Quinta-feira passada comprei um prestígio no terminal e, assim que abri a embalagem, lembrei de quando estava na terceira série. Naquela época, cadernos de perguntas ainda estavam na moda. Uma pergunta era escrita em cada folha e o caderno passava de mão em mão. As redes sociais não existiam, então era uma boa forma de stalkearmos uns aos outros. Flertes e grandes amizades surgiam da brincadeira. E mesmo quando isso não acontecia, continuava sendo divertido para driblar a aula mais chata do dia.
Enquanto esperava o ônibus, um dos questionamentos voltou à minha mente. “Qual chocolate você mais odeia?”. Lembro que foi um choque me deparar com as respostas. Eu não conseguia entender o porquê. Até questionei algumas das minhas amigas e elas disseram apenas que era ruim, e pronto. Para minha completa incompreensão, a maioria havia respondido prestígio. Alguns até colocaram um “eca!” para enfatizar a repulsa pelo meu chocolate favorito. Pois é. Um daqueles momentos em que percebemos que até mesmo as coisas mais intocadas para nós não são apreciadas por todo mundo. As pessoas têm gostos diferentes, as pessoas são diferentes, as pessoas discordam. E isso não se trata somente de chocolate.
Falo principalmente da arte. Livros, filmes, séries, música, peças de teatro (…) Como é difícil entender quem odiou algo que você ama, ou se apaixonou loucamente por alguma coisa que você detesta. Às vezes achamos que tem algo de errado com a gente. Não analisamos direito, não destacamos os prós e contras, amamos com tanto vigor que não enxergamos os defeitos, ou odiamos com tanta paixão que as qualidades ficaram em segundo plano. Mas pode ser bem mais fácil julgar o outro lado do que olhar para o próprio umbigo, ou simplesmente aceitar que somos todos diferentes.
Quem não gostou deve ter deixado a sensibilidade em casa. Não entendeu. Não tem maturidade para compreender. Não estudou o bastante. Deve gostar mesmo é de (insira uma obra do mesmo gênero, de preferência popular, e odiada por público, ou crítica). Sem contar os comentários condescendentes sobre a personalidade (você é muito doce para gostar de um livro tão pungente) ou os xingamentos baixos. Ainda mais complicado é ser minoria (as minorias sofrem até nesse departamento, vejam vocês). Não gostar de um livro que meio universo idolatra e fala sem parar no seu ouvido. Amar um filme sem ressalvas e todos arregalarem os olhos de pura incredulidade quando você ousa dizer isso em voz alta.
A arte é subjetiva. Tem muito a ver com quem somos, com a forma que vemos o mundo. Não há problema em sentir amor, ódio ou indiferença por qualquer produto cultural. Essas sensações são essenciais na construção de cada um, colaboram para o autoconhecimento e geram ótimas discussões. Não adianta quebrar a cabeça em mil teorias para explicar o que sentimos nem tentar alcançar o porquê da sua amiga ter se apaixonado por uma série que você abomina. Não adianta querer pensar como os outros ou tentar fazer com que eles se pareçam mais com você.
Porém, gostando ou desgostando, o mais importante de tudo isso é saber que nada nos dá o direito de rotular e diminuir as pessoas. Nada nos dá o direito de dizer que fulano é “isso” ou “aquilo” por ter amado ou odiado determinada obra. É ridículo escrever que o filme de “A Culpa é das Estrelas” foi feito para “virgenzinhas sem senso crítico”, como eu li por aí. Não gosto do livro, como vocês bem sabem, mas nunca vou apoiar qualquer ofensa ao fãs. É inadmissível vestir a máscara de pseudocult, ostentando olhar blasé e sorriso pedante, para falar que só gente superficial curtiu “O Espetacular Homem-Aranha 2”.
Não sejamos haters nem talifãs. A intolerância é capaz de destruir tudo o que existe de bonito nesse mundo. Na verdade, já destruiu muitas coisas. E cabe a nós não contribuirmos para que isso aconteça com a arte. A diversidade torna a vida mais colorida. Abre um mundo de possibilidades. Prova que somos complexos, únicos, insubstituíveis.
E faz com que sobrem mais prestígios na caixa. Ainda bem.
Love, Tary