Obra algo polémica e injustamente ignorada na carreira de Hitchcock, Marnie é um excelente complemento a um dos seus filmes maiores, o inesquécivel Vertigo. Repescando a sua heróina loura de The Birds (Tippi Hedren) e tendo Sean Connery como substituto de James Stweart, Hitchcock assina mais um retrato sobre os seus temas recorrentes: a obsessão sexual, a culpa, o amor, identidades falsas, mentiras, traumas e fixações maternais. Esta história de uma atraente ladra, que é aprisionada por uma das suas “vítimas” num jogo de psicanálise e obsessão, é uma reveladora incursão ao lado mais pessoal do mestre do suspense. Marnie é complexo, pois funciona como thriller, história de amor e drama psico-analítico. E é essa amálgama de géneros contraditórios, que lhe dão um sabor estranho e invulgar. Hitchcock parece mais interessado na dinâmica da relação quase sado-masoquista do seu casal de protagonistas e menos no mistério que serve de motor à história. Os resultados dessa abordagem, apesar de desequilibrados, são bastante satisfatórios, pois a fita funciona em diversos níveis permitindo diversas leituras. Connery nunca foi tão ambíguo quanto aqui. E Hedren brilha num papel torturado e difícil apenas ao alcance de uma grande actriz. Marnie possuí ainda uma das mais belas bandas sonoras do mestre Bernard Herrman e este filme assinalou a sua ultima colaboração com o mestre do suspense. Uma obra a ver por todos os aficionados do grande Hitch.
terça-feira, março 16, 2010
Marnie (1964)
sábado, agosto 16, 2008
The Man Who Shot Liberty Valance (1962)
“When the legend becomes fact, print the legend”. Esta frase célebre e milhentas vezes citada, vem quase sempre à baila, cada vez que se fala do cinema de John Ford. E foi em The Man Who Shot Liberty Valance, que pela primeira vez a ouvimos. Mais que uma citação, esta frase é uma súmula da atitude do grande cineasta. Ford, sempre preferiu a visão lírica e romântica do velho Oeste. Neste filme, além dessas característas, surge também um amargo desencanto, pela passagem do tempo que tudo muda. De certa forma, pode-se comprovar que esta obra maior, foi uma das influencias, para o sublime Unforgiven. Também aqui a imprensa tem um papel fulcral, na criação de mitos e lendas que pouca correspondência terão com a realidade dos factos.
Então quem será o Homem Que Matou Liberty Valance? Terá sido o civilizado advogado Ransom Stodard (sublime James Stewart), que apesar da sua inabalável crença na Ordem e na Lei, é forçado a assumir uma posição de violência que o força a um duelo final? Ou o outro homem, um ícone do Oeste por excelência, Tom Doniphon (John Wayne num dos seus papeis mais complexos e doridos), homem de princípios igualmente fortes, que acredita na resolução de problemas através da lei das armas. A resposta é dada num flashback, dentro de um flashback (Ford era apesar do classicismo um cineasta ousado). Ao nos ser revelada a verdade, toda a ultima meia-hora ganha uma ressonância trágica e emocional, como poucas vezes se viu.
E apesar de James Stewart, Edmond O’ Brien ( hilariante como o jornalista alcoólico), Vera Milles, ou Lee Marvin (num papel diabólico e cruel), este filme pertence ao Duke. O seu Tom Doniphon, é o Oeste. E tal como ele perdeu a mulher amada, para Stweart, também o Oeste desaparece numa das sequencias mais doridas e explosivas do cinema de Ford. A sequencia em que Wayne incendeia a sua casa, símbolo de um amor impossível, numa clara manifestação de o final de uma era, é simplesmente vibrante e tocante. O homem Que matou Liberty Valence, ao fazê-lo, matou também o velho Oeste e torna-se anacrónico. Sem lugar num mundo civilizado. Após isso, apenas há lugar para a amargura, tristeza e morte. Não é à toa que o filme começa e acaba com um velório. O velório de Tom Doniphon / John Wayne. Ou será o velório do Western/John Ford?
Uma obra brilhante.