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quinta-feira, janeiro 27, 2011

Transportes, comboios e sustentabilidade

Na sequência das discussões, quer aqui no blog, quer na lista de discussão, sobre o comboio e a sustentabilidade, resolvi fazer um post que espero que seja mais claro sobre o que defendo nesta matéria.
Para atalhar caminho, deixo já claro que enquanto utilizador acho a gestão da CP (conheço ainda pior a da REFER, e por isso não me pronuncio) razoavelmente incompetente. Mas isso é um pequeno problema quando comparado com o grande problema: a gestão da CP é politicamente dependente de gente ainda mais incompetente.
A discussão tem sido despoletada pelas recentes decisões de fecho de algumas linhas, gerando duas posições pavlovianas: os que defendem o Governo, sempre e em qualquer altura, qualquer que sejam os argumentos necessários; os que defendem a manutenção de linhas de comboio, sempre e em qualquer altura, quaisquer que sejam os argumentos necessários.
Misturar a linha da Lousã (que é uma pura estupidez de decisores que deviam ser julgados por gestão danosa e abuso de dinheiros públicos), com a linha do Tua não tem pés nem cabeça.
No primeiro caso alguém decidiu pegar numa coisa que funcionava (bem, mal, com prejuízo, tudo isso podemos discutir, mas funcionava), desmantelá-la, e depois de desmantelar dizer que afinal se enganou nas contas e já não tem dinheiro para fazer nada do que pensou, portanto fica tudo desmantelado.
No segundo caso há uma linha que passa em sítio nenhum, que ninguém usa e que é o exemplo típico das situações em que o comboio não é a boa solução de mobilidade.
Comecemos pelo princípio: o comboio é um meio de transporte pesado que se justifica quando existem grandes números (de pessoas, de carga ou dos dois) a deslocar de um ponto a outro. Nessas circunstâncias o comboio é útil e bem mais sustentável que o transporte rodoviário. Noutras circunstâncias não é assim. À grande vantagem na capacidade de transporte o comboio alia uma baixíssima flexibilidade. Ao relativamente baixo vaor de investimento, o comboio alia um elevado custo de operação.
Ora sustentabilidade inclui sustentabilidade económica.
Faz por isso sentido perguntar se os recursos de investimento disponiveis na REFER devem ser usados na linha do Tua ou no ramal do Porto de Aveiro. Faz sentido perguntar se os recursos na CP devem ser usados na melhoria da eficiência económica dos suburbanos de Lisboa e Porto ou no ramal de Cáceres.
Sim, eu sei que me falarão do facto dos transportes públicos não terem de dar lucro, sim, eu sei. Mas isso não significa que sejam um poço sem fundo, pelo contrário, implica uma definição ainda mais clara de prioridades. E implica que seja a eficiência das linhas que podem ser economicamente sustentáveis a pagar outras onde pode haver um prejuízo sensato. E implica que o Estado seja claro no que quer dos transportes públicos, o que implica disponibilizar os recursos financeiros necessários à execução da sua política (não os necessários à existência de transportes públicos).
É claro que me fez confusão descer ontem na estação (apeadeiro?) de Paialvo e ver uma estação totalmente renovada, não há muito, e fechada. Parece ser um erro de investimento (e está longe de me parecer o único do género).
Dou de barato que existem milhares de erros desses nas políticas de investimento da REFER e da CP, que passam a vida a mudar de vida (como se demonstra com o processo da Lousã).
Mas o facto de ser possível apontar erros, o facto de ser possível apontar um monte de investimentos alternativos ainda mais estúpidos, como algumas auto-estradas vazias (um post que gostaria de ter escrito) ou coisas que não sei classificar como aquele descampado também conhecido por aeroporto de Beja não invalida que não se faça um esforço para evitar a armadilha de defender o comboio sempre e em toda a parte, defendendo-o para funções que ele nunca poderá desempenhar satisfatoriamente.
Essa é uma bela maneira de o enterrar definitivamente.
henrique pereira dos santos

sexta-feira, abril 30, 2010

A maior ameaça ambiental actual

Em Portugal, uma das maiores ameaças ambientais actuais é o endividamento.
Mas se tivesse mesmo de escolher a maior, diria que é a qualidade do processo de decisão pública.
A próposito das grandes obras públicas, ouçamos a clarividência do ministro que as tutela, falando do inacreditável projecto das terceira auto-estrada Lisboa-Porto, já depois de reconfirmar TGVs, aeroportos, terceira travessia do Tejo e afins:
"«É um projecto que é benéfico e cujas receitas são seguramente superiores aos custos mas é um projecto que tendo em conta os objectivos mais gerais (…) será objecto de reavaliação no sentido de definir o seu objeto e definir prioridades», disse o ministro. "
henrique pereira dos santos

sexta-feira, maio 16, 2008

As estradas despistaram-se

“15 Mai 2008, 08:46h
Estradas de Portugal senta Quercus no banco dos réus
O presidente da associação ambientalista Quercus, Hélder Spínola, e o presidente do Núcleo da Quercus do Ribatejo e Estremadura, Domingos Patacho, vão ser julgados no Tribunal de Tomar, pela acção de protesto que realizaram em Julho de 2006 contra as obras do IC9. A primeira sessão do julgamento está marcada para quartafeira, 21 de Maio, às 14h30. Os dois responsáveis estão acusados de quatro crimes cometidos através da imprensa, uma vez que a E.P considera que os protestos e declarações dos ambientalistas aos meios de comunicação social causaram danos na imagem da empresa.
A acção judicial prende-se com os factos ocorridos a 29 de Julho de 2006, aquando da construção do traçado do IC9-Alburitel/Tomar e do sublanço IC3 Carregueiros/Tomar. Na ocasião, vários membros da associação ambientalista estiveram presentes no local a participar numa acção de protesto contra as obras de construção do traçado. O protesto foi objecto de várias reportagens televisivas, tendo sido entrevistados Hélder Spínola, na qualidade de presidente da Quercus, e Domingos Patacho, enquanto representante do Núcleo da Quercus do Ribatejo e Estremadura. Este último envergava uma t-shirt com o desenho de uma caveira e declarou às televisões que a obra que decorria “era ilegal” porque foi aprovada sem ter sido cumprido “o procedimento de impacto ambiental”. O responsável disse ainda que a EP “não tinha autorização para proceder ao abate de sobreiros e azinheiras”, salientando que não estavam contra a obra mas contra a maneira ilegal como consideravam que a EP estava a actuar.
Já Hélder Spínola referiu que o traçado “era o pior em termos de conservação de natureza” e que a empresa pública “não foi sensível” aos argumentos dos ambientalistas. A EP critica ainda o facto da Quercus terem adulterado em cartazes a sigla EP atribuindo-lhe o significado de “Estragos de Portugal – Entidade Prevaricadora do Estado”, considerando que tal situação lhes causou danos altamente lesivos no nome e imagem. A empresa pública considera que a acção ultrapassou “todo e qualquer limite de manifestação”.
No boletim electrónico da associação ambientalista foi publicado um artigo a
29 de Abril, com o título “A verdade inconveniente para a Estradas de Portugal”, onde os ambientalistas rejeitam as recentes críticas do presidente da EP, Almerindo Marques, aquando da inauguração do troço e reforçam a ideia de que a obra avançou no terreno “sem ter a devida autorização para abate e conversão dos povoamentos de azinheiras e sobreiros até Novembro de 2006”.
Na nota, assinada pela Direcção Nacional da Associação, os ambientalistas apontam que desde Novembro de 2005 que a associação tomou uma posição firme devido ao facto deste sublanço do IC9 atravessar um local proposto para “Sítio de Importância Comunitária da Rede Natura 2000, Sicó-Alvaiázere”. Os ambientalistas insistem que o mesmo foi construído “sem que tivesse sido cumprida a legislação ambiental nacional e comunitária”, considerando ainda que existiam alternativas de localização que não foram ponderadas”

Li esta notícia do Mirante e não quis acreditar. É irrelevante o que penso sobre o processo, é irrelevante o que penso sobre a forma de actuação da QUERCUS em geral ou neste caso em particular mas é para mim totalmente absurdo e inaceitável que as Estradas de Portugal, que são financiadas com os meus impostos, gastem dinheiro e energia a perseguir judicialmente uma organização de cidadãos por não ter claro na cabeça que existe um direito constitucional de liberdade de expressão.
henrique pereira dos santos

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

E enquanto os portugueses desconsideram o seu trabalho...

...ingleses participam num programa de voluntariado para o melhorar.


Resolvi fazer este novo post quando me chegaram mais estas fotografias em que finalmente se vê a passagem a partir do seu interior.

Independentemente de faltar o desenvolvimento da vegetação (e eu perceberia facilmente que se criticasse o ICNB por eventualmente não ter ainda obrigado a empresa a fazer as acções necessárias) parece óbvio o "desaparecimento" da estrada para quem circula nesta plataforma.

Mesmo em relação ao ruído (que não pode ser discutido a partir da fotografia) há um isolamento proporcionado pelos taipais em madeira que é bastante eficaz.

Repito o que já disse num comentário: o projecto desta passagem (bem como os de adaptação de outras que existem por outros motivos que não a fauna) foi precedido de uma viagem a França (o concessionário é maioritariamente francês) acompanhada de técnicos com experiência na construção de ecodutos, tendo sido visitados vários onde foram dissecadas as soluções que se tinham mostrado eficazes e aquelas que constituíam erros anteriores a evitar repetir.

Os mesmo técnicos foram co-responsáveis pela discussão de todos os detalhes destas passagens, incluindo a sua localização, nesta estrada, tendo havido um fortíssimo trabalho conjunto entre administração e promotor para encontrar no terreno as melhores soluções.

As fotografias são de um projecto de voluntariado com um grupo de ingleses que trabalharam uns tempos na melhoria da envolvente da passagem contribuindo para a sua naturalização e integração.

henrique pereira dos santos

domingo, janeiro 13, 2008

A nova história do Lobo Mau

O jornal Expresso publicou uma peça sobre o escândalo das imposições ambientais que teriam custado milhões de euros aos contribuintes por causa de meia dúzia de lobos.

Na semana seguinte o seu comentador residente Miguel Sousa Tavares comentou indignado o assalto que lhe estava a ser feito na sua qualidade de contribuinte.

Durante esse tempo e nas duas ou três semanas seguintes o assunto foi repetido e comentado em jornais e blogs.

Desde a semana em que publicou o comentário do seu comentador residente que o Expresso e a direcção do Expresso tem em seu poder o texto abaixo.

Na semana seguinte não o publicou por ter sido muito em cima do fecho do jornal a sua recepção. Na segunda semana não publicou por ser o número comemorativo dos seus trinta e cinco anos. E esta semana não publicou por qualquer razão que desconheço.

O Expresso sabe que o valor da informação depende muito do tempo em que é disponibilizada.

E o texto parece-me estar a ficar fora do tempo.

Fica pois aqui para quem o quiser ler, ficando eu a esperar que o Expresso o queira publicar quando tiver espaço.



"Por estes dias tem aparecido uma nova história do lobo mau que cansado de frágeis avozinhas agora atacaria contribuintes.
A história contar-se-ia em poucas palavras: uma alcateia de lobos teria sido o pérfido motivo usado pelos lobistas dos estudos e assessorias para sacar 100 milhões de euros aos contribuintes, imputados ao sobre-custo de uma estrada.
Para os que acreditam em histórias da carochinha esta nova versão da história do lobo mau tem sido motivo de deleite e prazer por trás de uma justicialista indignação de contribuintes. Para esses o que se segue não merece ser lido.
Para os outros, os que acham que histórias absurdas podem ter explicações mais simples que histórias normais, aqui fica alguma informação para escolherem a moral da história que lhes convier.
Era uma vez um governo que resolveu que era importante dotar o país de uma nova rede de estradas o mais rapidamente possível. Resolução que aliás não foi especialmente contestada por ninguém.
Como não havia dinheiro suficiente nos cofres públicos para o ritmo de construção que se pretendia, o governo adoptou um modelo de parceria público/ privado. Modelo que aliás também não foi especialmente contestado na altura.
Nos modelos de parcerias público/ privado os custos para o sector público são mais altos que no financiamento directo pelo Estado porque o financiamento é de maneira geral mais caro (o risco de emprestar a privados é de maneira geral mais elevado que o de emprestar aos Estados) e é preciso remunerar os capitais privados investidos (o que não acontece no investimento público directo).
O modelo compensa quando os ganhos de eficiência são maiores que os sobre-custos referidos. Relacionados com estes ganhos de eficiência estão os riscos do negócio, que devem estar inteiramente no lado dos privados.
No caso concreto destas adjudicações o Estado optou por fazer as concessões antes dos estudos ambientais, assumindo implicitamente os riscos inerentes a alterações de projecto decorrentes dos imperativos legais ligados às Avaliações de Impacte Ambiental.
Apesar das complicações ambientais do precedente processo da Ponte Vasco da Gama, que custaram ao Estado Português milhões não contabilizados de forma sistemática, e da Auto-Estrada do Sul em que Portugal perdeu um processo no Tribunal Europeu por violação da legislação comunitária, cujos custos também não estão inteiramente sistematizados, o Estado Português assumiu que as condicionantes ambientais de um conjunto significativo de estradas que cruzavam áreas importantes do ponto de vista do património natural, incluindo áreas da Rede Natura, eram questões que se resolveriam sem grandes complicações para os traçados que serviam de base às concessões.
Este erro de análise compreende-se à luz da relativamente pouca experiência quer do modelo de parcerias publico/ privado aplicado às obras públicas (em Portugal o modelo tinha sido usado uma vez, na construção da Ponte Vasco da Gama), quer da gestão da rede Natura que dava nessa altura os seus primeiros passos.
Sobre todos estes aspectos pode ter-se uma visão abrangente lendo os documentos do Tribunal de Contas sobre esta matéria.
No caso em concreto das estradas que entroncam em Vila Pouca de Aguiar (A7 e A24) optou-se por avançar mais rapidamente com os troços com menores condicionantes ambientais, deixando para o fim os troços ambientalmente mais complicados – na auto-estrada paralela à A1, na zona de Estarreja, dez anos depois da concessão ainda hoje está por construir o troço mais problemático em termos ambientais.
Esta opção, se permitiu um avanço mais rápido na construção dos troços com menores impactos ambientais, implicou um muito menor grau de liberdade na definição dos traçados mais problemáticos na medida em que fixou, irremediavelmente, os pontos de amarração dos relativamente pequenos troços com maiores condicionantes ambientais.
As comissões de Avaliação de Impacte Ambiental não projectam estradas: escolhem num processo totalmente público, traçados entre os propostos por quem sabe de estradas.
O que significa que todos os traçados postos à avaliação ambiental (e nos troços com condicionantes de conservação significativas a discussão das alternativas é central na decisão ambiental) são da responsabilidade das entidades que tutelam o sector e são, à partida, exequíveis e servindo os objectivos do projecto.
No processo de Avaliação do Impacte Ambiental da A24 foi escolhido o traçado com menos impactos ambientais, nomeadamente sobre as populações de lobos, mas também sobre vários outros valores ambientais significativos.
Exactamente pela pouca experiência do país na gestão de construção de infra-estruturas em áreas de sensibilidade ambiental elevada, o traçado escolhido foi uma surpresa para o proponente, que logo de imediato referiu um conjunto de contra-indicações do ponto de vista rodoviário e financeiro, incluindo alguns aspectos de segurança rodoviária significativos: em Trás-os-Montes o traçado desenvolvia-se acima dos 1200 metros de altitude durante alguns quilómetros, o que colocava problemas relacionados quer com as geadas (e a neve) quer com os nevoeiros frequentes.
Por esta razão o proponente acabou por pedir a reapreciação do processo apresentando uma nova solução de traçado, substancialmente mais barata mas implicando o atravessamento da veiga de Vila Pouca de Aguiar num viaduto que tem motivado os comentários sobre o custo por lobo da referida estrada.
Este viaduto não tem nada a ver com o ecoduto construído para diminuir o efeito de barreira representado por uma estrada totalmente vedada, como é o caso. Ecoduto que é apenas uma das muitas passagens para a fauna projectadas, sendo que muitas delas coincidem com passagens superiores e inferiores que servem a circulação local, também afectada pela barreira constituída pela estrada.
O sobre-custo da auto-estrada não decorre do ecoduto para os lobos, uma técnica de minimização do efeito de barreira provocado pelas estradas usada correntemente em todos os países desenvolvidos e com um custo marginal na construção da estrada.
O sobre-custo que vem sendo referido resulta das dificuldades em encontrar uma solução que partindo dos pontos de amarração já fixados por decisões anteriores garantisse que o Estado Português não teria de novo processos no Tribunal Europeu com custos brutais quer no processo propriamente dito, incluindo nas consultorias jurídicas inerentes, quer nas suspensões de financiamento, quer nas medidas posteriores de compensação, quer ainda na credibilidade do Estado Português.
O terreno acidentado em que se desenvolve a estrada dificulta a solução técnica. Mas o custo final da obra foi provavelmente inflacionado pelo o facto de o concessionário estar numa posição negocial fortíssima por o Estado Português ter alterado o traçado da estrada após a concessão.
Trágico seria se ao conjunto de erros identificados neste processo não se seguissem alterações de procedimento para evitar outros no futuro.
Mas todos os intervenientes no processo têm demonstrado uma capacidade de aprendizagem que permite que hoje os traçados das estradas sejam discutidos em fases prévias, com grande margem para encontrar soluções que integrem quer as condicionantes técnicas e económicas da construção e exploração da estrada, quer as condicionantes ambientais que constituem imperativos a que legalmente o Estado Português está vinculado.
Aos lobos, que não sabem de finanças nem de estradas, é que nunca deveria ter sido vestida a pele de bode expiatório dos erros dos decisores, começando pelo erro crasso de minimizar as questões de conservação no processo decisório.
Erro em que, pelos vistos, são acompanhados pela demagogia dos putativos defensores dos contribuintes."

henrique pereira dos santos

sábado, janeiro 05, 2008

Os lobos e os empreiteiros

Neste comentário no estrago da nação Pedro Vieira pergunta-se "A questão essencial é saber se as medidas de minimização acabam por atenuar os impactes negativos de um projecto ou servem apenas para dar mais obra pública aos empreiteiros."
E com base nesta questão conclui: "Se não conseguimos preservar razoavelmente 20% do território, pelo menos que se conserve bem digamos aí uns 5%.".
Estas duas frases (aliás todo o comentário do Pedro Vieira) abrem várias discussões interessantes.
A primeira questão é razoavelmente retórica mas vale a pena colocá-la: admitamos que 100 milhões de euros é muito dinheiro por sete lobos (claro que eu discordo desta formulação, como já expliquei noutros posts, mas voluntariamente estou a adoptar o ponto de vista de muitos dos comentadores que li por aí fora). Então e cinquenta milhões? Já é razoável? Ou cinco milhões? Ou... para abreviar, quanto estamos dispostos a achar razoável o sobre-custo de uma infra-estrutura por razões de conservação? Mas deixemos esta questão, que tem ramificações interessantes quando se sai da conservação para as radiações electro-magnéticas ou as obras de defesa costeira e avancemos para outro ponto de discussão.
Admitamos agora que afinal só temos recursos para conservar 5% do país. Quais são os 15 a 20% de áreas classificadas que desclassificamos? O que é óbvio, como o Centro Histórico de Coruche que é uma área protegida da Rede Nacional de Áreas Protegidas, nunca se conseguiu desclassificar quanto mais o resto.
A Comissão Europeia tem várias discussões com Portugal por designação insuficiente de áreas da rede natura, como é o caso das ZPEs para a avifauna estepária, processo sobre o qual o Tribunal Europeu já se pronunciou condenando Portugal e dando razão à Comissão Europeia.
E tecnicamente seria possível ter nos 5% do território todos os valores de conservação que queremos manter? O Miguel Araújo tem escrito e publicado sobre isto dizendo claramente que não.
As obrigações de conservação custam dinheiro. Como custa a segurança alimentar, a rede de ensino, os hospitais, a segurança no trabalho, etc.
Que o dinheiro gasto em cada uma deva ser escrutinado e avaliado, sem dúvida.
O que não entendo é por que razão se considera que fazer uma estrada que afecta negativamente património de todos (incluindo das gerações futuras) se justifica mas onerar essa estrada com soluções que a tornam compatível com a conservação desse património é um crime de lesa orçamento.
Alguém perguntou qual foi o custo total da estrada? Alguém pergunta quanto euros por carro que passa em cada estrada gastámos nós? Alguém sabe explicar por que razão as estradas em Portugal têm de ter sempre standards elevados mesmo para circulações relativamente reduzidas (e todos conhecemos auto-estradas com movimento reduzido). Alguém pergunta por que razão temos auto-estradas sem portagem paralelas a auto-estradas com portagem na zona mais rica do país?
Só para se ter uma ordem de grandeza, as rendas anuais, repito, anuais, das scuts andam pelos 700 milhões de euros, ou seja sete vezes o sobrecusto da estrada que é um custo único. O mais curioso é ver-se notícias de que o aumento dos combustíveis e etc. estão a fazer reduzir o tráfego nas scuts ao ponto de haver uma quebra de tráfego em relaçãoao previsto de 26% o que significa menos 180 milhões ano ou coisa do género nas rendas a pagar. Ou se quisermos, só a introdução de portagens das três scuts que o governo decidiu portajar há tanto tempo que já ninguém se lembra poupariam cerca de 200 milhões anuais de acordo com as contas então feitas pelo governo.
Justificam-se todas as estradas e todos os gastos das estradas com excepção dos que dizem respeito aos valores de conservação? Ressalve-se que não sou especialista e acredito que muita da informação que está neste post é razoavelmente pouco rigorosa mas é suficiente para termos a ordem de grandeza do que estamos a discutir.
O mais estranho é que ninguém pergunte de onde vem esse mítico número de 100 milhões de euros porque a informação disponível é a de que "o último troço da A24. 18, 1 quilómetros (de um total de 156,5) entre Vila Pouca de Aguiar e Fortunho, que custaram 54 milhões de euros".
Eu tenderia a dizer que os famosos 100 milhões são o que o concessionário pretende a mais na renegociação da concessão (que vai de Viseu a Chaves), mas se tivermos em atenção que pelo menos no troço que passa em Castro Daire parece que alguém se tinha esquecido das expropriações antes da concessão, talvez as coisas passem a ser menos evidentes.
E os lobos são o óptimo pretexto para não se discutirem as opções das estradas (e doutras infra-estruturas, já agora).
henrique pereira dos santos

domingo, dezembro 30, 2007

Deseconomia ambiental

Com o que se vai escrevendo por aí sobre o custo dos lobos na A24 acabei por ter de dar uma volta por blogs e companhia.

A quantidade de opiniões que ouvi sobre a deseconomia provocada pelo fundamentalismo ambiental e sua irracionalidade fez-me confusão.

Já com certeza me terei referido à hipótese Porter, caracterizada em artigos por Michael Porter e Class van der Linde. No essencial estes economistas dizem que a regulamentação ambiental é um factor de inovação e competitividade desde que a regulamentação cumpra dois requisitos: seja estritamente aplicada a toda a gente sem contemplações; seja orientada para os resultados e não para as tecnologias (por exemplo, os carros terem de cumprir normas de emissão e não serem obrigados a ter catalizador).


É importante ter a noção de que esta hipótese foi desenvolvida para processos industriais (ou pelo menos com uma lógica de produção industrial, como a produção de flores na Holanda) onde é válido o princípio de que os resíduos são resultado do mau uso dos recursos o que implica que a regulamentação ambiental, ao obrigar a olhar para o recurso com mais acuidade, possa ser uma poderosa alavanca para garantir ganhos de eficiência.


Ainda assim o modelo conceptual é interessante para a conservação de espécies e habitats, matéria bem mais abstracta para a grande maioria das empresas. A ligação do negócio com a biodiversidade não parece ser óbvia para muita gente.


Mas a verdade é que os negócios dependem, na sua esmagadora maioria, da biodiversidade, de forma directa ou indirecta.


Tomemos um exemplo óbvio.


A cortiça, um dos poucos sectores em que Portugal é líder mundial, tem uma forte ameaça nos vedantes sintécticos. O primeiro ataque sério que o sector sofreu foi através de uma campanha em mercados sensiveis, como o inglês e do Norte da Europa, dizendo que para fazer rolhas de cortiça era necessário abater sobreiros, pelo que comprar vinho com rolhas de cortiça era contribuir para a desertificação do Sul da Europa.


O sector respondeu muito rapidamente, com um forte apoio de organizações conservacionistas internacionais (e nacionais, evidentemente) demonstrando, pelo contrário, que o sector da cortiça era responsável por garantir a sustentabilidade de um ecossistema riquíssimo do ponto de vista da biodiversidade.


Mas evidentemente deu trabalho, teve custos elevados e acarretou perdas entretanto.


Imaginemos que a campanha era desenvolvida não contra um produto do Sul mal comportado ambientalmente mas contra um produto Nórdico. Teria o mesmo impacto? Custaria tanto reverter a opinião pública? Duvido. A maioria das pessoas imediatamente duvidaria que uma barbaridade dessas se passasse num país Nórdico.


Ora o que a maioria das pessoas que opinam (a maior parte das vezes sem sequer corresponderem aos factos, mas em Portugal é chique criticar o poder oculto do fundamentalismo ambiental) sobre o custo excessivo de algumas medidas ambientais não fazem é avaliar o custo real das opções de desvalorização das questões de conservação da biodiversidade no processo decisório.


Tal como no processo industrial a maioria dos sobre-custos ambientais de obras públicas e privadas não advém do fundamentalismo ambiental (embora por vezes aconteça) mas sim da falta de eficiência no uso dos recursos por parte das políticas sectoriais que as leva a considerar, à partida, como tontices todas as acções de conservação que possam ter implicações nas decisões que entendem ser fundamentais para o desenvolvimento (como se alguma vez alguém tomasse uma decisão e admitisse que não é importante para o desenvolvimento da economia, do país, da sociedade ou da empresa).


Para quem acha que isto são manias de país atrasado e desperdiçador é bom que leiam aqui os números do sobrecusto de um viaduto por causa de um caracol, na rigorosa e poupada Inglaterra.


O que está em causa não é demonstrar que todos os custos com a conservação são justificados e justificáveis, o que está em causa é perceber que a deseconomia está em desvalorizar a conservação no processo de decisão, com argumentos patetas do género "são só sete lobos" em vez de procurar compreender, estudar e decidir com conhecimento de causa, mesmo que seja para decidir depois que os benefícios públicos ultrapassam os prejuízos da afectação de uma determinada alcateia em concreto por uma obra em concreto.


Mas quando à partida se compreende que este é um factor de decisão como os outros a considerar deste o início e no mesmo pé (a segurança, a economia, o valor social, etc.) raramente se chega à fase do tudo ou nada.


henrique pereira dos santos

sábado, dezembro 29, 2007

A conservação tem as costas largas

Aqui pode ser obtida muita informação sobre a origem dos problemas orçamentais das scuts, incluindo a A24 e seus lobos.


A partir do follow-up do próprio tribunal de contas podem sintetizar-se as conclusões:


O RELATÓRIO DO TC N.º 14/03, DE 15 DE MAIO
Sinteticamente podemos apontar as seguintes ideias-chave constantes do Relatório n.º 14/03:
A ausência de elaboração de um Comparador do Sector Público e de apuramento do value for money;
O modelo de contratação pública utilizado evidenciou graves deficiências em matéria de transparência e competitividade;
O risco de insustentabilidade financeira em termos orçamentais era elevado, para além de transformar a gestão de futuros orçamentos numa mera gestão de tesouraria dos compromissos assumidos pelos anteriores governos;
O Estado apresentava, mais uma vez, deficientes capacidades técnicas para monitorar e gerir contratos desta natureza e complexidade;
O modelo de partilha de risco subjacente a estes contratos de parceria público privada não havia sido optimizado, do ponto de vista do interesse público;



Do própria auditoria cito:



"Sublinhe-se que os projectos que fazem parte integrante da documentação do processo de concurso respeitam apenas a projectos de traçado e não a projectos de construção. O que significa que o Estado lança estes concursos sem a prévia aprovação de estudos de impacte ambiental, sem a existência de projectos aprovados e sem a realização dos processos expropriativos. Muitos destes riscos são transferidos para as concessionárias com repercussão no preço final das suas propostas para o Estado, uma vez que estes riscos originam incerteza quanto ao custo final de construção e ao traçado final das auto-estradas."



O sublinhado é do tribunal de contas, não é meu.


E para terminar o que foi dito em 2003 sobre as concessões, mais uma longa citação:


"Quanto ao custo efectivo das Concessões SCUT para o Erário Público
As concessões rodoviárias em regime SCUT já apresentam, no contexto actual, significativos desvios, em termos de encargos adicionais para Estado.

O custo efectivo destas concessões para o erário público assenta, fundamentalmente, em cinco
vertentes:
Nos encargos contratualizados, resultantes dos pagamentos iniciais e das portagens SCUT, programados em função de um sistema de bandas, que ascendem a quase 15 mil milhões de Euros (quase 3 mil milhões de contos). Parte substancial destes encargos do Estado constitui, também, o resultado do elevado custo de capital apresentado, em geral, pelas concessionárias, nomeadamente, em termos de encargos financeiros e de remunerações accionistas, algumas delas desenquadradas do perfil de risco do projecto.
Nos encargos a assumir com os processos de expropriação, que se estima serem bem superiores a 100 milhões de Euros (cerca de 20 milhões de contos). O facto de não existir uma estimativa rigorosa, por parte do Estado, quanto ao montante final a despender com os processos expropriativos, além do mais, acarreta incerteza quanto ao apuramento dos encargos reais do Estado, a assumir com estas concessões, o que não é normal nem saudável, em termos de finanças públicas.
Nos encargos estimados com reequilíbrios financeiros, nomeadamente os resultantes de alterações de projecto e de atrasos verificados nos processos expropriativos, os quais, só nas concessões SCUT Beira Interior e Norte Litoral, ascendem a 16,3 milhões de Euros (cerca de 3,2 milhões de contos). Em finais de 2002, os desvios verificados nas concessões SCUT, em relação aos pagamentos contratualizados, nomeadamente no que respeita a relevantes alterações de projecto, susceptíveis de gerarem avultados encargos para o Estado (ainda não quantificados), podem colocar sérios problemas, quer em termos de controlo orçamental, quer ao nível da sua
sustentabilidade, na medida em que só os encargos orçamentais com os pagamentos relativos a portagens SCUT se revelavam superiores a 600 milhões de Euros (cerca de 120 milhões de contos), no período compreendido entre 2007 e 2025.
Nos potenciais encargos com o futuro alargamento das vias.

Nos potenciais encargos adicionais, subjacentes à matriz de riscos do Estado, designadamente os resultantes do risco ambiental, das modificações unilaterais, dos atrasos das expropriações, da detecção de património histórico e arqueológico e da ampliação das vias. Estes, com efeito, não se encontram, em grande parte, estimados, pelo que os riscos de impossibilidade de orçamentação e de descontrolo financeiro são elevados.
Como nota final, sublinhe-se que as vantagens elencadas para a utilização destes modelos de concessão, face à opção tradicional de financiamento público, acabaram por se esbater e sub dimensionar, através da prática contratual de recurso sistemático a reequilíbrios financeiros, cujos efeitos se afiguram paralelos aos de correntes da antiga figura dos trabalhos a mais, mas porventura mais gravosos financeiramente para o Estado."

Alguém me explica o que têm os lobos com isto? Alguém me explica por que razão se pretende atirar para o fundamentalismo ambientalista a responsabilidade que cabe ao fundamentalismo obrista?

Há quem veja em cada obra pública o radioso futuro que é necessário antecipar já para amanhã, nem que seja torneando as regras básicas de prudência na gestão e, evidentemente, os empecilhos ambientais. Estes são os homens pragmáticos e defensores do desenvolvimento.

Mesmo que a cada novo futuro radioso corresponda um custo escondido para os que vierem depois.

Os lobos e todos os outros cá estarão para explicar como o plano era genial mas foi torpedeado pela cegueira ambiental do fundamentalistas.

henrique pereira dos santos

Os jornalistas, os lobos e os cordeiros

Há quinze dias o Expresso publicou um artigo sobre o sobre-custo da auto-estrada A24, que liga Vila Real a Chaves imputando-os a uma alcateia de lobos.

O assunto não era novo e já tinha motivado várias peças jornalísticas, nomeadamente no público e no expresso no Verão de 2006.

Mas desta vez o assunto já não era só o eventual absurdo do sobre-custo da auto-estrada mas também uma acusação concreta: "Segundo o Expresso apurou, há uma segunda razão para a diferença de custos: quem realizou os estudos e segundo que perspectiva. Esta tese é defendida, entre outros, por Carlos Albuquerque, responsável pela comissão de avaliação de impacto ambiental da A7. Este perito, que chegou a dirigir o Parque Natural de Sintra-Cascais, sublinha que na A7 “tivemos a preocupação de orientar as medidas de mitigação ambiental, tendo por objecto o lobo, através da construção de passagens inferiores. Tomámos como base os trabalhos de investigação feitos pelo próprio Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB)”. Já na A24 a opção foi outra. “Os trabalhos foram orientados, não em função dos interesses do lobo, mas dos de especialistas ligados a organizações não governamentais (ONG) e interessados em fazer estudos e mais estudos. É inadmissível que, quando consultado por entidades externas, o instituto adjudique constantemente trabalhos a ONG e não tenha os seus próprios trabalhos”."

O Expresso apurou? Apurou como? Ouviu uma pessoa! Confrontou a informação com documentos? Factos? Nada. E é pena. Porque teria chegado à hilariante conclusão de que a única pessoa que ouviu para suportar uma acusação desta gravidade era então Director de Serviços no ICN com responsabilidades na matéria e, pasme-se, exarou no seu parecer a sua total concordância com o parecer que agora caracteriza como um frete a interesses ilegítimos.

Que a pessoa em causa diga o que entende é normal e legítimo: quem não consegue ter grandeza nos caminhos que escolhe para atingir os seus objectivos é normal que escolha a mesquinhez. Agora que um jornal como o Expresso se contente em ouvir apenas uma pessoa numa matéria desta gravidade (a acusação só não é difamatória porque se dirige inteiramente ao acusador) e não cumpra regras mínimas do jornalismo sério é que já é mais preocupante.

Imaginemos que o que aconteceu foi que alguém com interesses na nomeação de cargos públicos resolveu escolher o momento em que mais se fala de remodelações e em que duas das três pessoas da presidência de um instituto público que lhe interessa estão em gestão após o fim da comissão de serviços para procurar ganhar margem para eventuais nomeações. É claro que é um cenário fictício, mas se um jornal der voz à pura difamação sem verificar os factos é possível que tenha feito um frete do tamanho do mundo. Consciente ou inconscientemente é matéria que se poderia discutir.

Mas não destoa do resto do país: pessoas como Miguel Sousa Tavares, Manuel Falcão, Pinho Cardão imediatamente dão como adquirido o que leram (ainda por cima mal, porque atribuem todo o cobre-custo da auto-estrada ao ecoduto e não à necessidade de encontrar uma solução legal para o traçado da estrada associada a uma concessão feita em circunstâncias que o tribunal de contas critica duramente) sem sequer se darem conta do absurdo da coisa.

No meio disto a política de conservação é o joguete que necessariamente sai a perder.

Assim se dispensa a política de conservação do património natural de ter inimigos. Com amigos destes nem são precisos.

henrique pereira dos santos