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sábado, março 23, 2024

Luta de claques

 

Vindo de um painel de debate futebolístico, habituado à berraria e à canelada verbal, isentado da apresentação de argumentos válidos e verdadeiros, Ventura irrompeu com grande panache nos palcos mediáticos da política portuguesa. 

 

À imagem dos seus ídolos, Trump e Bolsonaro, trouxe o estilo arruaceiro, o insulto, a mentira e a meia-palavra, a falta de escrúpulos, a provocação repulsiva, enfim, tudo aquilo que muita gente acredita ser a essência do ser humano, se bem que na sua versão animalesca. E a coisa pega, a coisa faz sentido, mostrando-nos a verdadeira imagem da nossa sociedade. Ventura é o reflexo no espelho de um país que não é racista, nem misógino, nem fascista, um país que odeia vigaristas. 

 

Olhamos para o mundo todo e vemos muitos líderes como este, gente que põe a pátria acima de tudo e deus acima de todos, como se cada povo fosse uma claque de futebol embrutecida e pronta a ser orientada no ódio absoluto ao outro, ao adversário. Alguém lucra com isto.

 

Portugal entrou neste clube de povos ansiosos por derrotar e humilhar aqueles que não são humildes como nós, que não são crentes como nós, que não clarinhos de pele nem possuidores de sentimentos puros, que não são gente de bem. Se isto não fosse preocupante seria apenas motivo de escárnio. As classes sociais irmanam-se num único e grandioso objectivo: manter a pureza histórica da nação valente, glorificar a pátria imortal e os seus símbolos, ajoelhar, rezar e acreditar. Berra-se A Portuguesa em todo o lado como se fosse hino de estádio de futebol. 

 

Entramos na era da luta de claques.

quarta-feira, fevereiro 21, 2024

Tempo é dinheiro

   Os debates entre os candidatos às próximas eleições legislativas e os respectivos comentários foram um espelho do estado a que chegámos. Assistimos a uma sucessão de programas televisivos encarados como se se tratasse de mero entretenimento, espartilhados por espaços comerciais. Aquilo que os "bonecos" pudessem dizer foi sempre acessório e utilizado apenas para alimentar os inacreditáveis espaços de comentário que se lhes seguiam. Os "comentadores" avaliavam as prestações dos candidatos como se fossem mestres-escola vigiando o conhecimento, a postura e a atitude de alguns fedelhos.  

    Veio-me à memória a ideia pré-histórica de que se vendem candidatos como se fossem sabonetes. Nos dias que correm os candidatos ajudam é a vender sabonetes. Desde que nos transformámos em consumidores, deixando de ser cidadãos, que a publicidade se tornou uma espécie de Inteligência Artificial de mercearia. Acéfala e indiferente aos destinos da Comunidade e do Ser Humano, como é de esperar de uma IA, a publicidade transforma tudo em negócio e determina o foco e a duração dos tempos de atenção e concentração a que temos direito. O que importa eleger A, B ou C? Desde que o tempo continue a ser dinheiro estará tudo bem.

domingo, fevereiro 18, 2024

Tempo é dinheiro

     Muito se tem falado do facto de os debates entre candidatos às próximas eleições legislativas serem curtos e apressados enquanto os espaços de comentários que se lhes seguem são prolongados horas a fio. Aí, os comentadores discorrem sobre o que foi e não foi dito naquele intervalo de tempo no qual os candidatos ocuparam o ecrã. E atribuem notas, como se fossem mestres-escola.

    Afinal de contas é tudo, debates e comentários, espartilhado por espaços comerciais opressivos que sufocam a palavra e o pensamento humanos.A Publicidade tornou-se uma espécie de Inteligência Artificial de mercearia, acéfala e indiferente aos destinos da Comunidade e do Ser Humano, que asfixia os nossos sonhos e os transforma em negócios, tabelas de Excel e outras coisas mais ou menos dispensáveis à nossa felicidade. O que importa eleger A, B ou C? 

    Desde que o tempo continue a ser dinheiro estará tudo bem.

sexta-feira, maio 05, 2023

Fado velho

 

Toda a gente fala da trapalhada. Olha o Costa! Olha o Marcelo! E o Galamba? Andou tudo a adivinhar a atitude do Costa, a resposta do Marcelo, o castigo do Galamba. Agora é tudo a tentar adivinhar as intenções do Costa e as habilidades do Marcelo; o Galamba, esse, vai perdendo consistência física até ficar reduzido à pejorativa expressão: “galambada”.

Pessoalmente preocupa-me que seja necessário recorrer a gente do calibre de um Galamba quando se pretende formal um elenco ministerial. Poderia referir uma infindável galeria de personagens mais ou menos horrorosas que já desempenharam cargos de relevo nos governos da nação mas queria apenas realçar esse aspecto; não há gente melhor para sentar nas cadeiras ministeriais? Já nem digo gente mais qualificada, apenas alguém mais honesto ou, pelo menos, alguém que não mentisse descaradamente.

Depois penso: nas próximas eleições tudo vai mudar. Mas olho para as fotos nos jornais e vejo um Hugo Soares em bicos dos pés atrás do ombro de Luís Montenegro, vejo Ventura com aquela nuvem de personagens confusas de aspecto malévolo que o emolduram sempre que vem jurar amor a Deus, à Pátria e a não sei mais quê, vejo gente que vocifera e cospe perdigotos em todas as direcções, vejo pessoas nas quais acredito mas não têm a força dos votos e penso “ai o Costa” e suspiro “ai o Marcelo”. É o velho fado português. Folheio o jornal e vejo Trump, vejo Putin, vejo Biden, Zelensky, Meloni, Lagarde, Xi, Bibi, e penso: estamos f******!

 Carta enviada ao Director do jornal Público

sábado, abril 01, 2023

Se calhar

     André Ventura tem um discurso abjecto, cavalga a xenofobia como se fosse a Virgem Maria em direcção ao Egipto montada no seu burrico, debita palavras vazias, é uma espécie de fascista mal encapotado, etc. A complacência do PS, a indefinição do PSD, as acções do PS,  a fome do PSD, a inépcia do CDS, etc. Leio o Público e são várias as tentativas de explicação para a ascensão da extrema-direita no nosso país. A maioria dos comentadores aponta para a tibieza do sistema e dos políticos. Fico a pensar: então e os cidadãos que se deixam seduzir por um discurso tão notoriamente abjecto, que aplaudem e aceitam a xenofobia, que não se incomodam (antes pelo contrário) com o voto depositado na boca de um fascista? São vítimas inocentes das malfeitorias da classe política? São pessoas de bem tão desiludidas que se transformam em... em quê? 

    Se calhar o tal racismo larvar de que para aí se fala é mais real do que estamos dispostos a aceitar. Se calhar o falhanço do sistema educativo vem de muito mais longe do que pensamos. Se calhar as pessoas não se incomodam tanto com a mentira como afirmam quando estão na casa de Deus a bater no peito. Se calhar há mais fascistas entre as pessoas de bem do que seria salutar para o nosso futuro colectivo.

    

segunda-feira, março 20, 2023

Águas mornas

     

    A conversa não é fácil nem sequer muito clara. Discute-se uma eventual diluição da fronteira entre territórios políticos, uma terra de ninguém entre "esquerda" e "direita". Para João Miguel Tavares será uma espécie de "terra prometida" que o Deus do Bom Senso reservou aos liberais, o povo eleito. É aí que se vai construindo o discurso equilibrado merecedor de constituir o evangelho socioeconómico que nos levará à redenção enquanto projecto de sociedade. Apesar de normalmente tomar banho com água muito quente até posso concordar com parte substancial do discurso de JMT.

    O problema é quando a nossa reflexão é feita em abstracto, principalmente se formos pessoas com uma vida razoavelmente confortável que, apesar da inflacção e dos salários baixos, ainda conseguimos pagar as contas e ter dinheiro de sobra ao fim do mês para comprar um livro ou ir a uma sala de teatro. É que há uma multidão que não se pode dar a estes "luxos”. São os tais deserdados que nunca tiveram herança que não fosse fome e miséria. São os tais que, apesar de trabalharem, não conseguem ganhar dinheiro suficiente para pagar a renda de casa e poder comer decentemente uma vez por outra. E o tempo é curto.

    A morte de Rui Nabeiro veio lembrar a todos nós que a solução se encontra na redistribuição da riqueza. Não há que abominar o capitalismo. Há que abominar os abutres, as sanguessugas e os vampiros que se aproveitam da nossa incapacidade para encontrarmos o tal lugar sem fronteiras onde todos seremos (mais ou menos) felizes.

   carta enviada ao Director do jornal Público

sábado, janeiro 21, 2023

Latinório

    Já reparaste bem no latinório escrito nas notas de um dólar? Fiz uma daquelas traduções farsolas que o google nos oferece e deu o que a seguir registo: "anuit coeptis" (ali de um lado e do outro do triângulo metediço) significa "ele acenou com a cabeça quando começou" e o "novus ordo seclorum" da faixa que esvoaça ordeiramente junto à base da pirâmide será "nova ordem dos tempos" com "o grande selo" a rematar, já em inglês, não vá o diabo tecê-las. Tudo isto enfeitado com a celebérrima máxima "in god we trust", que me excuso a traduzir .

    Para princípio básico de um estado fundamentalista religioso não está nada mal.



quarta-feira, agosto 03, 2022

A Democracia como empecilho


    Há muito que se fala em pós-democracia, mas o conceito não tem sido muito discutido nem tão difundido quanto seria desejável. Muitos são os que consideram que vivemos em pleno um regime pós-democrático; elegemos os nossos representantes que se ocupam do funcionamento das instituições e vão tomando decisões que permitem ir equilibrando o nosso quotidiano, mas as grandes decisões económicas são tomadas nos ambientes controlados dos conselhos de administração de meia dúzia de grandes empresas. Estas multinacionais formam uma espécie de Comité Central da Internacional Capitalista (IC) e são os seus patrões quem decide o modo como vivemos e como morremos, tendo como único objectivo a satisfação dos interesses dos seus principais accionistas. Os seus negócios são transversais, do armamento aos cereais, dos combustíveis fósseis aos verdes, onde houver dinheiro a ganhar há um comissário da IC a fazer com que a coisa flua.

    Isto pode soar a teoria da conspiração, mas não consigo evitar a sensação de estar a IC promovendo o desmantelamento da Democracia, peça por peça. A coisa está já em avançado estado de degradação nos EUA, no Brasil o ambiente não parece muito melhor, a ascensão nazifascista por toda a Europa é preocupante. Para gáudio da IC as grandes potências em ascensão têm regimes abstrusos: na China uma espécie de capitalismo de estado, na Índia um impossível democracia nacionalista hindu. Populações inteiras com direitos socio laborais mitigados ou mesmo inexistentes são o sonho húmido dos dirigentes da IC, o futuro da Humanidade.

    Assistimos ao declínio final do “século das luzes” após a derrocada dos impérios coloniais. A África terá de continuar à espera da sua hora, quem sabe daqui a mil anos…? Putin terá também direito a constar numa página da História, talvez numa nota de rodapé, lado a lado com Zelensky: os dois Vladimiros siameses que, cada um à sua maneira, deram a machadada final na União Europeia. Eu sei que tudo isto soa a teoria da conspiração, mas não consigo libertar-me da incómoda sensação de que a Democracia se tornou um autêntico empecilho.

segunda-feira, maio 09, 2022

Privilégio

     Pensando bem sobre o assunto, toda a vida fiz parte de um grupo de privilegiados. Considerando que não passar fome é um privilégio, que ter uma casa decente é um privilégio, que viver a vida adulta sem a sombra de uma guerra a toldar-me o futuro é um privilégio, que ter, pelo menos, a ilusão de viver num Estado de Direito é um privilégio... poderia continuar a lista dos privilégios que me douram a pílula mas penso que já percebeste onde quero chegar, melancólico leitor.

    Pensando bem sobre o assunto, nunca fiz grande coisa para combater as injustiças que, assim como assim, vão empestando o dócil ambiente desta minha existência privilegiada. Participei em várias manifestações, assisti a um par de cargas de polícia de choque (nunca levei nenhuma bastonada nem inspirei gás lacrimogéneo), participei em acesas discussões (normalmente na tasca ou à porta dela), escrevi uns quantos textos mais ou menos incendiários que foram publicados no espaço das Cartas ao Director do jornal Público, participei em exposições de artes plásticas, algumas provocatórias outras nem por isso, enfim, coisas de burguês, talvez mesmo de pequeno burguês, nem mais nem muito menos. 

    Faço parte do Sindicato desde que comecei a trabalhar (apesar de não depositar grande fé no Sindicato), participei em Fanzines e grupos de Teatro, escrevi peças de carácter eventualmente revolucionário ou, pelo menos, contestatárias, nas minhas aulas não se pode dizer que fomente a apatia intelectual o que, só por si, é já um acto político. Enfim, coisas de alguém para quem é fácil acreditar numa série de chavões relacionados com a Paz, com a Justiça Social, com a Solidariedade; tudo muito baseado na imagem e na palavra, uma vez ou outra relacionado com acções efectivas e consequentes.

   Tudo isto para te dizer, caso ainda aí estejas, que não é preciso grande coisa para sermos uns privilegiados. Basta não termos uma vida de merda.

sexta-feira, outubro 29, 2021

Fome e sede

    Continuamos a necessitar de alguém que exija o impossível. Se ficarmos pela reivindicação daquilo que o mundo está disposto a oferecer-nos, se nos conformarmos a esperar a benevolência dos coiotes sociais, então estamos fritos, amigo leitor. Estamos fritos.

    Há muito que aprendi a pedir 1000 se espero obter 100 ou mesmo 10. Lutar pela mais tremenda das utopias é a única forma que temos de nos abeirarmos de um mínimo de justiça social. Ser modesto na exigência é coisa de católico alienado, é coisa de quem espera retribuição na outra vida, quem espera recompensa depois da morte. Eu estou vivo e interessado em viver o melhor que possa.

    Peço desculpa, senhor, mas não acredito na bondade dos ricos, não acredito na magnanimidade dos poderosos. Acredito apenas na fome e na sede de justiça.

segunda-feira, maio 11, 2020

Cara laroca


A carreira política de Nuno Melo sempre foi, para mim, motivo de algum espanto. Tendo-se tornado ainda jovem uma cara conhecida do CDS, eleito para a Assembleia da República por várias vezes e, agora, representante desse partido no Parlamento Europeu, não me recordo, no entanto, de qualquer contributo relevante para a coisa pública vinda da parte do deputado. 

Fazendo um esforço de memória lembro a sua participação em debates televisivos e sou apenas capaz de evocar um discurso errático, por vezes brejeiro, uma postura repleta de trejeitos e olhares marotos, sorrisos trocistas, como que a camuflar um imenso vazio interior e uma ausência confrangedora de eloquência e sageza. 

A recente polémica provocada pelas suas observações, comprovadamente falsas, sobre Rui Tavares vem confirmar as minhas impressões relativas a lacunas de substância, política e humana, deste eterno “servidor” do Estado, espécie de encarnação do Calisto Elói de Camilo Castelo Branco. E, lá está, que misteriosas razões terão contribuído para tão longa e persistente carreira tribunícia?

Aqui há uns anos Jerónimo de Sousa pretendeu apoucar as listas de candidatos do Bloco de Esquerda a uma qualquer eleição insinuando que as escolhas teriam como critério principal as “carinhas larocas” de certas candidatas. Penso que Jerónimo errou o alvo.

carta enviada ao Director do Público

sexta-feira, outubro 26, 2018

Questão de coração

Andamos todos confusos com o desenrolar alucinante dos acontecimentos que nos últimos tempos têm alterado a ordem que vinha definindo o nosso mundo. A coisa passa-se tão perto de nós, tão à frente do nosso nariz, que não temos afastamento suficiente que nos permita percepcionar os contornos do bicho, compreender o fenómeno.

Há quem trema de receio que o Fascismo regresse, quem levante as bandeiras do "politicamente correcto", quem aponte o dedo acusador aos emigrantes, aos pretos, aos pobres, aos comunistas, aos homossexuais, aos velhinhos e aos amantes da Natureza, há grupos de apoio para tudo e de oposição a mais alguma coisa. Andamos numa roda-viva.

No meio da refrega vemo-nos impelidos a escolher um dos lados da barricada e é nesta situação que se revela a massa de que somos feitos pois uma escolha como esta é feita com o coração; absolutamente. Eu sei que procuramos uma justificação mais ou menos racional que corrobore a nossa opção mas isso não passa de reflexo cerebral condicionado, é no tambor do nosso coração que encontramos a explicação para a essência das escolhas que fazemos nesta refrega.

Assim vivemos estes acontecimentos pré-apocalípticos com o coração ao pé da boca. Braços no ar, punhos erguidos contra mãos estendidas, a história a repetir-se, desta vez como Tragédia. Novos fascistas, novos comunistas, novos anarquistas, novos sociais-democratas, socialistas, tudo remisturado pela varinha mágica do tempo, preparando-se para um novo embate, semelhante a todos os anteriores mas em diferentes locais, com novos actores, diferentes figurinos e cenografia renovada.

Nesta Tragédia cada um escolhe a personagem que pretende interpretar. Segue o teu coração.

quinta-feira, julho 26, 2018

Estar alforreca

Juram-nos uma sociedade democrática e enfiam-nos com esta merda pelas trombas abaixo! Um golpe de anca, uma sobrancelha franzida, uma negaça com o calcanhar alçado num gesto relampejante... estão a gozar connosco e nós a ver. Parados. Nós: quietos. Nem mexemos um musculozito que seja. Nada. Estamos alforrecas.

Garantem-nos que a Lei existe e nós não temos como duvidar. Está certo. Lá que existe, disso ninguém duvida. O problema está na forma como é aplicada. Passa de Lei a lei num abrir e fechar d'olhos.

Nunca teremos vivido num mundo tão abundante e tão pleno de possibilidades e recursos. E, no entanto, nunca teremos sido tão enganadinhos, benza-nos Deus.

quarta-feira, julho 18, 2018

Cristianismo

Parece-me haver um paradoxo curioso quando reflectimos sobre os fundamentos do Cristianismo e a forma como esta filosofia de vida (ou religião) acabou por se cristalizar na sociedade contemporânea.

As mensagens seminais de que os homens são todos iguais perante Deus-Pai (a autoridade suprema) e de que devemos amar-nos uns aos outros como nos amamos a nós próprios, acabam por constituir os fundamentos do pensamento esquerdista. Isto apesar de ser o esquerdista tendencialmente ateu ou, no limite, agnóstico.

Os movimentos sócio-políticos mais próximos das instituições religiosas acabam por se identificar mais com os vendilhões do templo do que com a mítica figura de Jesus Cristo. Isto terá muito a ver com o facto de o pensamento religioso original ser essencialmente poético e, quando capturado pelas instituições religiosas, as igrejas, se verificar uma operacionalização dos seus fundamentos filosóficos de modo a colocá-los ao serviço de uma casta de sacerdotes, tradicionalmente mais próxima dos poderosos deste mundo.

Muito mais haveria para dizer (ou para calar), tudo isto é infinitamente discutível, sei bem, caríssimo leitor, mas penso que há um fundo razoável de verdade na minha afirmação: em termos políticos a esquerda é muito mais Cristã que a direita.

terça-feira, abril 10, 2018

Apoios


A Cultura é reconhecidamente um campo de acção do Estado. Há por aí muita voz que tenta chegar ao céu clamando contra os “subsídio-dependentes” na cultura. Nunca terão ouvido Mozart ou observado a obra de Leonardo de Vinci, célebres “subsídio-dependentes” de outras épocas, para dar apenas dois de entre milhares de exemplos de grandes criadores que dependeram da boa vontade de mecenas ou de instituições estatais. 

O mito Romântico do Artista é aquele que preenche o nosso imaginário: o artista torturado pela sua genialidade que vive isolado e incompreendido, veste de negro, padece de subnutrição e acaba falecendo tuberculoso não encaixa neste sistema que prevê a intervenção do Estado antes que um gajo vá parar ao sanatório em nome das suas musas.

Enquanto a poeira vai assentando fica a certeza de que o Ministério da Cultura precisa de pensar uma forma eficaz para a distribuição dos subsídios à criação artística. Se recordarmos a vertigem dos dias recentes percebemos que o problema será mais a ausência de uma política cultural do que falta de investimento (se bem que o investimento é muito poucochinho). Teremos, então, dois problemas, um de forma (um modelo de concurso que se compreenda) e outro de conteúdo (uma política cultural que faça sentido) para que a repartição dos parcos recursos económicos possa ser feita sem provocar terramotos nem indignação generalizada.

É tempo de debater com seriedade a questão dos apoios à Cultura. Esse debate deverá ser feito entre o Ministério e os agentes culturais procurando respostas objectivas para os problemas mais prementes. 

Na minha opinião os partidos políticos deverão manter-se ao largo nesta fase do campeonato.

quarta-feira, abril 04, 2018

Fatalidade

Ouvir um debate na ARTV (sobre a preparação da próxima época de incêndios) torna-se um penoso exercício. Os deputados da anterior maioria desatam à traulitada no actual governo a pretexto das medidas que este propõe em tão sensível matéria. É natural, dir-me-ás tu, civilizado leitor, é assim que se faz política.

Será, admito, mas é uma forma doentia de entrançar verdade, mentira, realidade e delírio.

Também a propósito da questão dos concursos ao apoio do Estado nas áreas da criação artística tem havido discussão, crítica e algum regabofe. As coisas não correm bem, longe disso, mas a actual oposição levanta a voz para defender posições que anteriormente ignorou ou contestou sem que caia um dente ou o nariz a quem tece tais afirmações. Deus dorme e não castiga a mentira.

Feitas as contas permanece a sensação de que, para os cidadãos deputados, importa mais o partido respectivo que o conjunto da nossa sociedade. Desunham-se a esgadanhar-se uns aos outros enquanto os seus concidadãos tentam resolver os problemas.

Eu sei que é assim mas não devia ser.

quarta-feira, janeiro 31, 2018

Caridade cristã


Miguel Relvas, esse político, por assim dizer, advoga a ideia de que, para se evitar a corrupção, os políticos deveriam ser mais bem pagos. Ou seja, mais dinheiro no bolso ao fim do mês diminuiria a tentação de ceder ao canto da sereia. Discordo.

Se um político ganha 5.000 por mês e é corrompido com uma oferta de 500.000, caso ganhasse 10.000 seria corruptível mediante o pagamento de 1.000.000, tão simples quanto isso: aritmética! Pessoalmente, estou convencido de que uma pessoa é honesta ou não é; independentemente das quantias envolvidas, a capacidade de resistir à tentação é intrínseca.

Na sociedade actual reina a convicção de que tudo se resolve com dinheiro. Existe um problema? Faça-se mais investimento e o problema tenderá a ser resolvido. Não me parece assim tão simples. A maior investimento terá de corresponder uma forma adequada de o aplicar. Talvez necessitemos de melhor investimento, um planeamento mais eficaz, uma atitude mais honesta e inteligente. Caso contrário o dinheiro investido poderá perder-se em corredores obscuros e bolsos fundos, como é costume.

Veja-se, por exemplo, o que aconteceu com os Fundos Comunitários no Portugal cavaquista. Uma parte considerável do dinheiro vertido no nosso quintal através da torneira da CEE acabou por se perder e servir apenas para enriquecer uma "elite" que, pelos vistos, ganhava pouco.

Fossem os ricos muito mais ricos e sobrariam migalhas suficientes para que os pobres não morressem de fome. Pois, a gente sabe como funciona esta espécie de caridade cristã,... está à vista!

sábado, outubro 28, 2017

O perfume

Começa a cheirar a PPD e fica muita gente um pouco doida, um pouco inebriada. É como se a Primavera chegasse no lugar do Inverno, montada nele, a sorrir, disparando sorrisos na direcção da populaça.

Nota-se nas páginas dos jornais, nas entrelinhas, nos noticiários, nos discursos de gente boa (e de gente má também), enfim, sente-se a possibilidade de um Renascimento. Até já se fala outra vez do "arco da governação" e do bom que era o PPD e o PS serem outra vez amigalhaços. Ou ainda numa super-geringonça que metesse ao barulho os partidos todos, de esquerda e de direita e os que são nem uma coisa nem outra, uma espécie de grande cozido à portuguesa. Com todos, como o bacalhau.

O que me surpreende nesta história que agora se desvela é a facilidade com que se criam narrativas mediáticas e se dá a volta a um tão grande número de pessoas só assim, com um estalar de dedos.

Dizia o outro que venderia com a mesma eficácia sabonetes ou presidentes de república. Basta um bom perfume para que um monte de merda quase mude de figura.

quarta-feira, outubro 25, 2017

A coisa vai indo

Desde os tempos em que o PREC foi ao fundo que temos sido governados por uma facção do Parlamento, ali do centro para a direita do hemiciclo. Ora sós, com maiorias absolutas do PS e do PPD, ora mal acompanhados, com o CDS ou com o PPM, criou-se uma espécie de aristocracia democrática que foi orientando as cenas em proveito de... não sei que diga. Em proveito de alguém, pronto, não quero parecer demasiado injusto.

Foi o ministro que se demitiu irrevogavelmente, se não estou em erro, quem criou a expressão "arco da governação" para designar aqueles que, na sua visão muito particular, tinham o "savoir faire" necessário para meter as mãos na massa da República. Claro que o seu partido fazia parte daquela nata social e ele, mais do que qualquer outro, tinha todo o direito de decidir os destinos da nação, submarinos incluídos.

Foi também este rapaz-maravilha quem, em tom jocoso e confiando na vinda do Mafarrico, designou por Geringonça o arranjinho com que Costa, Jerónimo e Catarina Martins lixaram bem lixado o "arco da governação". À direita ninguém acreditava que os comunistas fossem capazes de engolir tantos sapos mas a verdade é que eles se habituaram ao desagradável menu e lá vão mantendo a geringonça a funcionar aos soluços.

Estou convicto que as maiorias absolutas tendem a corromper a Democracia. Principalmente quando são figurões da estirpe de um Relvas ou de um Lelo do PS (só para dar dois exemplos de vigaristas encartados que me vieram de repente à memória) a orientar a formação de listas de candidatos a deputados e a puxarem os cordelinhos que fazem levantar e sentar os rabisoques nas bancadas da Assembleia.

A Geringonça funciona mal? Podia funcionar melhor mas não é capaz disso. No entanto prefiro esta Geringonça a cagar e a tossir do que o "arco da governação" em todo o seu esplendor.

domingo, outubro 15, 2017

Declaração de amor

A acusação do malfadado Processo Marquês vem fazendo sonhar muitos cidadãos portugueses. Iremos andar embrulhados em questões processuais que, decerto, irão dourar muita pílula, entravar muita investigação e desviar atenções.

Iremos assistir a condenações em praça pública e a juras de amor à presunção de inocência; enfim: vamos assistir a uma sucessão de trambolhões magníficos e espectaculares para gáudio da populaça e exibição de extraordinários dotes jurídicos dos causídicos envolvidos no drama que se segue.

Os abutres aguardam, poisados num ramo seco de uma árvore morta.

É por estas a por outras que tenho um particular apreço pela Geringonça. O Partido Comunista Português e o Bloco de Esquerda nunca fizeram parte do malfadado "arco da governação", essa espécie de qualidade misteriosa que enformaria uma elite capaz de governar a nação portuguesa e que, quem não tinha percebido percebe agora, não era mais que uma associação de malfeitores, os vampiros da canção de Zeca Afonso.

Com a Geringoça a guardar o portão da quinta, a bicharada malcheirosa fica a rosnar do lado de fora. Um ou outro, mais atrevido, ladra alto e bom som, mas a coisa fica mais difícil para os monstros glutões que devoram a nossa riqueza comum. A imbecilidade de um Cavaco ou a sonsice de um qualquer Coelho já não fazem grande mossa.

Apesar de todas as suas incongruências e evidentes deficiências físicas, amo a Geringonça. Espero que se mantenha durante muitos e bons anos mas já se adivinha a impaciência dos adeptos do "centrão". Com Rui Rio a chegar-se ao cadeirão do PPD vai-se sentindo muito esfregar de manápula  e um certo pivete ansioso começa a sentir-se outra vez.

Tenhamos o bom senso necessário para evitar que os abutres desçam, de novo, em vôo picado sobre a carcaça agonizante do nosso país. Eles andam por aí!