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terça-feira, fevereiro 15, 2011

Do pensamente mágico na academia

O relatório que referi no último post é um bom relatório sob vários aspectos, tem informação empírica relevante e já me foi útil. E foi de lá que tirei esta figura.
Mas tem um problema estrutural: as ideias da sua autora e dos seus orientadores sobre conservação. Que são aliás bastante comuns.
E é por este vício de raciocínio ser tão comum que resolvi pegar num aspecto concreto do relatório procurando explicar que quando não se toma cuidado o pensamento mágico tende a exilar o pensamento científico. Mesmo em relatórios científicos, como é o caso.
Um conjunto de citações e depois um comentário final.
"Ao longo dos corredores de construção das rodovias em estudo, os valores de IQA [mede a densidade de indícios de lobo] foram sempre baixos ou mesmo nulos (Figura 3) (Petrucci-Fonseca et al, 2007). "
...
"Entre 2005 e 2008, a percentagem de quadrículas utilizadas pelo lobo foi diminuindo, chegando a verificar-se um decréscimo de 56,6% do uso do espaço no ano 2008 em relação a 2005. Este decréscimo ao longo dos anos está relacionado em parte com a construção das infra-estruturas A24 e A7 na área de estudo durante o referido período de tempo. Analisando-se os valores de IQA, verifica-se uma redução geral dos mesmos e um afastamento do lobo em relação às auto-estradas, especialmente da A24, uma vez que o número de quadrículas com presença de lobo é muito baixo."
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"A intensidade de uso por parte da espécie das quadrículas junto às rodovias, apesar da recuperação, ainda é fraca, com excepção ao troço da A24 entre Vila Pouca de Aguiar e Pedras Salgadas. Este troço está numa zona de contacto entre a Serra da Padrela e a Serra do Alvão e apesar da vegetação da encosta leste da Serra do Alvão ter sido destruída por um grande incêndio, parece continuar a ter condições para a presença do lobo."
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"Entre Janeiro e Junho de 2010 encontraram-se valores de IQA mais baixo do que os observados no mesmo período do ano anterior (Anexo IX). Verificou-se um afastamento do lobo em relação a ambas as auto-estradas, não se observando quadrículas com presença em redor da A7 e do troço da A24, onde anteriormente já fora registada."
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"A comparação dos IQA’s médios ao longo dos anos veio demonstrar uma diminuição dos mesmos e principalmente uma diferença significativa entre o ano 2005 e os anos 2007, 2008, 2009, e 2010 e entre o ano 2006 e os anos 2008 e 2010. Esta diferença vem confirmar a existência de uma perturbação sobre a população lupina desta área. As auto-estradas parecem ser responsáveis por esta diminuição geral dos IQA médios anuais, uma vez que foi a partir do ano 2005 que se começou a verificar a redução dos mesmo, ano esse que corresponde ao início da construção destas infra-estruturas. Porém, outros factores de perturbação podem também estar a contribuir para esta situação, tais como a construção de parques eólicos ou a existência de pedreiras na área de estudo. Contudo observa-se um aumento dos valores de IQA de 2009, que poderá indicar uma diminuição do impacto das auto-estradas, ou seja, uma diminuição do efeito de repulsa. Todavia, nas duas primeiras estações de 2010 verificam-se valores de IQA mais baixo comparativamente às duas primeiras estações do ano 2009. É, portanto, provável que a população do lobo continue a sentir os impactos da construção da A24 e A7 ou de outros factores de perturbação."
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"Densidade Populacional nº ind/100 km² de 2005 (primeiro) a 2009 (último):
2,12; 1,76; 2,00; 1,76; 1,76"
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"estes valores encontram-se dentro dos valores apresentados para os núcleos a Norte do rio Douro (Pimenta et al, 2005). Todavia, mais baixos comparativamente com os estudos de Carreira & Petrucci-Fonseca (2000), para a mesma região, em que a estimativa é de 2,6 lobos/km2 no Outono."
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"o baixo registo de indícios de presença do lobo em redor destas infra-estruturas não é, contudo de estranhar, uma vez que estas vias se encontram fora dos centros de actividade das alcateias da área de estudo, sendo portanto o uso do espaço próximo das auto-estradas mais pontual e apenas durante movimento exploratórios ou de dispersão de alguns indivíduos da espécie".
Depois de se passar o tempo todo a dar explicações para a baixa densidade de indícios junto das auto-estradas a partir da tese base (as auto-estradas afectam a espécie), uma nota quase de rodapé explica o essencial: o traçado das estradas foi alterado para afectar o menos possível os valores naturais presentes.
Depois de se passar o tempo todo a discutir densidades de indícios (esquecendo como são frágeis os métodos de análise, com visitas de jipe de três em três meses para uma área vastíssima) passa-se como cão por vinha vindimada pelo facto de não haver variações expressivas (e muito menos com uma tendência definida) sobre a densidade populacional de lobos.
A falta de rigor nas interpretações que são feitas (e não esqueçamos que sendo natural jovens profissionais cometerem erros básicos por falta de experiência, já é menos razoável admiti-los em trabalhos que têm orientadores experientes e conhecedores) acaba por mascarar o essencial dos resultados:
Repare-se neste parágrafo quase final do relatório:
"As principais presas do lobo ibérico na área de estudo são os ungulados domésticos, sem os quais seria muito difícil esta espécie sobreviver. Torna-se então necessário implementar medidas de conservação e gestão que visem diminuir a predação dos rebanhos e o pagamento atempado das indemnizações dos prejuízos."
Como? Então a espécie depende da predação sobre os rebanhos e conclui-se que para conservar a espécie é precisa diminuir essa predação?
Eu percebo o raciocínio ingénuo por trás deste parágrafo: se o lobo preda os rebanhos os pastores vão matar os lobos, portanto é melhor fazer qualquer coisa para ver se isso se resolve e parece que pagar os estragos (que não serve para diminuir a predação sobre os rebanhos, só serve para ressarcir prejuízos) e diminuir a predação sobre os rebanhos está na lista das medidas de conservação do lobo.
Só que a questão é outra. O que se passa é que os lobos estão em stress trófico, e o que é preciso é resolver isso: aumentando a predação sobre os rebanhos, se for o caso, gerindo habitat para aumentar a densidade de outras presas, se for possível.
E o relatório até tem uma coisa fantástica: a identificação do coelho como uma presa relevante.
Aumentar a densidade de corços é possível, mas demora tempo, aumentar a densidade de coelhos é mais fácil.
Mas qual seria o orientador que aceitaria uma tese que propusesse o aumento da densidade de coelho para melhorar as condições de conservação dos lobos em Vila Real?
Antes a diminuição da predação dos rebanhos, que é absurdo (face aos dados) mas é politicamente correcto.
henrique pereira dos santos

domingo, fevereiro 13, 2011

Lobos e coelhos

Tenho sido motivo de chacota por parte de alguns conservacionistas emocionalmente envolvidos na conservação do lobo por dizer, especulativamente, que uma das causas do declínio do lobo na Península Ibérica pode ser o declínio do coelho.
Expliquei as minhas razões neste post.
E hoje, mais de dois meses depois, Frederico V chama-me a atenção para este relatório (cuja leitura aconselho, pelo que tem de dados empíricos e como ilustração da resistência das ideologias conservacionistas ao confronto com a realidade, que ignoram olimpicamente quando as contradizem).
Pois bem, depois das cabras, que representam mais de 80% da dieta do lobo na região, aparecem em segundo os coelhos, com mais de 6% de peso na dieta.
Cada vez estou mais convencido de que é mais fácil compreender a dinâmica das espécies selvagens estudando as dinâmicas da paisagem que lendo os resultados de grande parte da investigação em biologia da conservação, fortemente dominada por ideias feitas.
Infelizmente erradas.
henrique pereira dos santos

sexta-feira, dezembro 03, 2010

O fado da desgraçadinha

Nos comentários a este post lá aparece alguém a chamar a atenção para o facto de ter havido uma diminuição de 18 alcateias para 12/ 13 no Alvão, sugerindo que isso invalida a minha afirmação de que o lobo é uma espécie em expansão no Norte de Portugal.
Em matéria se conservação há sempre este fado da desgraçadinha: nunca há boas notícias, só desastres anunciados.
E depois fala-se nos parques eólicos, nas estradas e nos fogos como explicando esta diminuição, que se considera uma desgraça.
Independentemente do desaparecimento destas alcateias ter uma importância menor na dinâmica de recuperação da espécie, estas explicações são, para mim, muito extravagantes.
A ideia de que os incêndios são um factor de ameaça para o lobo não tem a menor sustentação empírica: parte de uma associação de ideias lógica, mas falsa. Os incêndios degradam os habitats de reprodução, portanto são um factor de ameaça para o lobo. O erro está em considerar que os incêndios degradam o habitat, o que está por provar. Aliás o normal é considerar-se que o fogo é um motor de alterações da paisagem mas os fogos que hoje temos não são nenhum motor, são antes uma consequência das alterações da paisagem.
Dos eólicos ainda falta algum tempo para termos informação fiável, mas o estranho é considerar-se como um importante factor de ameaça um factor que actua há muito poucos anos, quando a dinâmica populacional lhe é muito anterior.
Das estradas diz-se sempre uma data de coisas, mas fica por explicar como havendo um aumento generalizado de estradas em Portugal e no resto da Europa, só ali no Alvão é que são um problema sério.
O meu ponto de vista é simples de enunciar e difícil de demonstrar: eólicos, estradas, barragens não passam de uns arranhões na paisagem e na dinâmica populacionais dos grandes mamíferos oportunistas e flexiveis como o lobo.
Os factores condicionantes da dinâmica do lobo estão em coisas mais triviais: no almoço (o nosso e o dele).
henrique pereira dos santos