Mostrar mensagens com a etiqueta Wilderness. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Wilderness. Mostrar todas as mensagens

domingo, janeiro 02, 2011

"Independentemente de qualquer consideração de ordem económica"

Uma síntese feliz, retirada daqui, leitura que se recomenda no contexto desta discussão
Da lista de discussão que partilha a sua gestão com este blog, retirei o título deste post.
A frase completa era "assumo o meu interesse em preservar a fantástica paisagem natural do vale do Tua, independentemente de qualquer consideração de ordem económica".
O contexto da frase era o da discussão sobre comboios e fecho de linhas, no qual me cabe a mim o papel desagradável de falar de dinheiro, essa coisa suja, que anda nas mãos de todos e que às vezes, no calor da defesa das grandes causas nobres do mundo, parece ser uma coisa irrelevante e repugnante.
No fundo nada de novo, como escrevia Suetónio há dois mil anos: "Seu filho Tito censurava-o um dia por ter lançado imposto até sobre a própria urina; Vespasiano chegou-lhe ao nariz o primeiro dinheiro cobrado por esse imposto e perguntou-lhe se cheirava mal. Respondeu-lhe Tito que não: "No entanto", tornou-lhe, "provém da urina"."
Não consigo deixar de me identificar com o mesmo Vespasiano quando alguns deputados lhe foram anunciar que os seus concidadãos lhe queriam erigir uma estátua colossal de muito valor, ao que lhes respondeu, estendendo a palma mão, que a pusessem, ali que o pedestal já estava pronto.
Tudo a propósito do excelente post do Henrique Miguel Pereira (como se não me chegassem os insultos que eu mesmo provoco, de vez em quando ainda apanho com alguns que são dirigidos a este Henrique, que não sou eu) ao qual me parece faltar um módico de economia (do que resultam os comentários do Luís, Henk e Jaime na respectiva caixa de comentários).
Os cenários de que fala o Henrique são cenários possíveis, claro, mas cenários possíveis não quer dizer cenários verdadeiros.
Por isso convém ser muito claro no fundamento das coisas, para que a incerteza dos cenários, que lhes é inerente, não se dilua na lógica do argumento.
Se é verdade que partilho parte da esperança do Henrique Miguel Pereira de que a recuperação dos sistemas é uma boa notícia para a biodiversidade, três aspectos merecem-me comentários:
1) A escola de arquitectura paisagista é agnóstica em relação às questões relacionadas com a wilderness. A opção por modelos de gestão sem intervenção é uma opção de gestão tão sólida como qualquer outra e, desse ponto de vista, a escola de arquitectura paisagista não é responsável pela falta de uso dessa opção em Portugal. Bem pelo contrário, sempre defendeu essa opção em algumas circunstâncias, mas sempre como opção de gestão que não se dirige a valores imanentes mas ao serviço do homem e determinada pelos interesses de gestão das pessoas. Quando no livro que escrevi chamei "paisagens artificiais" às áreas protegidas era exactamente a isso que me referia: retirar áreas do processo económico com base na autoridade do Estado é criar uma linha de evolução artificial para essas paisagens. Mas nada contra essa opção;
2) Dizer que há 10 000 anos quase todas as espécies europeias já existiam o que invalida a ideia de que co-evoluíram com a evolução dos sistemas de exploração e de construção das paisagens parece-me uma enorme falácia. Na apresentação que fez do livro que escrevi, Humberto Rosa usa exactamente o mesmo argumento para dizer que lhe parece que o capítulo sobre biodiversidade lhe parece o menos conseguido do livro: a especiação é uma processo lento, com um ritmo que não é compatível com o ritmo, muito mais frenético, da alteração da paisagem. Onde é que eu acho este argumento errado? É que se o processo de especiação é lento, o processo de extinção ou o processo de adaptação de populações a condições concretas pode ser muito rápido. Ou dito de outro modo, se em dez mil anos as espécies presentes ou se extinguiram (e muitas de facto extinguiram-se) ou se adaptaram, nada nos permite prever que as populações resultantes desse processo, mesmo sendo das mesmas espécies existentes há 10 000 anos, sejam capazes de rapidamente se adaptarem à rápida mudança de condições (que em qualquer caso nunca serão um retorno mas uma nova construção). Nada contra modelos de gestão orientados para a wilderness, mas não vale a pena fazer batota e diminuir os riscos reais de perda de património genético;
3) "como aproveitar esta oportunidade para evoluir para florestas auto-sustentáveis (evitando os ciclo curtos de recorrência do fogo)", ou seja, como poderemos ter sol na eira e chuva no nabal? Este é um atalho, que é uma cedência dos defensores do wilderness, para fugir a um problema social relevante: as políticas de não gestão têm de implicar a não gestão do fogo e as consequências daí decorrentes. Por uma razão simples: não é possível gerir combustiveis na fase de transição, entre o que hoje existe e o que virá depois, sem violar os princípios de uma gestão orientada para obter resultados de processos naturais. Nada contra, mais uma vez, mas é uma fraude pretender que é possível deixar de gerir sem aceitar um longo, muito longo período de fogos cada vez mais severos, antes que o desenvolvimento dos sistemas reponha os seus mecanismos de defesa (sempre temporária) face ao fogo.
O posto do Henrique Miguel é importante, a discussão sobre o assunto também.
E essa é sempre uma discussão sobre economia.
henrique pereira dos santos

sexta-feira, dezembro 31, 2010

O abandono agrícola como uma oportunidade para a biodiversidade



Nos últimos anos muitos cientistas e ambientalistas têm-se preocupado com os potenciais impactes do abandono agrícola sobre a biodiversidade. Digamos que há uma verdadeira escola de pensamento sobre esta questão, com raízes não só na Arquitectura Paisagista (onde a perspectiva da paisagem como algo que deve ser gerido é fundamental) como na Biologia da Conservação (que como o próprio nome indica é aversa à mudança). Aliás temos aqui um verdadeiro paradoxo, nos países em vias de desenvolvimento temos vindo a preconizar a manutenção da floresta e a combater a sua conversão em zonas agrícolas. Já nos países ricos (e esta filosofia aplica-se essencialmente à Europa), defendemos a manutenção da agricultura e combatemos o regresso da floresta. O argumento utilizado até à exaustão é que as espécies na Europa co-evoluiram com a agricultura, portanto temos que manter os habitats para manter estas espécies. É fácil desmontar este argumento: a agricultura tem menos de 10 000 anos, e a grande maioria destas espécies já ocorriam na Europa antes dessa altura. E então quais são os factos científicos:
(1) Vários estudos demonstram que sistemas de agricultura extensiva têm mais diversidade de espécies que sistemas de agricultura intensiva
(2) Vários estudos demonstram que à escala local (i.e. do ha ou das dezenas de ha) há uma diminuição da diversidade de espécies após o abandono agrícola

Em relação a (1) a preocupação deve ser assegurar que nas zonas de agricultura mais intensiva (essenciais para uma produção agrícola economicamente competitiva) se mantêm elementos da paisagem que favoreçam a biodiversidade, como seja a manutenção de boas galerias ripícolas, sebes vivas, o correcto doseamento de pesticidas e adubos, entre outras. Em relaçao a (2), há que perceber que o que se passa à escala local não é necessariamente o mesmo que se passa à escala regional. Por exemplo, os estudos do meu grupo de investigação, sugerem que o desaparecimento de zonas agrícolas em áreas de montanha têm um impacto muito mais pequeno no número total de espécies do que seria de esperar se olhássemos só à escala local. Isto acontece porque as espécies têm afinidades diferentes para habitats diferentes: as espécies que se dão muito bem em zonas agrícolas também podem ser encontradas em zonas florestais, mas com menos frequência (por exemplo em pequenas zonas abertas no meio da floresta).

O que tenho defendido nos últimos anos é que devemos olhar para esta questão do abandono agrícola ao contrário, ou seja, como uma oportunidade para a biodiversidade. Muitas espécies que tinham quase desaparecido em meados do século XX com o pico populacional nas zonas de montanha em Portugal estão agora em grande expansão (faltam-nos estudos rigorosos sobre isto, mas os indícios são muitos): o corço, o javali, o veado, e em menor escala o lobo (muito polémico ainda). A nível Europeu, são várias as espécies que têm vindo a beneficiar deste abandono (ver texto do HPS sobre este tema ou este relatorio ).
A dimensão da oportunidade não deve ser sub-estimada: cenários para 2050 apontam para o potencial abandono agrícola de 20 milhões de ha na Europa Ocidental (ver este estudo de cenários globais e este para a Europa), que se somam aos vários milhões que têm vindo a ser abandonados nos últimos anos.

Até agora, muitos decisores e cientistas perante esta dinâmica imparável têm tido uma atitude de avestruz com a cabeça na areia: basta dar alguns subsídios que as actividades tradicionais se irão manter. Isto teve ainda o contexto político favorável da necessidade de "mascarar" parte dos subsídios da Política Agrícola Comum como subsídios ambientais, dada a pressão da Organização Mundial de Comércio para o fim dos subsídios agrícolas na Europa, que distorcem o mercado agrícola mundial. Esta atitude, para além de ser um desperdício de dinheiros públicos, não lida com o verdadeiro problema de frente: como aproveitar esta oportunidade para evoluir para florestas auto-sustentáveis (evitando os ciclo curtos de recorrência do fogo), que precisem de pouca gestão e que sejam biodiversas, ou como desenvolver novas formas de aproveitamento destes espaços, tanto a nível agrícola como florestal.

E assim, deixo o meu desejo para 2011: que haja mais cientistas, mais ambientalistas, e mais decisores que se apercebam da oportunidade gigantesca que o abandono agrícola nos traz para a renaturalização de espaços na Europa, a uma escala que não é vista há muitos séculos. Se isso não são boas notícias para fechar o Ano Internacional da Biodiversidade, então o que são boas notícias?

sábado, dezembro 04, 2010

Excesso de computador e avião e falta de pés no chão


A discussão sobre este post (que continua nos comentários), pode fazer pensar que em matéria de conservação sou um louco tocador de concertina na banda do Titanic.
Pode ser que sim, mas repare-se nesta coisa extraordinária:
"A população portuguesa de lobos representa apenas cerca de 15% da ibérica e, ao contrário do referenciado para certas regiões da Península Ibérica (Blanco & Cortés, 2002) e para o resto da Europa (Boitani 2000), não existem evidências de expansão recente da mesma."
Este parágrafo é retirado da ficha do lobo que consta do livro vermelho.
Apesar dos imensos cuidados na escolha de cada palavra ("certas regiões da Península" pretendendo dizer-se que há evidência de aumento populacional em Espanha, mas o melhor é acentuar que não é assim em toda a Espanha, ou "não existem evidências de expansão recente" em Portugal, que é como quem diz, eu não digo que não haja expansão, mas não me comprometam a mim) o facto essencial é que o parágrafo diz que há expansão em Espanha e no resto da Europa.
E o que há de extraordinário nisso? O que há de extraordinário é que ninguém se dá ao trabalho de explicar que especificidade existe em Portugal que justifique uma tendência populacional diferente da de Espanha e da Europa, tanto mais que não existe uma população portuguesa de lobo, existe sim uma população ibérica que se distribui entre Espanha e Portugal.
Mas se eu sou um louco tocador de concertina na banda do Titanic, o melhor mesmo é ir ouvir o resto da banda, por exemplo, lendo o que dizem outros sobre o wildlife comeback in Europe.
O movimento conservacionista reaccionário pretende desesperadamente manter o discurso da desgraça anunciada ao virar da esquina.
O movimento conservacionista que se preocupar com a realidade sabe que a discussão a fazer se prende com o preço que boa parte do resto do mundo está a pagar por este wildlife comeback europeu que resulta sobretudo da diminuição da pressão produtiva alimentar em território europeu.
Daí o meu conselho aos académicos e ambientalistas que escrevem sobre o assunto: menos modelação computacional, menos inferência estatística, menos horas de avião em reuniões internacionais onde se aferem todos esses modelos e inferências e mais horas com os pés no chão seriam muito, mas mesmo muito úteis à conservação em Portugal.
E mais, muito mais atenção ao tempo e à paisagem.
henrique pereira dos santos

sábado, fevereiro 06, 2010

Gestão activa e não intervenção


Em matéria de conservação coexistem duas linhas de gestão: uma que implica intervenção sobre os territórios, outra que implica não intervencionar nada.
Miguel Araújo tem sido um dos grandes defensores das virtudes da não intervenção.
Eu já fui mais contrário a esta ideia, hoje tenho uma posição mais moderada, convencido pelos argumentos do Miguel e outros (como o Carlos Aguiar em alguns aspectos).
O que me interessa destacar é que é preciso ter consciência da implicações de uma ou outra opção.
A não intervenção é pacífica em áreas relativamente restritas mas para ter verdadeiro significado de conservação deve ter dimensões mínimas de 100 000 hectares que é o que permite que a dinâmica de populações dos grandes mamíferos seja razoavelmente independente do que se passa à volta.
A opção pela não intervenção tem ganhadores e perdedores, mesmo entre as espécies que queremos conservar.
Uma das razões pelas quais acho que a não intervenção em larga escala é socialmente inaplicável em Portugal (a discussão técnica é diferente da discussão social) é que a maioria das pessoas, mesmo das pessoas que a defendem, não estão disponiveis para aceitar as suas consequências: fogos enormes e severos durante muito anos até à estabilização do coberto vegetal criador de sombra e húmido, diminuição brutal de muitas espécies, com quase todas as mais emblemáticas que hoje protegemos (coelho, imperial, real, lince, borboletas,etc.) e a recuperação de outras (corço, urso, provavelmente alguns peixes, por exemplo) sendo mais ou menos indiferente para outras (lobo, por exemplo).
Daí que a gestão activa dirigida a grupos específicos, como o coelho e as estepárias, seja aceite com relativa facilidade.
Esta gestão activa implica intervenção permanente para contrariar a tendência natural para as matas fechadas e umbrosas das nossas condições climáticas.
Há duas formas de fazer esta gestão activa: ou os agentes económicos a fazem quotidianamente porque é do seu interesse económico (agricultores, pastores, caçadores, conservacionistas que actuam no mercado das doações) ou o Estado o faz retirando recursos à actividade económica externa.
O Estado é de maneira geral menos eficiente e mais volúvel na sua actuação que os agentes económicos que se guiam por grandes tendências de mercado e por isso eu defendo que sempre que a economia poder produzir biodiversidade é por aí que devemos actuar. E que sempre que a economia se afasta dessa possibilidade, com excepção das situações de não intervenção em que o peso directo do Estado pode ser mais interessante porque o que é preciso é investimento inicial mas pouca gestão operacional para além de funções clássicas do Estado como a repressão), o mais interessante é o Estado actuar indirectamente através da intervenção nos mercados que possam influenciar a gestão activa que se pretende.
É assim que a não caça não obtém as mesmas densidades de coelho que a caça bem gerida, excepto quando quem promove a não caça actua como qualquer outro agente económico, comprando terrenos e gerindo-os orientado para os seus clientes, os doadores.
Adenda: sobre a questão da morte de uma imperial, que se pretende ligar aos problemas de conservação criados pela caça, ver aqui. Trata-se de um problema de polícia, não é um problema de conservação de primeira grandeza.
henrique pereira dos santos

quinta-feira, junho 11, 2009

Um novo uso para o espaço rural?


Laurisilva, Açores (2004). Foto de Miguel B. Araújo

O outro dia fizeram-me a seguinte pergunta por escrito:
"Na Europa, o conceito de santuário natural é quase indissociável da presença humana. O que é urgente fazer para tentar conciliar a protecção ambiental com a presença do Homem?"

Como optaram por não publicar a resposta, aqui fica ela:
É lugar comum afirmar que sem presença humana os ecossistemas Europeus perderiam biodiversidade. Acontece que a biodiversidade é o resultado de 3.5 biliões de anos de evolução. A nossa espécie existe há apenas 200.000 anos, sendo que a agricultura foi inventada à 10.000 anos e chegou à Península Ibérica há cerca de 5.000 anos. Neste contexto, dificilmente se concebe que sem actividades humanas a biodiversidade estaria comprometida.

A questão é que, na Europa, a expansão da agricultura deu origem a ecossistemas empobrecidos. São ecossistemas desprovidos de grandes herbívoros nativos e de predadores de topo. Os primeiros foram substituídos pelo gado e os últimos pelos agricultores. Com a tendência actual de redução da área agrícola a questão que se coloca é o que fazer com estes espaços. O abandono dos campos pode dar lugar a ecossistemas monótonos já que espécies críticas para o funcionamento dos ecossistemas, como os herbívoros, estão ausentes. Mas nada disto é inevitável.

A presença humana pode ser substituída por agentes naturais de transformação da paisagem. O abandono rural pode dar origem a novas funcionalidades no território, designadamente a conservação de processos naturais. Estas espaços teriam uma forte componente recreativa e turística, como acontece noutros lugares onde este tipo de áreas naturais existem.

Do ponto de vista estratégico, a questão é se combatemos o abandono rural, ou aproveitamos esta tendência de despovoamento rural para promover mudanças mais profundas que passariam pela renaturalização de algumas áreas rurais. A primeira estratégia é cara pois implica a manutenção de actividades tradicionais, artificialmente, com fundos públicos. A segunda, é barata pois devolve aos agentes naturais uma parte do protagonismo na gestão do território abrindo, simultaneamente, oportunidades para gerar riqueza através de actividades económicas ligadas ao desfrute de um certo ideal de natureza.

domingo, dezembro 19, 2004

Fundamentos...

É frequente repetir-se a ideia de que não há conservação sem civilização e de que sem a manutenção de actividades agrícolas e silvo-pastorís se perderiam os valores naturais que compõem a nossa paisagem.

Este seria tema de longa conversa – talvez para outro dia – mas por agora deixo aqui uns pensamentos de Aldo Leopold:

"Man always kills the thing he loves, and so we pioneers have killed our wilderness. Some say we had to. Be that as it may, I am glad I shall never be young without wild country to be young in. Of what avail are forty freedoms without a blank spot on the map?"

"Wilderness areas are first of all a series of sanctuaries for the primitive arts of wilderness travel... I suppose some will wish to debate whether it is important to keep these primitive arts alive. I shall not debate it. Either you know it in your bones, or you are very, very old".