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Tuesday, August 24, 2010

Três escritores em tempo de catástrofe: Castro, Zweig e Eliade (3)

Internacionalista, o autor de A Selva justificava de modo forçosamente subjectivo o apelo da terra natal, sentimento susceptível de causar algum desconforto a quem era avesso a exclusivismos e exaltações nacionalistas, mesmo quando reduzidas à expressão mais simples e primária do bairrismo.
A razão do desvelo para com a pobre aldeia que o viu nascer, onde conheceu a orfandade paterna aos oito anos, e que o obrigou a emigrar, só, aos onze, prendia-se com a recordação de uma infância mítica, de felicidade inventada. Assim o revelou, no fim da vida, num conjunto de textos que constituem uma espécie de testamento literário e político:
«O homem ama na terra natal os seus hábitos, se ali reside ou residiu muito tempo; ama a sua casa e o seu agro, se os tem; e ama, sobretudo, a sua infância, que lhe comandará a vida inteira e se amalgama com o drama biológico do envelhecimento e da morte. Ama esse período da sua existência por saber que jamais voltará a vivê-lo; e essa certeza de irrecuperabilidade embeleza-lhe o cenário e valoriza-lhe os anos infantis, mesmo se neles conheceu a miséria, os trabalhos prematuros, as opressões e as humilhações impostas pelos adultos.» (1)

(1) Ferreira de Castro, «A aldeia nativa», Os Fragmentos (Um Romance e Algumas Evocações), Lisboa, Guimarães & C.ª [Editores], 1974, p. 45.

Boca do Inferno, #3, Cascais, Câmara Municipal, 1998, p. 92.
postado também aqui

Tuesday, August 26, 2008

O Museu Ferreira de Castro (5)

4. O Último Vagamundo (1929-1939)

«[...] a verdade é que, por cima da minha condição de europeu, de latino e de português, sinto na minha alma uma grande identidade com a alma de todos os outros povos. Creio, aliás, que isso acontece com quase todos os homens, mesmo sem eles darem por isso, mesmo sem eles o saberem...» FERREIRA DE CASTRO, carta particular (1953)

Como autor de literatura de viagens, Ferreira de Castro faz parte duma linhagem com tradição nas letras portuguesas.
Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937), escrito com base numa viagem pelo Mediterrâneo, em 1935, a que se juntaram notas de uma visita a Andorra (1929) e outra à Irlanda (1930), deveu-se à simpatia de Castro «por todos os que vivem isolados no planeta» e também à conjuntura política interna, que lhe não permitiu ou, inclusive, censurou livros que tinha em mãos.
Pela mesma razão, realizou uma volta ao mundo, em 1939, com a pintora Elena Muriel, sua mulher, viagem que testemunha essa mesma fraternidade à escala planetária e documenta uma realidade geo-política que seria profundamente alterada no pós-guerra. O visitante poderá observar alguns desenhos originais, resultado desse périplo.

imagem: bilhete dos Caminhos-de-Ferro turcos

Sunday, July 16, 2006

Outras palavras #1 - A arte moderna ante a sociedade actual (3)

[...]
E digo um pouco de Beleza Nova, porque não creio que que a Beleza da Arte Moderna seja definitiva. Mas nem por isso a devemos considerar menos. Ela é a legenda do pórtico que dá para os maravilhosos jardins da Nova Renascença.
Os artistas modernos, são, é certo, elementos de intervalo -- desse intervalo que vai desde o crepúsculo de uma Arte até à alvorada duma outra.
Mas são eles também que preparam o ambiente para aqueles que hão-de vir gravar as novas lápides eternas.
Na inquietude que nos rodeia, na vibração que nos envolve, pressentem-se já os passos, ainda subtis, daquele que há-de demarcar para sempre os novos caminhos a trilhar. Daquele que há-de escrever a epopeia do espírito moderno. E será uma epopeia universal. Porque de universalismo está feita a Arte Moderna. Os escritores mais representativos da vanguar são escritores internacionalistas. Esse desdém que eles mostram pela chamada pureza do idioma, pela pontuação convencional e até pelas regras gramaticais, significa indiferença pela língua nativa, atitude que um clássico não teria, pois ela muito concorre para a desnacionalização dos motivos artísticos.
Procurai uma página de bom francês em Paul Morand, em Max Jacob, em Cocteau... Não a encontrareis.
Procurai uma pontuação regular em Apollinaire, em Reverdy, em Tzara... Não a encontrareis também.
-- Se para se escrever alguma coisa de novo for necessário escrever mal o nosso idioma, não se deve hesitar.
Este lema, adoptado por todos os escritores da vanguarda artística, leva-os à detruição desse convencional respeito que até hoje se tributava a essa coisa não menos convencional, que é um idioma. É dizer: leva-os a despedaçar uma das mais fortes couraças do nacionalismo.
E um espírito verdadeiramente moderno só pode ser um espírito verdadeiramente internacionalista. Um espírito ou uma obra artística.
(continua)
A Batalha -- Suplemento Semanal Ilustrado, nº 118, Lisboa, 1 de Março de 1926
desenho: Apollinaire por Picasso