Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

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sábado, agosto 06, 2011

GOG & MAGOG


“Si vis me fiere, dolendum est primus
ipsi tibi”
"Se queres que eu chore, é preciso primeiro
que sofras"
HORÁCIO

A José Guilherme Merquior



1
Vou passar a fronteira
entre oeste e leste mas o monstro
(de vidro)
invisível, impede o irmão
de ir abraçar o irmão sob o arco-
íris.


2
Magog pergunta a Gog:
por que, no teu laboratório
feérico
hemisférico
não paras de fabricar abismos?
Gog responde: se quiseres
que eu pare, pára tu primeiro.
Então serei teu companheiro.
Mas por mais que Magog interrogue
a Gog e Gog interrogue a Magog
algo os impede
de mútua confiança, de esperança.
É que o monstro de vidro
lhes suprime a opção entre antes
e depois, e se coloca,
irremovível, entre os dois.


3
Reúnem-se os dois numa mesa
de jogo.
A coexistência é azul
como um buquê de hortênsia,
sobre a mesa.
Mas o monstro de vidro, o Ninguém,
o Não-Objeto,
com a sua cauda invidrosível,
se interpõe
entre ambos, secreto.
E porque os naipes são de fogo,
a cartada se faz sem objeto.
E ambos vão dormir, de novo,
com um suicídio obrigatório
no corpo.


4
Onde está o monstro, que é de vidro
e, portanto, invisível, presente
mas simultaneamente ausente?
Na floresta que é, também,
de vidro.
Na cidade dos mútuos espelhos.
O seu nome: Ninguém.
Como o crismou o rei da Ítaca,
(ao seu tempo).
Mas, hoje: “Não-Objeto”.
É de vidro, mas não objeto.
Não objeto que por + concreto
+ secreto = não objeto.



5
Que adianta o meu objetivo,
a minha
objetiva de repórter,
se o meu objetivo é um não-objeto?
Se o que projeto, o mais concreto,
fica um objetivo sem objeto?
O Não-Objeto,
invisível, separa o irmão do irmão.
E muda a significação
das palavras
e dos gestos, através do vidro.
E amplia a configuração
das coisas
em seu vidro de aumento.
Para que Gog irrogue a culpa
a Magog e Magog a irrogue a Gog
em áspero atrito
de sílabas entre os dois
por um não querer fazer antes
o que o outro não quer fazer
depois.
Não-Objeto já agora abjeto
nele mora a não-arte, o não-evento,
o não-tigre, porém mais feroz
que um tigre espetáculo de ouro
para a minha (m)lira.
A idéia de o matar resultará
num projeto por falta de objeto.
Numa não-tigre que resultará salvo,
por falta de alvo.


6
O herói homérico matou
a hidra de sete cabeças num
relâmpago.
Belerofonte matou a Quimera
que lhe escapava à dimensão
do olho.
Teseu caçou o Minotauro ao dédalo
(touro áureo).
Quixote desbaratou os seus moinhos
de vento.
Jim Hull, montado no seu Boiazul,
saiu à caça do Acontecimento
que nunca está onde a polícia
o situa e institui (anacoluto).
Titov, em seu Vostok,
dá 17 voltas na órbita
da Terra,
vencendo o “poético” absoluto.
Como irei eu – olho de vidro –
caçar o monstro, que é – também –
de vidro
na floresta – também – de vidro?



7
Minhas 7 razões pra não chorar
(antiSamaritanas)
cercam-me na paisagem torta.
Exigem que eu lhes mostre
a minha pálpebra, o nervo ótico.
Os 7 cegos.
Da Babilônia me interrogam
sob a ogiva de um céu gótico.
Já perdido na selva de vidro
em busca do monstro de vidro
ved'io scritto al sommo d'una porta,
mas em “silk-screen”
queste parolé de colore oscuro:
“A MORTE É HOJE DIFERENTE
DA QUE COMETEU CAIM. O FRATICIDA
JÁ NÃO MATA, APENAS, SEU IRMÃO.
AQUELE QUE MATAR PRIMEIRO MATA-SE
A SI PRÓPRIO, AUTOMATICAMENTE”.


8
E lembro-me de que Magog
não queria parar a sua fábrica
(de abismos)
sem que primeiro Gog
parasse a sua.
Agora, a dialética é a mesma.
Como escolher, entre Magog e Gog
quem jogue a primeira pedra
se, AUTOMATICAMENTE, o homicida
é um suicida?
Se Gog já é o fim de Magog, até
na última sílaba?
Se o começo já será o fim?
Se por mais que Magog dialogue
com Gog ou que Gog dialogue com
Magog,
quem o Abel? Quem o Caim?
Na manhã desestreladalva
só a certeza de que nenhum
dos dois
se salvará é que nos salva.


9
Só assim, na entre-es (p) fera,
e porque Gog não quer que Magog
vá primeiro à Lua
nem Magog quer que Gog o faça
antes dele,
os dois farão a viagem, juntos.
E antes que Gog afogue o mundo
em fogo ou que Magog em fogo
o mundo afogue, a Lua
os pacificará, com
a sua alvura, o seu pudor
de flor, o seu dom
poético-magnético
(mediadora única e mediúnica)
E o monstro de vidro, o Não-
Objeto,
morrerá por falta
de objeto.
E para gáudio das crianças:
a u t o m a t i c a m e n t e.




Nota do blogueiro:
poema-libelo-civilizatório de Cassiano Ricardo
Leiam também: Ensaio para o Apocalipse, no blog Luz de Luma.

The Legend Of The Glass Mountain - Mantovani | Piano: Nino Rota



terça-feira, março 22, 2011

EU-caOlhO (um divertimento em linossignos)


Seu Malaquias - carnaval - Recife-PE

"Porque hoje o mundo automático
É bem mais para as crianças
do que pra nós que conhecemos
o seu mecanismo, o que há, nele,
de lunatismo e abismo."
(Cassiano Ricardo)

N. do A.
Portanto,
permitam-me
mais um brincante rsrsrs







I


POr
que razãO
nãO me enfiei,
vestes a dentrO,
nUm daqUeles calUngas-mãos-molengas,
em solitária e ridícula euforia
pelAS
ruelAS
estreitAS
da Cidade AnTiga,
se caRnaval sem Ridículo é coR-vadia?




Caboclo de lança Nazaré da Mata PE
foto Rafael Alex Flickr.com
                                         II

Devia ter trincado
um cravo entre dentes,
e balançado
os badalos de cauda,
como badalam
os caboclos de lança;
Devia ter vivido
esse ridículo sem medo,
um ridículo tão risível
quanto os outros,
mas, um ridículo regado a música,
um ridículo gostoso,
em que se dança,
como fazem, nas laursas, as crianças...
De que me adianta
essa séria carranca
demasiado humana
discreta e anônima,
que conduzo entre
pudores e vergonhas

Devia ter usado a carantonha
dos bufões,
dos bobos,
dos palhaços,
e atravessar a cidade sem recalques,
como vi fazer aquele bêbado,
amparado pela embriaguez,
 que cantava: "ó, não me levem
à minha lucidez;
é que só posso ser eu mesmo, dessa vez"



LAMBE-LAMBE

III


Que fiz de mim no entrudo?

Saí nO blOcO
dO
eu-sÓzinhO,
COm uma câmara fOtOgráfica
cOlada aO OlhO,
e assim, caOlhO,
esse mesmO eu-liridículO
e tOlO,
em que me escOndO O anO tOdO,

A espreitAr A festA AlheiA,
A AlegriA AlheiA,
e A estAr nA vidA, À-toA,
sem meter-me nelA...
Sem ViVê-lA...



Eurico,
ainda, um divertimento, rsrsrs


Fonte do LAMBE LAMBE
http://cloacanews.blogspot.com/2009_03_22_archive.html


Fonte do CABOCLO DE LANÇA:
Rafael Alex Sobrinho
http://www.flickr.com/photos/rafaelalex/5516448962/in/photostream/

sábado, março 19, 2011

UAUÁ (linossignos oscilantes)

Pirilampos (in Firefly Flashing)



























Chegaríamos na noite,

noite profunda,
noite ignara e hermética,
depois duma escuridão de léguas...


O sereno, no entanto,
molhava as c'roas e as palmas
e nos breus, de instante a instante
flutuavam
dois fonemas oscilantes


Uauá


lume aceso que se apaga,
que outra vez lucila e apaga,
lume que vaga, e não vaga
pelas barrancas do arroio


Uauá
(borbulhar luminescente...)


E eu que tinha algo a dizer,
Calei-me.
Na noite densa,
gelada, feito a orla do deserto,
deu-me um calafrio de tragédia.
Naquela chã, ainda ecoa o genocídio
:

As estrelas eram os olhinhos
das menininhas tapuias que as gentes viam na noite.
Apagaram-se as estrelas.
As indiazinhas, também.
Restaram os vagalumes, soluços de luz,
Uauás (so)lucilantes.


Rio-abaixo,
mais adiante
era Canudos, Bello Monte,
à jusante
do velho Vaza-barris...
Era Canudos, num é mais.
Nosso Senhor assim quis...


Lá, meus irmãos, no entanto,
já não brilham pirilampos, como brilham por aqui
:
Furaram os olhos dos santos
e inundaram a Matriz...






Eurico
"em viagem, metonímica e sinestésica, pelos sertões"

Fonte da imagem:
Pirilampos

NATUREZA-MORTA COM CAJU (linossignos sobre papel sulfite)


Busco-
me, frágil e
p
ê
n
s
i
l
infrutescência,
a casca mascarada,
o broto ácido,
p
i
n
g
e
n
t
e
e FLÁCIDO;
IN/tensa realidade macerada,
ranço e nódoa,
que se me
e
s
c
o
r
r
e
peloscantosdalma.
Onde estou frondoso?
Em que sítio de mim sou Eu e eterno...?
Maturi-pêndula
in/ventos sazonais,
Oscilo ao Tempo,
invento cajuais.
Des/fruto
aquém,
a
Q
U
E
D
A
além,
o NADA...
ou a sempiterna seiva nacarada?



Eurico
poema datado de 05/02/97


A imagem é a capa do Eu-lírico nº 11/1997
desenho do artista-plástico
Eugenio Paxelly

quarta-feira, março 16, 2011

M'BOIÚNA (sete serpes-linossígnicas)

Medusa
( imagem Google)



Desdobra-se em dobras, redobras,
por vértices e vórtices,
um ser de mil bocas
mil línguas
[in/tensa-cobra-mítica]

Quando,acuada, estertora prosódias,
                                            [sucuri-fônica]

Debate-se em rimas, plurirrimas assimétricas
    [áspide-rítmica]  .................................................

Tenta escapar do cerco
             [serpe-sintática]

                               Enrosca-se sobre si
[jibóia-morfológica]

Estruge, ruge,
                                 [anaconda-simbólica]

                                 Engole a própria cauda
[m'boiúna verbofágica]


E reverbera em verbos
...semióticos guizos...

 [linossignos ]

        guizos...
                                             [linossignos]
                                                                                    guizos...
                                                                          [..................]
                                                       
                                                                 guizos...           
                                                                                                  
                                                                                              [...p o e s i a...]                     






Fonte da imagem:
http://www.tonomundo.org.br/

quarta-feira, novembro 12, 2008

O Relógio (Cassiano Ricardo)


















Diante de coisa tão doída
conservemo-nos serenos.

Cada minuto de vida
nunca é mais, é sempre menos.

Ser é apenas uma face
do não ser, e não do ser.

Desde o instante em que se nasce
já se começa a morrer.

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Nota do Editor:
Ainda sob o influxo da bela Tuba mirum, de Mozart,

fui até 1971, num velho livro de ginasiano,
pra colher essa relíquia e encerrar a série
de textos sobre Tanatos, que, paradoxalmente,

apontam para a Vida ( ou, para Eros) e nos sugerem: carpe diem!

Fonte do txt:
JESUS, RICARDO, ROBERTO, Português Interpretação,
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2º vol., 5ª Ed., 1971, p. 119.


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P.S.:
Em parceria com meu pai, Elias Eurico, musiquei
esse poema do Cassiano Ricardo.

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Fonte da img relógios de Dali:
http://forademoda.wordpress.com/2007/04/23/domenico-de-masi-e-o-novo-luxo/dalijpg

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Ah, os texto tanatológicos estão nas postagens aqui embaixo e são:
Este, O Relógio, do Cassiano Ricardo; Momento num Café , do Manuel Bandeira; Composição, do Carlos Drummond de Andrade, e, mais modestamente, o meu Recife (miragem cianótica) .