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Tuesday, December 02, 2025

dos romances

«Pouco depois, aqui, ali, mais além soavam os golpes dos machados, na noite já toda nervosa. Lâmpadas dispersas, iluminando os pés dos troncos, quase estáticas, dir-se-iam detidas para dar tempo a decifrar uma remota inscrição. Não se enxergava quem as sustinha, nem os homens que cortavam; só se viam os machados e as mãos, ora a sair, ora a mergulhar na sombra, como os insectos chamados ao farolo que os matará.» O Instinto Supremo (1968)

«Porto Santo avolumara-se, revelando-se à curiosidade fugidia e perdendo em mistério o que dava em relevo orográfico. As suas casitas estendiam-se junto à riba, branquejando entre a paisagem e sugerindo uma vida tão plena de claridade quanto modesta; mas haviam crescido em número, sim, pois Juvenal pudera contar muitas mais do que na época, já distante, em que viera com a família passar o Estio na vila Baleira.» Eternidade (1933)

Friday, October 24, 2025

dos Pórticos

«Mais tarde, numa das suas deslocações sobre as veias da Amazónia, cujo mistério renasce logo após cada violação, como ressurge o do nosso corpo a seguir ao trânsito dos Raios X, você tornou a desembarcar no seringal Paraíso, pensando de novo em mim.» O Instinto Supremo (1968)

«Este livro explicar-te-á, porém, o nosso drama. É a nossa história que eu te ofereço aqui, a história de todos nós, que queremos ser eviternos e temos de morrer, que queremos ser felizes e nunca o somos, integralmente.» Eternidade (1933)

«Alguns, porém, não se resignam facilmente. A terra em que nasceram e que lhes ensinaram a amar com grandes tropos patrióticos, com palavras farfalhantes, existe apenas, como o resto do Mundo, para a fruição de uma minoria.» Emigrantes (1928) 

Wednesday, July 16, 2025

traduções - ETERNIDADE

Eternidad: «Mañana alta, toda vestida de azul, con faralaes blancos que el mar tejía y desgarraba a sabor de su movimiento, la sombra surgida en la línea del horizonte iba creciendo y definiéndose en caprichoso recorte. Más que tierra próxima, como querían los pasajeros y la ciencia náutica afirmaba, se diría nube estática en la luminosidad imperante.» -- trad. José Ares (1959)

Eternidade: «I. »Manhã alta, toda vestida de azul, com folhos brancos que o mar tecia e esfarrapava ao sabor da ondulação, a sombra escortinada na linha do horizonte ia crescendo e definindo-se em caprichoso recorte. Mais do que a terra próxima, como queriam os passageiros e a ciência náutica afirmava, dir-se-ia nuvem estática na luminosidade imperante.» (1933)

Eternidade está traduzido em castelhano, checo e húngaro. Em preparação, as traduções italiana e turca.

Wednesday, April 30, 2025

dos romances

«No convés lavado de fresco, Juvenal Gonçalves, o busto flectido sobre a amura, ressuscitava a pretérita visão, com tanta pureza emotiva como se, realmente, fosse a primeira vez que ali aproasse um navio. / O "Avelona Star", de boa singradura, trouxera para a direita do seu casco o vulto negrusco que até aí apresentava pela linha de proa.» Eternidade (1933)

«-- Lá bem não me parece, não... Mas o senhor não faz ideia do sítio para onde eles tenham ido? / -- Que ideia vou eu fazer? Sei lá! E a polícia é isto que se vê! O que mais me custa é que esses caipiras malditos me tenham comido por tolo! / -- Ora! Isso tem sucedido a muita gente boa! Não é a primeira vez...» A Selva (1930) 

«À esquerda, para lá ainda da falda do outeiro, esbranquiçava, por entre a ramagem estática, o casario da aldeia. Desse lado, certamente de debicar os brincos vermelhos das cerejeiras, um gaio vinha, de quando em quando, esconder no pinhal o cromatismo da sua plumagem. "Chuá! Chuá!" E era o único grito que quebrava o silêncio, também volátil, das velhas árvores em êxtase.» Emigrantes (1928)

Thursday, February 27, 2025

dos pórticos

«A nossa vida está pletórica de iniquidades, de misérias, de renúncias e de sofrimentos -- e nós, apesar disso, não queremos morrer. / Tu, meu irmão longínquo, que já mataste a morte, que já criaste um novo mundo sobre o mundo em que vivemos, que já tens uma outra noção do Homem e do Universo, dificilmente compreenderás como nos foi difícil viver assim.» Eternidade (1933)

«Mas só a memória responde. Com ela, agora e logo, ressuscita também um longínquo estado da sensibilidade, um pormenor que não teve valia momentânea, mas que ficou em relevo, com a sua luz própria e o seu verdadeiro aspecto.» A Selva (1930)

«Uns resignam-se logo à situação de elementos supérfluos, de indivíduos que excederam o número de seres que o são apenas no sofrimento, no vegetar fisiológico de uma existência condicionada por milhentas restrições. Curvam-se aos conceitos estabelecidos de há muito, aceitam por bom o que já estava enraizado quando eles chegaram e deixam-se ir assim, humildes, apagados, submissos, do berço ao túmulo -- a ver, pacientemente, a vida que vivem outros homens mais felizes.» Emigrantes (1928) 

Monday, February 24, 2025

dos romances

«Ao fundo, cortando o declive, estendia-se a linha avermelhada dum valado, que cedia terreno e entrincheirava a multidão cerrada dos pinheiros adolescentes e mui viçosos -- a prole que os velhos não quiseram cobrir com as suas asas seculares.» Emigrantes (1928)

«Só depois de dobadas várias décadas sobre o dia em que Zarco se apossara da terra ignorada, é que o Atlântico se tornara, para os lusos, ser feminino -- Atlântida legendária e de novo virgem, que eles iam deflorando a pouco e pouco, sob o impulso da ambição e da glória. / Mas, com o mar colérico ou tranquilo como agora, ventasse rijo ou corresse, à tona, ligeira brisa, o espectáculo seria sempre de surpreender e extasiar, após a viagem desoladora.» Eternidade (1933)

«Então novas lâmpadas se acenderam e os seus focos inquiridores foram riscando o grande emaranhado, onde os grossos fios de lianas cosiam, uns aos outros, arbustos, plantas, árvores, e os velhos troncos de pele esbranquiçada pareciam, quando a luz por eles subia, a modo de réptil transparente, de contornos imprecisos, querer assustar os homens com a lividez de cadáver que a sua casca, de súbito, tomava.» O Instinto Supremo (1968)

Monday, February 03, 2025

dos romances

«No topo da escada, esbatendo-se na penumbra, surgiu o abdome e logo o rosto avermelhado de Macedo, proprietário da "Flor da Amazónia": / -- Então, senhor Balbino? / -- Nada! / -- Sempre falou com o chefe da Polícia? / -- Falei com o secretário. / -- E que disse ele?» A Selva (1930) 

«O que estava para além, não se sabia; lendas e pressentimentos estabeleciam cortina espessa, que vinha das alturas do céu, onde se acendiam as luminárias orientadoras, e, golpeando a enorme massa líquida, descia até profundidades abissais, julgadas sem fim. Proa que aspirasse a rompê-la devia ser de caravela onde apenas gesticulassem heróis ou loucos, votados, por livre desejo, à morte.» Eternidade (1933)

«Vestiam os seus trinta e quatro anos feitos e vividos sempre ali, entre a agressividade dos elementos, um casaco e colete velhos, enodoados, e camisa sem gravata. O rosto mostrava faces crestadas, lábios grossos e os olhos pestanudos quase se ocultavam sob o boné de pala, que descia até meia-testa. Nos ombros, luzia manta cromática, das que se fabricavam em Barroso, e de um lado e outro do bucéfalo dançavam, ao sabor da marcha, as peles compradas nesse dia. Tinham as extremidades endurecidas e do centro, ainda viscoso, exalavam cheiro nauseante.» Terra Fria (1934)

Wednesday, December 11, 2024

dos romances

«Mas a lâmpada de bolso, de alguém ainda sentado numa das popas, estoqueou de repente a obscuridade, abrindo um caminho de luz, estreito e oscilante, na terra que trepava do rio para a floresta, gretada na parte alta, que mal se via.» O Instinto Supremo (1968)

«Juvenal Gonçalves já o surpreendera, assim, de outras vezes.  Mas nunca, como agora, o emocionara tanto, fazendo-o reviver a sensação que deviam ter fruído, outrora, os descobridores, ao ver surgir o arquipélago. Até então, o Atlântico ainda era para os portugueses um elemento masculino, fero e enigmático.» Eternidade (1933)

«Os caules nus, quase negros, assimétricos, eram colunas de um templo bárbaro, em cuja cúpula transparente o sol ia tecendo prateada e fantasiosa malha. Por vezes, o tecido incorpóreo esfarrapava-se e descia, em fluidos caprichosos, até os galhos, formando pulseiras, ou até o chão, onde coagulava em jóias bizarras.» Emigrantes (1928)



Capa da 1.ª edição: Bernardo Marques (1933)


Saturday, November 30, 2024

"Fala-me de ti, Juvenal" - teatro radiofónico

Teatro radiofónico, de Serena Cacchioli: Juvenal, personagem principal de Eternidade encontra-se com uma investigadora de literatura neste ano de 2024, estabelecendo um diálogo a propósito das questões eternas que o romance levanta.

Com Ana Maia e André Gago, aqui.



Monday, October 28, 2024

dos romances

«Pela falaceira do "Lagarto" soubemos, porém, que a parte central de Lisboa estava ocupada por densas forças; Chiado abaixo passavam, a todo o momento, camionetas transportando guardas-republicanos e, de quando em quando, descia a Avenida da Liberdade pesado tanque com atitude de anfíbio cauteloso.» O Intervalo (1936/1974)

«O gardunho tornara-se bicho raro e também não se matava todos os dias um texugo. E que se matasse! Já se sabia que os galegos pagavam mais -- e pele esticada e seca ficava guardadinha para eles. Se nem as de raposa escapavam! Levavam tudo! Desdenhadas, só as de cabrito e de vitela, tão baratuchas que um homem fartava-se de carregar com elas para poder ganhar uns tristes vinténs...» Terra Fria (1934)

«Era vulto apardaçado nos extremos, erguendo algures, para o céu, um mamilo vulcânico e deixando que a sua encosta central se doirasse, suavemente, na luz matutina. Visto de longe, a medrar, a medrar, parecia recém-nascido no mistério oceânico, para enlevo de olhos fatigados pelo monotonia marítima.» Eternidade (1933)


capa da 1.ª edição de Os Fragmentos (inclui O Intervalo)
desenho de João Abel Manta (1968)


Thursday, October 10, 2024

dos «Pórticos»

«Nós não queremos morrer! Nós não queremos morrer! / Meu irmão longínquo que te perdes na hipótese, sobre o curso de todos os séculos vindouros, escuta! Escuta o nosso desespero de seres efémeros, esta ansiedade infinita que nos tortura há muitos milénios, este grito doloroso e impotente: Nós não queremos morrer!» Eternidade (1933)

«É bem certo que conduzimos ao longo da vida muitos cadáveres de nós próprios. Não somos hoje o total que fomos ontem, nem teremos àmanhã, integràlmente, o nosso mundo de agora. Eu sinto isto muitas vezes, num apelo ao meu "eu" de outrora, numa busca minuciosa entre os escombros do que fui e os pilares que ficaram de pé, a sustentar o que sou.» A Selva (1930)

«Os homens transitam do Norte para o Sul, de Leste para Oeste, de país para país, em busca de pão e de um futuro melhor. / Nascem por uma fatalidade biológica e quando, aberta a consciência, olham para a vida, verificam que só a alguns deles parece ser permitido o direito de viver.» Emigrantes (1928)

dos romances

I. »Manhã alta, toda vestida de azul, com folhos brancos que o mar tecia e esfarrapava ao sabor da ondulação, a sombra escortinada na linha do horizonte ia crescendo e definindo-se em caprichoso recorte. Mais do que a terra próxima, como queriam os passageiros e a ciência náutica afirmava, dir-se-ia nuvem estática na luminosidade imperante.» Eternidade (1933)

I. «Fato branco, engomado, luzidio, do melhor H. J. que teciam as fábricas inglesas, o senhor Balbino, com um chapéu de palha a envolver-lhe em sombra metade do corpo alto e seco, entrou na "Flor da Amazónia" mais rabioso do que nunca.» A Selva (1930)

I.I. «Preta e branca, preta e branca, o preto mui luzidio e muito níveo o branco, a pega, de cauda trémula, inquieta, saracoteava entre carumas e urgueiras, esconde ali, surge aqui, e por fim erguia voo até à copa alta do pinheiro, levando no bico ramo seco ou graveto.» Emigrantes (1928)



Capa da 1.ª edição de Stuart de Carvalhais (1928)


Sunday, February 19, 2023

da arte de expor

«É bem certo que conduzimos ao longo da vida muitos cadáveres de nós próprios.» do "Pórtico" de A Selva (1930) «Nós não queremos morrer! Nós não queremos morrer!»  do "Pórtico" de Eternidade (1933)  «Os homens transitam do Norte para o Sul, de Leste para Oeste, de país para país, em busca de pão e de um futuro melhor.»  do "Pórtico" de Emigrantes (1928)

Wednesday, July 29, 2020

ETERNIDADE, 15.ª edição


Publicado em 1933, sai agora a 15.ª edição

Wednesday, September 06, 2017

Ferreira de Castro metido na "Operação Marquês"

"Esquina do mundo": metáfora célebre entre os madeirenses, surge em Eternidade para situar o café Golden Gate, no Funchal, serviu agora a Filipe Pinhal como ilustração da queda dalguns anjos. Ferreira de Castro na Operação Marquês: parece que está lá mesmo tudo.

Friday, November 18, 2016

ETERNIDADE, nos "Sábados de Leitura" (Feijó)

1.ª ed., 1933

Amanhã, na Biblioteca Municipal José Saramago, no Feijó, pelas 15 horas, o livro a debater na comunidade "Sábados de Leitura", será Eternidade. E eu lá estarei, para falar um pouco e, sobretudo, para ouvir e aprender, que é o que normalmente sucede nestes clubes de leitura.

Tuesday, September 15, 2015

«Sob as velhas árvores românticas»: do significado de Sintra para Ferreira de Castro (5)


Em terceiro lugar, Castro foi um contemplativo da Natureza, em especial da natureza vegetal; e esta ocupa também um lugar de primeira importância na sua obra, como desde sempre viram exegetas mais atentos: já na década de 1930, o poeta João de Barros assinalara nas páginas da Seara Nova, em recensão crítica a Eternidade (1933), a «paisagem, humanizada pelos que nela penam e sofrem» (in Museu Ferreira de Castro – Periódicos, MFC/D, João de Barros, «Livros», Seara Nova #345, Lisboa, 1 de Junho de 1933: 141-142); e outros críticos tirarão desta humanização mais extremes e significantes consequências: de António Cândido Franco, que sublinhará, a propósito do romance A Selva (1930), «[…] uma atribuição precisa de sentido à natureza […]» (in António Cândido Franco, «O significado da selva na obra de Ferreira de Castro», Colóquio – Letras #104-105, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1978: 62), a Torcato Sepúlveda, notando que o escritor, «[…] na obra como na vida, cultiv[ara] um doce paganismo em que a natureza era antropomorfizada […]» (in Torcato Sepúlveda, «A natureza como personagem de romance», Público, Lisboa, 29 de Junho de 1994: 25) – como teremos oportunidade de ver, a propósito das árvores de Sintra.

artigo completo

Tuesday, November 25, 2014

João de Melo fala sobre ETERNIDADE

«Ler Ferreira de Castro, 40 anos depois». No Museu Ferreira de Castro, sexta-feira, 28 de Novembro, pelas 19 horas.
tel.: 219238828