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2020/07/23

Desejo de um esteta


não haveria nada de novo,
esperava-se talvez que o passado
respondesse com o som,
mas nada acontecia,
a firmeza era a suficiente de um
argumento,
e eles esperavam acomodados,
com medo de nada e de tudo
ao mesmo tempo,...

para que o registo da fatalidade fosse
efetivo,
as inocências de afeto teriam
de ser resolvidas,
as desprezíveis inconsequências
de uma ideologia fratricida,
eliminadas,...

talvez aí pudesse surgir
o belo,
o desejo de um esteta,
a pintura insuficiente
da minha alma,...

antes disso só a previsão,
e a demora

2018/09/09

Perdido na tradução

eu não quero ir,
estar aqui contigo faz-me sentir com olhos que não rasgam carne,
e que talvez o desejo,
não se escreva com indiferença,
mas sim com luzes de cidade grande a sarar a pele de feridas infetadas,...

fica comigo mais um pouco,
se lá fora o vento não se desculpa pela arrogância,
aqui não precisamos de falar,
gosto de ti pelas inconstâncias do silêncio,
com a necessidade irrefletida de desenhar na tua pele que não sou perfeito,
mostrando que a minha carne pesa mais que a insignificância dos meus ossos,...

eu não quero ir,
com um último abraço de manhã,
devo conseguir gravar-te no meu respirar



2018/05/28

Armagedão

espero acocorado,
a olhar o tempo a desnovelar-se em anéis de fogo,
o sol engole o continuo espaço-existência com a certeza de que,
tudo não voltará ao ser,
ao poderá existir,
ao que já foi,...

resto-me na máquina perfeita da continuação,
sentindo a carne a descolar dos ossos,
e no momento em que um clarão de todas as cores me envolve,
a certeza de que voltará tudo ao correr de água da felicidade

2018/04/07

Um dia gostava de saber escrever assim

ruy belo / morte ao meio-dia


No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul

que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol

No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente

E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz do dia
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer

2018/02/27

Um dia gostava de saber escrever assim

Tu és ainda o maior dos mares...

À tua palavra me acolho lá onde
o dia começa e o corpo nos renasce
Regresso recém-nascido ao teu regaço
minha mais funda infância meu paul
Voltam de novo as folhas para as árvores
e nunca as lágrimas deixaram os olhos
Nem houve céus forrados sobre as horas
nem míseras ideias de cotim
despovoaram alegres tardes de pássaros
O sol continua a ser o único
acontecimento importante da rua
Eu passo mas não peço às árvores
coração para além dos frutos
Tu és ainda o maior dos mares
e embrulho-me na voz com que desdobras
o inumerável número dos dias

Ruy Belo