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terça-feira, 23 de julho de 2024

Erros de olhar

Na sociedade, comete-se com frequência o erro que consiste em avaliar o passado com os olhos do presente.

Na Igreja, comete-se com elevada frequência o erro que consiste em avaliar o presente com os olhos do passado.

sábado, 5 de outubro de 2013

7:19 "Sem ritual, sem sentido, sem seriedade, sem solenidade"

Não se fala nem de Deus, nem de Jesus Cristo, nem da Igreja no vídeo seguinte - e é dessas realidades que costumo falar neste espaço. Mas acho que é precisamente "isso" (Deus, Jesus Cristo e Igreja), ou a ausência deles, que explica a sociedade do vídeo a seguir. Bom proveito a todos os que são pais. Ou, se não for o caso, filhos.




domingo, 5 de maio de 2013

Bento Domingues: "Ditadura do medo"


Bento Domingues no “Público” de hoje.

Importa que a DSI passe a ser reelaborada com o contributo de especialistas das ciências sociais. Qual é o papel da Doutrina Social dos Papas nas Universidades Católicas e das investigações das Universidades Católicas na elaboração da DSI? Mas, para se poder chamar, com verdade, DSI tem de seguir a eclesiologia do Vaticano II (Lumen Gentium, 36 e a Gaudium et Spes). A Igreja é constituída pelas mulheres e homens que se reconhecem em Jesus Cristo. Todos juntos, não teremos medo.

Texto na integra, aqui, a amanhã.

domingo, 17 de março de 2013

Bento Domingues: "Economia do bem comum - modelo alternativo?"

Bento Domingues, no "Público" de hoje, não fala do Papa Francisco. Fala de como o bem comum pode ser uma ideia inspiradora de novas práticas económico-sociais.

Começa assim:
Quando, perante uma situação insuportável, na Igreja ou na sociedade, no âmbito teológico ou político, se diz que não há alternativa, é sinal de que a ditadura não anda longe. Se não for passagem para uma possível superação, o simples jogo dos "prós e contras" não passa de um entretém. O importante é uma arquitectura que supere e integre o que existe de fecundo entre posições que enlouquecem no isolamento ou no choque frontal. 
Na Doutrina Social da Igreja (DSI), o tema do bem comum é incontornável.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Ano da fé. Confiança e fé pública

2.
Se substituirmos nas frases anteriores a palavra confiança pela palavra fé, o texto continuaria a ter o sensivelmente o mesmo sentido.

A confiança é irmã gémea da fé. Podem não ser gémeas verdadeiras, mas vêm do mesmo útero. Já com os antigos gregos e romanos assim era. Em Roma, falava-se na “fides populi romani” (“fé do povo romano”), que era o fundamento das relações económicas, sociais e políticas. Tratava-se de uma fé pública nas pessoas e instituições. Por isso, Xenofonte dizia que o homem que não goza de fé é um “pobre no mais valioso dos bens” e perguntava se alguma relação agradável poderia existir sem a confiança mútua.

Não é demais presumir que a crise financeira que atravessamos ou que nos atravessa é uma crise de fé a diversos títulos. Mas não é da fé social que quero falar.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

As duas as leis que regem as sociedades

São apenas duas as leis que regem as sociedades. A lei de ódio e de morte, que se dedica a servir em primeiro lugar o mais poderoso. E a lei da paz e da vida, que quer servir em primeiro lugar o mais sofredor.

Abbé Pierre

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Porta-voz dos bispos escreve sobre as olimpíadas para que a situação melhore

Texto de P.e Manuel Morujão, s.j., no "Correio da Manhã" de hoje. Refere o jesuíta que o inventor do lema olímpico foi o padre Henri Martin. Julgo que o nome está errado, tratando-se antes do dominicano francês Henri (Louis Rémy) Didon, que já por cá passou.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Três maneiras de olhar para a mesma tragédia de Denver



Acontecimentos como o de Denver, em que um homem disparou contra a assistência de um filme do Batman matando 12 pessoas e ferindo mais de 50, fazem pensar no mal e mesmo no diabólico. Uma breve pesquisa no Google mostra que há imensas associações entre este crime e o diabo/diabólico. O meu receio é que, quando se pensa do diabólico, a responsabilidade humana fique diluída numa pretensa força ou influência ou o que quer que seja de sobrenatural. 

Para as leis civis, felizmente, falar do diabo será mais um motivo para atestar a insanidade mental do presumível criminoso do que para atenuar a sua responsabilidade.

Mas pode ser que falar de diabólico não nos distraia do que está em causa. Se se falar do diabo e do diabólico como símbolo de um mal quase inimaginável, mas sempre humano, se se falar do diabo e do diabólico como símbolos para nos alertar para a necessidade de estar sempre atento ao mal, que, por si, pode ser atrativo, até se compreende o uso desta linguagem. É nesta linha que interpreto as recentes palavras de Bento XVI, proferidas depois de ter falado do massacre de Denver:
“O maligno procura sempre arruinar a obra de Deus, semeando divisão no coração humano, entre corpo e alma, entre o homem e Deus, nas relações interpessoais, sociais, internacionais, e também entre o homem e a criação” (li aqui).
O Bispo de Denver, por seu turno, em entrevista à agência Zenit, falou de uma “batalha espiritual e moral entre o bem e o mal”:
“O tiroteio que aconteceu na sexta-feira foi um ato maléfico - um ato de verdadeira violência. Nossa comunidade está chocada e triste pelo acontecido. Como comunidade, levanta questões sobre o bem e o mal, e a batalha espiritual e moral entre o bem e o mal. Mesmo em meio ao caos e ao mal daquela manhã, existem histórias de heróis que no meio do tiroteio tentaram proteger os amigos e entes queridos jogando-se em cima deles. Pela graça de Deus, o povo de Aurora e do Colorado tem respondido com grande amor, com caridade e misericórdia para com os feridos e as famílias que perderam seus entes queridos. Existe um sentido de unidade em nosso estado, e isso é realmente uma graça” (li aqui).
Estas duas visões do crime adiantam algo para a sua explicação e, ainda que a questão não esteja subjacente às afirmações, para a prevenção quanto a ações similares no futuro?

Na minha ótica, muito pouco. A moralidade das ações individuais tem sempre um último reduto que é a consciência de cada um. Mas as respostas do diabo e do diabólico, do maligno e da luta entre bem e mal, geralmente iludem a sociedade em que vivemos. É por isso que, mesmo supondo que não concordo totalmente com a ideologia do seguinte autor, considero que, de um ponto de vista cristão, as suas palavras são mais úteis para perceber o que se passou em Denver e ter um princípio de mudança.

Não digo que a explicação espiritual seja contraditória com a explicação sociológica. Digo que prefiro pensar a partir do concreto e que a explicação espiritual pode constituir uma ilusão que não deixa ver o que está em causa, se formos ingénuos.

O texto é de Atilio Boron e saiu no jornal Página/12, no dia 24 de julho. Li aqui.
O massacre que aconteceu num teatro de um subúrbio de Denver desencadeou, como tantas vezes após a ocorrência de atrocidades semelhantes, o previsível coro de lamentos que por sua vez se perguntava por que aparecem regularmente nos Estados Unidos monstros capazes de cometer crimes como os do tétrico êmulo do Joker.
 
De fato, uma análise que ponha de lado a habitual complacência com as coisas do império não poderia deixar de notar uma causa de fundo: como expressão última da sociedade burguesa, os EUA são também o lugar onde a alienação dos indivíduos atinge níveis sem paralelo em escala universal. Não deveria surpreender ninguém que comportamentos como o do jovem James E. Holmes - quantos assassinatos indiscriminados ocorreram nos últimos anos? - aflorem periodicamente para espalhar a dor na população norte-americana. 
 Uma sociedade alienada e alienante, que gera milhões de toxicodependentes (sem que exista qualquer programa do governo federal para prevenir e lutar contra o vício), milhões de "vigilantes" dispostos a impor a lei e a ordem por conta própria perseguindo pessoas pela cor da sua pele ou traços faciais; e outros milhões que, assim como Holmes, podem comprar em qualquer loja de armas uma espingarda de assalto, pistolas, revólveres, granadas, bombas de fumo e todos os apetrechos da parafernália militarista e, além disso, obter licenças para usar legalmente todo esse mortífero arsenal. 
 A recorrência deste tipo de massacres evoca um problema estrutural, o que é cuidadosamente evitado nas explicações convencionais que, invariavelmente, falam de um ser perdido, de um louco, mas nunca questionam as causas estruturais que nessa sociedade produzem loucos em série. Uma sociedade que se apresenta com características paradisíacas, como a terra prometida, como o país onde qualquer pessoa pode ter sucesso e ganhar dinheiro em abundância, poder e prestígio, com tudo o que esses atributos trazem como benefícios colaterais e que, na verdade, são metas apenas acessíveis, na melhor das hipóteses, a 5% da população. Os restantes, submetidos a um bombardeio de publicidade incessante e constante, mastiga a sua impotência e frustração. Ocasionalmente, alguns pensam que a solução é sair e matar pessoas a sangue frio e de forma indiscriminada; outros, mais inofensivos, decidem matar-se lentamente com drogas. 
 Mas, se a alienação generalizada da sociedade americana é a causa de fundo, outros fatores contribuem para produzir comportamentos aberrantes como o de Holmes. Primeiro, o grande negócio da venda de armas, protegido sob o pretexto de ser um direito garantido pela Constituição, e que na verdade é o complemento necessário para legitimar, em termos de sociedade civil, o "complexo industrial militar" que domina a vida econômica e política dos Estados Unidos, desde há pouco mais de meio século. Aqueles que fabricam armas devem vendê-las, seja ao governo dos EUA (e, portanto, devem fabricar guerra por todo o mundo, ou montar cenários tendentes a elas), quer para os indivíduos ameaçados pelo espectro da insegurança omnipresente. Vários analistas dizem que apenas nas regiões fronteiriças entre o México e os Estados Unidos existem 17.000 lojas de armas onde se pode comprar uma espingarda de assalto AK47 com a mesma facilidade com que se compra um hambúrguer, o que, além de ser uma grotesca aberração, traduz a coerência da política de governo que cobre tal absurdo.
 
Em segundo lugar, a indústria do entretenimento (Hollywood) permanentemente excita a imaginação de dezenas de milhões de americanos com um fluxo incessante de séries, vídeos e filmes onde a violência mais cruel, atroz e horrenda é exposta com rigor perverso. Antes também havia algo disto, mas agora sua proporção tem crescido exponencialmente e, em determinados dias e horas é quase impossível de se ver na televisão outra coisa que não seja a glorificação subliminar do sadismo em todos as formas que só uma imaginação muito doentia pode conceber. 
 A censura que existe - ora sutilmente, ora de forma completamente descarada - para dificultar ou impedir que se conheça o trabalho de cineastas ou documentaristas críticos do sistema ou que falem bem de países como Cuba, Venezuela - Michael Moore ou Oliver Stone, por exemplo - não existe na hora de preservar a saúde mental da população exposta ao vômito de atrocidades e crueldades produzidas por Hollywood. Por algo será. E esse "algo" é que tanto a venda descontrolada de armas de todos os tipos como a violência induzida de Hollywood são totalmente funcionais para o projeto de dominação da burguesia norte-americana.
 
Noam Chomsky tem mostrado ao longo de décadas como esta tem aperfeiçoado os mecanismos que lhe permitem dominar com terror, sabendo que do medo – o sentimento mais incontrolável dos homens – brota a submissão aos poderosos. Uma burguesia que incute o medo entre a população, fazendo com que todos saibam que ninguém está a salvo e que para proteger as suas vidas pobres e indefesas deve renunciar a mais e mais direitos, dando ao governo a capacidade de vigiar todas as áreas públicas, monitorizar os seus movimentos, interferir nas suas chamadas telefônicas, interceptar e-mails, controlar as suas finanças, saber o que compram, em que gastam o seu dinheiro, o que leem, com quem se reúnem e de falam quando o fazem. Um inimigo externo - agora o "terrorismo internacional", antes o "comunismo" - apresentado como onipotente e de uma crueldade sem limites é complementado internamente com a ameaça encarnada nos milhares de assassinos que se misturam com o resto da população, como Holmes, para cuja neutralização é necessário dar à polícia, ao FBI, à CIA e ao Departamento de Segurança Interna todos os poderes necessários.

O que Thomas Hobbes colocava em 1651 no seu Leviatã como uma metáfora heurística, impossível de encontrar na realidade, pelo seu extremismo: a transferência para os indivíduos faziam de quase todos os seus direitos para o soberano em troca de preservar a vida, acabou por se converter numa trágica realidade nos Estados Unidos de hoje.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Existência insignificante e marginal da fé?

O Cristianismo também está exposto à crítica, no seio da crise que abraça todos os reinos da cultura. Terá a fé cristã um futuro, na sociedade de amanhã? Poderá ela vir a prestar uma contribuição decisiva para o futuro ou ficará condenada a levar uma existência insignificante e marginal?


Walter Kasper, "Introdução à fé", pág. 171. Perguntas originalmente feitas em Munster e Tubinga em 1970-71.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Programa para estes e outros dias

Na última página do "Público" de hoje escreve Rui Tavares sobre Jean-Luc Mélenchon, um político de esquerda que concorre às presidenciais francesas, mas eu penso em mais âmbitos, a Igreja por exemplo, claro:
Compreendeu que a moleza, em época de crise, é tóxica. Compreendeu que a inconsequência, em época de crise, é uma irresponsabilidade.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Cardeal Martini escreveu um livro sobre o que é ser bispo

O cardeal Carlo Maria Martini escreveu um livrinho (92 páginas, Ed. Rosenberg & Sellier) intitulado “Il vescovo”, (“O Bispo”). O “Correio da Tarde” transalpino publicou um excerto que pode ser lido aqui em português.


É responsabilizante que todos os católicos pensem nos seus bispos, já que não há Igreja católica sem bispos. É isso que é ser apostólica. A editora, de Turim, com obras como esta, quer “curar palavras” doentes para que voltem ao seu significado mais pleno. “Bispo” é uma delas.

No excerto lido há dias, três assuntos ficaram a pulsar ma minha mente e por isso trago-os hoje para aqui.

1. A pergunta de Montini (Paulo VI) que toda a Igreja, em todos os níveis, tem constantemente de fazer.
O arcebispo Montini, que ocupou a cátedra de Santo Ambrósio por mais de oito anos e depois se tornou o Papa Paulo VI, constantemente se fazia a pergunta: "O que o homem moderno pensará ou entenderá do que eu digo?" Importava muito a impressão que o seu discurso e a sua ação podiam criar sobre os não crentes e os não praticantes. 
2. A ressalva de Martini: Freiras e pessoas “da paróquia” não, por favor.
Pessoalmente, em Milão, eu instituí a Cátedra dos Não Crentes, com a qual eu entendia que também poderia pôr em cátedra os não crentes e aprender a escutá-los, mesmo que com uma escuta crítica. Uma das coisas as quais eu estava mais atento era que não se fizesse apenas uma lição acadêmica, mas que o relator soubesse escutar dentro de si as palavras que um rabino disse a alguém que o assediava com argumentos contra a existência de Deus: "Mas talvez seja verdade". 
É claro que a Cátedra dos Não Crentes pressupõe um ouvinte atento e qualificado, que exerça um juízo crítico sadio. O bispo julgará se se sente apto a propor um tal exercício um pouco "inquietante". Também por isso eu pedia que as irmãs, assim como as pessoas chamadas "da paróquia", não fossem.
3. A ilicitude de renunciar à arte e a dificuldade de pagar aos sacristães
Entre as acusações mais frequentemente dirigidas contra a Igreja há aquela de ser rica ou pelo menos ávida por dinheiro. As pessoas logo se dão conta se um padre é apegado ao dinheiro. Infelizmente, na Itália, a Igreja possui muitas obras de arte, igrejas e palácios importantes, embora, todos os dias, ela custe a encontrar o dinheiro necessário para pagar os seus colaboradores leigos, por exemplo os sacristães. Vendendo algumas dessas obras, se poderia obter muito dinheiro. Mas nós somos considerados como conservadores e responsáveis por todo esse tesouro: portanto, não é lícito renunciar a eles.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O dever de ajudar a compreender

Claude Dagens, bispo de Angoulême, num artigo sobre as razões cristãs para fazer teologia ("Communio" n.º 3 de 2009), cita de Jean-Luc Marion um trecho interessantíssimo sobre a presença cristã na sociedade e os dinamismos internos das igrejas:
O bem comum exige que proponhamos a todos o que a Revelação nos deu - e deu a compreender. A inteligência torna-se hoje um dever de caridade. A luz que dizemos ter recebido - em vasos de argila, mas recebêmo-la - cabe-nos a nós, e não a outros, transmiti-la. Quando uma igreja, numa nação, morre, não é nunca em razão primeiramente dos seus adversários, mas dos seus membros que perdem a coragem e a fé, portanto, a inteligência.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Montesinos e Romero, profetismo e política



Por estes dias, nos 500 anos do sermão de Montesinos contra a exploração dos índios, tem-se falado muito de teologia da libertação, até porque foi há 40 anos que Gustavo Gutiérrez publicou “Teología de la Liberación”.

Jesús Espeja, dominicano como Montesinos e (agora) Gutiérrez, escreveu sobre o profetismo e a política no jesuíta Romero, recordando Montesinos. Não sou propriamente adepto da teologia da libertação; todas têm de ser da libertação; se não forem, se forem da opressão, não são cristãs. Mas é preciso admirar os bons exemplos de presença cristã na sociedade. Por outro lado, o texto tem bons princípios para a acção política do cristão.  
O sermão de Montesinos foi a expressão de alguns missionários que, vendo as vexações desumanas dos colonos contra os índios, se deixaram impactar e levantaram sua voz: "Acaso estes não são homens? Como os tendes tão oprimidos e fatigados? Não estais obrigados a amá-los como a vós mesmos?". Logicamente, sua denúncia tinha um impacto político; exigia uma mudança de mentalidade e de estruturas na organização da sociedade. A mudança punha em perigo os interesses econômicos dos encomenderos espanhóis que reagiram tentando silenciar, por todos os meios, a voz profética. 
Por muito tempo, manteve-se nos manuais de história uma lenda negra sobre aquele gesto dos dominicanos na La Española, que depois o Frei Bartolomé de Las Casas moldou em sua prática evangelizadora. 
Anos atrás, foi notícia o assassinato de Óscar Arnulfo Romero, arcebispo de San Salvador, que, em um dia de 1980, foi premeditadamente eliminado enquanto celebrava a Eucaristia. Quando eu li suas homilias e escritos detidamente, eu já conhecia um pouco a situação em El Salvador e em outros povos da América Latina. Esse conhecimento logo me ajudou a entrar em sintonia com a preocupação e o pensamento do bispo mártir. 
Impressionou-me especialmente a sua lucidez sobre a dimensão política da fé em uma conferência que ele deu na Universidade de Louvain, pouco antes de lhe arrancarem a vida. No entanto, pouco depois desse crime lamentável, eu assisti a uma conferência em que um alto cargo eclesiástico fazia este comentário: "É uma pena a morte sacrílega de Dom Romero que era um bispo. Mas o problema foi que ele se meteu na política". Eu não sei se fiz bem ficando em silêncio, mas não pude digerir aquele diagnóstico tão simplista e falso. 
Passados já vários anos, vendo como tanto na América Latina quanto no próprio coração da nossa sociedade espanhola os pobres são cada vez mais irreverentemente coisificados e excluídos, vejo que a denúncia de Montesinos e a de Dom Romero, embora em uma situação histórica e cultural diferente, responde ao mesmo espírito evangélico: "Acaso estes não são homens?", gritava Montesinos. "A dignidade humana acima de tudo", "pare a repressão!", era o grito profético de Dom Romero. 
A Igreja continua proclamando que "o profundo estupor com relação ao valor e à dignidade do ser humano se chama Evangelho". Mas a prática de acordo com essa convicção necessariamente deve ter uma incidência política. É verdade que a missão da Igreja não é diretamente política, mas sim religiosa. Mas como ser testemunhas do Deus revelado em Jesus Cristo, cuja imagem é todo ser humano, senão ouvindo a voz das vítimas, defendendo sua dignidade como pessoas e entrando assim em conflito com estruturas e e com aqueles que provocam a situação injusta ou não fazem o possível para mudá-la? 
A Igreja, que nunca deve se identificar com nenhum partido político, não pode ficar de braços cruzados quando se nega a dignidade e os direitos fundamentais das pessoas. E a questão não é só que os bispos falem, nem que alguns cristãos, a partir de sua cadeira no Congresso, tentem gerenciar a política, buscando que todos possam gozar dessa dignidade. O desafio é para todos os batizados. 
Uma conduta, desvinculada da cobiça insaciável, cujos valores máximos são a diversão e o consumo. Uma conduta que respire os sentimentos de Deus, manifestados no Natal: profundo estupor perante a dignidade do ser humano, compaixão eficaz perante o sofrimento das vítimas, atitude do bom samaritano que põe em jogo todas as seguranças para levantar os humilhados e ofendidos. Nessa conduta, é inevitável a incidência política da fé cristã.
Copiado daqui.

domingo, 27 de novembro de 2011

Bento Domingues: A Igreja faz política



Texto de Bento Domingues no "Público" de hoje. "(...) A Igreja, enquanto comunidade das cristãs e cristãos, é política e muito política, como um todo, na diversidade das suas opções partidárias. Jesus não pediu aos seus discípulos para formarem uma sociedade paralela. Pelo contrário, rezou a Deus para que não os tirasse do mundo, mas os guardasse do mal".

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Vida, fé e sociedade em perguntas e respostas

Aleteia.org. Não é é publicidade à editora de Zita Seabra, que, aliás, tem um h a seguir ao t. É um sítio promovido pelo Vaticano para responder às dúvidas da fé, da vida e da sociedade. "Aleteia" (alguns pronunciam "alêthea"), em grego, quer dizer verdade.


Por vezes temo quem invoca constantemente "a verdade", como se tudo fosse evidente. De qualquer forma, ver para crer. É lançado no dia 22 de Outubro, ao mesmo tempo que em Portugal é apresentado "O último segredo" (ver entrada anterior). 

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

sábado, 2 de julho de 2011

Anselmo Borges: A sociedade líquida

Zygmunt Bauman
Texto de Anselmo Borges no DN de hoje (aqui).

Este nosso tempo é-o na perplexidade. Vejo muita gente angustiada com o que aí está e sobretudo com o que aí pode vir. De facto, ninguém reflexivo, que não tenha metido a massa encefálica no frigorífico, pode viver como se o amanhã não pudesse ser a hecatombe e o caos. Há épocas na História de relativo sossego, mas a nossa é de sobressalto. A crise é imensa, e é sobretudo moral. Crise de valores.
Três exemplos.
O ex-vice-presidente da Câmara do Porto Paulo Morais afirmou recentemente que "o centro de corrupção em Portugal tem sido a Assembleia da República". De facto, o Parlamento português "parece mais um verdadeiro escritório de representações, com membros da comissão de obras públicas que trabalham para construtores e da comissão de saúde que trabalham para laboratórios médicos". "A legislação vem dos grandes escritórios de advogados, que também ganham dinheiro com os pareceres que lhes pedem para interpretar essas mesmas leis e ainda ganham a vender às empresas os alçapões que deixaram na lei." "Os deputados estão ao serviço de quem os financiou e não de quem os elegeu."
Toda a gente ficou atónita, quando se soube que, no CEJ, os candidatos a magistrados e juízes tinham copiado no exame e que havia suspeitas de que teriam conhecido antecipadamente o seu enunciado.
Há casos de médicos com 80 e 90 anos e alguns até já mortos que continuaram a receitar medicamentos em 2010. Calcula-se que cerca de 40 por cento dos gastos do Estado com a comparticipação em medicamentos possa ser irregular.
E agora? Evidentemente, os crimes devem ser julgados. Mas é essencial compreender que a solução da nossa vida colectiva não pode ser entregue exclusivamente ao Direito Penal. Por duas razões fundamentais. Não é possível legislar sobre tudo e, depois, nesse quadro, seria necessário colocar um polícia junto de cada cidadão, mas, como os polícias também são cidadãos, ter-se-ia de pôr um polícia a guardar outro polícia e assim sucessivamente. Lá está Juvenal, que aqui já citei: "custos custodit nos; quis custodiet ipsos custodes?" (a guarda guarda-nos; quem guardará a guarda?).
Para dizer que a formação ética para os valores vinculativos (a honra, a virtude, a dignidade, o respeito, a lealdade, a solidariedade, a rectidão, a verdade...) é essencial.
Mas a questão é esta: quem formará para os valores? As famílias desestruturadas? As escolas sem norte e onde os professores lutam por um lugar de sobrevivência? A Igreja moralmente ferida? As televisões em guerra por audiências tolas?
Quando se instalou como valor primeiro o ter em vez do ser, começou a caminhada para o abismo. Por um lado, o ter; por outro, o individualismo.
O famoso sociólogo polaco Zygmunt Bauman, professor emérito da Universidade de Leeds (Reino Unido), chamou a esta situação "modernidade líquida". As nossas sociedades são individualistas, e nelas são precários os laços tanto íntimos como sociais. Diz ele: "Ao contrário dos corpos sólidos, os líquidos não podem conservar a sua forma, quando pressionados por uma força exterior, por mínima que seja. Os laços entre as suas partículas são demasiado fracos para resistir. Ora, este é precisamente o traço mais marcante do tipo de coabitação humana característico da 'modernidade líquida'. Daí, a metáfora que proponho."
Neste quadro, percebe-se a dificuldade de hoje para assumir compromissos de longo termo, pois não se quer restringir a futura liberdade de escolha. Daí a tendência para que "todos os laços que se dão sejam fáceis de desfazer, que todos os compromissos sejam temporários, válidos apenas até 'nova ordem'".
Cá está a dificuldade para manter o amor e a moralidade. Por um lado, quer-se um "parceiro leal e dedicado", mas, por outro, "ninguém se quer comprometer". E o cumprimento dos deveres morais "é custoso, não é uma receita para uma vida fácil e sem preocupações, segundo as promessas da publicidade para os bens de consumo".

Sinodalidade e sinonulidade

Tenho andado a ler o que saiu no sínodo e suas consequências nacionais, diocesanas e paroquiais. Ia para escrever que tudo se resume à imple...