Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

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quinta-feira, maio 22, 2008

Tupã m'tói



No princípio era o medo, pavor original...
*
Verde lama genésica, pântano mítico,
profundo e verde Tempo Anterior...
*
Um nume tremeluz sobre a maré sombria.
Relampejam augúrios do Trovão:
Fulgurações aórgicas, protopoíesis.
Undialvas palavras acopladas
na aurora da forja transumana.
*
Eis o nada que é tudo!
Coruscante, rasga os céus
um grito brilhante e abrupto.
O estrondo vivo de Deus
ab absurdo.
...


Eurico
poema sem data

sexta-feira, maio 09, 2008

Tantãs


Dionisos é negro e dança em transe,
Vertiginosa dança com seus mitos.
Escuto o som distante:
Tum dee dee dum!
Maracatumbam tambores:
Tum dee dee dum, dee dee dum!
Vozes líquidas vazam dos casebres
onde se dança à transmutação.
Abro a janela,
instante numinoso,
júbilo de concelebração:
Tum dee dee dum a um Pã universal!
Sem guante a africana gesta e um falo
fecunda intensamente a natureza.
Regaço, cosmos, mãe, força telúrica:
Deus é um útero, um dentro, um aconchego.
E solto Dionisos dança negro,
abandonado à ondulação da vida,
vertiginosa dança com seus ritos:
Tum dee dee dum com alegria cósmica,
voz de tambores, noite suburbana.
Sambarrebatamento nos barracos
e percutidos gritos ao Infinito!
***
Eurico
Poema publicado originalmente
no zine Eu-lírico n.º 4, Ano 1995,
em Edição comemorativa dos 300 anos de Zumbi
Fonte da imagem:

sexta-feira, abril 11, 2008

Eu-lírico nº 3 (reedição-formato blog)



capa do Eu-lirico 3 - meados de 1994



Nota: cada edição do meu zine-collage trazia um poema,

Neste número 3, aparece também um posfácio.



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Mitopoese I: o Unicórnio



...Jaz a Noite Imensa sobre o mangue...

A Cidade surge antes,
das enchentes, das vazantes
fundação amorfa, sem face, vazia...

A Cidade emerge, ser eqüestre,
Alça as patas, veste a ventania,
Galopa vadia, égua numinosa.

A Cidade avança,
Besta airosa,
E aponta para o Atlântico o seu chifre calcário.

A Cidade é vária:
Puta dos batavos, marranos, mascates.

Múltipla, mistério:
Vila pescadora com matrizes míticas;
Titãs com tarrafas, jêjes argonautas,
Ninfas pomba-gira, reis iorubás.

A Cidade é anfíbia:
Ilhas de enxurradas,
Sertões arribados sobre palafitas.

(ouve-se o relincho de uma gente aflita...)

Antes, muito antes,
A Cidade dá cria (protopoesia?)
Sobre os arrecifes que detém o mar.

Vaza a Noite um imenso alfanje:
Ouve-se um vagido.
O sangue, rubro veio, escorre

e tinge o umbigo da pedra
do Reino do Amanhã

(ouve-se, em alarido, a turba;
ouve-se um trotar...)


Eurico
1994


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UM BREVE COMENTÁRIO

por Carlinhos do Amparo




O poeta não filosofa, confunde.
A ele não cumpre investigar o Universo, nem a História,
mas entregar-se amorosamente às forças do sonho,
mergulhar no aórgico, na palpitação jubilosa das origens do ser.
E a origem do ser, como dizem os doutos, dá-se na Poesia.
Qualquer dos doutos: Fichte, Schelling,
ou o nosso, brasileiríssimo, Vicente Ferreira da Silva.
"O mito é em substância Poesia", diz-nos um deles.
"Não é a história que faz o mito, mas o mito é que faz a história", diz-nos um outro.
Pois bem, Mitopoese I: o Unicórnio é o encontro poético
com as matrizes míticas, com a Noite Imensa,
com o Antes, com a Criação.
Em uma dionisíaca revelação,
o poeta foi buscar as fundações mitopoéticas
da Cidade que o trouxe ao Ser.
Confusos?
Não é filosofia. É Poesia.
Poemem-se.

(Carlinhos do Amparo é escritor olindense.)


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À GUISA DE POSFÁCIO:



Rompo um insulamento de vários anos

em que vivi entre leões osmanianos

ou na clausura das efabulações.

Trago os fantasmas, grifos voláteis

que me tocaiam nas entrelinhas.

Abro a janela: EU-LÍRICO

por ela escapa o imaginário,

meu arsenal de indagações.

Todo poeta traz o flanco nu

e adentra a arena.

Essa é a senha: não são moinhos, são gigantes!

Que se derreta a cera dessas asas.

O que me importa é essa luz, é o Sol.


Eurico
1994



terça-feira, fevereiro 19, 2008

Meu Cristo Gótico





“Brotará como raiz da terra sedenta;
não há n’Ele bom parecer, nem formosura;
desprezado e o último dos homens;
varão de dores, experimentado em quebrantos”.
(Isaías, 53:2-3)




E se em vez de um fraco ser, senil e esclerótico,
no limiar entre lunático e neurótico,
fosse o próprio Cristo a ressurgir nos trópicos?
Seria apenas isso que se diz: um beato sertanejo, um místico ?
ou um Dom Quixote do sertão, um épico?
Um infeliz Quasímodo matuto, cômico e simiesco?
Ou um Judas redivivo, em purgatório, escorraçado e dantesco?
Mas quando o contemplava, estendido nessa foto euclydeana,
Lembrou-me um santo, macerado e só:
Meu Cristo gótico,
Que o Estado homicida trouxe a óbito,
mas que ressurgirá dentro do mito.
Está escrito.
De Dom Sebastião já oiço o grito...
***
(a foto que inspirou o poema é de Euclydes da Cunha;
o cadáver é de Antonio Conselheiro)
Eurico
2008