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domingo, 28 de setembro de 2014

Anselmo Borges: "A ciência e o divino 3"

Texto de Anselmo Borges no DN de ontem.



Como vimos, Einstein afirmava-se como pessoa religiosa, mas acreditando no "Deus de Espinosa que se revela na ordem harmoniosa daquilo que existe e não num Deus que se interesse pelo destino e pelos actos dos seres humanos."

Há o mistério último da realidade, que se impõe. A pergunta é se se opta pela Natureza impessoal ou pelo Deus transcendente, pessoal e criador.

Compreende-se o fascínio da afirmação da Natureza como força geradora divina de tudo. Esta concepção é bem resumida pelo filósofo Marcel Conche, ao escrever que Deus é inútil, pois a Natureza cria seres que podem ter ideias de todas as coisas, inclusive da própria Natureza. Está a referir-se não à natureza "oposta ao espírito ou à história ou à cultura ou à liberdade", mas à "Natureza omnienglobante, a physis grega, que inclui nela o Homem. Essa é a Causa dos seres pensantes no seu efeito."

Esta concepção confronta-se, porém, com objecções de fundo. Ao divinizar a Natureza, põe em causa a secularização e, consequentemente, a liberdade. Depois, tem dificuldades em explicar como é que a Natureza, que é impessoal, dá origem à pessoa, como é que mecanismos da ordem da terceira pessoa acabam por dar origem a alguém que se vive a si mesmo como eu irredutível na primeira pessoa.

Neste domínio, houve recentemente um debate significativo entre o matemático P. Odifreddi e o Papa emérito Bento XVI. Na sua resposta ao livro de Odifreddi, "Caro Papa, ti scrivo", Bento XVI escreveu uma longa carta, em parte publicada no jornal "La Repubblica" de 24 de Setembro de 2013, na qual refere precisamente este debate. Textualmente: "Com o 19.º capítulo do seu livro, voltamos aos aspectos positivos do seu diálogo com o meu pensamento. Mesmo que a sua interpretação de João 1, 1 esteja muito longe do que o evangelista pretendia dizer, existe, no entanto, uma convergência que é importante. Mas se o senhor quer substituir Deus por "A Natureza", fica a questão: quem ou o que é essa natureza. O senhor não a define em lugar nenhum e, portanto, ela parece ser uma divindade irracional que não explica nada. Mas eu quereria sobretudo fazer notar ainda que, na sua religião da matemática, três temas fundamentais da existência humana não são considerados: a liberdade, o amor e o mal. Espanta-me que o senhor, com uma única referência, liquide a liberdade que, contudo, foi e é o valor fundamental da época moderna. O amor, no seu livro, não aparece, e também não há nenhuma informação sobre o mal. Independentemente do que a neurobiologia diga ou não diga sobre a liberdade, no drama real da nossa história ela está presente como realidade determinante e deve ser levada em consideração. Mas a sua religião matemática não conhece nenhuma informação sobre o mal. Uma religião que ignore essas questões fundamentais permanece vazia."

Evidentemente, quem acredita no Deus transcendente, pessoal e criador sabe que Deus não é pessoa à maneira das pessoas humanas, finitas. Deus também não é um Super-homem. O que se quer dizer é que Deus não é um Isso, uma Coisa. Como escreveu o teólogo Hans Küng, "Deus, que possibilita o devir da pessoa, transcende o conceito do impessoal: não é menos do que pessoa". Não esquecendo que Deus é e permanece o Inabarcável e Indefinível - Gregório de Nazianzo (330-390), doutor da Igreja, pergunta: "Ó Tu, o para lá de tudo, não é tudo o que se pode dizer de Ti?" -, pode dizer-se que é "transpessoal".

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Como Nossa Senhora salvou o melhor filme de sempre


Curiosa crónica de Manuel S. Fonseca, no caderno "Atual" do "Expresso" de sábado passado. Régis Debray já tinha dito que há continuidade entre o fim da crise iconoclasta, no segundo Concílio de Niceia (787), e Hollywood (alguém sugeriu que se erguesse uma estátua a João Damasceno em Hollywood). Em resumo, o cristianismo criou a cultura da imagem. Agora ficamos a saber que por detrás do maior filme de sempre (eu também sou mais "O mundo a seus pés" do que "Casablanca") está a influência, ainda que por vias travessas, de Nossa Senhora. O cristianismo criou o cinema, mas Maria deu-nos o melhor filme.

sábado, 27 de julho de 2013

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

“Aos jovens, como podem tirar proveito das letras pagãs”


Quando o bizantino Manuel Crisolora foi para Florença, no ano de 1397, pago pela signoria da cidade para ensinar grego aos florentinos, levou consigo a sua biblioteca.

Sabe-se que incluía obras de Homero e Tucídides, Platão e Plutarco e de mais alguns. Entre os volumes, um teve especial influência no Renascimento que havia de vir: “Aos jovens, como podem tirar proveito das letras pagãs”.

Não é errado pensar que este livro teve uma influência gigantesca no amor pelos clássicos, tão essencial ao Humanismo. O autor? São Basílio, o capadócio, o grande teólogo do Espírito Santo no séc. IV e inventor dos hospitais.

Quem poderia hoje escrever um novo: “Aos jovens, como podem tirar proveito das letras ateias?”

Basílio Magno

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Homem e mulher os criou

Isidorus Hispalensis, mais conhecido por Isidoro de Sevilha, nas suas tão magníficas quanto fantasiosas e influentes etimologias (Etymologiae), dizia que o macho vai buscar o seu nome (vir) à própria força (vis), enquanto a mulher (mulier) está ligada à moleza, à impudicícia (mollities). 

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Tertuliano: As mulheres, essas sem pneuma, querem agora fazer ações do Espírito?

Pão, só fazê-lo. Reparti-lo, nunca.

Este texto surge como resposta a um comentário de J.S. sobre a oposição dos Padres da Igreja ao sacerdócio ministerial das mulheres (nos comentários daqui). Em vez de escrevê-lo nos comentários, ponho-o no corpo principal do blogue (algo que farei mais vezes). Agora fala-se apenas de Tertuliano.

Temos então os Padres da Igreja e a condenação do sacerdócio feminino. Foi unânime, é certo. Tão unânime que a respeito disso têm surgido algumas teses, recentes, cujo valor seria interessante debater.

Uns, pró-mulheres (da apologética feminista), dizem:

- As heresias foram mais defensoras da mulher do que a Igreja oficial.

Outros, antimulheres (do conservadorismo antifeminista) dizem:

- As mulheres eram mais dadas a correntes heréticas, pelo que a Igreja teve que proibir as mulheres de ensinar (entre outras coisas).

Não vou dizer o autor de onde colhi isto, mas, com ele, e com a autora que aponta (Anne Jensen, uma católica convertida, filha de um Nobel, falecida em 2008), também as considero erróneas.

Mais interessante, na mesma linha, seria verificar nos movimentos chamados heréticos e que dão destaque às mulheres o que é causa de quê. Se o movimento é herético por dar relevo a mulheres ou dá relevo a mulheres por causa de ser herético ou coincidindo com o ser herético. Em alguns casos, a chamada heresia está precisamente em dar relevo (mais protagonismo) às mulheres.

Outro dado significativo é o facto de “desde sempre”, em “todo o lugar”, em “todas as circunstâncias” (as expressões são minhas, mas apontam para a retórica dos que dizem que as mulheres não podem nem poderão vir a ser ordenadas) a ordenação ser proibida. Isto quer dizer, pelo menos, que “desde sempre”, em “todo o lugar”, em “todas as circunstâncias” o problema tem sido posto, mesmo que teoricamente – ou seja, não é uma questão irrelevante, nunca está resolvida ou então a resposta é não satisfaz ou não é percebido e recebida como tal. E o facto de “desde sempre”, em “todo o lugar”, em “todas as circunstâncias” a resposta ser a mesma, o não (é mesmo? julgo que não, mas a oficialidade diz sim), não significa que a justificação dessa resposta seja a mesma. Pelo contrário. E na maior parte da história cristã está subjacente uma antropologia pouco recomendável (para hoje, claro), que, entre outros aspetos, é pouco bíblica.

O caso de Tertuliano

= É curioso que um opositor à ordenação das mulheres me cite Tertuliano. Curioso porque, num outro debate (o de diabo/demónio) com a mesma pessoa, quando citei alguns autores, tentou desconsiderá-los porque em algum momento tinham sido admoestados – ou algo do género – pela autoridade eclesiástica. Pois Tertuliano, em alguns aspetos, foi considerado não ortodoxo. Mas, obviamente, defendo que mesmo os não-ortodoxos podem ser chamados ao debate. E no caso de Tertuliano, se é invocado aqui por um opositor à ordenação, espero que não seja esquecido quando o assunto em debate for o divórcio. É que Tertuliano (e não é por isto que era herético) defendeu o recasamento cristão depois do divórcio. =

Tertuliano opõe-se a que as mulheres ensinem, debatam, façam exorcismos, curas, oferecer (supõe-se que o Pão da Eucaristia)…

O que Tertuliano terá dito, por outro lado, sobre a sexualidade e a mulher? Assim de repente (ou seja, sem grandes pesquisas), leio o que ele escreveu sobre o papel da mulher na reprodução: “Ela não dá nem esperma, nem pneuma, nem matéria para o embrião, mas apenas sem dúvida o seu alimento, ao passo que o homem produz pneuma e matéria”.

E ele até explica com algum pormenor: “Enfim, na própria febre do prazer extremo, pelo qual é emitido o suco gerador, não sentimos que também se escapa de nós algo da nossa alma, ao ponto de contrairmos langor e debilidade, ao mesmo tempo que a vista diminui? Eis a substância animada, a qual vem direta da destilação da alma, como aquele suco é a semente corporal saída de um desprendimento da carne”. Ainda faltava muito para Hildegarda, a nova doutora da Igreja, descrever o orgasmo feminino.

Resumo: O homem sozinho faz tudo.

Se não há aqui uma desconsideração da mulher e conceções antropológicas insuficientes (naturalmente baseadas no conhecimento disponível na época), o que há? A mulher, que logo na reprodução tinha um papel passivo, de mero depósito, e que, como sabemos, era considerada “algo que não chegou a ser homem”, podia ensinar, ser líder, debater, fazer exorcismos, curas, oferecer a Eucaristia? De certo que a coisa nunca iria ficar bem feita. Como é que essas que não são fonte de “pneuma” querem presidir ou ser ministras para a ação do Espírito (pneuma)? – podia bem ser este o raciocínio de Tertuliano.

sábado, 14 de julho de 2012

Madres da Igreja, o livro


Alguém que traduza e publique em Portugal

Foi publicado nos EUA um livro sobre as “Mães da Igreja”, ou seja, as mulheres cristãs, das quais se conhece alguma coisa, do tempo dos Padres da Igreja. O título é “Mothers of the Church: The Witness of Early Christian Women”. Os autores são Mike Aquilina e Christopher Bailey. Tive conhecimento do livro por ter lido aqui que
é um livro tremendamente bom e preenche uma importante lacuna – aqui temos um livro que se centra na influência de importantes mulheres cristãs.
A obra
destaca o fato de que o cristianismo provocou um reconhecimento revolucionário da dignidade das mulheres. Dito de forma mais simples, filhas mulheres eram frequentemente descritas como um fardo. Uma análise cuidadosa da sociedade greco-romana revela que muitas bebês meninas eram simplesmente descartadas ao nascer, entregues à morte nos esgotos.
Sobre a condição da mulher desses tempos, vale a pena recitar uma carta de um tal Hilarion, homem de negócios, escrita à sua mulher grávida:
Saiba que eu ainda estou em Alexandria. E não se preocupe se todos voltarem e eu permanecer em Alexandria. Eu peço e imploro que você cuide bem do nosso filho bebê, e assim que eu receber o pagamento, vou enviá-lo para você. Se você der à luz uma criança [antes de eu chegar em casa], se for um menino, fique com ele; se for uma menina, descarte-a.
O cristianismo, como é sabido, mudou este panorama.

Na Amazon pude ler o índice e algumas páginas. Registo as figuras femininas abordadas:

- As santas mulheres do Novo Testamento;
- Mártires e heroínas: Tecla, Perpétua e Felicidade, Blandina, Agnes de Roma;
- Poetisas e pensadoras: Macrina, a poetisa Proba, Marcela, Paula e Eustáquia, Mónica;
- Mulheres independentes: Helena, Olímpia, a viúva Proba e a peregrina Egéria.

Já agora, quais destas eram conhecidas dos leitores?

Eu conhecia Tecla (algo venerada no norte de Portugal), Perpétua e Felicidade, das ladainhas e do cânone romano (pouco usado nas missas), Mónica, mãe de santo Agostinho, Helena, mãe de Constantino (suponho que é esta), a viúva Proba, referida por Bento XVI na “Spe Salvi”, e a peregrina Egéria. Quanto a leituras, só li excertos da peregrinação que Egéria fez à Terra Santa.

Parece que o livro vale principalmente pelos textos dos Padres da Igreja que falam destas mulheres, já que só duas ou três deixaram efetivamente textos.

domingo, 30 de outubro de 2011

“Toma cuidado e não vivas mal enquanto falas bem”


Alguém que ouvira o versículo «Oferece a Deus um sacrifício de louvor» (Sl 49,14) pensou: «Todos os dias, ao acordar, irei à igreja e aí entoarei um hino da manhã; ao final do dia, um hino da noite; e depois, em minha casa, um terceiro e um quarto hinos. Deste modo, farei todos os dias um sacrifício de louvor que oferecerei ao meu Deus». Fazer isto é bom, se realmente o fizeres, mas livra-te de ficares tranquilo com o que fazes e vê que, enquanto a tua língua fala bem perante Deus, a tua vida não fale mal à Sua frente. [...] Toma cuidado e não vivas mal enquanto falas bem.

Porquê? Porque Deus disse ao pecador: «Que tens tu de recitar os Meus mandamentos, com a Minha aliança na boca [tu que rejeitas as Minhas palavras por trás]?» (v. 16-17) Eis o temor com que devemos falar. [...] Vós, meus irmãos, estais em segurança: se ouvirdes dizer coisas boas, é Deus que ouvis, qualquer que seja a boca que fala convosco. Mas Deus não quis deixar de repreender aqueles que falam, com receio de que adormeçam em segurança numa vida de desordem, afirmando que falam do bem e pensando: «Deus não quererá condenar-nos, pois foi através de nós que quis dizer coisas tão boas ao Seu povo». Portanto, vós que falais, quem quer que sejais, escutai o que dizeis; vós que quereis ser ouvidos, ouvi-vos em primeiro lugar. [...] Possa eu ser o primeiro a ouvir, possa eu ouvir, e ouvir melhor do que todos, «aquilo que o Senhor Deus diz em mim, pois Ele diz palavras de paz ao Seu povo» (Sl 84,9).

Agostinho (354-430), Bispo de Hipona

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Como Atanásio disse a verdade aos inimigos e se safou pelo Nilo abaixo

Santo Atanásio de Alexandria


Gosto das histórias e dos pequenos enigmas em que de um problema que aparentemente tem uma resposta de consequências trágicas emerge uma solução criativa de efeitos surpreendentes. Um dos meus preferidos é o seguinte:


Num julgamento, tipo ordálio, dizem à vítima para escolher uma das duas sentenças, escritas em papéis. Num está a condenação, no outro a libertação, garantem-lhe. A vítima sabe que, escolha o que escolher, vai ser condenada porque, na realidade, em ambos os papéis está escrito que é culpada. Qualquer que escolha, implicará a sua condenação. O que faz então? Come um deles.


Lembrei-me disto ao ler, no capítulo sobre a verdade do livro "Ser cristão para quê?" (pág. 172), de Timothy Radcliffe, a seguinte história:
Quando Atanásio estava a remar rio abaixo para escapar aos seus perseguidores, cruzou-se com eles, que iam na direcção oposta. "Onde está o traidor Atanásio?", perguntaram-lhe. "Não muito longe", respondeu e continuou a remar satisfeito. 
Atanásio, o defensor da ortodoxia contra o arianismo, diz a verdade e safa-se.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Alain de Botton ignora o real sentido cristão do trabalho


Alain de Botton é um autor que aprecio, pelo conteúdo, certamente, e uma ou outra vez mais pelo método, tendo lido quatro dos seus livros (tem pelo menos seis publicados em Portugal). Agora anda por aí a divulgar a necessidade do Ateísmo 2.0, que consiste mais ou menos em não acreditar em nada, mas aproveitar as coisas boas, como a arte e a ética, que os crentes e as religiões historicamente proporcionaram.

Escrevendo sobre temas como o trabalho (estou a acabar de ler “Alegrias e Tristezas do Trabalho”), a filosofia (ele considera-se filósofo) ou o sentido da vida, é inevitável que a religião, geralmente o cristianismo, esteja presente de um modo explícito. Mas também surge sob a forma de alusão, geralmente depreciativa. Um exemplo: Falando dos contabilistas de uma consultora multinacional, afirma: “Os níveis de empenho que em sociedades anteriores eram dedicados a aventuras militares e à intoxicação religiosa foram canalizados para uma espécie de minucioso trabalho numérico”. Podia dizer somente religião. Ou causa religiosa… Intoxicação, portanto.

Noutra passagem, omitindo a parte mais substancial da verdade histórica, afirma: “Os primórdios do cristianismo associaram ao conceito de Aristóteles [que, como os gregos antigos em geral, depreciava o trabalho manual] uma doutrina ainda obscura, segundo a qual as agruras do trabalho constituíam os meios apropriados e imutáveis para se expiarem os pecados de Adão”.

A afirmação pode ter algo de verdade. Podemos encontrar textos que interpretam as agruras do trabalho (o “suor” do Génesis) como consequência do pecado de Adão. Mas omitir o resto induz em erro. E o resto é muito maior do que tal associação. Duas ou três ideias básicas.


O cristianismo mudou claramente o modo de pensar greco-latino sobre o trabalho. Os maiores protagonistas do cristianismo nascente foram trabalhadores e não intelectuais. Os exemplos mais evidentes são os de Jesus Cristo, Pedro e Paulo. Jesus foi carpinteiro. Pedro e mais alguns apóstolos eram pescadores. Paulo exortou que é preciso trabalhar para não furtar e poder partilhar (Ef 4,28) e denunciou que quem não trabalha também não deve comer (2 Ts 3,10). Embora reconhecesse que o pregador tinha direito ao sustento, como grego que também era, optou por não dar esse peso às comunidades, e foi fabricante de tendas (Act 18,3).

Esta maneira de pensar cristã levou, a longo prazo, à abolição da escravatura (não é por acaso que acontece em contexto cristão e liderada por pessoas com motivações de fé). Os Padres da Igreja consideravam que o opus servile (trabalho servil) era simplesmente opus humanum (trabalho humano) (n.º 265 do Compêndio de Doutrina Social da Igreja). São João Crisóstomo (349-407) dizia que o ócio é nocivo ao ser humano, enquanto a actividade favorece o seu corpo e o seu espírito. Ambrósio de Milão (340-397) dizia que cada trabalhador é a mão de Cristo que continua a criar e a fazer o bem. Bento de Núrsia (480-557) escolhe para lema da comunidade que funda ora et labora, “reza e trabalha”. É este lema, espalhado através das abadias beneditinas, que transforma a face da Europa, porque abençoa a actividade humana.


Escreve Thomas E. Woods Jr. ("O que a civilização deve à Igreja Católica", ed. Alêtheia), exemplificando a mudança de mentalidade que os beneditinos introduziram no continente europeu: “O papa São Gregório Magno (590-604) conta-nos uma história significativa acerca do abade Equício, um missionário do século VI de notável eloquência. Chegou ao mosteiro de Equício um enviado papal, que se dirigiu imediatamente ao scriptorium para falar com ele, pois esperava encontrá-lo entre os copistas. Mas o abade não estava ali; como lhe explicaram os caligrafistas, com toda a simplicidade: «Está lá em baixo, no vale, a cortar feno»”.

Ele disse isto?


Se quiseres que alguém se torne cristão, deixa-o viver um ano na tua casa.


João Crisóstomo (349-407)

domingo, 19 de junho de 2011

Bento Domingues: A raiz de todos os males

Bento Domingues no "Público" deste domingo. "Até gostava de uma sociedade democrática como a Santíssima Trindade: pessoas todas iguais, todas diferentes, todas activas, sem subordinação entre elas e que a própria oposição de relações é de perfeita harmonia; seria um céu na terra!"

quinta-feira, 16 de junho de 2011

A grande restituição

Os seres humanos devem, primeiro, restituir-se a si próprios para que, fazendo de si uma espécie de degrau, possam daí elevar-se e subir a Deus.


Santo Agostinho (354-430)

terça-feira, 14 de junho de 2011

"Entra pela porta do meu coração", poema-oração de João Crisóstomo

Mestre e Senhor,
não mereço que tu entres
sob o tecto da minha alma,
mas já que, como amigo dos homens,
queres vir morar em mim,
eu me aproximo de ti com audácia.

Tu mandas que eu abra as portas
que só tu criaste,
para entrar com teu constante amor.
Tu entrarás
e iluminarás meu pensamento enlameado:
eu creio, porque tu
não repeliste os que vinham a ti
nem rejeitaste o publicano penitente.
mas todos os que, convertidos, se aproximavam de ti,
os incluíste no número dos teus amigos,
tu que és o único bendito,
em todo o tempo, agora e pelos séculos sem fim.
Amém!

João Crisóstomo

sábado, 28 de maio de 2011

O João da Escada


Viveu no Sinai entre 580 e 650. No monte, para ser mais perto de Deus. Como isso não chegava, quis ainda uma escada, pelo que escreveu “A escada para o paraíso”, ou “A escada celestial” ou ainda, simplesmente, “A escada” – um tratado da vida espiritual em trinta partes, porque são 30 os degraus para chegar a Deus. O último degrau é a trindade das virtudes: fé, esperança e caridade. Escada, em grego, é “climax”, pelo que João ficou conhecido como “o da escada”, “climakos”. João Clímaco.

sábado, 1 de janeiro de 2011

1 de Janeiro de 379. Morre Basílio de Casareia, criador dos hospitais

Basílio de Cesareia (Cesareia Mazaca, na Capadócia, Turquia), um dos quatro grandes padres do Oriente, doutor da Igreja, morreu no dia 1 de Janeiro de 379.

Além da defesa da fé de Niceia (contra Ario), Basílio notabilizou-se pelos seus escritos pneumatológicos (sobre o Espírito Santo) e por ter criado uma extensa obra social que incluía “sopa dos pobres”, centro de acolhimento para pobres e peregrinos, hospício e hospital. Chamou-se basilíada a esta cidade da caridade que pode bem ser considerada antecessora dos hospitais.

sábado, 4 de dezembro de 2010

4 de Dezembro de 749. Morre João Damasceno, pai da cultura audiovisual

João Damasceno nasceu em 676 e morreu no dia 4 de Dezembro de 749.

Reconhecido pela Igreja católica e também por confissões protestantes, João Damasceno, o último Padre da Igreja do Oriente, é um dos pilares da ortodoxia. Escreveu “Exposição da Fé Ortodoxa”.

Teólogo, poeta, filósofo e músico, João Damasceno defendeu o uso de imagens no culto cristão, contra a iconoclastia. Distinguiu entre adoração (“latreia”), que só se pode prestar a Deus, e veneração (“proskynesis”), que pode ser prestada às imagens.

A teologia do Damasceno viria a prevalecer no segundo Concílio de Niceia (787), que condena a iconoclastia. Esta, em si, poderá ter surgido por causa do islamismo circundante e em ascensão, profundamente iconoclasta (pense-se na polémica dos cartoons dinamarqueses; para muitos, o que era condenável era a representação do profeta Maomé; nem sequer tinham visto as caricaturas).

Regis Debray disse há tempos que Hollywood nasce em Niceia II. João Damasceno é, podemos dizer, um dos pais da nossa cultura audiovisual.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Ninguém teme a justiça

Bráulio se Saragoça e Isidoro de Sevilha

Um texto com 14 séculos de actualidade:

A avareza passou a ser senhora, e a lei a ser apenas a da ganância e do lucro. Os direitos ficaram sem valor, os prémios e as “cunhas” foram aumentando até virem a substituir a própria lei e o próprio direito. Onde venceram o poder e o dinheiro, aí ficou corrompida a justiça. Ninguém teme a justiça, porque os vícios continuam sem castigo, ninguém censura os criminosos, e aos malvados nada de mau lhes acontece. Os maus arranjam-se bem e até sobem a postos de governo e são sacrificados os inocentes, a quem não se dá a oportunidade de falar ou de se defender. Os honestos vivem na pobreza e os maus na abundância, podendo os criminosos fazer tudo o que lhes apetece.

Os justos passam dificuldades e os maus têm todas as honras; os justos são desprezados e os maus passeiam contentes na vida. Os justos levam uma vida triste e os ímpios amesquinham os justos com o seu poder.

Os bons são prejudicados pelos maus, enquanto os malvados são elogiados. Tantas vezes, os inocentes morrem como culpados por sentenças injustas, julgados por testemunhas e juízes sem escrúpulos, enquanto se arquivam impunemente os processos forenses daqueles réus que são tidos como criminosos pela opinião pública.

Isidoro de Sevilha (560 - 636)

domingo, 17 de outubro de 2010

Para que serve a Economia? - Texto de Tolentino Mendonça

A Economia deixa de ser apenas um processo administrativo, uma arte de gestão corrente e passa a colocar no centro da sua finalidade o serviço integral à Pessoa
Há uma frase lapidar de Carl Schmitt em relação aos Estados modernos que importa recuperar: «Todos os conceitos decisivos da moderna doutrina do Estado são conceitos teológicos secularizados». Isto é, na origem de paradigmas fundamentais que nos regem, como por exemplo a Economia e o Governo, e que hoje regressaram (Deus sabe com que desespero) ao centro do debate público em Portugal, está a influência determinante da teologia cristã, sobretudo nas suas estações bíblica e patrística.
O termo Economia (do grego, Oikonomia) significa literalmente “norma ou administração da casa”. Começou por conhecer um uso profano em autores como Aristóteles (que toma o conceito não como uma ciência, mas como uma actividade de ordem funcional), Xenofonte (que utiliza a sugestiva imagem da articulação dos dançarinos numa roda para falar do controle e da precisão necessários ao seu bom funcionamento) ou Quintiliano (a Economia torna-se a ordenada disposição da matéria de um discurso).
Uma opinião muito difundida reconhece que é na esteira de São Paulo que primeiro se oficializa um significado teológico na palavra Economia. Veja-se o passo da Carta aos Colossenses: «Agora, alegro-me nos sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta às tribulações de Cristo, segundo a economia de Deus, a qual me foi dada para levar à plena realização a Palavra de Deus, o mistério escondido ao longo das gerações e que agora Deus manifestou aos seus santos» (Col 1,24-25). Ou aquele da Carta aos Efésios: «[Deus] manifestou-nos o mistério da sua vontade, segundo a benevolência que nele expõe para a economia da plenitude dos tempos, para recapitular todas as coisas em Cristo» (Ef 1,9-10). No pensamento paulino, há uma aproximação estruturante entre os termos Economia e Mistério. A Economia é a tradução histórica, o trocar por miúdos (digamos assim) do desígnio de Salvação que Deus tem para o Homem. A Economia deixa de ser apenas um processo administrativo, uma arte de gestão corrente e passa a colocar no centro da sua finalidade o serviço integral à Pessoa.
É verdade que hoje o conceito de Economia voltou ao âmbito profano ou secular. Mas se não conservar uma ressonância mais lata, serve para quê?
José Tolentino Mendonça, texto retirado da Agência Ecclesia.

Sinodalidade e sinonulidade

Tenho andado a ler o que saiu no sínodo e suas consequências nacionais, diocesanas e paroquiais. Ia para escrever que tudo se resume à imple...