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Mitopoese I: o Unicórnio
...Jaz a Noite Imensa sobre o mangue...
A Cidade surge antes,
das enchentes, das vazantes
fundação amorfa, sem face, vazia...
A Cidade emerge, ser eqüestre,
Alça as patas, veste a ventania,
Galopa vadia, égua numinosa.
A Cidade avança,
Besta airosa,
E aponta para o Atlântico o seu chifre calcário.
A Cidade é vária:
Puta dos batavos, marranos, mascates.
Múltipla, mistério:
Vila pescadora com matrizes míticas;
Titãs com tarrafas, jêjes argonautas,
Ninfas pomba-gira, reis iorubás.
A Cidade é anfíbia:
Ilhas de enxurradas,
Sertões arribados sobre palafitas.
(ouve-se o relincho de uma gente aflita...)
Antes, muito antes,
A Cidade dá cria (protopoesia?)
Sobre os arrecifes que detém o mar.
Vaza a Noite um imenso alfanje:
Ouve-se um vagido.
O sangue, rubro veio, escorre
e tinge o umbigo da pedra
do Reino do Amanhã
(ouve-se, em alarido, a turba;
ouve-se um trotar...)
Eurico
1994
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UM BREVE COMENTÁRIO
por Carlinhos do Amparo
O poeta não filosofa, confunde.
A ele não cumpre investigar o Universo, nem a História,
mas entregar-se amorosamente às forças do sonho,
mergulhar no aórgico, na palpitação jubilosa das origens do ser.
E a origem do ser, como dizem os doutos, dá-se na Poesia.
Qualquer dos doutos: Fichte, Schelling,
ou o nosso, brasileiríssimo, Vicente Ferreira da Silva.
"O mito é em substância Poesia", diz-nos um deles.
"Não é a história que faz o mito, mas o mito é que faz a história", diz-nos um outro.
Pois bem, Mitopoese I: o Unicórnio é o encontro poético
com as matrizes míticas, com a Noite Imensa,
com o Antes, com a Criação.
Em uma dionisíaca revelação,
o poeta foi buscar as fundações mitopoéticas
da Cidade que o trouxe ao Ser.
Confusos?
Não é filosofia. É Poesia.
Poemem-se.
(Carlinhos do Amparo é escritor olindense.)
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À GUISA DE POSFÁCIO:
Rompo um insulamento de vários anos
em que vivi entre leões osmanianos
ou na clausura das efabulações.
Trago os fantasmas, grifos voláteis
que me tocaiam nas entrelinhas.
Abro a janela: EU-LÍRICO
por ela escapa o imaginário,
meu arsenal de indagações.
Todo poeta traz o flanco nu
e adentra a arena.
Essa é a senha: não são moinhos, são gigantes!
Que se derreta a cera dessas asas.
O que me importa é essa luz, é o Sol.
Eurico
1994