Despir Borat e vestir Brüno
por João Antunes, in Jornal de Notícias
O actor britânico Sacha Baron Cohen conseguiu despir a figura de Borat, a que parecia ligado para sempre e em "Brüno" torna-se um jornalista gay austríaco. O filme estreia depois de amanhã em salas de todo o país.
Como o tempo passa. Já foi há três anos que um filme, com o estranho título de "Borat: Cultural Learnings of America for Make Benefit Glorious Nation of Kazakhstan" se tornou um dos grandes sucessos da temporada, permanecendo seguramente como objecto de culto para as próximas gerações.
Como todos se recordam, o filme centrava-se na personagem de Borat Sagdiyev, um repórter daquele novo país asiático, que era enviado para os Estados Unidos, com o intuito de fazer um trabalho sobre o maior país do Mundo, mostrando-se, no entanto, mais interessado em localizar Pamela Anderson, para a pedir em casamento.
O tipo de humor do filme, "politicamente incorrecto" até à medula, desbragado, inconveniente, baixo - no bom e no mau sentido -, fazendo exactamente aquilo que se esperava que nunca viesse a fazer, era uma pedrada no charco, num género normalmente mais comedido, e que de certa maneira perdera a capacidade de provocar, de abalar consciências, que deveria ser sempre um dos grandes objectivos do humor, no cinema e fora dele.
Perante tamanho sucesso, perguntar-se-ia para onde poderia caminhar o homem por detrás do sucesso do filme, Sacha Baron Cohen. Pois a resposta aí está, para já num cinema perto de si, a partir desta quinta-feira, um dia antes da estreia nos Estados Unidos. A seguir a Borat, temos Bruno, depois de um repórter do Cazaquistão, temos um gay austríaco ligado ao mundo da moda. O humor e o estilo são reconhecíveis: é o mesmo Sacha que nos delicia, nos escandaliza, que nos faz pensar que não é verdade aquilo a que estamos a assistir!
Bruno é o apresentador de um programa televisivo austríaco sobre moda, intitulado "Funkyzeit". Um problema com um dos seus episódios leva-o a ser despedido, fazendo com que parta para os Estados Unidos, perseguindo o sonho de se tornar "a maior super-estrela austríaca depois de Hitler".
Passar por cima de Arnold Schwarzenegger, "conterrâneo" de Bruno e hoje governador da Califórnia, é a primeira provocação do filme, explicada seguramente pelo facto do antigo Terminator se bater arduamente contra o casamento de homossexuais. Naturalmente, que o facto de Bruno ser homossexual não é inocente, no contexto "dramático" do filme, não sendo seguro que a comunidade gay, seja em que país for, possa vir a gostar da forma como é aqui representada. Mas a provocação - no bom sentido - quando chega, é para todos!
No resto, "Bruno" tenta repetir o dispositivo narrativo de "Borat", embora a surpresa, para nós espectadores e para quem ele encontra no filme, não possa ser a mesma, depois dos episódios que aconteceram com a personagem anterior. Mas se dissermos que entre as principais "personagens" do filme se encontram vários acessórios sexuais, já estaremos a revelar muito…
Sacha Baron Cohen não é americano. É inglês, o que explica muita coisa. Foi lançado com a personagem de Ali G, protagonista de uma série de Televisão onde entrevistava várias pessoas ligadas ao combate ao crime, apesar de se mostrar mais favorável aos ladrões e criminosos, e que teria também direito a uma versão cinematográfica. Apesar da especificidade do seu humor, a tradição britânica está naturalmente presente. E fica justificada a sua estranheza no território americano. Estranho, no sentido de estrangeiro. Mas, mais uma vez com Sacha Baron Cohen, o humor não tem fronteiras.
Eu devo ainda acrescentar a este notável artigo de João Antunes que não considero o filme como muitos provavelmente o verão linearmente, como uma anedota ao mundo gay, mas sim precisamente uma enorme sátira à homofobia que subsiste ainda nos países do dito primeiro Mundo, como os EUA. Pessoalmente, foi a primeira vez que me sentei numa sala de cinema e ri-me do primeiro ao último minuto. Se cada minuto tem sessenta segundos, em todos eles houve surpresa, choque e o reconhecer de um génio, não apenas criativo e polémico, mas também um brilhante actor. Isto sim, é sétima arte.