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Monday, November 18, 2013

Ferreira de Castro e Luandino Vieira

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Quando, em 1965, o júri do Prémio Camilo Castelo Branco -- instituído pela Sociedade Portuguesa de Escritores, fundada na década anterior por Ferreira de Castro e Aquilino Ribeiro, e a que ambos presidiram -- decidiu distinguir a obra de um escritor pertencente ao MPLA e a cumprir pena no Tarrafal, a consequência desta decisão acarretou a extinção da SPE e o saque e a vandalização das suas instalações por parte de rufias da Legião Portuguesa.
Castro terminara o seu mandato como presidente no ano anterior, e deve ter sido com enorme mágoa que soube dessa acção perpetrada por sicários do regime, cujas poucas letras, de resto, os tornava inaptos para a leitura de Luuanda, se acaso o tentassem.
O livro, composto por três novelas, é uma obra-prima de criação literária, de trabalho dentro da língua portuguesa e da recriação dela através da língua errada do povo, da língua certa do povo, como diria Manuel Bandeira. E obra-prima de duas literaturas: da portuguesa (Vieira nasceu em Vila Nova de Ourém, em 1935) e também da angolana, país que é o seu desde os três anos de idade, e que profundamente deve amar, pois uma escrita desta só é possível por quem se tornou, de facto, angolano, amando a sua terra e as pessoas que nelas vivem. E não esqueçamos ser José Luandino Vieira Prémio Camões de 2006, embora o tenha recusado.
A minha edição de Luuanda, de 1983, é do Círculo de Leitores. Na badana da sobrecapa o primeiro excerto de um escritor é de Ferreira de Castro, infelizmente sem menção da sua proveniência:
«Considero, sem favor algum, que a obra Luuanda é um trabalho de alto mérito literário e José Luandino Vieira, um escritor de grande talento, que já enriqueceu, com este livro, a nossa literatura [...]».
Por um lado, Castro percebe que está diante dum excepcional escritor; por outro, velho oposicionista, quis vincar com aquele "sem favor algum", que o mérito de Luuanda nada tinha que ver com considerações de ordem política. Embora o júri -- que Ferreira de Castro não integrou -- não fosse ingénuo e soubesse que a sua decisão acarretaria consequências desagradáveis -- talvez não suspeitassem, contudo, da selvajaria que se seguiu --, honraram-se como homens livre num país que o não era, ao premiarem literatura verdadeira: a que experimenta e arrisca enquanto arte.

Friday, May 26, 2006

Entrevista a A. Lopes de Oliveira (5)

-- Usa estimulantes para escrever?
Ferreira de Castro sorveu um gole de café e depois de avivar o cigarro que pendia dos lábios, respondeu-nos:
-- Sim. Café e cigarros.
-- Prefere o campo para o seu trabalho?
-- Sim, sempre o Campo. Mas, infelizmente, é quase sempre na Cidade que construo o trabalho.
-- Prefere poesia ou prosa?
-- Gosto das duas coisas. Para eu escrever, o romance; para eu ler, a filosofia.
-- Já alguma vez escreveu para o teatro?
-- Quando tinha vinte anos fiz algumas tentativas para esse fim, mas depois desisti disso.
Foi com estas palavras que a conversa se encerrou.
Eram 6 horas da tarde: tinha chegado o momento para Ferreira de Castro realizar o seu trabalho quotidiano. Puxou pelo relógio, viu a hora e disse-nos:
-- Tenha paciência, vou a o meu trabalhinho. É o meu pão-nosso de cada dia.
Apertou-nos a mão e seguiu lentamente a Avenida da Liberdade.

A. Lopes de Oliveira, Como Trabalham os Nossos Escritores, Lisboa, Editorial Proença, 1950

Autores entrevistados: Acúrcio Pereira, Amadeu de Freitas, Assis Esperança, Aurora Jardim, Correia Marques, Eduardo Schwalbach, Ferreira de Castro, Guedes de Amorim, Hernâni Cidade, Hugo Rocha, Joaquim Paço d'Arcos, Luís de Oliveira Guimarães, Gustavo de Matos Sequeira, Moreira das Neves, Mota Júnior, Natércia Freire, Norberto Lopes, Ramada Curto, Ribeiro Couto e Virgínia Vitorino.

Thursday, May 25, 2006

Entrevista a A. Lopes de Oliveira (4)

-- Possui ficheiro?
-- Não. Não possuo.
-- Tem método no trabalho?
-- Tanto quanto possível. O trabalho intelectual, como sabe, não pode ser feito com a rigidez de outros trabalhos.
-- Escreve à máquina?
-- Não. À mão. Mando dactilografar e depois revejo. Em seguida, torno a corrigir duas, três e mais vezes.
-- Claro que fica a forma definitiva?
-- Nalgumas páginas, sim. Mas em muitas outras ocasiões essas provas são ainda corrigidas.
(continua)
A. Lopes de Oliveira, Como Trabalham os Nossos Escritores, Lisboa, Editorial Proença, 1950

Tuesday, May 23, 2006

Entrevista a A. Lopes de Oliveira (3)

-- Qualquer hora lhe serve para trabalhar?
-- Não senhor. Em geral trabalho de manhã, até à hora do almoço. E, de tarde, das 17 ou 18 horas até ao jantar.
-- Mas prefere trabalhar a determinada hora?
-- Sim. Coisas de especulação intelectual prefiro fazê-las de manhã. Coisas quentes, como direi, sensuais, de tarde. Porque de tarde há mais voluptuosidade.
-- Por vezes não se sente incapacitado para o trabalho intelectual?
-- Muitas vezes se não se está incapacitado, não se está em estado propício.
(continua)
A. Lopes de Oliveira, Como Trabalham os Nossos Escritores, Lisboa, Editorial Proença, 1950.

Monday, May 22, 2006

Entrevista a A. Lopes de Oliveira (2)

-- Como trabalha?
A resposta não se fez esperar. Ferreira de Castro poisou a chávena de café e, tirando uma longa fumaça, disse-nos:
-- Gosto de trabalhar num ambiente de pura tranquilidade, porque assim posso mergulhar melhor no trabalho que realizo.
E acrescentou, num desabafo natural:
-- Ambicionava trabalhar à sombra duma frondosa árvore amiga, num sítio solitário, longe dos bulícios. Mas, impossível!
Ferreira de Castro acrescenta ainda:
-- E integro-me de tal forma no trabalho que estou a viver, que me esqueço de tudo e de todos.
E, a propósito, contou-nos um dos mais curiosos pormenores da sua vida laboriosa:
-- Uma vez estava a trabalhar num hotel em Nova-Iorque. De súbito, desenrolou-se uma horrível tragédia, um incêndio, cujas labaredas lambiam sofregamente parte do edifício. Minha mulher que estava num quarto ao lado assustou-se e chamou por mim, e disse-me aflitivamente o que se passava. Embora ela falasse comigo muito a sério, eu respondi-lhe automaticamente. Foi necessário ela repetir que havia um incêndio para eu despertar do meu alheamento.
(continua)
A. Lopes de Oliveira, Como Trabalham os Nossos Escritores, Lisboa, Editorial Proença, 1950.