Tuesday, December 02, 2025

dos romances

«Pouco depois, aqui, ali, mais além soavam os golpes dos machados, na noite já toda nervosa. Lâmpadas dispersas, iluminando os pés dos troncos, quase estáticas, dir-se-iam detidas para dar tempo a decifrar uma remota inscrição. Não se enxergava quem as sustinha, nem os homens que cortavam; só se viam os machados e as mãos, ora a sair, ora a mergulhar na sombra, como os insectos chamados ao farolo que os matará.» O Instinto Supremo (1968)

«Porto Santo avolumara-se, revelando-se à curiosidade fugidia e perdendo em mistério o que dava em relevo orográfico. As suas casitas estendiam-se junto à riba, branquejando entre a paisagem e sugerindo uma vida tão plena de claridade quanto modesta; mas haviam crescido em número, sim, pois Juvenal pudera contar muitas mais do que na época, já distante, em que viera com a família passar o Estio na vila Baleira.» Eternidade (1933)

Friday, November 28, 2025

correspondências

Ferreira de Castro a Roberto Nobre (1925): .../... «Para isso, talvez você se inspirasse lendo a própria Batalha... Legenda e assunto ao seu critério. Pagam quinze escudos por cada desenho. Agrada-lhe Roberto? Eu escuso de dizer-lhe que a mim agradava muito que V. principiasse a a surgir nos jornais de Lisboa.» Correspondência (1922-1969) (1994)

 Mário Lyster-Franco a Ferreira de Castro (1928): «Meu querido Ferreira de Castro // Recebi há dias -- há já bastantes dias mesmo -- o seu magnífico volume. E garanto-lhe que a satisfação que ele me trouxe está na razão inversa do tempo que eu tenho levado para, com um enternecido abraço, lho agradecer. Mas os afazeres são felizmente alguns, e esta tem sido a causa da demora, que lhe peço me perdoe.» .../... 100 Cartas a Ferreira de Castro (1992/2007)

Thursday, November 27, 2025

outras palavras

«Apesar disso, deixei-me fascinar por um jogo infantil e roubei em casa uma colecção de botões, que era de grande estimação e que me valeu um severo castigo, logo repetido quando comecei a vender, ocultamente, para comprar fogos de S. João, várias lunetas que estavam guardadas na nossa velha escrivaninha.» «[Memórias]» (1931)

«O fiel amigo, com couves e batatas, é da tradição; quem tem mais posses frita, também, a sua rabanada. O vinho corre, rosado, transparente, sobretudo à hora do magusto, quando as castanhas estalam no fogo. / Cada lar parece viver isolado do mundo, sozinho no mundo, como se para lá das paredes negras de fuligem nada mais existisse.» «O Natal em Ossela» (1932/1974)

Monday, November 24, 2025

nas palavras dos outros

Mário Gonçalves Viana (1930): «Se há livros que mereçam a classificação de notáveis, A Selva é, incontestavelmente, um deles. Pode mesmo afirmar-se que esta obra constitui o maior acontecimento literário desta temporada. «"A Selva", uma obra-prima», Ferreira de Castro e a Sua Obra (1931) 

Jacinto do Prado Coelho (1976): «A função da Natureza é dupla. Fonte de emoção estética, deslumbra e intimida, ressoam nela vozes ancestrais, profundas, enigmáticas: ao cair da noite, "sobre ela parecia baixar, vinda dos tormentos iniciais do Universo, uma poesia épica, soturna e densa, que aguardaria apenas a hora de poder exprimir o inefável, de exprimi-lo dramaticamente, em vozes ou em ritmos como jamais alguém ouvira" (p. 143).» «O Instinto Supremo: quando a ética se torna humanitária», In Memoriam de Ferreira de Castro 

Friday, November 21, 2025

dos Pórticos

«São numerosas as folhas dobradas, duas pilhas quadrilongas, que guardam ainda, nos seus contornos, a forma dos estreitos albergues que as recolheram durante tanto tempo. Não ignoro, porém, que dentro de alguns dias, de todas elas restarão muito poucas. Quatro ou cinco anos sobre um trabalho meu bastam para me tornar o mais impiedoso, o mais exigente e implacável crítico de mim próprio.» Os Fragmentos (1974)

«Ninguém melhor do que você, que viu, com os seus próprios olhos, algumas das cenas a que me refiro, poderá dizer se vale ou não a pena publicar os meus apontamentos. No caso afirmativo, dou-lhe inteira liberdade para suprimir o inútil, afeiçoar o aproveitável e tornar compreensível tudo aquilo que eu não consegui, talvez, exprimir nitidamente.» O Intervalo (1936/1974)

Thursday, November 20, 2025

errâncias

«Com a manhã nascida, extintas, ao longe, as lumieiras de Cádis e dobrada a porta de Trafalgar, metemos ao canal que separa a Europa da África. Dum lado e outro, na terra alta, cortada quase a prumo, canhões espanhóis, de longo alcance, espreitam, de suas luras, quem entra e quem sai. É a entrada do Mediterrâneo que eles visam e o penhasco de Gibraltar, agora ao alcance destas bocarras de fogo.»

Friday, November 14, 2025

errâncias

«Afinal demorou pouco. Mal esvaziamos a chávena fumegante, voltamos ao carro e mandamo-lo, enfim, correr para as grandes noites da espécie humana, que os homens contemporâneos não conseguiram ainda iluminar de todo.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

«Nós vamos erguer, pela segunda vez, a nossa tenda na Grécia, que da primeira não quisemos escrever e ajuizar sobre tão multiforme terra, com tantas galas vestida, sem a termos observado novamente. De caminho, porém, deter-nos-emos em Gibraltar, Argel e Palermo, ligeiros ante-rostos do Mundo que vamos trilhar.» A Volta ao Mundo (1940-44)

«Arribo a Hospitalet uma hora depois. Lugarejo cor de lebre, com um pequeno hotel que desempenha ali, entre as patas das serranias, o papel das antigas mala-postas, tem um ambiente de Far-West, cenário de filme de aventuras americano.» (1929) Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)

Tuesday, November 04, 2025

outras palavras

«Eu era um bom aluno. Tinha, porém, uma vida triste e afastava-me quase sempre dos meus condiscípulos. Certos episódios, que os deixavam indiferentes, faziam-me sofrer o dia inteiro, sobretudo na solidão que eu buscava.» [«Memórias»] (1931)

«Nas velhas cozinhas, em redor da mesa e ao fulgor da lareira, agrupa-se a família. Os velhos e as velhas, remotas esculturas enegrecidas e cariadas pelo tempo; os filhos que estavam ausentes e que puderam vir e os que ainda andam fraldiqueiros a crescer.» «O Natal em Ossela» (1932-1974)

«Delfim Guimarães fazia parte desse pequeno número. Ele sabia criar um lugar de especial ternura na alma de todos aqueles que se lhe acercavam. / Tenho conhecido muita gente. Uns, mascarados, às esquinas da vida; outros, colocados ao sol, espírito aberto à compreensão, que tudo justifica e tudo absolve, à solidariedade humana, ao amor pelos que sofrem e até por aqueles que parecem não sofrer...» «Delfim Guimarães» (1934)

Tuesday, October 28, 2025

nas palavras dos outros

Nogueira de Brito (1929): «Prestar, pois, homenagem a Ferreira de Castro, é encarecer, alentar uma corrente literária que, estando dentro dos moldes contemporâneos, como estética e realização espiritual, prepara um ambiente moral de que irão aproveitando os que lêem a sua interessante produção.» «Ferreira de Castro e a sua obra literária», Ferreira de Castro e a Sua Obra (1931)

Jacinto do Prado Coelho (1976): «Bem diferente do heroísmo da epopeia literária, amplificante, era este "heroísmo nos factos necessários, sem contágios excitadores, mesmo se a naturalidade que os três homens aparentavam fosse premeditada, mesmo que a sua audácia não se tivesse consumado sem largas e ferventes apreensões." (p. 158)» O Instinto Supremo: quando a ética se torna humanitária», In Memoriam de Ferreira de Castro (1976)

Agustina Bessa Luís (1966):  «Quando escrevemos sobre um camarada das letras, quase sempre exigimos que o que pode haver de triunfal na vida não se nos depare como conselho da inveja. Por isso só sabemos louvar os vivos com brandura, não aconteça acordarmos os nossos próprios corcéis competidores.» «Ferreira de Castro», Livro do Cinquentenário da Vida Literária de Ferreira de Castro - 1916/1966 (1967)

Monday, October 27, 2025

correspondências

(Ferreira de Castro a Roberto Nobre, 1925) .../... «Falei também com o Mário Domingues, que está dirigindo a edição da Batalha (diária). Aceita com muito prazer um boneco seu, para os domingos. Exige-se apenas uma condição: -- que o boneco  seja de acordo com o carácter do jornal, é dizer, que seja de crítica a qualquer facto da burguesia.» .../... Correspondência (1922-1969) (1994) 

(José Dias Sancho a Ferreira de Castro, 1927) .../... «Meu caro amigo, devo dizer-lhe que estou verdadeiramente encantado com o seu "Voo". / V. sabe como sou sincero nas minhas opiniões. / A psicologia daquela pobre rapariga da "cave" está traçada a primor / "A Reconquista da Juventude" é uma deliciosa blague. / E na complicada metamorfose da obra de arte, a que V. chama "do escultor", é assim mesmo. / Mais uma vez: um abraço! / E escreva mais livros como este! // Disponha do adm.or e am.º obscuro // José Dias Sancho» 100 Cartas a Ferreira de Castro (1992/2007) 

(Jaime Brasil a Ferreira de Castro, 1929) .../... «Ele poderia, por exemplo, traduzir-lhe p.ª lá qualquer novela do famoso escritor modernista russo Leonid Andréve, émulo de Dostoyevesky e de Gorki e a quem Kipling considera "o maior novelista dos últimos tempos". Esse homem tem as suas obras traduzidas em todas as línguas, menos, evidentemente, em português.» .../... Cartas a Ferreira de Castro (2006)

Friday, October 24, 2025

dos Pórticos

«Mais tarde, numa das suas deslocações sobre as veias da Amazónia, cujo mistério renasce logo após cada violação, como ressurge o do nosso corpo a seguir ao trânsito dos Raios X, você tornou a desembarcar no seringal Paraíso, pensando de novo em mim.» O Instinto Supremo (1968)

«Este livro explicar-te-á, porém, o nosso drama. É a nossa história que eu te ofereço aqui, a história de todos nós, que queremos ser eviternos e temos de morrer, que queremos ser felizes e nunca o somos, integralmente.» Eternidade (1933)

«Alguns, porém, não se resignam facilmente. A terra em que nasceram e que lhes ensinaram a amar com grandes tropos patrióticos, com palavras farfalhantes, existe apenas, como o resto do Mundo, para a fruição de uma minoria.» Emigrantes (1928) 

Wednesday, October 22, 2025

dos romances

«A pega, infatigável, ora procurando na terra, ora alçando-se à copa eleita, continuava a construir o ninho. Era já uma grande mancha, um grosso volume de pauzitos seguro entre os últimos ramos do pinheiro.» Emigrantes (1928)

«Os seus olhos evitavam encontrar o corpo adormecido de Cecília. Decidiu ir deitar-se na sala de jantar. Havia lá um velho divã e uma noite em qualquer parte se passava, sobretudo uma noite como aquela! Em seguida repeliu a decisão. "Devia proceder em tudo como de costume, senão a cabra, ladina como era, podia desconfiar. E, então, ele seria mais uma vez tomado por tolo."» A Tempestade (1940)

« -- Ao Chico de Baturité, a esse mulato mesmo sem vergonha, eu adiantei umas pelegas para ele se vestir e lhe tirei a barriga de misérias, porque aquela gente vive lá num chiqueiro. E foi assim que ele me pagou! O que vale é que o "Justo Chermont" larga amanhã. Porque se demorasse mais, o resto do pessoal era capaz de pôr-se também nas trancas.» A Selva (1930)

Wednesday, October 15, 2025

O(s) Egipto(s) de Eça de Queirós e Ferreira de Castro

 


O Egipto, civilização eterna fundada há cinco mil anos (!), que continua a suscitar tanto interesse em todo mundo, deixou também um legado ao estado que continua a ostentar o seu nome -- o Egipto contemporâneo, que, como ainda hoje mesmo as notícias nos recordam, persiste como um dos países mais importantes à escala global, por várias razões.

Eça de Queirós e Ferreira de Castro visitaram-no com décadas de intervalo e em séculos diferentes (1869 e 1935). Romancistas diferentes, com idades diferentes, tal como diversas foram as circunstâncias em que por lá andaram, deixaram o testemunho escrito, tanto acerca do tempo dos faraós, como aquilo que os seus olhos puderam observar no terreno.

Sobre as diferenças e semelhanças dos dois olhares irá constar minha conversa,  esta sexta-feira, 17 de Outubro, às 18 horas, no Museu Ferreira de Castro.


 

Monday, September 29, 2025

outras palavras

«Nem da coruja que mora na igreja velha, escorropichadora de lâmpadas há um ror de anos, ele deixa hoje ouvir o sinistro uuu-gru-gru-gru. O vento domina tudo. O vale inteiro está transido pelo seu uivar. Quem ousa pôr a cabeça fora de porta numa noite destas, que é, ademais, para ser vivida em casa?» «O Natal em Ossela» (1972-1974)

«Mas, de tantas, só algumas saem da sombra onde jazem aqueles que conhecemos e se perderam de nós, levados pelas circunstâncias do destino. Só algumas, presentes ou ausentes, adquirem lugar próprio, convívio permanente com a nossa alma, criando uma amizade singular dentro do amor plural por toda a Humanidade.» «Delfim Guimarães» (1934) 

«Veio, depois, a inveja, a única que tive na minha vida: a de não ser igual aos outros, a de não possuir o seu à-vontade, a de não ter o sangue frio de que eles dispunham e graças ao qual brilhavam nas lições mais do que eu, embora soubessem muito menos.» [Memórias] (1931)]

Tuesday, September 23, 2025

errâncias

«E, contudo, estende-se, lá fora, um luar sortílego e um mar calmo, numa noite de maravilha propícia a fazer-nos sonhar com as mais belas coisas da vida. Mas o navio está cheio dessa inquietação que, hoje, tortura os homens, no planeta inteiro.» A Volta ao Mundo (1940-44)

«O carro desliza numa estrada branca, que ladeia, de quando em quando, o Ariège murmurante. A paisagem torna-se adusta. Começa a severidade das montanhas e os píncaros cobrem-se com grandes chapéus de bruma.» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)

«Não lhe dizemos que a pressa nos percorre as veias e nos queima como o fogo dentro do rastilho, mas a nossa expressão deve trair-nos, porque ela logo nos adverte: / --É preciso fazê-lo. Demora alguns minutos. / Resignamo-nos, que remédio! Como podemos dar, com plena satisfação, o novo passo sobre o tempo, se nos acompanhar, seco e impertinente, o vício insatisfeito?» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63) 

Friday, September 19, 2025

nas palavras dos outros

Jacinto do Prado Coelho (1976): «São heróis de carne e osso, homens com as suas fraquezas, os seus desânimos, os seus impulsos instintivos, e cuja própria grandeza se insere na mediania do quotidiano. "Tudo parecia estranhamente natural, quotidiano, acto comum. Nimuendaju, Raimundo e Carolina subiam agora a ribanceira, tranquilamente, como se viessem duma pesca mediana, nem farta em capturas, nem gorda em decepções."» O Instinto Supremo: quando a ética se torna humanitária», In Memoriam de Ferreira de Castro (1976)

Agustina Bessa Luís (1966): «Depois distanciamo-nos noutros enlevos do género literário, noutras predicações e várzeas frias do conhecimento; mas a essência da voz humana que ressoa numa e noutra obra é a mesma. Vemos de súbito que ela se reconhece naquele encontro, num caminho poeirento e silencioso.» «Ferreira de Castro», Livro do Cinquentenário da Vida Literária de Ferreira de Castro -- 1916/1966 (1967)

Nogueira de Brito (1928): «É uma obra feita de justeza, de equilíbrio, de calma e objectivação e dela fica a semente a lançar à terra em futuras colheitas de análise sentimental, em próximas depurações de psiquismos e de vibracionismo íntimo.» «Ferreira de Castro e a sua obra literária», Ferreira de Castro e a Sua Obra (1931)

Thursday, September 18, 2025

correspondências

(Ferreira de Castro a Roberto Nobre, 1925) .../... «O Anahory, a quem mostrei o livro p.ª crianças que V. ilustrou, ficou bem impressionado. Para sossego da sua sensibilidade, devo dizer-lhe que isto não foi devido à minha retórica ou à minha amizade por si -- mas pelo seu próprio valor e pelo Anahory -- cá para nós -- precisar de mais um desenhador... Logo tratarei com ele sobre preços.» .../... Correspondência (1922-1969) (1994)

(Jaime Brasil a Ferreira de Castro, 1929) «Meu caro Ferreira de Castro: // Deixe-me q. lhe apresente o nosso camarada Miodrag Garditch, q., como facilmente verá, é pessoa cultíssima e de inteligência lúcida. / Precisa de trabalhar e talvez o Ferreira de Castro possa dar-lhe alguma cousa a fazer p.ª «Civilização» .../... Cartas a Ferreira de Castro (2006)

(José Dias Sancho a Ferreira de Castro, 1927) .../... «Quero destacar, porém, a primeira novela, admirável, admirável, admirável, e a última. / Qualquer delas faria de per si a reputação de um autor. / Quanto ao título do livro, não gosto, por lembrar literatura de quiosque. E chamo-lhe a atenção para o lapso de alguns verbos que pedem complemento directo, virem seguidos de complemento indirecto. Um pouco de cuidado na revisão, remedeia isso. Fica a emenda para a 2.ª edição.» .../... 100 Cartas a Ferreira de Castro (1992/2007)

Wednesday, September 17, 2025

dos romances

«A mulher volvera à sua lembrança. Continuava a vê-la sentada ao sol, os pés sem tocar o chão, as pernas a badalar, a irem e virem sob o banco, como se estivessem num trapézio. Dir-se-ia que as suas pernas tinham, nessa hora, uma felicidade independente do tronco, todo um desejo de folgar que começava dos joelhos para baixo.» A Missão /1954)

«Idalina desviou ligeiramente os olhos para o cão e voltou a fixá-los na rocha, com aquele mesmo ar preocupado que tinha quando o bicho chegara. Houve um pequeno silêncio e Horácio volveu ao tom de voz anterior:» A Lã e a Neve (1947)

«Subitamente, porém, Januário deteve-se e ergueu a vista para o edifício que se levantava na sua frente. Os presos estavam lá, as mãos fechadas sobre as barras de ferro, mas ele mal os fixou. Os seus olhos percorreram a fachada clara, de janelas e portas emolduradas em cantaria branca, fresca, tudo lembrando construção recente, como se procurassem  alguma coisa que se não via com facilidade, alguma coisa que não se encontrava na frontaria do edifício.» A Experiência (1954) 

Tuesday, September 16, 2025

dos Pórticos

«Era o nosso interesse pelo próprio homem, pelo seu drama biológico, pela inquietude do seu espírito e pelo seu progresso num planeta sempre hostil, que nos impelia a nós, que amamos a luz, as cores da vida ao ar livre e, sobretudo, o futuro, para essas soturnas galerias do passado onde se expõem, em vários museus do Mundo e num ambiente de mausoléu, as esculturas mesopotâmicas e egípcias, com o seu quê de vultos de pesadelo, mágicos e imobilizados, na penumbra que os cerca.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

«Quando um final de infância agitado me levou ao Amazonas, a minha aldeia nativa, aqui, em Portugal, de tão distante e envolta na nostalgia, parecia-me uma ilusão. Só os carimbos das cartas que eu recebia me traziam a certeza de que não fora apenas sonho a minha vida até esse momento -- de que o berço existia, florido, atraente, para além da selva, para lá do Atlântico.» A Selva (1930)

«No corpo pequenino, os nossos olhos, que haviam de ficar sempre tristes, esqueciam-se horas a fio, a sonhar com a distância infinita, ante essa linha verde-azul do Oceano longínquo. Tudo quanto existia para lá da nossa vista nos parecia fabuloso e nos fascinava irremediavelmente.» A Volta ao Mundo (1940-44)

Wednesday, September 10, 2025

traduções - TERRA FRIA

Terre Froide - «Sur sa monture, qui gravissait lentement le chemin pierreux, Léonardo ressassait d'intimes préoccupations. La vie devenait impossible! Les Galiciens gâchaient le métier, tantôt en payant tous les droits exigés par les douaniers, tantôt en allant dans le silence de la nuit passer les peaux en contreband encore pour vivre, mais le putois devenait une bête rare et on ne tuait pas un blaireau tous les jours.» - trad. Louise Delapierre (1948)

Tierra Fría - «Sobre el rocín, subiendo, despacio, el sendero pedregoso, Leonardo rumiaba íntimas irritaciones. No podía ser! Los gallegos estropeaban todo, ya pagando cuantos arbitrios exigían los aduaneros, ya saliendo, en el secreto de la noche, a hacer contrabando de pieles. Si aparecieran muchas de tejón y de topo, en las que se sacaba mayor ganacia, aún se pdría ir viviendo. Pero no.» - trad. Eugenia Serrano (1946)

Terra Fria -  «Sobre a montada, subindo, devagar, a trilha pedregosa, Leonardo esmoía íntimas irritações. Não podia ser! Os galegos estragavam tudo, quer pagando quantos direitos os guardas-fiscais lhes exigiam, quer andando, na calada da noite, a fazer contrabando de peles. Ainda se aparecessem muitas de texugo e de tourão, em que os ganhos pingavam mais, sempre se poderia ir vivendo. Mas não.» Terra Fria (1934)

Terra Fria está traduzido em alemão, castelhano, checo, flamengo e francês.

Tuesday, August 26, 2025

dos romances

«Os dois detiveram-se no corredor. Paco comentava os numerosos palacetes que estavam a ser construídos em San Rafael, para os elementos do Partido Radical. / Soriano ouvia, com interesse, o filho, enquanto utilizava a língua como palito, ora empolando a face direita, ora a esquerda.» A Curva da Estrada (1950) 

«Mas já se ouvia uma voz de mando, a de Amaro, baixa e curta. E rapidamente brilharam as lâminas dos terçados, seguindo as indicações das lâmpadas e rasgando as primeiras sendas, que lembravam minas a furar a tremenda espessura da brenha.» O Instinto Supremo (1968)

«Logo, metendo a direita no bolso, onde guardava o revólver, estendeu a esquerda e ajudou-o. / Lá de cima, alguns dos presos, lavrados de curiosidade e de comentários sarcásticos, viram-nos principiar a andar -- um atrás do outro. Marchavam com naturalidade, nem depressa, nem devagar, no ritmo de funcionários que chegam a horas ao seu emprego.» A Experiência (1954)

Monday, August 25, 2025

dos «Pórticos»

«Nas margens do Nilo, o felá, desgraçado campónio, trabalhava a gleba, no país onde a miséria e a servidão imperam e o chicote do árabe forte é, ainda hoje, o argumento contra o patrício débil.» A Tempestade (1940)

«O homem viera para ali há muitos séculos, mas poucos tinham sido e poucos eram ainda os que levantavam o seu abrigo de granito nos sítios mais propícios; e quando o faziam, achegavam-se uns aos outros, como se se quisessem defender da bruteza circundante. Os génios da montanha e as fúrias do céu possuíam, assim, quase toda a majestosa extensão da serrania, ermáticos domínios onde podiam transitar com passos de fantasmas ou bramir livremente.» A Lã e a Neve (1947)

«O papel escrito desceu para a gaveta e o tempo continuou a sua rota. / Em 1931, quando a República ocupou o trono de Espanha, várias artes e mutações ali operadas fizeram-nos pensar de novo na velha peça inacabada. Mas nessa época já se havia desvanecido o nosso interesse juvenil pelas fulgurâncias dos tablados.» A Curva da Estrada (1950)

Friday, August 22, 2025

errâncias

«Ao ver impresso, aqui e ali, o nome do pequeno país, sinto-me puerilmente comovido, como se fosse encontrar, após longas pesquisas, um ser amado, até esse momento perdido no Mundo... O dia mostra-se esplendente quando deixo as termas, com as suas ruas mui limpas e claras, suas árvores penteadas, todo esse ambiente garrido, luminoso, aguarelado, das vilas de águas francesas, que dir-se-ão passadas a ferro para seduzir os hóspedes.» «Andorra» [1929], Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)

«Entramos, pois, no "Parador Gil Blas", que celebra o herói do famoso romance de Lesage. É, também, um velho palácio que o turismo adaptou a hotel. Do fundo da sala, envidraçada e com o seu todo de jardim-de-inverno, a governanta vem ao nosso encontro, alta, distinta e de olhos negros, sonhadores, como requer um albergue de bom nome literário.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

«Já no Atlântico, contornando a costa portuguesa e, depois, a espanhola, os passageiros que vêm de Nova Iorque entregam-se aos jornais ingleses, recém-comprados em Lisboa, reunindo-se, à noite, não em frente da orquestra, que toca, solitária, no grande salão, mas juntos dos aparelhos que espalham notícias do Mundo convulso.» A Volta ao Mundo (1940-44) 

Wednesday, August 13, 2025

dos «Pórticos»

«Papéis que jaziam no fundo, submersos pelos mais recentes, estão agora à flor dos outros; a cronologia restabeleceu-se e eles falam-me dos anos em que fui obrigado a vigiar o comportamento das palavras para além das suas imposições estéticas, nesta mesma secretária de onde eles deviam erguer voo, direitos à luz exterior, e quedaram afinal na escuridão das gavetas, como na de um túmulo.» Os Fragmentos [1974] 

«Havia-a pedido a outrem, mas foi-me remetida por si, depois de encontrar a minha carta solicitante olvidada entre as folhas de velho dicionário, amarelecida pela luz a extremidade deixada à vista; por si, que já nesse tempo entregava, perdulária e amorosamente, a sua vida e a sua paixão de biólogo, de etnógrafo e de etnólogo ao estudo das expressões físicas e humanas da floresta imensa; por si, caro Nunes Pereira, que eu não conhecia ainda.» O Instinto Supremo (1968)

«O nosso interesse pelas criações artísticas da Suméria, de Babilónia, da Assíria, do Egipto, de tantos outros povos que durante milénios se sepultaram na memória das gentes e só há pouco ressuscitaram sob as enxadas dos arqueólogos, taumaturgos dos nossos dias, não provinha apenas dessas obras de arte, mas da superação humana que elas já representavam em tão longínquos tempos.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

Tuesday, August 12, 2025

errâncias

«Santilhana do Mar não tem Cafés. Na Idade Média, a Europa desconhecia a bebida negra e estimulante, boa companheira, inimiga dos nervos frouxos e das noites de chumbo; e, mesmo que a conhecesse, nunca os aristocratas de Santilhana sairiam dos seus palácios, tão adornados de panóplias como de preconceitos de castas, para irem amesendar-se na sala democrática dum Café, onde se compra a igualdade humana por alguns níqueis apenas.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

«Inúmeras ameaças transitam no ambiente que respiramos, no que se ouve e se lê, nas paixões e nas cobiças que emprestam ao nosso tempo uma angústia mais densa do que a de velhas eras. / O "Saturnia" desce, lentamente, o Tejo e, à direita, entre as velas do rio, fulge a Torre de Belém, símbolo do país das grandes viagens. Mais abaixo, a luz vespertina enche de colorido as vivendas do Estoril, enquanto lá ao fundo, na serra de Sintra, irisada bruma dá ao castelo um aspecto fantástico.» A Volta ao Mundo (1940-44)

«No dia seguinte, larguei de Toulouse em direcção a Ax-les-Thermes. O castelo de Foix, projectando a sua sombra sobre o Ariège, serve de guarda avançada, de vetusto guardião a uma paisagem deslumbrante. O comboio eléctrico passa por Hospitalet e vai até Puigcerdá, já em Espanha. Mas eu desço em Ax-les-Thermes, onde se começa a fazer, timidamente embora, propaganda turística da Andorra misteriosa.» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38) -- «Andorra» [1929]

Monday, August 11, 2025

dos romances

«O "Bagatelle"deixou a lata, pousou uma das mãos sujas sobre a escada e olhou para o beiral: / -- Vou pintar a palavra "Missão" no telhado, por causa dos bombardeamentos... / -- Muito bem. É preciso -- apoiou Mounier, sempre com um tom descuidado e já a afastar-se.» A Missão (1954)

«Soriano contemplava-a com esse sorriso complacente e irónico de quem não está disposto a melindrar-se. Ela levantou-se da mesa e caminhou apressadamente para o seu quarto. / Soriano e o filho ergueram-se também. O taque-taque do relógio parecia mais nítido, mais corajoso, à medida que o iam deixando sozinho.» A Curva da Estrada (1950)

«Só então o amo deu por aquela presença. Ele regressara nessa tarde do serviço militar e, no entusiasmo de ver pai e mãe, os vizinhos e, sobretudo, Idalina, não se havia lembrado ainda do seu antigo companheiro. Agora, porém, afagava-lhe a cabeça e metia, enternecido, um parêntesis na narrativa que estava fazendo: / -- Olha o "Piloto"! O meu "Piloto"!» A Lã e a Neve (1947)

Wednesday, July 23, 2025

nas palavras dos outros

(Agustina Bessa Luís, 1966): «Eu disse para mim: "Também escreverei; em breve escreverei um livro". Não sei de maior força que possa ter um autor, do que esse impulso que toca o espírito dos criadores obscuros, que nele encontram revelação e uma espécie de protecção à sua vontade e ao seu ermo.» «Ferreira de Castro», Livro do Cinquentenário da Vida Literária de Ferreira de Castro -- 1916/1966 (1967)

(Nogueira de Brito, 1928): «Em Ferreira de Castro não há a elevação "estudada" do sentir afeiçoado à exigência da efabulação, a rebuscada irradiação de emotismo coado pela oportunidade mais ou menos feliz: há, sim, a espontaneidade que nasce da cena real da existência, sem qualquer assomo de artifício, sem clangores de retumbâncias festivas, nem estilizações frívolas de colorismos doentios e insinceros.» «Ferreira de Castro e a sua obra literária», Ferreira de Castro e a Sua Obra (1931)

(Jacinto do Prado Coelho, 1976): «Minúcia na descrição, própria de quem viu com seus próprios olhos, quer se trate da Natureza amazónica, esmagadora, quer dos trabalhos e preocupações quotidianas em tais regiões longínquas. E verdade humana no modo como os "heróis" se definem, tanto através de flashes retrospectivos, que os individualizam,  como pelas formas de comportamento durante a expedição.» «"O Instinto Supremo": quando a ética se torna humanitária» In Memoriam de Ferreira de Castro (1976) 

Tuesday, July 22, 2025

errâncias

«Nós vamos ver, agora, o planeta que eles devassaram em todas as direcções há quase cinco séculos, e, para se iniciar a volta ao Mundo, bom é o porto de onde largaram aqueles que o Mundo andaram a descobrir. Como nessa época já remota, os mesmos mares estão prenhes de mistério, estão hoje povoados de monstros e estes verdadeiros; monstros de ferro e aço, aos quais uma palavra bastará para exercerem a sua acção de morte.» A Volta ao Mundo (1940-44)

«O encanto desta viagem à aventura, das poucas, senão a única, que a indústria do turismo ainda não destruiu na Europa, rompeu-se, uma noite, na redacção de La Dépêche, em Toulouse. Um dos redactores, que já tinha peregrinado pelos confins do Ariège, disse-me que, como eu supunha, Hospitalet, aldeiazita francesa sepultada nos Pirenéus orientais, dava acesso a Andorra. Não havia, porém, estradas... E, quanto a passaporte, nenhum visto se exigia...» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38) «Andorra» [1929]

«"Voltaremos mais tarde, com calma" -- garantimos a nós próprios, para nos redimir das ásperas censuras que nos fazemos. E saímos a passos largos, ansiosos de matar a curiosidade maior, enquanto à porta do claustro, o padre-guia da colegiata, de dedo estendido e olhos móveis, conta e reconta os novos visitantes, não vá algum estar ali sem haver pago a entrada.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63) 

Monday, July 21, 2025

dos romances

«["] Ele com a garganta tão fechada como se lhe tivessem posto solda, ele com vontade de estoirar os miolos, sabendo que Julieta estava por pouco -- e ele a comer, porque a luz ia já esmorecendo nos olhos dela e queria comprazê-la no momento da agonia. Agora, a cama estava suja pela presença duma porca, duma prostituta, que outro nome não merecia!"» A Tempestade (1940)

«Pus-me a trilhar a via enlameada e ia quase tranquilo sobre a minha sorte. A experiência colhida em dezassete anos de vida revolucionária ensinara-me a conhecer as ruas em que é pouco provável encontrar agentes de polícia durante as primeiras horas de uma greve.» O Intervalo (1936/1974)

«Se tivesse capital e pudesse mandar as pelecas directamente para Braga, até seria, talvez, melhor. Mas, assim, quem ganhava era o Sarzedas, repimpado em Montalegre, pois não tinha outro trabalho senão comprá-las e revendê-las, depois, no Porto, sabe-se lá por quanto cada uma!»  Terra Fria (1934) 

Friday, July 18, 2025

dos «Pórticos»

Não chegámos a rematar o último acto, porque outra peça, escrita anteriormente, nossa frágil asa de esperança, classificada muito embora num concurso, não conseguira céu aberto para voar. A juventude que então arvorávamos não convencia ninguém e uma timidez desprotegida impedia-nos todos os passos em direcção aos empresários.» A Curva da Estrada (1950)

«A solidão enchia-se dos seus uivos e a neve reflectia a sua temerosa sombra. A serra, porque só a pé ou a cavalo se podia vencer, parecia incomensurável, muito maior do que era, e de todos os seus recantos, de todos os seus picos e refegos brotavam superstições e lendas -- histórias que os pegureiros contavam, ao lume, a encher de terror as noites infindas.» A Lã e a Neve (1947)

«Desse bravo sítio, onde desejamos repousar para sempre, face ao sol e ao fulgor das estrelas, via-se, lá em baixo, branquejar a casita nativa, quase a entestar o afogado vale; e, da banda oposta, outras várzeas, outros povoados, outros cerros, maravilhosa sucessão de planos, formas e cores, tudo laborado pela mão do Homem. Ao fundo, esboçava-se o grande sortilégio, o Mar, o imã que nos atraía ali.» A Volta ao Mundo (1940-44)  

Thursday, July 17, 2025

correspondências

(Jaime Brasil a Ferreira de Castro, 1926) .../... «Ficou o meu caro Ferreira de Castro de me mandar a conferência. Espero-a para fazer tirar umas cópias e satisfazer o desejo de Ribera-Rovira, muito lisonjeiro sem dúvida para si, e ao qual não devemos corresponder com a descortesia duma demorada resposta. / Disponha do // seu camarada / mto. afeiçoado / Jaime Brasil / Lxª. 3/4/926.» Cartas a Ferreira de Castro (2006)

(José Dias Sancho a Ferreira de Castro, 1927) .../... «Com a presente obra V. acaba de conquistar um lugar de destaque na literatura portuguesa, pois as suas novelas são duma soberba realização. Abraço-o e felicito-o vivamente, porque esta obra marca uma etapa magnífica na sua evolução, e acaba de alçapremá-lo, num impulso, às fileiras dos nossos melhores escritores.» .../... 100 Cartas a Ferreira de Castro (1992/2006)

(Ferreira de Castro a Roberto Nobre, 1925): .../... «Aí vão agora dois trabalhos meus, que V. devolverá com os desenhos o mais depressa possível. (O Julião Quintinha, entrando ontem no meu gabinete, levou-me a interromper esta carta)... / Portanto, como lhe dizia há 24 horas, V. fica como colaborador do A.B.C., a não ser que a fatalidade se coloque de permeio...» .../... Correspondência (1922-1969) (1994)

Wednesday, July 16, 2025

traduções - ETERNIDADE

Eternidad: «Mañana alta, toda vestida de azul, con faralaes blancos que el mar tejía y desgarraba a sabor de su movimiento, la sombra surgida en la línea del horizonte iba creciendo y definiéndose en caprichoso recorte. Más que tierra próxima, como querían los pasajeros y la ciencia náutica afirmaba, se diría nube estática en la luminosidad imperante.» -- trad. José Ares (1959)

Eternidade: «I. »Manhã alta, toda vestida de azul, com folhos brancos que o mar tecia e esfarrapava ao sabor da ondulação, a sombra escortinada na linha do horizonte ia crescendo e definindo-se em caprichoso recorte. Mais do que a terra próxima, como queriam os passageiros e a ciência náutica afirmava, dir-se-ia nuvem estática na luminosidade imperante.» (1933)

Eternidade está traduzido em castelhano, checo e húngaro. Em preparação, as traduções italiana e turca.

Monday, July 14, 2025

outras palavras

«Não é preciso, sequer, ser muito velho para, semicerrando os olhos, ver passar intérmino e esfumado cortejo de figuras que, um dia, se projectaram em determinado estado da nossa existência. Mas, de tantas, ficam muito poucas gravadas no coração.» «Delfim Guimarães» (1934)

«Eu sentia um respeito enorme por tudo aquilo e estava envergonhado. Sentei-me a uma das carteiras e, não tendo coragem de levantar os olhos, fixei-os no abecedário, que crescia e se deformava constantemente. Nesses primeiros dias, a minha única distracção era seguir as moscas que passeavam no sujo rebordo do tinteiro.» [Memórias] (1931) 

«Lá em baixo, corre o Caima, mas também a ventania lhe assimila o rumor da água nas suas quedas e serpenteios, por entre pedras limosas, enormes como ovos de ave mitológica. / Só o vento existe. Anda a bramar nos pinheiros das declividades, nos castanheiros da Felgueira, nos rochedos, nas locas, por toda a parte.» «O Natal em Ossela» (1932/1974)

Friday, July 04, 2025

traduções - A SELVA

La Selva«Traje blanco, planchado, brillante, del mejor H.J. que tejían las fábricas inglesas, el señor Balbino, con u sombrero de paja envolviendole la mitad del cuerpo alto y seco, entró en la Flor de la Amazonia, más rabioso que nunca.» - trad. José Ares

Forêt Vierge: «À BELÉM - Vêtu d'un blanc impeccable amidonée et bien repassé, taillé dans le meilleur tissu anglais, le chef coiffé d'un grand chapeau de paille qui l'ombrageait jusqu'à la ceitnure svelte et sec, monsieur Balbino fit son entrée à "La Fleur des Amazones", l'air plus furibond que jamais.» - versão de Blaise Cendrars (1938) 

Jungle - A Tale of the Amazon Rubber Tappers: «In a starched, smooth and shiny white linen suit of the best material produced by English mills, and wearing a straw hat which shaded half his tall, gaunt body, Senhor Balbino entred the inn known as the Flôr da Amazonia in a towering rage.» -- trad. Charles Duff (1935) 

La Selva delle Amazzoni: «Il signor Balbino, in abito bianco ben stirato e lucido, del migliore H. J. tessutto nelle fabbriche inglesi, e con un grande capello di paglia che ombreggiava metà del suo corpo, alto e magro, entrò nel Fiore dell'Amazzonia, più rabbioso del solito.» -- trad. G. De Medici e G. Beccari.(1934).

La Selva: «De traje blanco, planchado, brillante, del mejor H.J. que tejían las fábricas inglesas, el señor Balbino, con un sombrero de paja que le sombreaba la mitad del cuerpo, alto y seco, entró en la "Flor del Amazonas", más rabioso que nunca.» -- trad. Luis Diaz Amado Herrero e A. Rodríguez de Léon (1931)

A Selva: «Fato branco, engomado, luzidio, do melhor H. J. que teciam as fábricas inglesas, o senhor Balbino, com um chapéu de palha a envolver-lhe em sombra metade do corpo alto e seco, entrou na "Flor da Amazónia" mais rabioso do que nunca.» (1930)

A Selva está traduzido nos seguintes idiomas: alemão (2), búlgaro, castelhano (2), croata, eslovaco, flamengo, francês, inglês, italiano, neerlandês, japonês, norueguês, romeno e sueco. Aguarda-se tradução albanesa e turca.

Wednesday, June 18, 2025

correspondências

José Dias Sancho a Ferreira de Castro (1927) «Monte Gordo, 10 de Setembro, 1927. // Meu caro F. de Castro: // Há apenas três dias que recebi o seu livro, e já o li todo, em outros tantos fôlegos. E, vamos, que tem 350 páginas! / V. está a afirmar-se o melhor realizador da nossa geração.» .../... 100 Cartas a Ferreira de Castro (1992/2006)

Ferreira de Castro a Roberto Nobre (1925) .../... «Por agora quero dizer-lhe que só ontem tomei conhecimento da s/ carta para o Assis. Tratei do caso que nos dizia respeito. Falei com o Anahory do A.B.C. Ele aceitou a sua colaboração. E parece-me que V. vai ficar -- fica certamente -- como colaborador efectivo e com muito trabalho.» .../... Correspondência (1922-1969) (1994) 

Jaime Brasil a Ferreira de Castro (1926): «Meu caro Ferreira de Castro: // Ribera-Rovira, o presidente da Federação da Imprensa, mandou-nos uma carta muito amável para si, pedindo-nos que lhe enviasse o texto da sua conferência, pois tinha muito interesse em conhecê-la.» .../... Cartas a Ferreira de Castro (2006)

Monday, June 16, 2025

outras palavras

«Mas lembro-me, nitidamente, da minha entrada na escola. Lá estava, ao fundo, à secretária instalada sobre um estrado, o sr. professor Portela. Era gordo e de cara muito branca e fofa. No primeiro plano, as carteiras com os alunos chilreantes. Alguns conhecia-os eu cá de fora. Mas tomavam ali, para a minha timidez, o papel de inimigos.» [Memórias] (1931)

«De onde seria o ramo que ia em procura do tronco familiar? De Castelões? Da Gandra? De Arouca? Viria do Porto, de Estarreja, de Lisboa? Em todo o vale flutuava, então, o segredo. Hoje, com os automóveis, quem passa, passa; a sua vinda não lembra sacrifício; tudo vai depressa, já não há distâncias e anda-se pouco ao frio.» «O Natal em Ossela» (1932/1974)

«Uns, não voltamos a encontrá-los jamais; outros, um dia, ao dobrarmos um dos ângulos do mundo, topamos com eles e, por pequeno que haja sido o convívio, a nossa emoção é tão grande como se em vez duma vida alheia encontrássemos um trecho pretérito da nossa própria vida -- vida que vivemos outrora e da qual já não somos mais do que uma precária lembrança.» «Delfim Guimarães» (1934)

Friday, June 13, 2025

nas palavras dos outros

(Nogueira de Brito, 1928)  «Carácter e individualidade, moral e temperamento, tendências e atavismos, andam na obra de Ferreira de Castro como coisa existente, a valer, sem deformação, sem tintas esmorecidas, antes com um vinco de beleza moral e uma característica de perfeição honrosa que impressionam.» «Ferreira de Castro e a sua obra literária», Ferreira de Castro e a Sua Obra (1931)

(Jacinto do Prado Coelho, 1976) «É narrativa de acção, relato duma luta e duma vitória final, novela animada de espírito épico -- mas a epopeia surge aqui humanizada, o livro é também "realista", prende-se ainda à tradição portuguesa daquela literatura de informação sobre terras desvendadas que remonta ao século XVI.» «"O Instinto Supremo": quando a ética se torna humanitária» In memoriam de Ferreira de Castro (1976)

(Agustina Bessa Luís, 1966). «Quando eu li A Selva eu tinha dezasseis anos. Estava no Douro, eu era como um búzio da praia onde se ouve uma ameaçadora informação da vida; ameaçadora, mas restrita à sua lonjura. A Selva pareceu-me uma obra-prima, a obra de alguém que tivera experiência sem perder uma nobre ciência da juventude, que é a esperança.» «Ferreira de Castro», Livro do Cinquentenário da Vida Literária de Ferreira de Castro - 1916/1966 (1967)

Wednesday, June 11, 2025

outro episódio de "Se bem me lembro", de Vitorino Nemésio

Ferreira de Castro sofrera um avc no início do mês de Junho de 1974, em Macieira de Cambra, e estava em como no Hospital de Santo António, no Porto, onde viria a morrer no dia 29. Nemésio -- que fará o elogio fúnebre neste mesmo programa, logo após o sucedido -- refere-se aqui à vivência de ambos na década de 1920 como os mais novos da tertúlia do Café Chiado, em que tinham assento Brito Camacho, Duarte Leite e José de Bragança, entre outros.

Agradeço a Manuel Pinto, do blogue aquiliniano "Alcança que não cansa", o envio deste filme, magnífico, como tudo o que tinha a marca do grande escritor açoriano.

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/os-ideais-republicanos/

Monday, June 09, 2025

errâncias

«Havia de entrar, sucedesse o que sucedesse! Como contrabandista, como refugiado político, de dia ou de noite, a pé ou de avião -- de qualquer maneira!» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38)

«Há muito tempo que temos pressa. E, agora que estamos perto, a dois ou três quilómetros apenas do íman, não nos podemos dominar. / Vemos os antigos bastiões, a colegiata magnífica, cheia de preciosidades acumuladas desde o século V, e o nosso açodamento, numa imperdoável deslealdade com as riquezas que nos cercam, aumenta sempre.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

«O navio, o primeiro das duas dezenas que devíamos utilizar, larga às três da tarde. No cais, os nossos amigos acenam-nos os últimos adeuses. E, por detrás, nas suas sete colinas, espairece ao sol a velha cidade de Lisboa. / Outrora, estes outeiros, vestidos de polícromo casaredo, viam partir os homens em frágeis caravelas, rumo ao desconhecido, que os oceanos eram, para eles, tão fabulosos como o foram, um dia, para os nossos olhos de menino.» A Volta ao Mundo (1940-44)

Friday, June 06, 2025

dos «Pórticos»

«Um vaporzito, com graciosidade de gaivota e calentura de de forno, largou de ao pé da "Kars-en-Nil" e, apitando aqui e ali, que o tráfego fluvial era grande em frente da cidade, começou a subir o rio sagrado.» A Tempestade (1940) 

«Soube que você tinha estado na Praça da Macarena, entre os jornalistas, quando do bombardeamento do "Colmado del Salvador"; que observou as principais fases da greve e trilhou grande parte da Andaluzia, para averiguar "como as coisas se passaram". Por tudo isso me dirijo a si, mandando-lhe estes cadernos onde narro uma parte da minha vida. Se me autorizar, outros irão depois, à medida que os for escrevendo.» O Intervalo (1936/1974)

«A nostalgia deve ter nascido numa ilha e só numa pequena ilha se compreende, integralmente, o subtil significado da distância. Essa sufocação que dá a terra sem continuidade, como se o aro líquido que a estrangula se viesse fechar também em volta da nossa garganta, desperta constantes rebeldias e constantes impotências, acorda mil sentimentos ignorados, remexe, tortura, cava fundo na alma até o momento de esta se submeter por falta de mais energias.»  Terra Fria (1934)

Wednesday, June 04, 2025

Monday, June 02, 2025

uma entrevista a Assis Esperança, por Igrejas Caeiro

A primeira vez que oiço a sua voz. Está mal datada: não pode ser de 1954, pois há referência a Trinta Dinheiros (1958) e alusões ao futuro romance, ainda sem título,. que virá a ser Pão Incerto (1964). Aqui.


Monday, May 26, 2025

na morte de Sebastião Salgado (1944-2025)

Sebastião Salgado

 
De acordo com uma revelação que Salgado fez numa entrevista, em 1971 estava em Paris, não me recordo se como adido às embaixada do Brasil ou doutorando em Economia, a sua área de formação. A verdade é que não havia fotógrafo -- Portugal e Brasil eram ditaduras, e os seus autores censurados. Assim, para o acontecimento não passar em branco -- era a atribuição do Prémio da Latinidade, instituído por Malraux, a Eugenio Montale, Ferreira de Castro e Jorge Amado -- foram chamar um rapaz que gostava de fotografar...

Sunday, May 11, 2025

uma homenagem em 1964

Através de Manuel Pinto, autor de "Alcança quem não cansa», um blogue dedicado ao grande Aquilino Ribeiro, chega-me esta imagem da homenagem a Ferreira de Castro na Cooperativa de Consumo Piedense, em 1964, organizada pelo futuro blogger Cid Simões.




Friday, May 09, 2025

Wednesday, April 30, 2025

dos romances

«No convés lavado de fresco, Juvenal Gonçalves, o busto flectido sobre a amura, ressuscitava a pretérita visão, com tanta pureza emotiva como se, realmente, fosse a primeira vez que ali aproasse um navio. / O "Avelona Star", de boa singradura, trouxera para a direita do seu casco o vulto negrusco que até aí apresentava pela linha de proa.» Eternidade (1933)

«-- Lá bem não me parece, não... Mas o senhor não faz ideia do sítio para onde eles tenham ido? / -- Que ideia vou eu fazer? Sei lá! E a polícia é isto que se vê! O que mais me custa é que esses caipiras malditos me tenham comido por tolo! / -- Ora! Isso tem sucedido a muita gente boa! Não é a primeira vez...» A Selva (1930) 

«À esquerda, para lá ainda da falda do outeiro, esbranquiçava, por entre a ramagem estática, o casario da aldeia. Desse lado, certamente de debicar os brincos vermelhos das cerejeiras, um gaio vinha, de quando em quando, esconder no pinhal o cromatismo da sua plumagem. "Chuá! Chuá!" E era o único grito que quebrava o silêncio, também volátil, das velhas árvores em êxtase.» Emigrantes (1928)

Thursday, April 24, 2025

errâncias

«Vamos olhando as maravilhosas "rejas" de ferro forjado, os portões solenes, as soberbas realizações arquitectónicas, todo este conjunto sóbrio e belo; e sentimos, ao mesmo tempo, que atraiçoamos Santillana, que menosprezamos o seu grande interesse artístico, atraídos e apressados por outra fascinação.» As Maravilhas Artísticas do Mundo (1959-63)

«Poderemos ver e estudar, durante quanto tempo quisermos, os seres e as coisas do Globo, sem ouvirmos o silvo do paquete em que os outros são forçados a partir. Traçamos, é certo, o mais incómodo e longo itinerário que se pode fazer, mas, também, o mais fascinante e fecundo, pelos povos que nos permitirá observar, alternando os centros urbanos, onde rutila a civilização, com os fundões da terra, onde a vida do Homem se encontra ainda selvagem, como se acabasse de surgir, de olhos e alma ofuscados, perante o Sol que a todos alumia.» A Volta ao Mundo (1940-44)

«O sub-prefeito chegou a mandar buscar o Larousse, só não o consultando porque eu lhe afirmei já saber de cor as palavras do nobre dicionário... / Na tarde desse dia resolvi continuar a ascensão dos Pirenéus. Impossível me parecia que, na última povoação indicada no mapa como vizinha de Andorra, ninguém me soubesse dizer a rota a seguir. E atrás não voltaria!» Pequenos Mundos e Velhas Civilizações (1937-38) - «Andorra» [1929]

Monday, April 21, 2025

outras palavras

«Antigamente os carros, puxados por cavalos, tinham outro mistério. Ouvia-se à distância o seu rodar e só se deixava de ouvir quando já iam muito longe. De passagem, se o vento não era forte, enchiam de ecos o vale. E enquanto se escutava o ruído das ferraduras nas pedras da via e a cantilena das rodas, ficávamos todos a pensar na figura que alarmava a noite, muito embrulhada e metida no canto do "coupé".» «O Natal em Ossela» (1932/1974)

«Passa tanta gente, tanta! Passa tanta gente nos caminhos do planeta, tanta gente que conhecemos ao longo da vida! Uma mão que se apertou, umas palavras que se trocaram, uma amizade que aflorou, aqui, ali, a norte, a sul, neste e naquele país, neste e naquele continente.» «Delfim Guimarães» (1934)

«É esta a minha primeira recordação. E foram de ódio e de sofrimento as primeiras sensações que a vida me deu. Eu tinha quatro anos e meio. Aos seis fui para a escola. Era de inverno. Ia de chancas, friorento, enroupadito. Creio que foi minha mãe quem me acompanhou até meio-caminho. Não me recordo bem.» [Memórias] (1931)

Friday, April 04, 2025

as biografias de Jaime Brasil

Balzac «O fenómeno Balzac é um quebra-cabeças para quem conhece a vida do escritor e lhe lê as obras. Alguns críticos procuraram, em vão, conciliar umas com a outra; mas são inconciliáveis. Quem lhe traçasse a biografia romanceada poderia intitulá-la, à maneira das más novelas do seu tempo: Balzac ou o desdobramento da personalidadeBalzac -- escorço da complexa personalidade do autor de A Comédia Humana [1966]

Velázquez «Pórtico / Num dia do tórrido Estio madrileno de 1660, morreu Diego Velázquez, nascido sessenta e um anos antes no final da cálida Primavera sevilhana. Esse homem, frio e calmo, deixou uma obra pictórica capaz de apaixonar com ardor qauntos se interessam pelos assuntos de arte.» Velázquez (1960)

Leonardo «Florença e o Humanismo. / Assim como há pessoas nascidas com sorte e outras toda a vida malfadadas, certas cidades parece terem surgido sob um signo feliz. Na aparência, pouco as distingue dos outros aglomerados seus contemporâneos; no entanto, todas as graças do espírito se acumulam nelas.» Leonardo da Vinci e o Seu Tempo (1959)

Rodin «Os anos obscuros - 2A Génese do Génio" / No capítulo do seu recente livro "Du crétin au génie", consagrado à "Génese do génio", escreveo o Dr. Serge Voronov: As células germinais não morrem nunca, mas transmitem-se duma geração à outra.» Rodin (1944)

Zola «Ao terminar o seu livro Zola, em Outubro de 1931, Henrique Barbusse, depois de delinear os futuros rumos da literatura, acentuando-lhe o carácter social, escreveu: "Não basta proclamar que o amamos (a Zola) e que o deploramos. Não basta que a peregrinação que se realiza todos os anos à memória do Mestre de Médan se reduza a levar flores mortuárias e a recordar a meia-voz a importância que revestiram, no passado,  e a sua atitude cívica. ["]» Zola -- O Escritor e a Sua Época (1943 -- então com o título Vida e Obras de Zola e assinada por A. Luquet, aliás Jaime Brasil)

Victor Hugo «O Século XIX, que nasceu ao fragor das batalhas e sobre ruínas fumegantes, não foi belicoso nem destruidor. Pode considerar-se mesmo o mais sereno e construtivo período da história moderna. É que nele, mais do que em qualquer outro, se afirmou o triunfo pleno da inteligência criadora.» Victor Hugo (1940)

Diderot «O amaneirado, o precioso, o ridículo século XVIII, o século das perucas empoadas, das casacas de seda, das camisas de bofes, dos vestidos de anquinhas, dos sinais postiços no rosto -- foi um dos períodos mais fecundos da História» Diderot e a Sua Época (1940)

Ferreira de Castro «Ferreira de Castro é o mais representativo dos romancistas da nova geração literária em Portugal. É, sobretudo, o único dos seus escritores não-conformistas que conquistou o grande público. Tornou-se conhecido, fora das fronteiras do idioma em que escreve, graças ao sentido de humanidade e universalismo das suas obras.» Ferreira de Castro e a Sua Obra (1931)

Monday, March 24, 2025

dos romances

«Ao ver a expressão da irmã, Soriano julgou adivinhar nela uma discordância que se continha, por falta de tempo para discutir. / -- Há muitas excepções, é claro, e tu és uma delas... -- acrescentou ele a sorrir. / -- Não é isso o que me importa -- interrompeu Mercedes, pousando a chávena. -- O que me importa e irrita é essa mania que tu tens  de achar bom tudo quanto é estrangeiro e mau tudo quanto é espanhol. Mas não me admira nada; mesmo nada; todos os teus correligionários são assim...» A Curva da Estrada (1950)

«Trazia o cabelo sujo e desgrenhado; alguns fios partiam da densidade do todo e enroscavam-se-lhe na testa, como as gavinhas que saem de sob as folhas das videiras à procura dum corpo para se abraçarem. / Ao atingir a porta, baixou o olhar sobre os dois degraus que tinha de descer e hesitou; o polícia compreendeu que, de mãos algemadas atrás das costas, ele não podia valer-se delas se um dos pés falhasse e ficou a observá-lo, um momento.» A Experiência (1954)

«Vendo-o assim, "Piloto" hesitou um instante, enquanto agitava mais a cauda e tremuras de alegria lhe percorriam o corpo. Logo se decidiu. E, humilde, foi colocar o focinho sobre a coxa do amo, como era seu costume quando este o chamava, à hora da comida, nos dias em que os dois andavam pastoreando o gado, lá nos picarotos da serra.» A Lã e a Neve (1947)

Wednesday, March 19, 2025

Conversas sobre Ferreira de Castro: "Ferreira de Castro, lido por Jaime Brasil"

 



"Conversas sobre Ferreira de Castro" - Sexta-feira, 21 de Março, 18 horas, no Museu Ferreira de Castro.





Com tactilização (degustação táctil) dos seus livros:

















 

Jaime Brasil (1896-1966), grande jornalista cultural, repórter, escritor, biógrafo, polemista e divulgador, foi um dos mais próximos amigos de Ferreira de Castro, cujas actividade literária e vida pessoal acompanhou de perto durante mais de quarenta anos, até à sua morte.

Os mais velhos, ligados à literatura e aos livros, conhecem-no, pelo menos de nome; mas se já com os ficcionistas -- poetas, romancistas e todos os outros -- é difícil conseguir que se mantenham à tona neste tempo voraz, os ensaístas e afins estão destinados aos alfarrabistas e a um público muito especializado.

Jaime Brasil não foi apenas um oficiante das "artes e das letras" -- título da página que durante algumas décadas coordenou n'O Primeiro de Janeiro -- mas um homem de acção: militar insurrecto, voluntário na Guerra Civil de Espanha, anarquista, jornalista, sindicalista, oposicionista, preso político, homem generoso, porém complicado e por vezes truculento. 

Escritor de ideias de primeira água, nos vinte livros que publicou avulta o género biográfico: de Rodin a Leonardo e Velázquez, ou de Balzac a Ferreira de Castro, passando por Victor Hugo e Zola, entre outros, e também a polémica, a reportagem, ou os de sexualidade, numa perspectiva libertária e emancipação feminina.

De que modo ele leu Ferreira de Castro é o que tentaremos descobrir.



Tuesday, March 18, 2025

traduções - EMIGRANTES

Emigrants: «Black and white, black and white, the black smooth and shinning and the white really snow-white, was a magpie with its tail nervously twitching, moving about among the pine needles and heather, in and out of sight, and from time to time it would rise in flight to the very top of the pine tree, carrying in its beak some small sprig or dry twig.» -- trad. Dorothy Ball, 1962

Émigrants: «Noire et blanche, noire et blanche, noir de jais et blanc de neige, la pie, la queue tremblotante, inquiète, sautillait parmi la ramille et la roquette, disparaissait, reparaissait, puis s'envolait en haut d'un pin, avec, au bec, quelque menue branchette.» -- trad. A. K. Valère, 1948

Emigrantes: «Negra y blanca, negra y blanca, el negro muy brillante y muy níveo el blanco, la picaza, de cola inquieta, trémula, picoteaba entre luz y tojo, escondiéndose aqui, levantándose alli, y, por fin, surgía de un vuello hasta la alta copa del pino, llevando en el pico hojarasca o pajillas.» -- trad. Eugenia Serrano, 1946

Emigranti: «Nera e bianca, nera e bianca, il nero lucentissimo e il bianco niveo, la gazza dalla coda irrequieta saltellava tra gli arbusti, ora nascondendosi ora riapparendo e alla fine spiccava il volo verso la cima alta del pino, portando nel becco un ramoscello secco.»  -- trad. A. R. Ferrarin, 1937

Emigrantes: «Negra y blanca, negra y blanca, el negro muy brillante y muy de nieve lo blanco, la urraca de cola trémula, inquieta, saltaba entre hojas y tojos, se esconde aquí, surge allá, y, por fin, levantaba el vuelo hasta la copa alta del pino, llevando en el pico un trozo de ramaje seco.»  -- trad. Luis Díaz Amado Herrero e Antonio Rodríguez de León, 1930 

Emigrantes«Preta e branca, preta e branca, o preto mui luzidio e muito níveo o branco, a pega, de cauda trémula, inquieta, saracoteava entre carumas e urgueiras, esconde ali, surge aqui, e por fim erguia voo até à copa alta do pinheiro, levando no bico ramo seco ou graveto.»  (1928)

Emigrantes está traduzido nos seguintes idiomas: alemão, castelhano (2), checo, croata, eslovaco, francês, húngaro, inglês, italiano, polaco e russo.

Tuesday, March 11, 2025

dos romances

«Mounier parou: / -- Bom dia! Então qual é hoje o trabalho? / Ele vinha a rememorar a influência maléfica  que uns quadris femininos podem ter, pelo facto de parecerem maiores do que efectivamente são quando o corpo está sentado, e perguntara aquilo distraidamente, muito mais por hábito de cortesia do que por força de curiosidade.» A Missão (1954)

«--É tudo uma malandragem! Ah, bom tempo em que havia relho e tronco! Então, esta canalha andava mesmo metida na ordem! Hoje, não se prende ninguém por dívidas e dizem que já não há escravos. E os outros? Os que perdem o que é seu? Vem um homem a fazer despesas, a pagar passagens e comedorias e até a emprestar dinheiro para eles deixarem às mulheres, e depois tem-se este resultado! Lhe parece bem? Ora diga, senhor Macedo: lhe parece bem?» A Selva (1930)

«["] Fora naquela mesma cama que ele tivera as núpcias com a sua primeira mulher, a santa que a morte levara, para desgraça dele. Fora ali, também, que a pobre morrera, lúcida, muito lúcida sempre preocupada, sempre a pensar no futuro dele e da filha, até o último instante. Ainda duas horas antes de expirar, obrigara-o a comer na sua frente, 'pois andava desconfiada de que, por causa dela, ele não comia.' Sofrera tanto com isso! ["]» A Tempestade (1940) 

Thursday, March 06, 2025

nas palavras do outros

(Jacinto do Prado Coelho, 1976) «Mais uma vez, na pena de Ferreira de Castro, a literatura apontou um caminho e exaltou grandes valores morais. / / O Instinto Supremo conta a história simples dum punhado de homens que se propõem, arriscando a vida, trazer uma tribo de índios ao seio da civilização. Persuadi-los a, de livre vontade, quebrar uma atitude hostil e deixar o estado selvagem.» «"O Instinto Supremo": quando a ética se torna humanitária», In Memoriam de Ferreira de Castro (1976)

(Agustina Bessa Luís, 1966) «Era um dia quente e sem brisa, o espírito não contava pois com o ligeiro sopro das ribeiras; apagavam-se os verdes ao sol de Agosto. No entanto, Ferreira de Castro, sem esmorecer de atenção, disse: "Valeu a pena vir aqui ver esta estradinha... É maravilhosa..." Todos os anos passados eu levara a percorrer a pequena estrada branca, de noite, com luares circundados da piedade humilde dos pinhais, de dia ouvindo o cachoar da água, o mistério da água correndo absorta, a água matemática dos campos da minha terra -- tudo se voltou para mim do seu sequestro na memória e no hábito. E eu vi que sim, a estrada era maravilhosa.» «Ferreira de Castro», Livro do Cinquentenário da Vida Literária de Ferreira de Castro -- 1916/1966 (1967)

(Nogueira de Brito, 1928) «Os tipos, que a sua obra incarna, são exemplos da vida, e não há um gesto, um vinco de fisionomismo que não atinjam uma verdade irrefutável, um sentido de exactidão a que não está acondicionado o género novela, tão escassamente conseguido.» «Ferreira de Castro e a sua obra literária»Ferreira de Castro e a Sua Obra (1931)