Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

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segunda-feira, julho 04, 2011

PEQUENOS NADAS

Rendados - Carla Schwab





















"A Poesia é feita de pequeninos nadas e
(...) cada palavra tem uma função precisa,
de caráter intelectivo ou puramente musical, e não
serve senão a palavra cujos fonemas fazem vibrar
cada parcela da frase por suas ressonâncias anteriores
e posteriores".    (MANUEL BANDEIRA).


.
.
.
Eu traço versos
como quem trança
                os nós du'a rede.
.
.
.
In/vento-os,
Pequenos nodos,
            pequenos nadas,
feitos de vozes
         com que desfio,
                    fio após fio,
em des(a)linho, esses retroses
de quase nada.
Não têm motivo,
           não têm sentido,
                 esses liames
esses barbantes de fino linho,
que só têm ritmo,
tecido e rima,
mas não têm nome que os defina.

Enlaço os versos como quem ata
cordéis ao vento. . . como um encanto. . .
(Fecha essa página, se até agora
Não tens motivo nenhum de espanto.)

A cada linha aqui tecida,
de mim se escorre,
e em mim se míngua
a tessitura dos véus da língua...

Pois nesses laços que agora vedes,
há uma parte de mim
que morre
e outra parte que (se) me amarra à (minha) vida.

(Eu faço versos como quem tece u'a estranha rede...)



Fonte da imagem:
http://carlaschwab.blogspot.com/2010/04/rendados-carla-schwab_11.html

Retome a teia, curtindo CLAUDE DEBUSSY - La Fille aux Cheveux de Lin

sexta-feira, junho 12, 2009

DOR, AQUÉM DO BOJADOR (um clamor no Quinto Império)

























I – A Travessia


Um estranho olhar crepuscular,
Volveu-se àquele antigo novo mundo.
E fez-se o homem ao mar,
Ao imenso mar,
à luz azul, índigo azul, de um céu profundo,

O leme aponta a rota pr’acolá...
O vento empuxa as velas,
Um zéfiro insufla o ar.

Se há algum nexo no mar,
Ante as borrascas,
Se essa nau menear nas vagas altas
E a saudade singrar pr’além da dor...
Todo o nexo que há,
deixo aos cartógrafos,
aos nautas que souberam dos peligros
E aos que avançaram empós
do Bojador.















II – A Chegada


Sopram frautas na floresta,
Mas, não há faunos por cá?
‘Stão nuas as rap’rigas,
Com as desonras à mostra
Mas, ninfas, tampouco, as há.

Há iaras, sete-estrêlos,
Pai-da-mata, m’boitatá,
Rubra tinta da madeira
Caju, fruta-guaraná.
Papagaios, capivaras,
Boas eiras, águas claras;
em se lavrando, tudo dá.






















III – A Invasão


Fincaram u’a cruz bem alta...

Se era do Cristo ou de Malta,
Por que trazia a má sorte,
Doenças terríveis, morte,
Se era do bem o fanal?

Será que valeu a pena,
Ter cruzado o Bojador?
Valeu o imenso pecado,
Que tiveste perdoado,
Abaixo do Equador?

Nem tudo valeu a pena,
Pois tu'alma, tão pequena,
Nos causou tão grande mal.
E te devolvo a pergunta,
Tua mística pergunta,
Antiqüíssima e ancestral:

Quantas lágrimas foram nossas
Pra fazer teu mar de sal?

Fecha a porta desses mares!
Jamais navegue essa nau.
Tua flâmula é da vergonha,
Genocida e anti-vital.

E em que hora tão medonha nos tornamos Portugal.



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Imagens do Google.


Fonte da mid:
http://www.saturn-soft.net/Music/Music1/MIDI/Classic2/DebussyFaune.mid



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segunda-feira, abril 20, 2009

O Carcará (volataria rés-do-chão, ou um close-up cabralino)





















Ainda o inútil:
(Abril, 2009)
Chove sobre as pedras do Recife. Chove muito. A cântaros. Encolhe-se o homem entre as pedras, num palafitas, franzino.
Hoje estou encharcado de poesia. Pedra. Ou cabra, que não gosta d’ água. Cabra e Pedra. A ouvir Tárrega e ler Cabral. Dois hispânicos, ibéricos, imensos. Entre eles e eu, a água, imensa, o mar... E esses ecos intertextuais:



O Carcará
(volataria rés-do-chão, ou um close-up cabralino)


O carcará é o eco do eco,
Do eco seco,
Onomatopaico eco.

Falcão modesto
E sem estirpe
Que, não se apresta, de resto,
Aos exercícios fidalgos
Da caça em volataria.
Voa rés-do-chão, rasante,
Vôo sem nada elegante
Aqui mesmo, nas barrancas
À jusante ou à montante,
do leito seco do rio.


Tem um pouco de caprino (cabra alada?)
Quando escava o chão infértil
No vão das palmas de espinhos,
caçando o rato-preá
que se esconde entre as raízes.


Um pouco de cabra ou de ema,
Outra ave de pouco senso,
Pois não escolhe alimento.
Come tudo. Rato, lagarto e cobra.
E por que haveria de escolher
entre as pedras da escassez?

Vai reto e certeiro, ao ponto.
Bicho do mato, agreste e rude,
Não faz o arrodeio e o rito
Funéreo, assim como o abutre
Que espera a morte matar.

A fome, que dá sentido
Ao seu jeito de caçar,
Não lhe permite a espera.
E nem se diz que ele caça,
Pois caça é arte mui nobre,
Pra um bicho pobre e sem raça
Pra um bicho sem sobrenome.

O carcará vai bem reto
Guiado por sua fome
Não metaforiza a lida,
Não tem pena, não vacila,
Que nenhum dó lhe consome.
Pega e arrasta a lagartixa
Abre-lhe o ventre
E, ali, come.

Lições de vida
Pros homens,
Crias da caatinga braba,
Ventres e bocas aflitas,
São os carcarás e as cabras,
Emas, ratos, lagartixas;


Lições de vida
E de morte.
De fado, de sina e sorte,
Homem e bicho
Bicho e homem.
Fauna em flora estiolada.
Juntos na mesma desdita.

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Eurico


(perdoem-me a audácia de postar esse meu gavião rasteiro,
logo depois da altaneira Cabra do João Cabral.
Reputo isso à diversidade da fauna poética. rsrs
Mas, de poeta e de louco todo mundo tem um pouco.)



Pós-escrito: sobre ser hispânico o tão nosso João Cabral,
é que sua alma oscilava entre Sevilha e Recife.

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Clique na imagem para saber sua origem.


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