógrafa deprimida, Jude Law, como um escritor cobarde, e Natalie Portman, como uma stripper à deriva, constroem os papéis com um discernimento profundo do seu alcance. E o argumento fez esses estereótipos colidir de forma a expor as suas vulnerabilidades, que estão cobertas por diálogos cheios de falsidade e arrogância.

A genialidade de Closer reside na sua momentaneidade. Ao focar-se apenas nos pontos de viragem nas uniões e desuniões, encontros e desencontros dessas quatro pessoas, abrem-se valas de interrogações nos períodos intermédios. Vemo-los a confrontarem-se, revelarem-se, agredirem-se e abandonarem-se uns aos outros vezes sem conta, mas e os anos pelo meio durante os quais enganaram os parceiros dia após dia? Quando estavam juntos, faziam os seus programinhas ou iam para a cama, quantas mentiras contaram? Quando não estavam juntos, quantas vezes foram infiéis premeditadamente e depois voltaram para casa e perpetuaram a sua falta de honestidade? Essa intimidade amorfa é considerada pornográfica, não a vemos, ficamos apenas com as roturas, cujas conclusões revelam sempre o valor real das relações, mesmo quando as palavras não condizem com os acontecimentos. Por causa desses vazios, cada cena ganha uma força própria. Menos é mais.

Os filtros na linguagem vão desaparecendo. Os insultos e as avaliações de caráter tornam-se brutais, frequentes e reveladores. À medida que a convivência se vai prolongando, mais fácil fica adivinhar o que fere o outro lado numa discussão. Apenas quando Dan (Law) conhece Alice (Portman) há vestígios de inocência e de desprendimento, e até aí diria que são unilaterais, pois no fim percebemos que a jovem americana perpetuou a maior farsa da história, ao assumir outra identidade durante a sua passagem pelo Reino Unido. Cada espetador terá a sua interpretação sobre quem é a maior vítima das circunstâncias; eu acredito que seja Dan, porque se deixa levar por ingenuidades quando tem de tomar decisões e perde ambas as mulheres, uma para outro homem, a outra… nunca chegou a tê-la. Quanto ao elo mais nocivo, nem me aventuro a argumentar. É irónico que um filme sobre disfuncionalidades consiga ser tão esclarecedor. “Have you ever seen a human heart? It looks like a fist wrapped in blood.”

9/10

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Saw (James Wan, 2004)

Depois de uma década demarcada por um aumento da explicitação da violência no ecrã e pela especialização no género de vários realizadores americanos e europeus, os thrillers aparecem nos anos 90 com nova bagagem. Filmes como The Silence Of The Lambs ou Seven tomam o cinema de assalto, caracterizados por grande carga psicológica e sentido estético, impondo-se como arquétipos nos tempos vindouros. Ainda hoje vemos uma constante sucessão de cópias dos trabalhos de Jonathan Demme ou David Fincher, que, com maior ou menor sucesso artístico, maior ou menor sucesso financeiro, continuam, no mínimo, a ser consideradas modernas.

Saw insere-se neste panorama a uma infinidade de níveis. Jigsaw, um serial killer com muito tempo nas suas mãos, constrói puzzles macabros que deixam a polícia perplexa e se destinam a ensinar as suas vítimas a apreciar a vida. O filme escolhe não explorar a personagem do assassino e focar-se nos outros 2 tipos de intervenientes, começando com um fotógrafo e um médico a acordar presos com correntes pelo tornozelo numa casa de banho decadente sem saber como lá chegaram ou o que estão lá a fazer. Através duma enormidade de flashbacks, a história vai-se adensando e vão aparecendo respostas pertinentes, ainda que nem sempre lógicas.

Há, aliás, muito pouco que faça sentido no argumento deste filme, o que fere constantemente a sua credibilidade, desde os frágeis motivos que explicam o ethos de Jigsaw, passando pela conduta dos seus mais recentes prisioneiros, Adam e Lawrence, até pormenores irrealistas como um civil ser autorizado a assistir a um interrogatório policial, quase como se o horror e a criatividade dos actos de tortura operados nas cenas mais intensas pudessem por si só ser suficientes para o salvar, saciado que estará o eventual desejo sórdido de sangue do espectador. A violência não aparece num contexto, o contexto é criado artificialmente para tentar justificar a violência.

Não se pode negar que há mão firme na realização, ainda que James Wan não consiga oferecer um cunho verdadeiramente pessoal ao visual visceral e de um realismo austero de Seven. Copia o processo bleach bypass de revelação da película, ou seja, dispensando parcial ou totalmente o banho branqueador para aumentar a saturação da imagem, e vai longe demais com a montagem ultra-vitaminada, mas consegue criar um ambiente claustrofóbico eficaz. Já os actores, deixam muito a desejar, com reacções exageradas mas sem força por todo o lado. Tobin Bell tem muito pouco que fazer no papel de Jigsaw e a justificação para isso é talvez a menor de todas as razões pelas quais o final é frustrante.

O papel central acaba por ser mesmo das armadilhas, afinal é apenas disso que toda a gente fica a falar, de como este ou aquele se lixa e com o quê. O filme exige constantemente uma reacção e é difícil não nos rendermos, nem que seja já quase a acabar, quando Lawrence atinge uma catarse e toma medidas extremas para escapar ao cativeiro e à morte, porque consegue ser muito intenso, ainda que nem sempre de forma equilibrada, mas a sua terrível construção destrói-o e torna a violência apenas exploratória, parece um guarda-redes a tentar fintar sem sucesso um ponta-de-lança e a sofrer um golo como consequência. Pelos vistos, há quem aplauda isso.

3/10

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Nightsongs (Romuald Karmakar, 2004)

Ele passa o dia no sofá a ler e a escrever. Ela passa o dia a andar dum lado para o outro a queixar-se. Eles são casados, têm um bebé e absolutamente mais nada que os una. Baseado numa peça do norueguês Jon Fosse, Nightsongs desenrola-se quase na sua totalidade no apartamento dos jovens. Poucas personagens deslizam pelo ecrã, grandes diálogos e monólogos adejam das colunas - fica a sensação de estar a ver teatro filmado, onde cada passo dum actor foi planeado ao milímetro e cada palavra foi escolhida com excessiva diligência.

Os pais dele prestam uma visita, mas ficam pouco tempo. Parecem rígidos e inadequados. Ele não trabalha e os seus escritos não são publicados. Ela faz tudo e lamenta não ter a vida social de antigamente. Não há mais amor entre este casal, apenas hábito ou até vício, o que o leva a depender da mulher para tudo e a leva a sentir-se forçada a agarrá-lo. Quando ela decide quebrar o marasmo e sair à noite, apenas podem surgir conflitos. O que resta saber é se deles sairão soluções.

Frio e moroso, Nightsongs é servido por realização e iluminação eficazes a transmitir a ideia do vazio total que há nesta casa e nesta relação, numa noite tácita de confronto com a realidade, mas Karmakar não consegue ultrapassar a previsibilidade do argumento, as personagens desinteressantes e o ritmo entediante. Ninguém levanta a voz, ninguém se zanga, apenas sofrem educadamente, mal se ferem com o que dizem. É exasperante. Dar a uma peça espessura suficiente para ser um bom filme é um esforço bem-intencionado mas tantas vezes mal direccionado - aqui está, infelizmente, mais uma prova...

4/10

IMDb