Dei ontem, num espantoso Alfarrabista de Lisboa, com uma raridade digna de nota: uma brochura com um discurso de Alfredo Pimenta, a três anos da data da morte, numa ocasião em que, mesmo que o Autor protestasse o contrário, o tom celebrativo da sua acção pública ia ao ponto de creditar a edição das palavras na ocasião proferidas "aos que as ouviram e aplaudiram". Mas nem foi a satisfação de ver outrem ceder infantilmente à vaidade, nem o facto de ser das obras apimentadas com que menos se topa que me impressionou mais. Foi, sim, a invulgaridade e ver um feitio pouco maleável como o do sábio polemista de Guimarães dizer bem de um opositor, Lopes de Oliveira, na circunstância. E de me chamar a atenção para o paralelo com algum desencanto em que me arrasto à beira da letargia e que urge contrariar:
Será porque as coisas não correram como eu sonhara e queria, tão depressa como eu queria e sonhara, e no sentido do interesse superior da nossa terra?
O enquadramento geral irmana-me ao grande Lutador, que, contrariando as imprecisões ou fantasias de Latinidade, Hispanidade e Lusitaneidade, faz radicar no que afinal é o nome que carregamos a única via que me aparece como consentânea com a naturalidade e certeza de rumo nacionais:
- monárquico, mas da Monarquia que fez a Nação, e não da que começou a desfazê-la; da Monarquia em que o Rei é a síntese viva do Povo; da Monarquia que ama o Povo, que se confunde com o Povo, que é o próprio Povo mas o Povo verdadeiro, e não o Povo dos Partidos, o Povo pulverizado em indivíduos que são números; a Monarquia que é o próprio Povo, o Povo trabalhador, - camponês, soldado, marinheiro, artífice, doutor, padre, letrado, sábio, artista, funcionário, e não o Povo vadio e tunante das conjuras, das alfurjas, dos apetites das facções, dos grupos e dos clubes políticos, dos demagogos e arruaceiros.
Devo dizer que sempre foi para mim surpresa incessante o facto de o nosso Autor se ter dado, de princípio a fim, por entre ventos e marés, às mil maravilhas com Salazar, quando outros, com mais pormenorizada sintonia doutrinária e egos aparentemente menos omnipresentes, dele divergiram e com o regime se zangaram. Agora que a moda torna a levar na crista da onda o Timoneiro do bem-amado País de antes do retorno ao Rectângulo e Ilhas Adjacentes, oiçamos, embevecidos, a apreciação de AP:
Entre os títeres que representam o bloco ocidental e o Neo-Czar de todas as Rússias - um Homem, com H grande, que não é americano, nem russo, nem inglês, nem escandinavo, nem francês, nem abexim; um Homem que não dispõe de exércitos nem de esquadras, de bombas atómicas ou de votos; um homem que não anda turisticamente pelas salas das conferências, nem é chamado aos conclaves dos medíocres, porque os confundiria a todos. Esse homem é português e dispõe tão só da sua Inteligência culta, da dialéctica honesta das suas razões sinceras, da profundeza e da substância das suas doutrinas sãs - e chama-se Salazar.A partir daqui é que a porca torce o rabo, quando o conferencista se lamenta de o "ar do país" não ser o mesmo de antes da Guerra, sem anti-comunismo de massas que se visse, com cedências na permissão de listas desafectas à Situação, bem como a evaporação do estilo marcial da Mocidade e Legião Portuguesas e das campanhas doutrinárias do Rádio Clube; tal como de a situação internacional dos primórdios da
Guerra Fria pretensamente lhe dar razão nos desejos repetidamente formulados da vitória do Eixo, aqui suavizados no enunciado pela necessidade de conter o Comunismo. É extraordinário e descoroçoante como o Vimaranense Investigador não vê que esses desgostos que proclama estavam em directa contradição com o trabalho político do Estadista que tanto estimava. Os desfiles uniformizados de fachada e os votos (não menos uniformizados e não menos de fachada, salvo do que de "facho" se possa querer extrair) eram amendoins atirados pelo Gigante de Santa Comba aos temperamentos excitados de Nacionalistas Revolucionários, num caso, e de Democratas, no outro, afinal ambos ofertantes à demoníaca entidade que era a Revolução, tão instintiva e racionalmente execrada pelo Presidente do Conselho. Como me parece uma completa capitulação analítica tentar ver a Cruz defendida por cruzes gamadas, onde o sentido "roubadas" muito bem calha, as quais pretendiam precisamente subverter o magistério de Roma pela atomização neo-pagã de grupos geográfica e historicamente distantes de nós. Como me surge inacreditável a renitência em não valorizar a opção salazarista do bloco com que colaborar, dentro da neutralidade que constituiria o único posicionamento capaz de servir a Portugalidade de que o Teorizador se asume.
Luzes e sombras de uma mente brilhante numa capacidade de relacionamento bem mais sombria...