Ele só precisava que o teu discurso não fosse ambíguo. E tu sabes quais as palavras que ele gostaria de ouvir e que o fariam feliz. Escala-te uma qualquer hesitação irracional e temperamental. Nesse vazio em que se aproximaram, contrariaram as expectativas e simularam disposições. Agora, há indisponibilidades para preservar esse diálogo assertivo, sincero e sem contratempos do antigamente. Rosa Pais Ouvi-te poucos...
Edward Hopper O dia já acabou há umas horas, mas o assimilar das suas vivências tem-se revelado excessivamente progressivo. As batidas do relógio continuam a interromper o silêncio do quarto solitário. Quando as esperanças ruem fruto do cansaço, é difícil adormecer. Se as incertezas se agigantam, sobram fraquezas em trajes carnavalescos. Paulatinamente, as pálpebras procuram perder-se na penumbra. Há fadiga corporal e, sobretudo,...
Eles passam ali os dias. Estão permanentemente acompanhados, são constantemente vigiados e incansavelmente estimulados. As suas mãos repousam no colo até que outras se abeiram e as puxam para a dança da ocupação. E há música ali, que eles vão cantarolando fora de ritmo. Eles passam ali os dias, empenhados num treino intensivo que lhes permita desenvolver o gesto mais banal, o mesmo...
São atravessadas pelo assobiar da indiferençaE queixam-se do frio que sentem Abanadas as letras, vacila o sentidoDesorientam-se aqueles que as lêem João Vieira Rejeitam a formatação universalPara se refugiar nesse quelho de aldeia Esgueiramo-nos por entre as sílabasE descobrimos rima à solta, desenfreada e livre. ...
As luzes do hospital lembram-me a urgência que continuo a ter de ti. Faço este percurso como tantas vezes. Porém, no mapa interior já não me movo com a pressa de antigamente. Sei que, quando rodar a chave na fechadura, não posso contar com a tua ansiedade em me ver, após breves minutos de separação. A estrada quase fantasmagórica concorre com o vazio...
Num último fôlego de vida, gritas os afectos, expulsas os medos, desesperas com a tragicidade que se abateu sobre ti. Nos corredores, corpos aflitos num movimento incompreensível. Uma agitação ilusória, sem sucesso final. Edvard Munch No quarto, os gestos inúteis e os teus olhos cada vez mais mortiços. Explicam-lhe, em termos científicos, uma realidade inevitável, legitimando esse desespero dilacerante de não saber como...
Num Verão quente, impregnado de horas mortiças e conversas inexistentes, cruzámos os olhares e sorrimos. Vencida a timidez inicial, caminhámos para uma cumplicidade que se prenunciava duradoira. Foi assim, com simplicidade e cordialidade, que quebrámos o silêncio fúnebre daquele espaço, onde ainda agora pululam seres inertes e atávicos. Neste Verão quente, com vida a espreitar a cada minuto e distâncias a cambiar saudades,...
Dale Witherow Amanhã vais partir. Soube-o ontem, desejando que as certezas se desvanecessem ainda hoje. O coração não passa no estreito das inquietações. Sente-se demasiado apertado. Tenta rodar, fazer uma cambalhota, rebolar, pular, mas não consegue desembaraçar-se. Ficam as saudades, como a lembrança mais premente das promessas firmadas no porvir. Ficam os sonhos, como a garantia da cumplicidade remota. Fica o perfume dessas...
Um dia também vou querer ter tempo para segurar uma mão pequenina e olhar de cima para baixo, com desvelo. Um dia vou querer gozar o sol que escorrega de um dia de Outono, sem pressas, no jardim dos elefantes. Um dia vou poder inventar histórias na hora e colorir um mundo agreste só para te fazer acreditar no melhor. Um dia vou...