Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

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terça-feira, abril 17, 2012

OFICINA






















Assim, o artífice anima ao ourives,
e o que alisa com o martelo,
ao que bate na bigorna,
dizendo da soldadura: Está bem feita.
Então, com pregos fixa o ídolo para que não oscile.
Is. 41:7




O pequenino
o pequenino gesto
O pequenino gesto repetido
o pequenino e mesmo gesto repetido
e repetindo-se
move o anelo
no mesmo elo
elo por elo
move o martelo
faz do martelo flor desse gesto
fruto da gesta
abstraído de uma floresta,
flor desses gestos, abstraídos,
da martelagem
no peso o apenso
penso e pondero
pênsil pingente
pondero e penso
a peça rara
du’a ourivesaria
sob incensos

nas muitas dobras
e mais redobras
e mil batidas como em aldabras
tão repetidas essas palavras
pedras em salvas
ouro das lavras
de um tempo intenso
de tempo imenso
de um temp(l)o antigo
um santuário para o Infinito.

ouvir seus g/ritos
distinguir ritos,
haurir seus gritos
um ourives aos gritos,
hiero-gritos:

- Datemi un martello!
- Che cosa ne vuoi fare?

- Moldar os mitos.

Com hieroglifos
florões e grifos
oraiseescritos
roots e ritos
:
Assim, dá alento
ao lento
ourives,
e ao que modela os elos
os velos de oiro
sob o martelo
cravando os pontos
de filigranas
soldas precisas
e derretidas
sob as batidas
leves batidas
de modelagem numa bigorna...
(wayüHazzëq Häräš ´et-cörëp maHálîq Pa††îš ´et-hôlem Pä`am).

E o que modela com o martelete,
forja a cutelos, cravo e cut-up
“batte le métal en plaques”
fold-in, em dobraduras da joiaria,
pinos e pinças,
brincos e broches
“breitgehämmerte Bleche”
molde e persona,
mote e martelo,
elo por elo ,
dobra-se a alma
na oficina
bate um martelo
bate o martelo
bate martelo...

...e um temp(l)o oscila.


Eurico,
em dobraduras experimentais...rs
Meu Deus! Oscilo?


Fontes dos cut-up e fold-in:

http://www.ouviroevento.pro.br/publicados/Firmamentum.pdf

http://ourivesariahavila.blogspot.com/2007/10/histria-da-ourivesaria.html
http://letras.terra.com.br/rita-pavone/64293/traducao.html
Imagem:

domingo, abril 15, 2012

ARQUITETURA VOLÁTIL




























Gn. 28:12,13



Essas paredes ascendem
por verticais monolíticas;
Saem do chão abruptas
Fundadas na pedra bruta.
Sete carreiras, na rocha
Lapidada em cantaria.

Erguer degraus é poesia?

Alvenaria abstrata,
Frases de argamassa e cal.
Essa peleja não é vã:
Tirar arestas à pedra;
Erigir versos de arrimo
E por a prumo as vertentes
Du'a volátil escadaria.



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Fonte da imagem:

O Sonho de Jacob

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P. S.:
Retomando uma parceria antiga, com o Carlinhos do Amparo, desde os tempos do Eu-lírico impresso, em que ele fazia um breve comentário aos meus poemas , a partir deste Arquitetura Volátil, o leitor poderá, se quiser, clicar em Resenha Poética, para ir ao blogue Sítio d'Olinda. Lá estarão as inusitadas "explicações poéticas" do meu compadre Carlos Pequeno do Espírito Santo, filodóxo e hermenauta das Olindas. Divirtam-se!




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sexta-feira, julho 22, 2011

SÉRIE: OS SENTIDOS (O SENTIDO) Nº 3

DINAMARCA



http://turismo.culturamix.com/blog/wp-content/uploads/2010/06/28.jpg













OS DELFINS DINAMARQUESES (poema nº 3)



Compulsando
a gens portucalense
aqui aportada há cinco séc'los,
gente de armas e brasão:
Os Albuquerque,
Cavalcanti,
Maranhão,
reforço a minha crença
no criacionismo (sem ironia)
e na genealogia
desde Adão...
Não existe assertiva mais exata.
Como crer que gente tão ilustre foi primata?


Não.
Eles descendem dos galegos,
dos batavos, dos ostrogodos,
visigodos, romanos, gregos.
Diz-que foram mesmo (em outras vidas)
oráculos, sibilas, celtas e druídas.
Nunca houve uma estirpe mais sensata.
Como crer que essa boa gente foi primata?


Heróis do panteão,
Santos do hagiológio,
Deuses do Olimpo,
É o que foram.
Diz-nos a história.
Homero,
Cícero,
Camões,
os vates cantam as suas glórias.
e os exaltam.
Não há uma certeza mais exata.
Como crer que essa gente foi primata?


Discordo mesmo da corrente pessimista,
que chega a postulados desse porte:


O homem é um decadente.
Um ser-para-a-morte.



Como afirmar isso, minha gente?
Basta ver em ação seus descendentes:
Os vikings, os mongóis. O huno, Átila.
Seres serenos e gentis...
Por que primatas?


Criatura de Deus é o Homo Sapiens.
Um ser que ama a vida e nunca a morte.


No entanto,
há exceções de toda sorte
que encontrareis no mundo, em toda parte.
Mas, pasmem:
Até na civilizada Dinamarca,
há seres vis,
que não se deve mesmo comparar com o bom primata.


Existe por aí uma fera infra-humana
Um ser desnaturado, besta insana
que descende de Caim, vindo de Adão,
(uma exceção àquela regra tão exata)
que, além de um ser-para-a-morte, é


UM SER-QUE-MATA!!!
















http://naodaparaficarcalado.blogspot.com/2009/09/matanca-de-golfinhos-em-ritual-de.html


















http://petroglifotribal.blogspot.com/2009/10/dinamarca-matanca-anual-dos-golfinhos.html

 Para aliviar os sentidos: Gregorian Chants - Kyrie eleison, de Mozart.

domingo, julho 10, 2011

LIRISMO E LIBERTAÇÃO (reflexão dominical)




















Mas o que é mesmo lirismo?
Lirismo é uma maneira de ver e acercar-se das coisas, da realidade. Lirismo é pois, perspectiva, interpretação, ambas fundadas na emoção. Mas numa emoção vital, consciente da radical importância da vida na Terra. Vida dos homens, dos animais, das plantas. Vida.
Fundado nessa perspectiva, o lirismo  já é, em si, uma atitude política diante do mundo.
Portanto, o lirismo não é apolítico. Pode e quer o lirismo interferir nos rumos da pólis. Esse lirismo sonha atuar na sociedade, propondo um salto civilizatório. Um movimento pela qualidade da vida humana, dentro de uma visão ecossocialista, pacifista e libertária. Mas nossa política não é a dos grandes líderes messiânicos, nem a política partidária, (essa em que os fins justificam os meios), e sim, a política do cotidiano, feita por anônimos, que querem fundar uma sociedade da gentileza e da cortesia, tanto nas pequenas quanto nas grandes cousas.
Mas, como propor uma política da ternura, em um mundo em que parece imperar a indiferença, o desamor? Parece frágil, essa postura. Mas não é. Resiliente, talvez, frágil, jamais. Essa busca do lirismo e da ternura, diante de um mundo que fraqueja ante a lei da força, do poder pelo poder e da violência gratuita, é, sim, a atitude dos fortes, dos que ousam resistir e sonhar.
Quem se ocupa da musicalidade e da harmonia das cores, das palavras e dos sons, se incumbe também de ocupar um espaço (político) para a poesia, para o poético, para a beleza.
Esse lirismo interfere na pólis, ou seja, faz política, ocupando-se do belo, do bom e do bem, com a inocência e a ingenuidade da criança... nietzscheana. E isso não é utopia. É necessidade vital. A preservação da vida na Terra carece de uma tomada de atitude em defesa desse salto civilizatório. Essa atitude é radicalmente lírica e política.
Não existe, pois, um lirismo comedido. Todo lirismo já é, em si, libertação.

Eurico
10/07/2011

FONTE DA IMAGEM:
http://semeadoresdeestrelas.blogspot.com/2011/05/curando-com-o-reino-animal-como-nos.html

segunda-feira, dezembro 27, 2010

MACAÍBA (nordeste: o vôo e o sonho)




















a Miguel Nicolelis...


O sonho nasce da possibilidade do sonho.
No núcleo do sonho está uma poíesis
e a vida-por-fazer.
É indispensável sonhar para estar vivo.

Se não queres ser um cádaver-adiado-que-procria, sonha;
Sonha com novas urdiduras...
mesmo que os nodos estejam sempre mais além.

Quem sonhava antes, plantava o que agora vemos.
E falo de plantas concretas:
Feijão, petróleo, escolas...

Eis um momento propício ao sonho.

Uns sonham com a Pátria do Evangelho.
Outros com a Nova Jerusalém.
Muitos aguardam um Armagedon.

Os brasileiros sonham com o óleo em mar abissal
e em dar asas aos meninos do nordeste.

Inaugura-se um sonho em Macaíba,
vilarejo humilde e sonhador.
Vejo-os voar.
É lícito voar no país dos santos,
de Santos Dumont.
É absolutamente previsível o sonho na pátria de Paulo Freire.

É indispensável sonhar para estar vivo.
Sonhemos como Nicolelis... 




Fonte da Imagem:
Escola Alfredo Monteverde
(idealizada e mantida pelo sonho de Nicolelis)

domingo, dezembro 26, 2010

PASTORIL (dança sem corpos)









































Quando tiverem conseguido um corpo sem órgãos, então o terão libertado dos seus automatismos
e devolvido sua verdadeira liberdade.
Então poderão ensiná-lo a dançar às avessas, como no delírio dos bailes populares e esse avesso será, seu verdadeiro lugar. (Antonin Artaud)





Convoquem-se os doutorandos pra dançar,
enquanto é dia...
Cantem-se os cânticos aurorais.
Dancem-se as danças circulares...
Que falem as crianças, os doidos e os poetas,
num intraduzível canto sem métrica,
à claridade, aqui, ali, à claridade,
enquanto se pode achá-la!


Dias virão em que fugiremos pros montes
com pavor de nossos filhos e filhas.
Eles já não nos ouvem e falam um dialeto de autistas,
um poderoso discurso para iniciados.
Salvem-se os jovens dessa seita academicista,
em que se untam de poder e de verdades.




Quando criança eu falava com as gramíneas,
com as formigas, com os insetos do quintal.
Estávamos entrelaçados, minhas raízes e eu.
Meus pais riam disso.
Doidices de crianças, diziam.


Loucura e poíesis, digo eu.


As crianças dessa nova era
estão tomadas por estranha terminologia,
e já não brincam como dantes.
Antes, fabricam-se modos de ver, de pensar, de existir.
O imaginário foi engarrafado.
Envazadas as enunciações poéticas
e as artes, em um discurso de infalíveis.


Urge que se convoquem os jovens doutorandos pra dançar,
sem corpos e sem órgãos,
Dançar deliricamente...
Em transe, com gritos primais.


Urge que cantem as crianças, os doidos e os poetas,
num intraduzível canto sem métrica,
à claridade,
Aqui, à claridade,
enquanto se pode achá-la!




Imagem:
Pastoril na Várzea - Recife
Dezembro/2009

sábado, dezembro 18, 2010

NATIVIDADE (um orquidófilo)


















1
A mais bela flor de plástico,
por mais artifícios miméticos,
que lhe sustentem a estética,
em sua forma fabril,
não alcançará o belo,
que emergiu da semente,
aquilo que só se sente
na beleza da flor viva.

O bom é ser orquidófilo
dos que se embrenham no mato,
arrostando pedra e espinhos,
descendo em sombrias grutas,
só para olhar in natura
uma flor viva e inculta...


2
Isso que vejo nas lojas é apenas superfície.
Imagens otimizadas com um bom computador.
Esses sorrisos felizes, essas pessoas sem rugas.
Essas orquídeas de plástico...
Quando entraremos de fato
na intimidade das coisas,
naquele sítio fecundo,
de onde emergem as dores,
os humores, os amores?

3
Isso porque necessito
desnudar todo o aparente.
Palpar a palavra crua, a debater-se, com alma,
qual peixe vivo numa rede.

Não que eu descreia dos magos,
Borges, Osman,
Rosa e Saramago.
Não só creio, como vejo revoando, aves de barro.
Muitas aves de seis asas.
E um nome: Diadorim.
Creio piamente em parábolas.
Como essas, que saem de mim.
Essas de orquídeas que medram
na umidade das pedras.


4
Eis a razão de embrenhar-me
neste ser-tão orquidário...
Fugindo da superfície,
esse jardim de crendices,
que sustentam o imaginário.

Quero verdades profundas,
luzes, mas, nas consciências,
como na casa esquecida,
em que um menino nasceu,
trazendo as luzes à vida.

No mais fundo dos sertões,
na escuridão, sem neons,
só com os luzeiros da noite
eis que um menino nasceu;
(pra meu prazer de orquidófilo)
como uma raríssima orquídea.




Eurico,
rendendo-se ao natal, digo, à natividade.

SALMO SERTÂNICO (de cabras e de nuvens)





















Cruzo esses mundos sertânicos
que me habitam o âmago,
a escalar pedras e montes,
pisando a vegetação rasteira e outras palavras miúdas...

Nas costas, um matulão de incertezas,
de inquirições agnósticas,
perguntas tantas vezes repetidas,
sob o Sol desses desertos...

Carrego a minha Dúvida,
mas não, meu ateísmo.

Saibam todos que Deus, nessas léguas perdidas,
é uma necessidade vital.
É como o ar fresco e úmido, que leva as cabras
sempre mais alto, nesses montes desertos.
Deus está nas nuvens mais densas
e umedece o nariz dos caprinos...
Nesses sertões,
busca-se Deus, com olhos de cabra sedenta.
Os olhos dos viajores bramam por Deus.
Assim são os olhos da alma.
Alma?
Sim, isso, que nos faz ter gana de viver.
Isso, em que flui, instintiva, a lei natural da sobrevivência.
Esse vapor d'água,
que brilha nos olhos dos rebanhos assustados;

Essa nuvem cor de chumbo sobre a caatinga, está prenhe de Deus,
O mesmo Deus de Baruch Spinoza, encobre os céus dos sertões.
O Deus que de repente desabará, pluvial, sobre essa Dúvida
e encharcará a chã sequiosa dessa caminhada.

Deus, nessas léguas sertânicas, é essa necessidade radical,
no âmago estremecido da vida.

Subo este monte, carregando a minha sede,
e alço meus olhos aos céus cinzentos.

Sopra, invisível, um vento umedecido.
Sinto o sagrado em minhas narinas...


Eurico, sertânico
(bramando, "como o cervo, pelas correntes das águas...")

Com humilde dedicatória a Elomar, imenso criador de cabras, palavras e canções.

Fonte da imagem:
Cabras sertanejas

domingo, dezembro 12, 2010

NOITES DE PAZ (presépio interior)




















É quase Natal.
Vou fugindo por essa estrada sertaneja, feito rês desgarrada.
As alpercatas ressecadas
pisam pedregulhos,
os santos pedregulhos desse sertão profundo.
Mas e o Oriente?
Pra que lado fica?

Sei que nada é assim tão fácil de crer...
Há um centro de convergência dos sentidos,
das significações dessa existencia.
Isso que Adélia Prado chama de Deus.
Isso: essa experiencia poético-pensante do Ser.
Isso me entusiasma.
Logo, o que não me entusiasma, não é Deus...

Num radinho de pilhas, um homem
anuncia, com voz bela e empostada
:
"As vendas devem aumentar de 12 a 13%,
em relação ao ano passado.
A economia cresceu e o povo está feliz."

Eu não estou feliz.
Nem sei porque.
Minhas emoções estão impermeabilizadas.
Nenhum desses produtos me agrada.
Sou o 0% do consumo.
Sou o nada.

E por isso mesmo tomei o rumo dessa estrada interior.
Busco algo instintivo, algo sagrado em mim,
um religare introjetado em um gene qualquer.
O tal grão de mostarda.
A fé.

Mesmo que seja a fanática fé dos habitantes do arraial de Canudos,
ou dos que davam suas crianças em sacrifício, na Pedra Bonita.
A Fé.
Deve habitar em algum lugar psíquico.
Mas, sem essas luzes piscando.
Sem essa saturação de cores.
Sem esses monótonos clichês.

Fechar os olhos.
Retornar à estrada empoeirada.
Quem sabe pousar numa estrebaria.
Deitar entre a forragem de palmas, de mandacarus.
E achar ali um místico presépio,
um centro de irradiação de Deus.
Um delírio. Um desdobramento.
Algo menos ridículo que os feéricos presépios , nos centros de compras.

Por quem morreu o beato Antonio Vicente?
Por quem sangraram as mãos de Francisco Bernadoni?
Pela fé, pela loucura, por nada?
Há um centro de convergencia das significações do ser,
disse Adélia Prado.
Dolorido, difícil de achar, mas, verdadeiro.

Guardo-o aqui,
em meu ser tão profundo,
num aboio distante,
na noite que cai,
no zurrar de um jumento,
e no chocalho dos bois.

Tenho aqui uma manjedoura verdadeira,
onde comem as cabritas e as ovelhas,
e em que acredito,
vejo e apalpo como o bom Tomé.
Ouço-as até ruminar e balir.

Seria esse meu centro de sentido?
O meu nervo do divino?

Estaria aqui, também escondido, o Menino-deus,
com pavor dos fogos de artifício
e fugindo daquele obeso senhor de agasalho vermelho,
que sempre lhe rouba o dia natalício?

Não sei.
Sei que eu estou fugindo.
E aqui já é quase Natal...
Silencioso natal das solidões ancestrais.
Nos sertões, nas estepes, nos desertos há noites de paz...




Fonte da imagem:
Magos e Estrela

terça-feira, dezembro 07, 2010

BELÉM (o milagre das águas)



















Quando vem a invernada e a ventania,
o milagre e a poíesis se confundem no sertão.
Dos poros da areia estéril
emergem filetes d’água
que, descendo dos barrancos,
soprados pela espinhara,
vão tornando as enxurradas
em multidão de afluentes:

Riachos
da Conceição,
dos Serrotes Brancos, Quixaba,
do Meio, da Santa Fé, de Baixo,
do Paraguá, Vaca Morta, do Sebo,
do Pau-Ferro, Pequeno, Ouricuri,
do Juazeiro, da Porta, do Umbuzeiro,
das Caraíbas, da Malhada Grande, Pocinhos, Tigre,
do Mateus, Caroá, Arapuá, Ipueira, Fechado, Traíras, Jequi,

Arroios
dos Brandões,
da Pedra, Fundo, Grande, Talhado, do Saguim,
de Baixo, da Serra, da Boa Esperança, Saco dos Cavalos,
da Macambira, do Logradouro, do Mocó,
do Retiro, da Simpatia, do Moleque, da Cachoeira,
da Pedra, da Estiveira, do Simões,
do Capim, do Cachorro, do Mulungu,
da Ingazeira, do Serrote, S. José,
da Várzea, do Iço, do Capim Grosso, Bom Viver,
da Tocaia, das Ipueiras, do Moselo, do Caldeirão, Água Ruim,
do Mari, das Pintadinhas e das Cabaças.

Brotam do chão seco as Lagoas
da Jurema, de Dentro,
do Campo Comprido, do Pajeú, da Areia, Grande,
do Tapuio, dos Algodões, da Espadilha, do Pombo,
dos Pregos, da Vassoura, da Malhada Vermelha, de Santana,
da Pedra Vermelha e das Pintadinhas,

E os abençoados Açudes
Riacho Pequeno e o Poço da Caatinga.

Tudo isso é pura poíesis!
Milagrosa hidrologia!

E pensar que há um imenso lençol de águas claras
sob a sedenta e semi-árida Cabrobó,
que se estende, subterrâneo, até a nossa Belém,
do São Francisco.
Os geólogos, incréus, afirmam que
a permeabilidade do solo sertanejo
foram o ensejo
para que esse imenso aquífero
escapasse da evaporação do Sol causticante.

Eu prefiro o milagre e a poesia!
Eu prefiro poetizar forças aórgicas, milenárias,
guardando, demiúrgicas, as águas,
contendo a inclemência do Sol,
e abrindo caudais, sob o solo esturricado.

Eu creio no milagre em Belém...



Fonte da imagem:
Imbu Brasil

Dados hidrográficos:
recolhidos do Google.


Eurico
Ainda o mergulho (natalino) no Sertão profundo de mim.
Há milagres e Deus, na natureza como ela é...

quarta-feira, outubro 06, 2010

LIRISMO POLÍTICO (um pouco de ar puro)





Aos amigos virtuais ou não:

Cansei de eleições, mas não de política. Por isso aí vai mais uma charada lírica. Decifrem-na. É tão lugar-comum, que muitos olhos já não a percebem. Mas, lembrem-se: olhos de criança, por favor. rsrsrs


Capítulo XXI



E foi então que apareceu a raposa :

- Bom dia, disse a raposa.

- Bom dia, respondeu polidamente o príncipezinho, que se voltou, mas não viu nada.

- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...

- Quem és tu ? Perguntou o príncipezinho. Tu és bem bonita...

- Sou uma raposa, disse a raposa.

- Vem brincar comigo, propôs o príncipezinho. Estou tão triste...

- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.

- Ah! Desculpa, disse o príncipezinho.

Após uma reflexão, acrescentou :

- Que quer dizer « cativar »?

- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras ?

- Procuro os homens, disse o príncipezinho. Que quer dizer « cativar »?

- Os homens, disse a raposa, têm fuzis e caçam. É bem incômodo ! Criam galinhas também. É a única coisa interessante que eles fazem. Tu procuras galinhas ?

- Não, disse o príncipezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer « cativar »?

- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa « criar laços... »

- Criar laços ?.

- Exatamente, disse a raposa. Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...

- Começo a compreender, disse o príncipezinho. Existe uma flor... Eu creio que ela me cativou...



- É possível, disse a raposa. Vê-se tanta coisa na Terra...

- Oh! Não foi na Terra, disse o príncipezinho.

A raposa pareceu intrigada :

- Num outro planeta ?

- Sim.



- Há caçadores nesse planeta ?

- Não.

- Que bom ! E galinhas ?

- Também não.

- Nada é perfeito, suspirou a raposa.

Mas a raposa voltou à sua idéia.

- Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...

A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe :

- Por favor... Cativa-me! Disse ela.

- Bem quisera, disse o príncipezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.

- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me !

- Que é preciso fazer? Perguntou o príncipezinho.

- É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal entendidos. Mas, cada dia, te sentará mais perto...

No dia seguinte o príncipezinho voltou.

- Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta a agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração... É preciso ritos.

- Que é um rito ? Perguntou o príncipezinho.

- É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, possuem um rito. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta-feira então é o dia maravilhoso! Vou passear até a vinha. Se os caçadores dançassem qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu não teria férias !

Assim o príncipezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou à hora da partida, a raposa disse :

- Ah ! Eu vou chorar.

- A culpa é tua, disse o príncipezinho, eu não te queria fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...

- Quis, disse a raposa.

- Mas tu vais chorar! Disse o príncipezinho.

- Vou, disse a raposa.



- Então, não sais lucrando nada !

- Eu lucro, disse a raposa, por causa da cor do trigo.

Depois ela acrescentou :

- Vai rever as rosas. Tu compreenderás que a tua é a única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te farei presente de um segredo.

Foi o príncipezinho rever as rosas :

- Vós não sois absolutamente iguais a minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativastes a ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu fiz dela um amigo. Ela é agora única no mundo.

E as rosas estavam desapontadas.

- Sois belas, mas vazias, disse ele ainda: Não se pode morrer por vós. Minha rosa, sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é, porém mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus sob a redoma. Foi a ela que abriguei com o para vento. Foi dela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa.

E voltou, então, à raposa :

- Adeus, disse ele...

- Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.

O essencial é invisível para os olhos, repetiu o príncipezinho, a fim de se lembrar.

- Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que fez tua rosa tão importante.

- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... Repetiu o príncipezinho, a fim de se lembrar.

- Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa...

- Eu sou responsável pela minha rosa... Repetiu o príncipezinho, a fim de se lembrar


MORAL:
Raposas, crianças e rosas vermelhas de todo o mundo, uni-vos!



FONTE DO TXT.:
O PEQUENO PRINCIPE ON LINE

domingo, agosto 29, 2010

De Tigres e de Cães (evocação dolorosa)


















Cruz do Patrão - Recife - PE
(imagem recolhida no Google)



Duas vilezas,
das mais torpes crueldades,
estão guardadas na intra-
história dessa cidade:

...os tigres,
esse era o nome que se dava aos escravos
que carregavam na cabeça
os vasos dos excrementos
dos seus senhores, nojentos.
A amônia e a uréia
desse fedido xixi
que escorria dos barris
marcavam nas costas negras,
listas brancas, e assim,
os escravagistas, tão vis,
chamavam tigres, a esses
humildes carregadores,
desses primevos brasis.


...e os cães,
coitados, que, inocentes,
comiam carne de gente
de pele negra, enterrada,
em covas rasas na areia,
lá na Praia dos Milagres,
ou sob a Cruz assombrada,
que fica no cais do porto,
guiando o patrão dos barcos,
quando da atracação.
Decerto, a maior vileza
dos que se dizem cristãos,
mas, capazes, Deus o sabe!,
de infâmias sem perdão:

enterrar à flor-da-terra,
os corpos dos seus escravos,
Cruz credo! e os cães, coitados,
famintos, desses despojos
faziam sua ração.

***

Essa era uma história não-dita,
dessa metade maldita,
de nossa Mauritzstad.
Se não fossem as notas de viagem,
de certa Maria Graham,
turista anglo-saxã,
talvez não viessem à tona
essas verdades malsãs.

***

Oiço os gemidos...
Escutem!
Almas penadas uivando,
ou são ganidos de um cão?
Não passem nunca de noite,
por trás do Forte Brum.
Por lá, de jeito nenhum!
Por essas horas que são,
juro que oiço gemidos,
entrecortados de açoites,
junto da Cruz do Patrão!




Notícias sobre Maria Graham

segunda-feira, agosto 23, 2010

Guilgul Neshamot (evocações de um Recife Antigo, Nº1)




















Nas pedras da Bom Jesus
há segredos de uma estrela:

achados subterrâneos,
porcelana e prataria,
velhos cachimbos batavos
e um poço dos batizados,
em que um avoengo bodek,
cumpria todos os dias
milenares oblações.

Percorro os trilhos urbanos
da antiga Rua da Cruz.
Súbito, surge uma luz!

Numa antiquíssima luz,
oiço o rabino Fonseca,
glosando um mote esotérico
da inolvidável Torah:
Se da pedra, brota uma fonte,
do Rochedo, nasce um mar
de vagas inumeráveis
que reverberam no além,
num misterioso além-mar...


Era o guilgul neshamot,
essa esperança bonita
dos que decifram a morte...


Luiz Eurico de Melo Neto
(ao cunhado-amigo-irmão Kelson Roberto da Silva)
Fonte da Imagem:

Rua do Bom Jesus

quarta-feira, agosto 11, 2010

Sobrevôo





















Um vôo há de revelar-se lírico e livre.
Volitam os anjos.
Adejam as borboletas.
Voejam os pássaros.
Esvoaçam as plumas...

Já um sobrevôo é coisa técnica,
de espécie árida e cabralina.
Serve para exercícios pouco poéticos.
Por isso não se deve voar sobre populações flageladas.
A hora é grave e exige um sobrevôo.

Mesmo que observemos a extensão da dor através de binóculos
e bem assentados em poltronas ejetáveis,
a dor cinematográfica nos comove,
mas não nos alcança, ainda...
(Quem sabe se, seguindo antigo conselho egípcio,
construíssemos nossas moradas longe dos aluviões...)

Ontem, víamos apenas as queimadas, lá embaixo.
Pequeninos animais assustados a correr do fogo;
Depois, viriam imensos canaviais, encravados em nossa alma,
junto com a nossa orgulhosa tradição colonial;
A felicidade do açúcar, do melado, da rapadura...

Surgiriam então belos vilarejos ao longo dos rios.
Casinhas enfileiradas feito centopéias.
Praças da Matriz,
Ruas do Comércio:
bóias-frias felizes a consumir parabólicas.

(Como haveríamos de pensar em remorso pelo fim das matas ciliares?)

Agora os técnicos sobrevoam a tragédia anunciada...
Imagens de um infeliz clichê, em que não há nenhum lirismo.

Há a constatação histórica do óbvio.
E o óbvio não é poético:

Ergueram-se túmulos às margens dos rios,
e os batizaram:
Cidades.


(poema de 06/07/10)

Fonte da imagem:
http://wings.avkids.com/Book/Nature/Images/wright_glider.jpg


Pós-escrito em 11/08/2010:

E eu que pensava que estava viajando na maionese, vejo que há muito tempo os urbanistas sabem que se deve respeitar o rio. O CREA_PE vai ajudar a reflorestar as margens do Rio Una, em Palmares, Barreiros e outras cidades erguidas sobre as matas ciliares. Leia aqui, ou em http://www.creape.org.br/.

sábado, abril 17, 2010

A velhice, a imanência... a morte.




























Quando meu velho amigo se foi desta vida
é que eu tentei entender porque ele vivia
totalmente enclausurado na matéria...
Creio que é disso que tratam certos filósofos,
quando usam a palavra imanência...
De fato, o meu amigo vivia seu mundo assim,
mergulhado na vida biológica.
Nunca questionava a história,
nem cuidava de genealogias...
Nunca lhe perguntei sobre Deus,
mas, creio que poderia ter sido agnóstico.

Aparentemente não tinha outra preocupação,
a não ser com o que comer ou beber...
(só bebia água, pois era naturalmente abstêmio)


"Não é a vida maior do que o corpo"...


Flanava pelas ruas, durante o dia todo,

por pura vadiagem.

"Olhai as aves do céu, elas não ajuntam em celeiros"...

Embora fosse muito inteligente
Agia sempre por seu lado instintivo,
e metia-se em muitas brigas, por qualquer motivo fútil,
mas, na verdade, tinha muito boa índole.
Meu amigo era um parceiro de todas as horas...
Sabia ser bom ouvinte, coisa rara

nesse mundo de pessoas ansiosas e verborrágicas...
e me ouvia calado, pachorrentamente, sem nunca questionar

essas minhas perfunctórias questões metafísicas...
Não se empolgava pelas analogias mais recentes: como as das gramíneas deleuzeanas.

Nem mesmo pelas gnosiologias seculares: como as da árvore da vida de Moshe de Leon...

Apesar de nos entendermos bem, só discordávamos quanto aos felinos.

Ele não suportava gatos.
Nisso nós éramos diferentes.
Mas essa era uma divergência de pouca monta,

pois, no fundo, ele tinha um enorme coração...
Era feito uma criança, o meu amigo.

Talvez seja esse o motivo da sua partida tão serena,
e em meio a uma velhice tão sossegada...
Na manhã em que ele partiu (lembro como se fosse hoje)

olhou-me fixamente.
Seus grandes olhos me pareceram mais úmidos do que sempre...
Aproximou-se do sofá em que eu lia os jornais

e, como de costume, deitou-se no chão atapetado.
Emitiu uns ininteligíveis fonemas guturais
e, de mansinho, cerrou as suas pálpebras... para sempre...

Morreu em paz e sem pecado.

Rex, era o seu nome.
Era verdadeiramente um rei, o meu melhor amigo...



Fonte da imagem:
http://br.olhares.com/melhor_amigo_do_homem_foto2558604.html
Foto de Paula Carolina Mariano Carvalho



segunda-feira, novembro 30, 2009

MARYAM (a des/ilusão)




























Beatus venter qui ti portavit
et ubera quae suxisti...(Lc XI,27)


Ave, Senhora!
Mãe cósmica e arquetípica!
Bendito ventre de luz,
oceano aminiótico em eterna madre,
Salve, tua miraculosa conceição!

Ave,
Rosa mística,
Cheia de bem-aventurança,
Rogai por nós, nessa senda,
e retirai essa venda
que nos impede a visão.

Ave, Amada Senhora,
a nossa alma te implora,
que o véu da ilusão nos caia,
e que o ego livre de maya,
possa voar da prisão...

sexta-feira, novembro 27, 2009

MAYA (a ilusão)




Porque agora vemos por espelho, em enigma...
..............................1 Cor 13:12



Observo-me:
tez que desbota,
em azul longínquo;
Ilíquido.
Um caule acúleo
e a dor, raízes submersas.

Abrem-se as pétalas,
as asas,
as existências:
anjo em processo,
buda em devir.

Observo-me:
flor improvável,
realidade azul;
Ilíquida...
A eternidade pende desse instante.

O agora é flor, lotus pulsante.
D'us é o processo.
Eu, devenir...


***

quinta-feira, outubro 29, 2009

JACINTA





























Pobre de mim, que pastoreio poemas reflexivos,
Como um rebanho de cabras assustadas...
Cabras aflitas que se precipitam no abismo da dúvida.
Cabras de um deserto sem transcendência.

Ai de mim!
Alma necessitada de verdades cientificamente demonstráveis,
Em meio ao ilógico e absurdo mundar do mundo.
Há meio século indago das coisas o seu começo.
Tateio por paredes de cavernas ancestrais e nada.
De que me adianta o Carbono 14
E as medições arqueológicas de sítios milenares.

Trocaria toda a ciência humana
Trocaria até mesmo os grandes olhos do Hubble,
que vasculha inutilmente o espaço estelar,
pelo alcance de teus pequeninos e inocentes olhos, Jacinta!
Trocaria esses meus cinquent'anos de busca
pelos teus dez breves aninhos.

Hoje ufólogos perseguem ovnis,
teólogos examinam manuscritos apócrifos,
e os olhos do mundo se voltam quânticos para a realidade.

A ti bastaram singelos dez anos
Dez inocentes aninhos,
para ter olhos de ver e ouvidos de ouvir.

Que essa luz angelical ilumine o caminho em que pastoreio
essas cabras cheias de um lirismo agnóstico e vão.

Asim seja.




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Fonte da imagem:
JACINTA DE JESUS MARTO vidente de Fátima, Beata
1910-1920

quarta-feira, outubro 21, 2009

TERESA (prece em noite escura)



























Há dias em que eu também perscruto o silêncio
E os meus olhos erram pelo vazio.
Não nego: busco uma voz, uma palavra, uma certeza.
Quando Deus silencia, também faz-se escuro em mim.
Mas eu... eu não sou nada.
Eu sou ínfimo.
Sou um sem sentido.
Entanto, imaginava que tu Teresa,
enquanto cuidavas de teus pequeninos enfermos
trazias a alma aquecida pelo próprio Criador.
E pensava:
esse era o combustível de tão imensa caridade.
Teresa deleitava-se em gozos celestiais.
Conversava com arcanjos e serafins.
Qual nada!
Jamais imaginaria que ela sofresse disso que sofro,
Desse mesmo e terrível mal.
Jamais imaginei que havia na alma de Teresa uma noite escura
E a dura solidão de noiva que se julga rejeitada.

Jamais imaginei que Teresa tirava suas forças da angústia,
Da sensação de um Deus inacessível,
Do silencio incomensurável de Deus.

Ao descobrir o véu da noite em tua alma, Teresa, mãe de Calcutá,
Madre de um mundo miserável e sem fé,
Fico envergonhado da minha indiferença diante do outro.
Tua dúvida, Teresa, não é, como essa minha, apática e vazia.
Tu duvidavas amando.
E eu apenas... duvido.
Tu duvidavas tratando leprosos.
E eu apenas... duvido.

Tua dúvida era submissa ao teu amor.
Dúvida santa e misteriosa...
Dela, e apesar dela, retiravas a força para realizar tão grande caridade.
Hoje, Teresa, tua dúvida ilumina a minha alma
Como um paradoxal clarão em meu des/caminho de Damasco.


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Consultem o tema em:


O Silêncio de Deus
e
A noite escura de Madre Teresa de Calcutá


Fonte da imagem:
Madre Teresa de Calcutá

terça-feira, outubro 20, 2009

DORA





<


















Fico com a beleza da resposta das crianças:
E a vida?
É bonita e é bonita!
....................Gonzaguinha



Naquele estranho dia
Procurei os meus chinelos sob a cama
E tive a surpresa do abismo:
A cama deslizava pelo espaço
E havia anos-luz entre os chinelos e o meu braço.

Mais estranho ainda foi saber que a mesa do café
Girava junto com as cadeiras,
Junto comigo inteiro.
Meu ego e a xícara
Atravessávamos Peixes, quase adentrando em Aquarius.

Corri até a janela e o Sol me parecia maior do que Sempre.
Numinoso!
Pronunciei essa palavra automaticamente
E senti a água de meu corpo se agitar,
Como se agita a flor d'água ao receber o impacto de uma pedrinha.

Foi mesmo um dia estranho.
Descobri que sou um emaranhado de energia
E que a realidade é um feixe de possibilidades.
Isso até hoje me faz rir (de mim?).
Escolho o riso entre as minhas realidades possíveis.

Creio que eu jamais escolheria entrar naquele trem
Se estivesse no lugar da Dora Orecife.
Falta-me algo mais profundo:
O amor não-sexual, aquele que transcende a dor.
Que vence o amor a si mesmo.
O desapego dos iogues;
Dos mártires hagiológicos.
Eu sei que não entraria naquele trem, como fez a Dora.
Porque me amo extremadamente.
(Como é estranho esse amor que me lança, dia após dia, em direção aos meus chinelos).
E não é esse amor por mim, o que torna a vida uma bela película.

Já o amor de Dora Orecife é solar:
Uma espécie de amor que inunda tudo com reverberações holísticas,
Que se doa até a própria extinção;
Como o amor que faz girar os planetas
E mantê-los em órbitas;
E que os mantém aquecidos por translações inteiras.
O amor que dessaliniza as águas do oceano e as faz chover sobre os continentes.
O amor da fotossíntese.
Da grande síntese.
Pode-se ver esse Amor da minha janela há alguns bilhões de anos.
E ele faz girar vertiginosamente minha alma e essa xícara de café.
Esse Amor me faz sentir que a vida é bela
Mesmo em círculos.
A vida é bela.


Fonte da imagem: